Resumo: Faz-se mister conceituar o instituto do legado no Direito Sucessório, distinguindo-o do testamento. Nesse passo, pode-se assinalar que o legado trata-se de disposição testamentária sucessória realizada a título singular, enquanto o testamento difere-se por ter característica universal em relação a herança do de cujus. O legado incide sobre uma coisa certa e determinada, constituindo disposição de última vontade do testador, que deixa um ou mais bem determinado a outrem. Ademais, importante pontuar as espécies de legados quanto ao objeto.
Palavras-chaves: Direito Civil. Sucessão Testamentária. Legado.
Sumário: 1. Dos Legados; 1.1 Introdução; 2. Espécies de Legado; 2.1 Legado de Coisa Alheia; 2.2 Legado de Coisa Comum; 2.3 Legado de Coisa Genérica; 2.4 Legado de Coisa Singular; 2.5 Legado de Crédito; 2.6 Legado de Quitação de Dívida; 2.7 Legado de Alimentos; 2.8 Legado de Usufruto; 2.9 Legado de Imóvel; 3. Conclusão; 4. Bibliografia.
1. DOS LEGADOS
1.1. Introdução
O legado, previsto no artigo 1.912 e seguintes do Código Civil, constitui uma disposição testamentária sucessória realizada a título singular. O testador deixa a uma pessoa – denominado legatário –, estranha ou não à sucessão legítima, uma coisa certa e determinada. Em outras palavras, tem-se por legado quando o autor deixa a outrem um ou mais objeto individualizado. Distingue-se do testamento, pois este é uma disposição da herança a título universal.
Leciona Orosimbo Nonato “chama-se legado o benefício quando um direito patrimonial, com unidade e independente, se separa do todo e a sucessão singular é assegurada.” (NONATO, Orosimbo. Estudos., 1957, v. III, p. 11).
Cumpre ressaltar que para existir o legado é obrigatório testamento, pois é por intermédio dele que o testador exterioriza/manifesta sua vontade de dispor de um ou mais bens na forma de legados, pormenorizando-os e especificando-os. Observa-se que este instituto possui forte ideia de liberalidade, pois se o testador contempla algo a outrem é porque desejou beneficia-lo. Conforme assinala Gama “disposição de última vontade pela qual o testador deixa bens determinados a uma pessoa” (GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. Campinas: Russel, 2006, p. 239).
A disposição é feita em favor do legatário, ou seja, pessoa escolhida e contemplada em testamento para receber coisa certa, determinada, precisa e individualizada. Salienta-se que prevalece a sucessão legítima quando a sucessão testamentária for nula, deficiente ou apresentar vício.
O objeto do legado deve ser lícito, possível, presente ou futuro. A capacidade de testar uma coisa singular decorre da ampla liberdade de testar assegurada pelo Diploma Civilista, baseando-se no princípio da autonomia de vontade.
2. ESPÉCIES DE LEGADO
2.1 Legado de coisa alheia
Previsto no artigo 1.912 do Código Civil em vigor, expressa que é ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da liberalidade, isto é, que não é de propriedade do de cujus. Neste caso, tal disposição não produz efeito jurídico.
Entretanto, existe exceções: a primeira ocorre se o objeto do legado não pertencia ao testador no momento da confecção do testamento, mas lhe pertence quando da abertura da sucessão, desse modo a propriedade posterior produz efeito. Outra hipótese é quando o testador ordena que o herdeiro ou legatário entregue a coisa. Ou então quando o legante determina que o herdeiro entregue ao legatário coisa alheia – sublegado.
2.2 Legado de coisa comum
Nos termos do artigo 1.914 do Código Civil, se o objeto legado pertencer em parte ao testador, somente em relação a essa parte valerá o legado. A lei limita o legado de coisa comum, a qual está em condomínio entre o legante e terceiro.
Conforme leciona Maria Helena Diniz:
“Se a coisa legada pertencer ao testador apenas em parte, ou ao herdeiro ou ao legatário, só quanto a essa parte valerá o legado (CC, art. 1.914), de maneira, em relação à parte que não for do disponente, nulo será o legado, por versar sobre bem alheio, salvo se havia encargo alusivo à sua aquisição. O mesmo ocorrerá se o testador for condômino da coisa legada, restringindo-se a validade de deixa testamentária somente à parte que realmente pertença ao testador” (DINIZ, Maria Helena - Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões - 25ª Edição - 2011, p.347, Editora Saraiva).
