Breve análise sobre a medida socioeducativa de liberdade assistida

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Analisa-se a importância das medidas socioeducativas, em especial a de liberdade assistida, pela oportunidade de inserção dos adolescentes em processos educativos que, se bem sucedidos, resultarão na construção ou reconstrução de projetos de vida desatrelados da prática de atos infracionais.

1 INTRODUÇÃO

Com o advento do novo século, quase nenhum país conseguiu demonstrar que sabe lidar com a questão da pena, inclusive das medidas ou institutos decorrentes dela, como é caso corrente com as penitenciárias. Se o Direito Penal não consegue sua máxima de eficiência e de “ultima ratio” nas lições de Nelson Hungria jamais poderá ser exprimido o valor de uma tragédia humana anunciada, e mesmo ao final de mais um século ainda não é possível afirmar que a humanidade chegará a um ponto em que prisões arbitrárias não sejam mais veiculadas, sem o devido processo legal ou como forma de legitimar a justiça.            

É a realidade. O fato é que não há privação de liberdade que ofereça ao indivíduo, em sua maioria, qualquer sintoma de melhora, ou ao menos um quadro de reintegração ao meio social vigente. A privação de liberdade continua a procurar um futuro novo capaz de viabilizar medidas práticas na sua execução penal que correspondam aos anseios da reinserção social e moral. Tamanhas dificuldades indicam ser imprescindível a determinação de se levar a termo a execução de medidas sócio educativa, reservando a privação de liberdade aos casos em que o infrator represente perigo concreto e contínuo à tranquilidade social.

É necessário que haja a mudança de mentalidade e possamos incentivar a aplicação de outras medidas sócio educativas, priorizando as que evidentemente sejam de regime aberto. A medida de Liberdade assistida deveria contribuir mais nesse aspecto, mas ainda destoa como uma medida que na prática ainda se encontra pouca realizada e veiculada, ante a mentalidade secular de que a prisão ou detenção provisória sejam os únicos meios efetivamente seguros para o problema da criminalidade adolescente, e pelo aumento no número da violência ocorrida, percebemos que não são a solução.

1.1 - Doutrina da proteção integral

A doutrina da proteção integral assegura que a solução para os problemas da infância e da juventude deixou de ser tarefa exclusiva dos órgãos públicos e passou a ser responsabilidade da família, da sociedade e enfim do Estado.

1.2 - Prioridade absoluta

O Art. 4º do estatuto praticamente transcreve o Art. 227 da Constituição Federal, que determina que primeiro a família e, supletivamente o estado e a sociedade, têm o dever de assegurar, por todos os meios, de todas as formas e com absoluta prioridade, todos os direitos inerentes à constituição de um ser humano.

Por absoluta prioridade, entende-se que na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc. porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes do que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder dos governantes” (LIBERATI apud MARCHESAN, 2001).

1.3 - Mecanismos de Exigibilidade

O Estatuto também indica os mecanismos de sua exigibilidade. Desta feita a “garantia de prioridade” compreendida no parágrafo único do Art. 4º será promovida e fiscalizada pelo Ministério Público, nos termos de suas funções institucionais, gravadas no inciso II do artigo 129 da Constituição Federal.

Não se pode restringir o empenho dos Representantes do Ministério Público em defesa dessa proteção universal a determinadas situações. O Ilustrado Hugo Nigri Mazilli adverte:

 “Cumpre deixar claro, posto óbvio, não é apenas o Promotor da Justiça da Infância e da Juventude o único Órgão do Ministério Público que zela direitos e interesses ligados à proteção dos menores. O Promotor criminal, o Curador de família, o curador dos incapazes, o Procurador de justiça, enfim, toda a Instituição, na forma e nos limites da lei local de organização do Ministério Público, está investida na proteção da infância e juventude”(in revista de Informação legislativa- Senado Federal, Brasília, 1997, n.114, pag. 176) .

1.4 - Cometimento de ato infracional

Não obstante o Estatuto prevê a doutrina de proteção de integral, isto não quer dizer que o adolescente autor de um ato antijurídico não será responsabilizado. O Estatuto considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (Art. 103). Ao cometimento de tais infrações, descritas no Estatuto como Ato Infracional, corresponde a aplicação da competente medida sócio educativa, previstas no Art. 112 do Estatuto.

2   MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: conceituação e considerações

Medida Socioeducativa compreende medida jurídica aplicada em procedimento adequado ao adolescente autor de ato infracional (ROSSATO, LÉPORE, SANCHES, 2014, p.353). De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 2) considera-se adolescente o indivíduo entre doze anos completos e dezoito anos de idade incompletos. Assim, o adolescente ao praticar ato infracional, estando também sujeito a processo contraditório, com ampla defesa, receberá medida socioeducativa, prevista no art. 112, do ECA. Outrossim, faz-se mister deixar claro que ato infracional importa em todo fato típico, descrito como crime ou contravenção penal. (AQUINO, 2012)

As medidas socioeducativas constituem resposta estatal, aplicada pela autoridade judiciária. Porém, apesar de possuírem aspectos compulsórios, não se trata de penas ou castigos, mas de oportunidades de inserção dos adolescentes em processos educativos que, se bem sucedidos, resultarão na construção ou reconstrução de projetos de vida desatrelados da prática de atos infracionais. (AQUINO, 2012)

3 A MODALIDADE DA LIBERDADE ASSISTIDA

Dentre as diversas fórmulas e soluções apontadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para o enfrentamento da criminalidade infanto-juvenil, a medida socioeducativa da Liberdade Assistida se apresenta como a mais importante de todas. Ela o é, pois,     possibilita ao adolescente autor de ato infracional o seu cumprimento em liberdade junto à família, porém sob o controle sistemático do Juizado e da comunidade o cerca. Nesse sentido, define-se tal modalidade como: “a medida socioeducativa por excelência. Por meio dela, o adolescente permanece junto à família e convivendo com a comunidade, ao mesmo tempo em que estará sujeito a acompanhamento, auxílio e orientação” (ROSSATO, LÉPORE, SANCHES, 2014, p. 360).

