Alienação fiduciária de imóvel: uma análise sob a ótica da Lei nº 13.465/17

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29/11/2018 às 10:33
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5. QUESTÃO NÃO SOLUCIONADA PELA LEI: A APLICAÇÃO DO ART. 53. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Questão que a Lei 13.465/17 poderia ter solucionado é sobre a aplicabilidade ou não do art. 53. do Código de Defesa do Consumidor no caso de consolidação na alienação fiduciária de bem imóvel.

E para passar a esta análise, remete-se o leitor a leitura do dispositivo

Art. 53. - Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

De forma que o dispositivo é claro que sob a égide do direito do consumidor consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, venha a pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

No entanto, a questão não é tão simples. A doutrina diverge, conforme revela Marco Aurélio Bezerra de Melo

“a existência de duas correntes: a primeira entendendo ter sido afastada a aplicação do art. 53, uma vez que a Lei 9.514/97 é posterior e específica; e outra que entende que a penetração da Lei 8.078/90 é maior que a da Lei 9.514/97, porque aquela tem seu fundamento de validade na própria Constituição Federal, que repudia o confisco e o enriquecimento sem causa”21

Assim, há quem defenda a aplicação do art. 53. do Código de Defesa do Consumidor por considerar haver evidente inconstitucionalidade nas disposições do §2º do Art. 27. da Lei 9.514/97, ao estabelecer a possibilidade de se arrematar o bem pelo valor da dívida, nada sendo restituído ao devedor, sendo a perda do imóvel, adicionada à perda de todas as quantias pagas, uma ofensa ao devido processo legal, que leva ao enriquecimento sem causa22.

Lado outro, há quem defenda a não aplicação do dispositivo nas operações realizadas no âmbito da Lei nº 9.514/97. Em trabalho específico Melhim Namem Chalhub coloca que o Código de Defesa do Consumidor veio limitar a liberdade contratual, vedando certas condutas e cláusulas contratuais, mitigando o princípio da força obrigatória do contrato23.

A discussão chegou aos tribunais, de modo que a posição majoritária do Tribunal de Justiça de São Paulo é no sentido da não aplicação do art. 53, veja-se

Tribunal de Justiça de São Paulo. Rescisão Contratual. Contrato de compra e venda de bem imóvel com alienação fiduciária em garantia. Extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir (art. 485, VI, do CPC/2015). Inconformismo do autor. Negócio jurídico imobiliário que se submete a regime jurídico específico (Lei n. 9.514/97). Impossibilidade jurídica do pedido de rescisão do negócio jurídico com a restituição das parcelas pagas pelo adquirente. Hipótese que excepciona a incidência do art. 53. do CDC. Norma especial que se sobrepõe ao CDC. Fiduciário que tem mera expectativa de crédito resultante de superveniente leilão extrajudicial. Ausência de interesse de agir. Extinção mantida. Recurso desprovido24.

Entretanto, algumas outras decisões do mesmo tribunal são em sentido contrário, defendendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Diante do imbróglio, relevante trazer o posicionamento de Zilda Tavares25, cujo entendimento se baseia no fato de identificar conflito entre a alienação fiduciária em garantia e o Codecon, indicando a antinomia jurídica que se forma, pois os contratos de crédito imobiliário são de adesão, de modo que a relação de crédito está sob a égide do Codecon. Para a autora,

“a utilização do instituto da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis não pode ser vista independentemente do ordenamento jurídico (...) referente a questões de constitucionalidade da execução extrajudicial, a falta de indenização das benfeitorias e a tributação”.

A autora critica principalmente o legislado, que “sem criar institutos jurídicos propriamente novos (...) se serve de vários deles, preexistentes no ordenamento jurídico, para modifica-los, recombinando-os, estabelecendo uma nova disciplina do tema, absolutamente estranha ao direito, visando atender as operações econômicas privadas do setor habitacional”.

Outrossim, solução viável poderia ser a de impedir, no segundo leilão, a venda por preço vil ou a simples adjudicação pelo preço da dívida, nos casos em que o imóvel possui valor maior.

Diante da divergência, entendemos que a Lei nº 13.465/17, que modificou tantas leis concernentes ao direito imobiliário e trouxe tantos novos institutos, poderia ter dado uma solução ao ponto controvertido que se instalou na jurisprudência.


6. DA VIGÊNCIA DA LEI 13.465/17

Questão ainda há ser analisada é acerca da vigência da legislação. Portanto, pergunta-se: as novas regras trazidas pela Lei 13.465/17 se aplicam aos contratos em curso na data de sua publicação?

Acredita-se que deve prevalecer o princípio do tempus regit actum, de forma que o ato jurídico deve ser regido pela lei da época em que ocorreram. Aliás, este tem sido o posicionamento inclusive da jurisprudência.26

Portanto, aos negócios celebrados após a data da vigência da legislação devem ser aplicadas as novas regras.


