Publicidade veiculada por escolas

30/11/2018 às 18:14
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Existem questionamentos que devem ser analisados sob a égide do direito do consumidor: a publicidade veiculada pela escola é abusiva? Uma cláusula contratual pode obrigar os alunos a tomarem parte dos ritos religiosos da escola? Este artigo fomenta o caso

A publicidade deve ser conceituada como a capacidade de difundir valores, dados e informações com o objetivo de motivar a compra de produtos e serviços mediante anúncios de grandes marcas em jornais, revistas, na TV, na internet ou qualquer outro veículo de comunicação de massa (TARTUCE, 2014; p.37). Mas há quem diferencie o conceito de publicidade, anteriormente mencionado e o de propaganda, esta última como sendo o meio de divulgar ideias, mas de uma forma a não obter lucro, enquanto, a publicidade teria justamente a finalidade contrária.

De uma maneira geral, as disposições presentes no Código de Defesa do Consumidor, também corroboram para o entendimento de uma máxima proteção ao consumidor nas relações de consumo, especialmente aquelas dispostas nos art. 6, incisos III e IV, no art. 37, parágrafo 2 do CDC, bem como no caput do 51 do mesmo diploma jurídico. O CDC partiu do pressuposto de que todo consumidor, seja pessoa física ou jurídica, é um sujeito vulnerável. Isso significa que todo consumidor está numa situação desproporcional em face do fornecedor, seja essa diferença manifestada em caráter técnico, econômico e/ou jurídico.

Ademais, entende-se como propaganda abusiva qualquer uma que atente contra os valores sociais da boa-fé objetiva (COELHO, 2007; p.104). Com o advento da era moderna, tem-se observado técnicas cada vez mais agressivas e/ou apelativas utilizadas para difundir produtos e serviços, como o caso em questão, que procura utilizar da discriminação, do medo e da superstição com o fim de atrair clientes em potencial, vide art. 37, parágrafo 2 do CDC. Tal prática tem de ser fiscalizada de maneira responsável pelo CONAR, que é o órgão que regulamenta penal e administrativamente violações existentes nessa seara. A publicidade comparativa, espécie em questão, deve ser feita de forma objetiva, evitando conceitos de caráter subjetivo e, portanto, deve ser passível de ser comprovada (NUNES, 2015, p.583).

De outra feita, soma-se o entendimento de que a sistemática protetiva do consumidor concede a publicidade o caráter de oferta, na medida em que existem termos incorporados pelo contrato que seguem o princípio da vinculação da oferta e da publicidade, disposto no art. 30 do CDC. (CAVALIERI FILHO, 2011; p.100). No tocante a cláusula de abusividade entende-se que a mesma cria uma situação de desequilíbrio significativo que será sentido pela parte mais vulnerável da relação. Então como já mencionado, entende-se por lógica, que o Direito do Consumidor na medida em que assegura proteção a sua vulnerabilidade, o faz observando um contrato firmado, que é o instrumento de um negócio jurídico já compactuado entre as partes, mas que  não impede que seja revisto e/ou modificado, possibilitando o controle de conteúdo de suas cláusulas e a sua possível nulidade de pleno direito se for de encontro ao que ditam as leis. (MIRAGEM, 2014; p.334).

Logo, mesmo que expressamente demonstrado que a escola prega a fé cristã-evangélica, nada impede que o aluno que não professar tal religião, não queira participar de cultos e outros afins de caráter religioso, pois tal cláusula, em caráter de contrato de adesão, impõe uma obrigação contrária a liberdade religiosa preceituada na Constituição (art. 5, inciso VI da CF) e propõe a quebra do negócio jurídico contratual, disposto no art. 6, inciso V do CDC. A cláusula então se configura como abusiva e nula de pleno direito por inferência do art. 51 do CDC.

2.1.2. Quanto à possibilidade de não haver abuso algum na prática citada

Então, conforme observamos a seara do Direito do Consumidor, percebemos que não houve abuso algum na prática citada anteriormente, e é isto a que vamos nos propor a discorrer de maneira clara e fundamentada. Primeiramente, segundo o CDC em seu art. 46 há o disposto de que deve ser dada ao consumidor a disponibilidade de conhecer o conteúdo e o teor do contrato, portanto, não houve (e não há) nenhuma abusividade em grifar de maneira destacada, os preceitos a que a escola se atém, possibilitando a escolha de assinar o contrato ou não, conforme sua livre vontade. Aliás, já que mencionamos a vontade, existe um princípio contratualmente estabelecido chamado de livre manifestação da vontade, que segundo o qual um contrato tem de ser idôneo, ter objeto livre para ser estipulado e finalidade negocial (GONÇALVES, 2012, p. 45).

