O direito real de laje e sua aquisição pela usucapião

Exibindo página 1 de 2
03/12/2018 às 00:18
Leia nesta página:

Analisa o direito real de laje como um desdobramento do direito de propriedade do titular originário do domínio de um imóvel.

NUFEI – NÚCLEO DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO IMOBILIÁRIA

ABADI – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADMINISTRADORAS DE IMÓVEIS

UCAM – UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO EM EXCELÊNCIA NO DIREITO IMOBILIÁRIO.

                           

ELIZABETE ALVES DE AGUIAR

O DIREITO REAL DE LAJE E SUA AQUISIÇÃO PELA USUCAPIÃO.

RIO DE JANEIRO – NOVEMBRO/2018

Resumo

O estudo monográfico que ora se apresenta, é um trabalho de pesquisa bibliográfica cujo objetivo investigatório geral, circunscreveu-se em analisar o direito real de laje, como um desdobramento do direito de propriedade do titular originário do domínio de um imóvel. O objetivo investigatório específico teve por escopo explanar que é possível a aquisição do direito real de laje pela posse continua, prolongada, ininterrupta, sem oposição, presente a boa-fé, e o ânimo de dono. Em relação ao problema, questionou-se acerca das espécies de usucapião hábeis à aquisição do direito real de laje, pela posse, bem como, se o mero detentor e o fâmulo da posse, poderiam adquirir aludido direito. Quanto à metodologia utilizada para elaboração do trabalho de pesquisa, de natureza indutivo-exploratória, a mesma embasou-se em fontes primárias e secundárias, com o emprego de material jurídico consistente em livros, revistas, artigos doutrinários, jurisprudência e legislação pátrias. Procurou-se com a pesquisa, reunir subsídios, de forma a colmatar as omissões e delimitar as dúvidas, quanto às normas que regulamentam o direito real de laje, por meio de integração da norma jurídica, empregando-se a analogia. Pretendeu-se com os resultados obtidos, solucionar o problema formulado, alcançando-se de forma aceitável os objetivos mencionados, para, por fim, inferir-se que é possível a aquisição do direito real de laje, tanto pelo possuidor, como, pelo mero detentor e, ainda, pelo fâmulo da posse, desde que, presentes os requisitos destas, por meio de algumas espécies de usucapião, que pode concretizar-se pela via judicial ou extrajudicial.

Palavras-chaves: direito real de laje; posse; aquisição; usucapião.


Résumé

 L’étude monographique présentée ici est une recherche bibliographique dont l’objectif général d’investigation se limitait à l’analyse du droit réel de la dalle en tant que développement du droit de propriété du propriétaire initial du domaine immobilier. L’objectif spécifique de l’enquête était d’expliquer qu’il est possible d’acquérir le droit réel de la dalle par une possession continue, prolongée et ininterrompue, sans opposition, présente de bonne foi et par l’esprit du propriétaire. Concernant le problème, nous avons interrogé les espèces d'usucapion susceptibles d'acquérir le droit royal de dalle, par la possession, et, si le simple titulaire et le propriétaire de la possession, pouvaient acquérir le droit mentionné. En ce qui concerne la méthodologie utilisée pour l’élaboration des travaux de recherche, de nature exploratoire-inductive, celle-ci s’appuyait sur des sources primaires et secondaires, avec l’utilisation de matériel juridique comprenant des livres, des revues, des articles de doctrine, la jurisprudence et la législation nationale. La recherche visait à rassembler des subventions afin de combler les lacunes et de dissiper les doutes concernant les règles régissant le droit réel de la dalle grâce à l’intégration de la norme juridique, à l’aide de l’analogie. L’objectif était de résoudre le problème formulé, en acceptant les objectifs mentionnés d’une manière acceptable, pour enfin en déduire qu’il est possible d’acquérir le droit réel de la brame à la fois par le propriétaire et par le simple propriétaire. titulaire, ainsi que par le titre de la possession, à condition que les exigences de celles-ci, au moyen de certaines espèces d’usucapião, puissent être matérialisées par des moyens judiciaires ou extrajudiciaires.