2.3 Legado de coisa genérica
A legislação admite que o objeto do legado seja determinável, ou seja, fixando o seu conteúdo ao gênero do bem.
Caso não seja fixado quem faça a escolha, a responsabilidade recai no sucesso legítimo. O testador poderá indicar um terceiro responsável.
Esta modalidade de legado contraria o que é legado singularizado. Aqui não se identifica o bem, mas sim o gênero (e quantidade) que ele pertence. Assim, nunca será inválido, devendo ser cumprido dentro do poder de compra da herança (parte disponível).
2.4 Legado de coisa singular
Trata-se de hipótese em que o objeto está individualizado, ou seja, determinado. Neste caso, o legado só terá eficácia se, na abertura da sucessão, o bem for de propriedade do de cujus, ou seja, dentro da herança por ele deixada.
Ressalta-se que a coisa singularizada é infungível e única, sendo especificada quanto a qualidade e quantidade. Neste passo, leciona Diniz que “o disponente determina não só o gênero e a espécie, mas também o próprio bem legado, singularizando-o, isto é, separando-o, individualizando-o de todos os outros, mesmo que existam muitos do mesmo gênero ou da mesma espécie” (DINIZ, 2010, p. 328).
Caso seja verificado que, quando da abertura da sucessão, o objeto não mais pertencer ao testador, independente do motivo ocorrerá a ineficácia do legado. Conforme colaciona-se entendimento jurisprudencial:
“EMENTA: Legado. Imóvel. Coisa singularizada. Alienação depois de feito o testamento, mas antes da abertura da sucessão. Legado de coisa alheia. Nulidade. Caducidade. Código Civil. Artigo 1.678, 1.682 e 1.708, II. Aplicação. Sub-rogação da coisa legada no preço da alienação. Inocorrência. Código Civil. Artigo 1.677. Aplicação ao caso, por analogia. Inadmissibilidade. É nulo o legado de coisa alheia, considerando-se tal o de imóvel singularizado, que foi alienado, depois de feito o testamento, mas antes da morte do testador, e, que, portanto, já não se encontrava no patrimônio do testador, ao tempo da abertura da sucessão. Caduca o legado se, a qualquer título, a coisa legada foi alienada, antes da abertura da sucessão. Caducando o legado, por ter sido alienada, a qualquer título, a coisa legada não se sub-roga no preço da alienação. Ação declaratória incidental. Declaração da mesma relação jurídica sobre a qual versa a ação originaria. Inadmissibilidade. Código de Processo Civil. Artigo 5. e 325. Exegese. Não se admite a propositura de ação declaratória incidental com a finalidade de obter declaração, positiva ou negativa, da existência da mesma relação jurídica sobre a qual versa a ação originaria. Apelação provida. Sentença reformada. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 1998.001.11540/ Relator Desembargador Wilson Marques/ Julgado em 22.02.2000)” (grifei)
2.5 Legado de crédito
Trata-se de transmissão de um direito creditício. Como explica Maria Helena Diniz “O legado de crédito (legatum nominis) tem por objeto um título de crédito do qual é devedor terceira pessoa, que é transferido pelo testador ao legatário, e que, entretanto, somente valerá até a concorrente quantia do crédito ao tempo da abertura da sucessão” (DINIZ, Maria Helena - Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões - 25ª Edição - 2011, p. 349 e 350, Editora Saraiva).
Mesmo o crédito tendo essência imaterial, pode ser objeto de legado, visto que é dotado de valor econômico.
“O legatário só terá direito aos juros vencidos desde a morte do de cujus, exceto se no testamento houver declaração em contrário. Importa, portanto, numa cessão mortis causa ou transferência da dívida ativa do testador, por ato de última vontade, ao legatário, que passará a ser o novo credor, aplicando-se-lhe a mesma regra que rege a transferência inter vivos, segundo a qual o cedente não se responsabiliza pela liquidez do crédito.” (DINIZ, Maria Helena - Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões - 25ª Edição - 2011, p. 349 e 350, Editora Saraiva).
