O Surgimento do Tribunato da Plebe em Roma

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24/11/2018 às 18:35

Resumo:


  • A origem da plebe romana está ligada à luta de classes e à proteção do fraco contra o forte, com a plebe representando os não privilegiados em busca de igualdade social e política frente aos patrícios.

  • O Tribunato da Plebe surgiu como uma magistratura extraordinária para defender os direitos dos plebeus, tornando-se essencial no desenvolvimento do Direito Romano Processual e Privado através de plebiscitos.

  • A plebe, apesar de inicialmente excluída dos direitos políticos e certas práticas religiosas, conseguiu, após séculos de luta, igualdade civil e política, culminando na Lei Canuleia que permitiu casamentos entre plebeus e patrícios, e na Lei Hortênsia que igualou os plebiscitos às leis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo estuda a origem do órgão de representação dos interesses dos plebeus no Direito Antigo Clássico de Roma que influenciou o nascimento do Direito Português, e, consequentemente, o Brasileiro.

INTRODUÇÃO

As origens de Roma voltam-se ao período da realeza, sendo verdadeiro constatar que a história romana, desde o princípio, desenvolveu-se em torno da luta entre o fraco e o forte, de maneira que se observa que as leis romanas voltam-se, essencialmente, à proteção do fraco contra o forte, sobretudo, aquelas legisladas no final do período republicano.

Nesse contexto, o fraco representava a plebe que, mesmo sem leis, sem religião, sem família e fragilizado economicamente, não repudiava as instituições romanas, mas, de forma contrária, aspira à participação delas. Todavia, o desejo da plebe em participar com igualdade social e política da civitas esbarrava na recusa dos patrícios (classe privilegiada em Roma) em ceder a estes anseios, gerando combates entre estas duas classes. Estas lutas foram marcadas pela forte tenacidade da plebe em ver os seus anseios concretizados, de um lado, e pela resistência do patriciado, do lado oposto.

A plebe formava a maior parcela da população e, mesmo sem acesso aos quadros políticos de Roma, possuía uma eficiente organização política própria, resultando no êxito final de sua luta em participar da vida política romana.

Assim, o Tribunato da Plebe surgiu na República1, tendo sido instituído enquanto magistratura extraordinária, em decorrência dos fatos ligados à fixação dos plebeus no Monte Aventino. A partir desta fase até a importante conquista dos plebeus, ou seja, as Leis das XII Tábuas, a caminhada trilhada pelo Tribunado foi longínqua.

O Tribunato da Plebe, como uma magistratura plebeia, não permitia a entrada de patrícios, atuando juntamente ao Senado2 em defesa dos interesses e direitos dos plebeus. A atuação do Tribunato da Plebe foi constante nos quadros políticos romanos, atuando de forma revolucionária, em direção à igualdade almejada em relação aos patrícios.

Os plebeus conquistaram o direito de eleger os tribunos da plebe nas assembleias, de forma que esta representação política dos plebeus durou cerca de quinhentos anos, aumentando os seus direitos ao longo desse tempo, quando chegaram a ocupar importantes cargos romanos no período republicano.

Este órgão desempenhou funções assaz decisivas para desenvolver o Direito Romano Processual e Privado, visto que suas leis privadas e processuais se constituíram sempre como plebiscitos (plebiscitum), isto é, aquilo que a plebe (plebis) aprovou (scitum). Estes existiram em número maior que as leis, e se produziram até o reinado de Tibério.

Pode-se considerar que Roma é a mãe das instituições jurídicas, mas a plebe representa um papel essencial neste laboratório institucional. Os romanos foram mais fecundos na produção das instituições de Direito Privado que na criação das de Direito Público, porém, é difícil que o Tribunato da Plebe encontre órgão similar no Direito Público da modernidade.

A verdade é que este órgão revela um pouco de tudo: magistrado, parlamentar, representante do Ministério Público, órgão de oposição, revolucionário...Ou seja, mostra-se como uma instituição bem controvertida que, raramente, ajustar-se-á aos moldes das instituições hodiernas.

No contexto do Tribunato da Plebe, este Relatório visa a analisar pormenores desta eminente instituição romana relacionados aos fatores favoráveis ao seu surgimento, sua evolução ao longo do tempo, seus poderes, sua jurisdição criminal, seu declínio e sua extinção. Antes, contudo, far-se-á uma análise da plebe, o ponto de partida do presente estudo,componente essencial no funcionamento desta magistratura, seus direitos, suas lutas, ascensão, bem como o cenário das leis romanas à época.

