A competência para julgar crime de ameaça cometido na internet

01/12/2018 às 08:53
Leia nesta página:

Discute sobre tema processual envolvendo conflito de competência para crimes na internet.

A COMPETÊNCIA PARA JULGAR CRIME DE AMEAÇA COMETIDO NA INTERNET

Rogério Tadeu Romano

Determina o artigo 147 do Código Penal:

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Trata-se de crime comum, formal, de forma livre, comisso e excepcionalmente comissivo por omissão.

Ameaça significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo fornece clara noção do que seja o crime: ameaçar.

O objeto jurídico do crime é a liberdade individual, a paz de espírito, a segurança da ordem jurídica.

Trata-se de crime subsidiário, pois a ameaça é absorvida quando for elemento ou meio de outro delito.

Trata-se de delito formal e instantâneo.  Como tal cabe falar em ameaça feita por comunicação telefônica. Pode ainda ser feita por desenhos, mensagens em e-mails, aplicativos Telegram etc.

Como observou Agnes Cretella (A ameaça, RT 470/301) a ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura o crime do artigo 147 do Código Penal, ainda que o agente não tenha a intenção de praticar o mal prometido. A ameaça deve provir de ânimo calmo e refletido(RTJ 54/604). Não constitui a proferida em estado de embriaguez. Não configura o crime a ameaça condicional ou retributiva. Porém, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo(RT 723/593), entendeu que a ameaça condicional não exclui o crime.

Porém, já se entendeu em caso concreto que o agente, munido de uma faca, faz ameaças à esposa e ao filho, não chegando, porém, a praticar qualquer ato que pudesse ferir a integridade física de ambos, em evidente arrependimento eficaz, não comete o delito previsto no artigo 147 por não demonstrar que realmente faria uso da arma(RT 765/624).

É dispensável que a ameaça chegue a conhecimento da vítima (RT 752/605).

O tipo subjetivo é o dolo na forma específica, na vontade livre e consciente de intimidar, finalidade esta que os autores veem como elemento subjetivo do tipo.

Somente se pune a ameaça quando praticada dolosamente. Não existe a forma culposa e não se exige qualquer elemento subjetivo específico, embora seja necessário que o sujeito, ao proferir a ameaça, esteja consciente do que está fazendo. Em uma discussão, quando os ânimos estão alterados, é possível que as pessoas troquem ameaças sem qualquer concretude, isto é, sã palavras lançadas a esmo, como forma de desabafo ou bravata que não correspondem à vontade de preencher o  tipo penal.

É crime de ação penal pública condicionada que exige a representação do indivíduo. É indispensável a representação ainda que tal conduta seja conexa a delito de ação penal pública incondicionada. Se a ameaça for a um casal, a representação de um não exclui a do outro(RT 538/368).

Para o delito cabe:

  1. Conciliação(artigo 72 a 74 da Lei 9.099/95);
  2. Transação(artigo 76 da Lei 9.099/95);
  3. Suspensão condicional do processo(artigo 89 da Lei 9.099/95).

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a competência da Justiça Federal para julgar caso de crime de ameaça em que o suposto agressor, que vive nos Estados Unidos, teria utilizado a rede social Facebook para ameaçar uma ex-namorada residente no Brasil como noticiou o site do STJ em seu noticiário de 28 de novembro do corrente ano.

No caso foi cometido um crime à distância.

O crime à distância (ou de espaço máximo) é aquele que percorre territórios de dois países, com a conduta em um lugar e o resultado em outro. Sua prática gera conflito internacional de jurisdição (qual país aplicará sua lei penal?). Como nosso Código Penal adotou, quanto ao lugar do crime (locus commissi delicti), a teoria da ubiquidade, híbrida ou mista (art. 6º), sempre que por força do critério da ubiquidade o fato se deva considerar praticado tanto no território brasileiro como no estrangeiro, será aplicável a lei brasileira.

Com a popularização da internet, disseminou-se a prática de determinadas condutas que podem ser classificadas como crimes à distância, como a exploração de pornografia infantil, infelizmente muito difundida nos mais diversos lugares do mundo e cometida por redes que se interligam em países diferentes. Também infrações relativas à ofensa à honra podem ser cometidas à distância – e aliás o são com frequência. Um simples acesso a redes sociais como Twitter e Facebook pode nos proporcionar inúmeros exemplos de ofensas proferidas entre pessoas que se encontram em países diversos. Nada impede também que um residente em determinado país ameace alguém que se encontre em um país diferente, fazendo-o por meios eletrônicos (e-mail, redes sociais, páginas de internet etc.).

Com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o colegiado concluiu que, embora as convenções firmadas pelo Brasil em temas ligados ao combate à violência de gênero não tratem do crime de ameaça, a Lei Maria da Penha, que prevê a fixação de medidas protetivas, concretizou o dever assumido pelo país de proteger a mulher contra toda forma de violência.

“Ademais, no caso concreto, é evidente a internacionalidade das ameaças, que tiveram início nos EUA, e, segundo relatado, tais ameaças foram feitas para a suposta vítima e seus amigos, por meio da rede social de grande alcance, qual seja, pelo Facebook”, afirmou o relator do conflito de competência, ministro Joel Ilan Paciornik.

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De acordo com o STF, o julgamento dos crimes tipificados nos arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/90 é de competência da Justiça Federal quando tais delitos forem cometidos por meio da rede mundial de computadores e: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente (RE 628.624/MG, DJe 09/11/2015).

A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil.

Havendo o potencial da internacionalidade a competência para instruir e julgar uma ação penal é da Justiça Federal.

Nos autos que deram origem ao conflito de competência, uma mulher pleiteou a fixação de medidas protetivas no âmbito da Justiça estadual em razão de supostas ameaças feitas, via Facebook, por um homem com quem manteve relacionamento quando realizou intercâmbio nos Estados Unidos. 

O relator do conflito, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou inicialmente que a vítima, inclusive por meio de boletim de ocorrência, teve inequívoca intenção de dar conhecimento dos fatos às autoridades policiais e judiciárias, a fim de que fosse garantida sua proteção. O ministro lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, a representação do ofendido nas ações penais públicas condicionadas dispensa formalidades.

Como o suposto autor das ameaças está em território estrangeiro e não há notícia de sua entrada no país, o relator descreveu um possível crime a distância, tendo em vista que as ameaças foram praticadas nos EUA, mas a suposta vítima teria tomado conhecimento de seu teor no Brasil.

O ministro reconheceu que não há, neste caso, crime previsto em tratado ou convenção internacional. Segundo Joel Ilan Paciornik, apesar de o Brasil ser signatário de acordos internacionais que asseguram os direitos das mulheres, esses documentos não descrevem tipos penais. Estão entre os tratados a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Todavia, o relator destacou que, em situação semelhante, o argumento de ausência de tipificação em convenção internacional foi derrubado pelo STF ao analisar casos de pedofilia na internet. Em julgamento com repercussão geral reconhecida, a corte suprema concluiu que o Estatuto da Criança e do Adolescente é produto legal de acordos internacionais celebrados pelo Brasil.

“À luz do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, embora as convenções internacionais firmadas pelo Brasil não tipifiquem ameaças à mulher, a Lei Maria da Penha, que prevê medidas protetivas, veio concretizar o dever assumido pelo Estado brasileiro de proteção à mulher”, concluiu o ministro relator ao fixar a competência da Justiça Federal.

A jurisprudência daquela Corte assentou-se no sentido de que crimes cometidos mediante a divulgação ou publicação de conteúdo proibido pela internet, somente compete à Justiça Federal quando verificado acesso além das fronteiras nacionais.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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