Tal modalidade de medida é também definida como “uma medida que impõe condições de vida no cotidiano do adolescente, visando o redimensionamento de suas atitudes, valores e a convivência familiar e comunitária.” (MACIEL, 2010) Trata-se então de uma intervenção educativa centrada no atendimento personalizado, garantindo a promoção social do adolescente através de orientação, manutenção dos vínculos familiares e comunitários, escolarização, inserção no mercado de trabalho e/ou cursos. Nesse mesmo sentido, Leonardo Aquino (2012) preleciona que a medida destina-se aos adolescentes passíveis de recuperação em meio livre, que estão se iniciando no processo de marginalização. De acordo com art. 118 do ECA, a liberdade assistida será adotada sempre que se figurar a medida mais adequada, para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

 

3.2 Classificação da medida socioeducativa de liberdade assistida

Segundo Flávio Américo Frasseto (apud ROSSATO, LÉPORE, SANCHES, 2014, p.355-356), a modalidade da liberdade assistida classifica-se quanto à severidade: Meio aberto, já que o adolescente permanece junto à comunidade. Quanto à forma de cumprimento: Por desempenho, pois haverá necessidade de suporte pedagógico que poderá ser redefinido no transcorrer do cumprimento da medida. Já quanto à duração, classifica-se por tempo determinado. E por fim, quanto ao gerenciamento da medida, este é desempenhado pelo Poder Executivo Municipal.

 

3.3  Operacionalização da modalidade de liberdade assistida

Aos Munícipios cabem estruturar programas de liberdade assistida em parceria com o Judiciário e o Órgão Executor da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente do município, competindo ao Judiciário a aplicação da medida e sua supervisão, ao Órgão Executor Municipal o gerenciamento e o desenvolvimento das ações; além do Ministério Público como fiscalizador. Consoante, o funcionamento do Programa é promovido por uma equipe de Orientadores Sociais, capacitados, que desenvolverão uma ação pedagógica, em conformidade com o Art. 119 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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A ação pedagógica será direcionada em quatro aspectos: familiar, escolar, vida profissional e comunitário. No aspecto familiar, reforça-se e/ou se estabelece vínculos familiares, através de uma relação de aceitação, colaboração e de corresponsabilidade no processo socioeducativo. No âmbito escolar busca-se incentivar o retorno, a permanência e o sucesso escolar do adolescente. No âmbito da vida profissional estimular e/ou propiciar a habilitação profissional com vistas ao ingresso no mercado de trabalho. E por, fim, no seio comunitário busca-se promover e fortalecer os laços na comunidade, objetivando a reinserção social do adolescente.

De acordo com o art. 119 do ECA, que dispõe sobre o orientador social, a este cabe estabelecer com o adolescente, sistemática de atendimentos e pactuar as metas a serem alcançadas, com o escopo de construir um projeto de vida; desenvolver um vínculo de confiança; não fazer julgamentos moralistas; propiciar a capacidade de reflexão sobre sua conduta; avaliar periodicamente o seu "caminhar".

4 CONCLUSÃO

Conclui-se, a partir do processo de pesquisa, análise e desenvolvimento do presente trabalho, a importância da medida socioeducativa de liberdade assistida. Pois, tal medida demonstra-se salutar para a garantia de dignidade e promoção de plenitude de gozo aos direitos dos adolescentes. Percebendo-se também a coadunação com todos os princípios constitucionais e norteadores do direito da criança e do adolescente. Tais direitos se realizam por meio de atuação do Estado e mais especificamente do ente municipal, com o objetivo de transformação da vida do adolescente que comete ato infracional, proporcionando-lhe um novo direcionamento e assim, diminuindo os índices de criminalidade e de desigualdades social.

A construção do presente trabalho agregou conhecimento à equipe a respeito do tema abordado, mencionando as definições, classificações objetivos, operacionalização e esclarecendo quanto à importância, bem como demonstrando a eficácia da medida socioeducativa de liberdade assistida aos adolescentes, as suas famílias e a sociedade. Dessa forma, possibilita a construção de um pensamento e uma visão crítica do da melhor medida para se recuperar um adolescente como mecanismo para se alcançar uma dignidade, ordem e desenvolvimento social.

 

                                       REFERÊNCIAS

AQUINO, Leonardo Gomes de. Criança e adolescente: o ato infracional e as medidas sócio-educativas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11414>. Acesso em maio 2017.

BRASIL. Código Civil (2002). Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel / Anne Joyce Angher, organização. 17. ed. São Paulo: Rideel, 2013.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel / Anne Joyce Angher, organização. – 17. ed. – São Paulo: Rideel, 2013.

 

_______. Lei nº 8.069, de 1990. Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel / Anne Joyce Angher, organização. – 17. ed. – São Paulo: Rideel, 2013.

Plano Decenal Municipal de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto De São Luís 2013 – 2023 (Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade). São Luís, 2014.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4.ed.rev.e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e a discricionariedade administrativa. In: Revista do Ministério Público, Porto Alegre, n. 44, p. 205-242, 2001.

MAZZILI, Niggri. Revista de Informação legislativa- Senado Federal, Brasília, 1997, n.114

ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado artigo por artigo. 6.ed.rev.atual.e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Sobre os autores
Eliane do Remédio Silva

Estudante do 10 período do Curso de Direito da UNDB-São luís-MA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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