Assim, este trabalho objetiva a análise do papel exercido pelo Tribunato durante séculos de revolução, que culminou na unificação de duas ordens antagônicas: patrícios e plebeus. Por fim, buscar-se-á mostrar o seu legado ao mundo da posteridade, após sua longínqua existência que atravessou séculos da história do Direito de Roma.


2. PLEBE ROMANA: LUTAS E EVOLUÇÃO DA CLASSE

O critério que fundamentava alguém pertencer à plebe encontrava-se, principalmente, na nacionalidade, uma vez que eram considerados assim aquelas pessoas subjugadas pelo direito de guerra trazidos para Roma. Os patrícios fundadores da comunidade foram os primeiros a exercerem direitos políticos nela, e, assim, aqueles considerados estranhos à cidade não gozavam de tais direitos.

Relativamente à origem dos plebeus, para alguns autores3, a plebe não surgiu a partir da clientela. Procedeu, certamente, dos latinos advindos de pequenas cidades subjugadas por Roma ainda na primeira época da monarquia, não tendo sido reduzidos à condição de escravos, segundo permitia o direito de guerra, sendo, então, considerados, apenas, como Charles Maynz, Cours de droit romain, Cesare Cantu, História Universal, V. III e G. Oncken, História Universal.

Os plebeus não dependiam de outro particular, não careciam de patrono para representá-los em juízo, tinham participação no direito geral, podiam adquirir bens, gozando do direito de propriedade romana e possuíam ius commercii. Entretanto, os plebeus estavam inteiramente privados de direitos políticos, não podiam participar dos cultos religiosos da cidade e tampouco fazer parte do colégio sacerdotal. Sujeitavam-se a muitas obrigações, entre elas, a de defender Roma contra os constantes ataques dos inimigos que a rodeavam.

À medida que se ampliavam as conquistas romanas, o número da plebe aumentava, e, mais tarde, os plebeus ganharam certa importância pelo papel desempenhado nas guerras e também pelo apoio que os reis lhes devotavam, no segundo século da fundação de Roma, uma vez que estes encontraram neles os aliados contra a prepotência dos ricos patrícios e do Senado.

A importância alcançada pelos plebeus diante de alguns reis foi tamanha que se relata que Túlio Hostilio deixou terras de domínio real para os empobrecidos plebeus, bem como que Anco Márcio também distribuiu terras,de maneira que a sua administração atendeu às solicitações populares com numerosas divisões territoriais.

No entanto, coube a Sérvio Túlio, criador da ordem centuriata, como protetor dos plebeus, que, ao viverem à deriva, sem leis, tampouco obrigações, esse povo era visto como perigoso. Assim, Sérvio Túlio, percebendo que poderia ajuda-lo na luta entre a realeza e os patrícios, o rei tomou aos patrícios terras que eles tinham usurpado ao domínio público, distribuindo parte delas a cada família de plebeus. Além disso, obrigou a aristocracia a reconhecer a plebe como membros da cidade.Assim, embora os plebeus, na população originária de Roma, estivessem abaixo da clientela, eles conquistaram tanta solidez que destruíram esta antiga organização social.

A plebe era distinta da clientela, e se diferenciava do povo como a espécie do gênero, pelo menos nos primeiros séculos da história romana, de forma que o povo indicava todos os cidadãos, incluídos os patrícios e os senadores, enquanto que plebe se relacionava aos outros cidadãos sem os patrícios e os senadores.

Fatores de ordem econômica atraíram a presença dos plebeus em R, de forma que, na época real, a população romana acresce-se de estrangeiros atraídos pelas facilidades do lugar que se desenvolvia, sendo, na maioria, comerciantes e artesãos.

Os clientes e a plebe foram excluídos do culto da cidade, na realeza, proibindo-se-lhes o exercício de determinados atos jurídicos com fulcro na religião, e, assim, a ausência de uma posição social sublimava-os a uma condição inferior.

A expulsão dos etruscos com a decadência consequente do comércio da cidade provocaram a subordinação dos plebeus, que, desprovidos de deus direitos, viram-se minguados à miséria em decorrência da condição econômica.

Há autores4, contudo, que se manifestam no sentido de que a plebe se originou a partir dos clientes das famílias patrícias, mediante a população de clientes emancipados das gentes, sendo que a principal diferença entre a plebe e a clientela residia no fato de que o cliente sujeitava-se ao duro e pesado patronato de um cidadão, enquanto que o plebeu consistia naquele sem privilégios políticos.