7. CONCLUSÃO

Por fim, antes das modificações do instituto da alienação fiduciária de bem imóvel trazidas pela Lei nº 13.465/17, o poder judiciário enfrentava inúmeras discussões sobre sua interpretação em alguns aspectos. Em que pese as interpretações que foram consolidadas ao longo do tempo, a nova legislação, com algumas modificações legislativas, organizou e delimitou questões que outrora se encontravam indefinidas, fato este que trazia enorme insegurança jurídica aos negócios sujeitos ao procedimento da alienação fiduciária de imóvel. Assim, não obstante questões que ainda podem surgir ao longo do tempo, é crível que a legislação editada em 2017 veio dar maior segurança jurídica ao procedimento da alienação fiduciária de imóvel.


Notas

1 BRANDELLI, Leonardo. Alienação fiduciária de bens imóveis. In: FARIA, Renato (Coord.) Operações Imobiliárias: estruturação e tributação. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 74.

2 KIKUNAGA, Marcus Vinícius. Aspectos gerais da alienação fiduciária de bem imóvel. In: ROCHA, Mauro Antônio (Coord.) Alienação fiduciária de bem imóvel: 20 anos da lei 9.514/1997: aspectos polêmicos. São Paulo: Editorial Lepanto, 2018, p. 20.

3 BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de Novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9514.htm>

4 ANDRADE, José Alfredo Ferreira de. Da alienação fiduciária em garantia, São Paulo, Livraria e editora universitária do direito ltda., 1970, p. 26

5 CHALHUB, Melhim Namem. A alienação fiduciária de bens imóveis sob a perspectiva do código de defesa do consumidor. Direito Imobiliário: escritos em homenagem ao professor Ricardo Pereira Lira, São Paulo: Atlas, 2015, p. 524.

6 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Imprenta: Rio de Janeiro, Borsoi, 1954.

7 CHALHUB, Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 242.

8 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977.

9 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. II, p. 114

10 CHALHUB, Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 240.

11 MACEDO, Paola de Castro Ribeiro. O procedimento de intimação e consolidação da propriedade fiduciária de acordo com a lei nº 13.465/17. In: ROCHA, Mauro Antônio (Coord.) Alienação fiduciária de bem imóvel: 20 anos da lei 9.514/1997: aspectos polêmicos. São Paulo: Editorial Lepanto, 2018, p. 184.

12 BRASIL, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1367704/RS, Rel. Ministro Paulo e Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 04/08/2015, DJe 13/08/2015

13 CHALHUB, Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 277.

14 HABITACIONAL. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. PURGAÇÃO DA MORA. DATA LIMITE. ASSINATURA DO AUTO DE ARREMATAÇÃO. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 26, § 1º, E 39, II, DA LEI Nº 9.514/97; 34 DO DL Nº 70/66; E 620 DO CPC. (STJ - REsp: 1433031 DF 2013/0399263-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/06/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2014)

15 “É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acordo com o art. 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos (...)”.

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16 CHALHUB, Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 277.

17 CHALHUB, Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 279.

18 BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 2085883562015826000 , rel. Des. Adilson de Araújo. J. em 26/05/2015.

19 MACEDO, Paola de Castro Ribeiro. O procedimento de intimação e consolidação da propriedade fiduciária de acordo com a lei nº 13.465/17. In: ROCHA, Mauro Antônio (Coord.) Alienação fiduciária de bem imóvel: 20 anos da lei 9.514/1997: aspectos polêmicos. São Paulo: Editorial Lepanto, 2018, p. 193.

20 SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃOFIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃODO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL.SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, AOBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27. DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE.INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI. (STJ - REsp: 1155716 DF 2009/0159820-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 13/03/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/03/2012).

21 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 489.

22 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 371-372.

23 CHALHUB, Melhim Namem, Alienação fiduciária de bens imóveis. Adequação da cláusula penal aos princípios do Código de Defesa do Consumidor , Revista de Direito Imobiliário, n. 45, p. 22-24 (1998).

24 BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 1002175-77.2016.8.26.0037 - Relator: Rômolo Russo; 7a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 01/06/2017; Data de registro: 01/06/2017

25 TAVARES, Zilda. Código de Defesa do Consumidor e a alienação fiduciária imobiliária. Imprenta: São Paulo, Método, 2005.p. 117.

26 Tribunal de Justiça de São Paulo. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico. Alienação fiduciária de bem imóvel. Leilão extrajudicial. Leilão anterior à alteração da lei 9514/97. Tempus regit actum. Necessidade de notificação pessoal. Nulidade. Sentença reformada. Apelo provido. (Apelação 1002151-93.2016.8.26.0281; Relator: Soares Levada; 34a Câmara de Direito Privado; Foro de Itatiba - 1a Vara Cível; Data do Julgamento: 02/10/2017; Data de Registro: 02/10/2017).


Key words : Fiduciary Alienation. Fiduciary Property. Real State. Consolidation property. Contract.

Sobre o autor
Fellipe Simões Duarte

Advogado | Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Pós-graduado em Direito Ambiental (UFPR) e em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial (UNISC). Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG de Juiz de Fora. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) e da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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