2.6 Legado de quitação de dívida
Esta espécie ocorre quando o testador, sendo credor do legatário, em disposição testamentária, dá-lhe quitação. É um tipo de remissão de dívida. Em outras palavras, este legado quita a obrigação do legatário para com o espólio, sendo possível o testador se dispor de dívidas presentes e futuras.
Nesse sentido, diz Maria Helena Diniz:
“O legado de quitação de dívida (legatum liberationis) importa o perdão desta por parte do testador, que é o credor, ao legatário devedor, cumprindo-se pela entrega do título ou passando-se a quitação, abrangendo, salvo disposição em contrário, os juros”. (DINIZ, Maria Helena - Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões - 25ª Edição - 2011, p. 350 e 351, Editora Saraiva).
2.7 Legado de alimentos
Previsto no artigo 1.920 do Código Civil, visa assegurar o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver e, se for menor, também a educação. São valores indispensáveis à subsistência do legatário. A quantia é arbitrada pelo Juízo, dentro da disponibilidade da herança e atentando-se as necessidades do detentor do direito.
Sobre a matéria, leciona Silvio de Salvo Venosa:
“No testamento, os alimentos são vistos de acordo com a vontade do testador e as forças da herança. (...) Leva-se em conta, porém, o nível social do legatário”.
Na falta de disposição expressa, cabe ao juiz fixar seu valor equitativamente, aplicando, sem dúvida, por analogia, os mesmos princípios do direito de família. A periodicidade, a termo e a condição dependerão da vontade do autor da herança” (VENOSA, Silvio de Salvo – Direito Civil: Direito das Sucessões – Sexta Edição, p. 254, Jurídico Atlas).
2.8 Legado de usufruto
Insta informar que usufruto é o direito real de gozo ou fruição por excelência conferido a outrem, em caráter temporário, de coisa alheia os frutos ou utilidades por ela oferecidos. Somente aquele que detiver a propriedade poderá instituir legado de usufruto, logo, o usufrutuário pode legar o seu direito de usufruto, porquanto com o seu falecimento extingue-se, também, o usufruto.
“Assim, o testador, proprietário do bem, poderá: legar o usufruto do objeto a alguém, deixado a nua propriedade ao herdeiro; legar a propriedade da coisa, reservando o usufruto ao herdeiro”. (Itabaiana de Oliveira, op. cit., v. 2, p. 556).
2.9 Legado de imóvel
Este legado está restrito ao bem indicado no testamento, não sendo possível a ampliação por interpretação. Desse modo, “se determinada pessoa legar um imóvel, coisa certa, e depois adquirir novos imóveis, mesmo que contíguos, o legado não compreende as novas aquisições” (TARTUCE; SIMÃO, 2010, p. 362).
Nesse cenário, expressa o artigo 1.922 do Código Civil: “Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa declaração em contrário do testador.”
3. CONCLUSÃO
O presente artigo visou analisar o instituto do legado no Direito Civil Sucessório, esclarecendo as diferenças em relação ao Testamento.
É fundamental o estudo sobre o tema abordado, pois o legado é uma disposição testamentária sucessória realizada a título singular que incide sobre coisa certa e determinada, sendo a última vontade do testador.
Por intermédio do legado que o testador exterioriza sua vontade de dispor de algo em forma de legados. Logo, possui forte ideia de liberalidade. Ademais, importante ter conhecimento das regras e procedimentos para manifestar as escolhas.
4. BIBLIOGRAFIA
TARTUCE, Flávio – Direito Civil: Direito das Sucessões – 10ª Edição – 2017Editora Forense.
DINIZ, Maria Helena - Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões - 25ª Edição - 2011, Editora Saraiva.
VENOSA, Silvio de Salvo – Direito Civil: Direito das Sucessões – 6ª Edição, Jurídico Atlas.
RANGEL, Tauã Lima Verdan Rangel – “O Instituto do Legado no Direito Sucessório: Comentários Introdutórios” – Artigo Científico disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/3469/o-instituto-legado-direito-sucessorio-comentarios-introdutorios#_ftn30 – 23.11.2018 .
GAMA, Ricardo Rodrigues - Dicionário Básico Jurídico - Campinas: Russel, 2006, p. 239.