Deixando-se um pouco a celeuma acerca da origem da plebe, o fato é que, independentemente de onde esta tenha-se originado, os plebeus eram imigrantes que haviam-se instalado na cidade, após a sua fundação, ou seja, os novos habitantes das sete aldeias primitivas que formavam a liga do Septimontium. A plebe formou-se por meio da população dos povos conquistados, sobreviventes dos povos vencidos, depositários da denominada civilização apenina e dos estrangeiros domiciliados em Roma. Contrariamente, estavam os patrícios, compostos pelos etruscos, que fundaram a cidade de Roma. Ou seja, o patriciado consistia nas chamadas trezentas famílias que herdaram as tradições dos pastores imigrados no Láscio.

Então, a diferença entre as duas classes residia no caráter étnico, na distinta nacionalidade de ambas, divergência esta suficiente para impedir a plebe de gozar de prerrogativas pertencentes aos fundadores da comunidade, por exemplo, os direitos políticos.

Esse fato deixou os plebeus sem a fruição dos mesmos direitos que os patrícios, levando-os a não participarem da civitas, pois não lhes eram dados determinados direitos privados, políticos e religiosos, e, embora habitassem a cidade, não tomavam parte na sua organização política.

Como os patrícios tiveram, por muito tempo, a fruição exclusiva dos direitos da cidade, converteram-se em classe privilegiada, possuindo todos os direitos, ou seja, o direito de votar nos comícios (ius suffragii), o de acesso às magistraturas (ius honorum), o de comando das legiões (ius militial), o de contrair núpcias entre patrícios (ius conubii), o de uso das terras conquistadas (ius occupandi), o de exercício do culto da cidade (ius sacrorum), o de consultar os auspícios (ius auspiciorum) entre outros direitos vedados aos plebeus, o de realizar todos os tipos de negócios jurídicos (ius commercii), o de usar as actiones (ius actionis) e o direito aos tria nomina, a saber: o direito ao prenome, ao nome gentílico e ao nome familiar.

Assim, enquanto os patrícios possuíam todas as prerrogativas, a plebe, em sentido oposto, encontrava-se em posição desvantajosa, mormente, do ponto de vista social e econômico. Portanto, não apenas o fator político, mas, também, o econômico era diferenciador entre estas duas classes.

Apesar de fatores políticos e econômicos divergirem e distanciarem tanto estas duas ordens, foi o papel da plebe desempenhado na vida social e no desenvolvimento das instituições políticas romanas, por exemplo, o Tribunato da Plebe, que acrescentou relevância à situação legal dos plebeus.

Embora os plebeus fossem juridicamente livres, eles se encontravam à margem da lei, devido à ausência de direitos para votar e para se candidatarem a cargos políticos. Ademais, careciam-lhes alguns direitos civis, relegando a plebe dentro da ordem jurídica, porque, como os preceitos jurídicos transmitiam-se de forma oral, então, a estas leis só tinham acesso os privilegiados.

Inobstante houvesse a exclusão da plebe, a mesma estava obrigada a pagar impostos e a prestar o serviço militar, desde uma decisão do penúltimo rei de Roma, Sérvio Túlio, que implantou uma importante reforma exclusivamente financeira e militar.

O fato é que esta reforma funcionou como uma semente para a futura unificação das duas ordens sociais, senão vejamos.

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A inclusão da plebe na instituição militar despertou nesta classe anseios de participação não somente nas obrigações, mas, também, nos direitos garantidos aos privilegiados. É que, antes, a plebe, sem usufruir as prerrogativas das gentes, não era cobrada do cumprimento de deveres financeiros e militares. Assim, se esta ordem não possuía direitos, não tinha obrigações também. Todavia, a partir do ato régio que implantou o cumprimento de obrigações, despertou desejos de participação nos direitos que apenas os patrícios possuíam. Lutas surgiram entre os patrícios e os plebeus, de forma que o traço revolucionário destas lutas foi claramente apresentado mediante a ação política dos representantes dos plebeus, isto é, os tribunos da plebe.

A revolta dos plebeus, diferentemente do que aconteceu em outros lugares, por exemplo, nas Revoluções Francesa e Russa, não se virou contra as instituições políticas, sociais e religiosas que existiam. A luta plebeia aspirava ao direito dos plebeus em participarem destas instituições de forma igualitária. E isso se consolidou na realidade romana, o objetivo foi alcançado pela plebe, através da atuação do Tribunato da Plebe, e, assim, o direito alcançou as camadas sociais mais baixas.