A boa-fé legítima é aquela que está presente em um contrato a partir do momento em que o mesmo é firmado, valorizando os interesses legítimos de cada parte que veio a contratar, passando assim, a valorizar sua interdependência, o nexo entre as prestações, entre outras. Isto é, ao mesmo tempo em que asseguram direitos também impõe deveres em sua definição do que se entende por aceitável, também no que se entende por ideologias de qualquer natureza (MARQUES, 2011, p.289-290).

Logo, somando-se a isso o fato de que segundo a constituição Federal em seu artigo 220 CF, ressalta que a liberdade de informação, expressão e pensamento estão assegurados pela ordem maior de nosso país, não sofrendo qualquer espécie de restrição, salvo o disposto nos incisos do mesmo preceito jurídico, aos quais não encontram óbice com o caso relatado. Então autonomia da vontade e boa-fé legítima, segundo consagrada autora, são utilizadas para mostrar com clareza a vontade livre do consumidor perante o fornecedor de adquirir produto, através do manifesto autônomo, pactuando assim contrato feito por uma relação de negócios. Demonstrando, portanto a obrigatoriedade das partes de possuir vontade em realizar contrato. (MARQUES, Claudia Lima apud NOVAIS 2001, p.54).

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Seguindo a lógica civil-processualista, não há de se falar em tese de abuso de direito, pois as atuais acepções a respeito do tema coadunam em duas vertentes: a de natureza objetiva e a de natureza subjetiva:

1) uma aproximação subjetiva, que conecta a abusividade mais com a figura do abuso do direito, como se sua característica principal fosse o uso (subjetivo) malicioso ou desviado de suas finalidades sócias de um poder (direito) concedido a um agente; 2) ou uma aproximação objetiva, que conecta a abusividade, mas com paradigmas modernos, com a boa-fé objetiva ou antiga figura da lesão enorme, como se seu elemento principal fosse o resultado objetivo que causa a conduta do indivíduo, o prejuízo grave sofrido objetivamente do exigido no contrato. (MARQUES, 2008, p. 292)

Então não existe nenhum uso malicioso ou desvirtuado das finalidades sociais presentes no contratado em questão, assim como não há lesão ao resultado objetivo do indivíduo que assinou o contrato, na medida em que não houve grave prejuízo objetivo ao cliente, portanto sem lesão não há que se falar em dano ou abuso de qualquer espécie. Não nos parece ilegítimo o estabelecimento de ensino falar em Jesus como seu diferencial, já por se tratar de preceitos religiosos seguidos. E nada além disso. O que no nosso modo de analisar resta é a dissolução contrato, caso não haja entendimentos maiores a esse respeito, pois como assegura estimado jurista:

[...] neste particular, é que a cessação da relação contratual resultará em quatro meios ou mecanismos, são eles: resilição voluntária, cláusula resolutiva: tácita ou expressa, exceptionon adimpleti contractus, (exceção de contrato não cumprido), resolução por onerosidade excessiva e teoria da Imprevisão. (PEREIRA, 2007, p. 149).

Assim, o contrato em desacordo pode ser modificado sim, através de cláusula resolutiva ou através da resilição voluntária, mas a referida cláusula teria o condão de modificar a missão e os valores institucionais aos quais os fundadores do colégio acreditam e pelo qual se vêem lutando ao longo das últimas décadas. Não parece nem ao menos razoável, nem proporcional que estejamos a falar em detrimento de uma prática religiosa milenar, ainda mais quando não observado nenhuma violação de direito e/ou dano objetivo ocasionado pelo contrato, conforme os ditames constitucionais da boa-fé objetiva, da livre participação e autonomia da vontade no negócio jurídico, eivado de liberdade de expressão e manifestação quanto aos termos presentes.


3 Considerações Finais

O grande crescimento do consumo na sociedade brasileira traduz preocupação a respeito de contratos que contém cláusulas consideradas abusivas. A conseqüência que esses contratos podem alcançar gera um desequilíbrio contratual notório e, portanto, deve ser alterado no que for cabível, sob pena de nulidade. Não se quer por este case terminar de debater acerca das proteções possíveis ao consumidor, mas sim problematizar a proteção jurídica do consumidor no cenário atual, trazendo  à baila conceitos aplicados e discutindo a temática consumerista, proporcionando assim ferramentas necessárias para o exercício de um direito mais justo e efetivamente democrático.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2005

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial  da República  Federativa do  Brasil, Brasília, Distrito Federal, Planalto Central. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/DPDC/servicos/legislacao/cdc&gt>; Acesso 25/03/2016.

BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2008.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor - 3 Ed. São Paulo: Atlas, 2011

COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. 18 Ed. São Paulo: Saraiva, 2007

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro II. São Paulo (SP). Editora Saraiva – 2012

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.-6 Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor -5 Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014

NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o Código de defesa do consumidor. ... Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001

NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 10 Ed. rev. e atual- São Paulo: Saraiva, 2015.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. .... Ed. Rio de janeiro: Forense, 2007. v. 3.

TARTUCE, Flavio. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. 3 Ed. Rio de Janeiro: Forense - São Paulo: Método, 2014

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