Então, as leis passaram a obedecer à publicidade, de costumeiras transformaram-se em leis escritas, igualando direitos e deveres, mediante uma legislação ampla e complexa, conquistada por meio de vitórias e derrotas.

Pode-se considerar que a influência romana na formação jurídica dos povos se deu, através do exemplo do Tribunato, no sentido de que toda constituição importante não cria algo novo, uma vez que ela não faz mais que declarar direitos existentes anteriormente.

Portanto, é verdade que a reforma financeira e militar, anteriormente, citada, ao impor deveres outrora inexistentes à plebe, funcionou como um passo inicial rumo à unificação das duas classes sociais.

A luta pela igualdade política durou dois séculos, começando com a retirada para o Monte Avelino e a consequência da instituição do Tribunado e edilidade, continuando até a admissão ao pontificado máximo, por Tibério Coruncânio em 252 a.C.Os patrícios abriram concessões para persuadir a plebe a voltar para Roma, tais como: a instituição de uma magistratura única dos plebeus: o tribunado e a edilidade, onde o patriciado estaria excluído dos cargos, o reconhecimento de uma assembleia dos plebeus (concilia plebis), o reconhecimento do culto aos deuses da plebe (Liber, Libera e Ceres) e a divisão das terras, entre os plebeus, próximo ao Monte Aventino. É certo afirmar que estas pequenas vantagens conseguidas dos patrícios despertaram anseios na plebe pela conquista de direitos supremos que os antigos cidadãos usufruíam.

Assim, lentamente, os plebeus começam a conquistar o domínio e novas leis. Entre as leis novas, encontra-se a Lei Canuleia, cujo grande finalidade foi a ab-rogação de dispositivo da Lei das XII Tábuas, com golpe decisive na exlusividade das alianças matrimoniais relativas aos patrícios. A Lex Canuleia pode ser considerada o ápice da igualdade civil e política alcançada pelos plebeus. Foi aprovada quarto anos depois do declínio dos decênviros,dispondo que constituía justas núpcias a união entre plebeus e patrícios, assim como os filhos nascidos dessa união seguiriam a condição do pai.

Os plebeus também conquistaram a sua entrada na cidade dos patrícios, nos seus sacra e nas suas instituições, ao trilharem uma trajetória longa e difícil, com o alcande da unidade através de lutas e dissensões.

Após a Lei Hortênsia até as Guerras Púnicas, concretiza-se lentamente a união entre plebeus e patrícios, a igualdade social, jurídica e política, uma vez que haviam acabado as razões da permanente revolução. A partir deste momento, inicia-se a oposição entre os plebeus ricos e pobres, e, em 254 a.C., a plebe alcança o grande pontificado. Surge, paulatinamente, a nobilitas.

A promulgação das Leis Licínias extinguiu, completamente, os privilégios dos patrícios, começando, então, a igualdade política. Doravante não existem mais patrícios e plebeus armados. A clientela se extingue, e, conforme a Lei das XII Tábuas, os clientes já comparecem em juízo sem representação dos patronos. A plebe cresce em tamanho e poder, e, no Senado, já se representavam vinte e oito famílias plebeias e vinte e nove patrícios, estando, assim, a representação equilibrada. As duas ordens dividem os cargos da República entre si. A cidade de Roma se transforma, e cai no domínio de classe natural, isto é, a nobilitas. Esta se constituía numa aristocracia de fato, e, não, de direito, por oposição aos ignobilitas que não tinham descendência de família nobre. A nobilitas era um partido aristocrático representado, principalmente, no Senado, tendo monopolizado, durante vários séculos, as grandes magistraturas.

A plebe sofre desagregação, e o seu declínio político ocorreria, também, socialmente. Então, o Tribunato da Plebe passa a não se revestir dos atributos quando da sua instituição, durante a última fase da República.

A plebe enriquecida agora não necessitava mais de defensores, e formava uma nova classe instalada em todos os cargos da civitas à nobilitas.

Assim, após a República, a potestas tribunicia transformou-se em título honorífico de imperadores e príncipes.

Sobre a autora
Juliana Vasconcelos de Castro

Possui mestrado e especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa onde atualmente estuda doutoramento em Direito Privado Romano. Membro da Associação Nacional de Advogados de Direito Digital, onde atua em grupos de trabalho em startups, healthtechs e relações de trabalho digital. Sócia-fundadora do Juliana Vasconcelos Advogados, nas áreas de Direito Digital e de Startups. Compliance officer. Palestrante, docente e autora de e-books e de livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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