Mots-clés: vraie dalle droite; la propriété; acquisition; usucaption.

Apresentação

A presente monografia é um trabalho de pesquisa bibliográfica de natureza exploratória, embasada no levantamento documental de fontes primárias e secundárias. Compõe-se de Introdução e três capítulos. Na Introdução fêz-se uma exposição genérica sobre o direito social à moradia e sua inclusão constitucional, a inserção de novos institutos no ordenamento jurídico pátrio, dentre os quais o novo direito real denominado de “a laje”, cuja disciplina apresenta-se lacunosa, quanto à possibilidade de sua aquisição pela ocupação possessória, por meio da usucapião. No Capítulo I procurou-se fazer uma abordagem sobre o novo direito real, nomeado de “a laje”, expondo-se um conceito sobre o mesmo, sua origem, natureza jurídica e principais características. Apresentou-se, também as semelhanças e diferenças deste direito, com o de superfície. Enfocou-se, ainda, a subdivisão de aludido direito, em inferior, superior e sucessivo; o dever de observância às posturas, normas edilícias e urbanísticas; e a aplicabilidade ao direito real de laje, das regras disciplinadoras do condomínio edilício. Tratou-se no Capítulo II, da constituição, alienação e extinção do direito real de laje. Quanto à constituição, mencionou-se as formas desta, intervivos e causa mortis, prosseguindo-se com o estudo das formas de alienação, onerosa e gratuita, e finalizou-se com as formas de extinção, enumerando-se, a ruína, a renúncia, o abandono, a desapropriação, a adjudicação e a arrematação, e a apropriação. O Capítulo III destinou-se à análise da posse, como meio de aquisição do direito real de laje, dando-se relevo à proteção constitucional e ao caráter social da mesma, seguindo-se com um exame genérico do instituto da usucapião, destacando-se suas espécies e explicitando aquelas que são hábeis à aquisição do direito real de laje, sendo que na sequência fêz-se a exposição das vias procedimentais utilizáveis para a usucapião do direito real de laje. Nas considerações finais, insertas no Capítulo IV, apontou-se que o legislador pátrio ao normatizar o direito real de laje, além de não ter sido claro o suficiente, também, foi lacunoso, elegendo apenas a ruína como forma de extinção do direito real de laje, olvidando-se de outras, dentre as quais, a apropriação a ensejar a denominada prescrição aquisitiva, que nada mais é que a usucapião, a qual ao lado de demais, é forma de aquisição de aludido direito, só que pela posse. O objetivo investigatório da pesquisa traduziu-se no desiderato de demonstrar que é possível a aquisição do direito real de laje, pela posse, desde que esta seja ostensiva, prolongada, pacífica, contínua, sem impugnação e de boa-fé, conferindo-se-lhe efeitos jurídicos pela usucapião, com utilização pelos operadores e aplicadores do Direito das normas de hermenêutica, na interpretação e integração das regras jurídicas, que regem, respectivamente, tal direito e instituto.

SUMÁRIO.

INTRODUÇÃO. .......................................................................................................... 7

CAPÍTULO I – O DIREITO REAL DE LAJE.

1.1 – Conceito. Origem. Natureza jurídica. Características. ...................................... 8

1.2 – Similitudes e diferenças entre os direitos reais de laje e superfície. ............... 11

1.3 – O direito real de laje inferior, superior e sucessivo. ......................................... 13

1.4 – O dever de observância às Posturas, Normas Edilícias e Urbanísticas. ........ 15

1.5 – A aplicabilidade das normas referentes ao Condomínio Edilício. ................... 18

CAPÍTULO II – A CONSTITUIÇÃO, ALIENAÇÃO E EXTINÇÃO DO DIREITO

                                                REAL DE LAJE.

2.1 – A Constituição. Formas. .................................................................................. 22

2.1.1 – Intervivos e Causa-mortis. ...........................................................................  22

2.2 – A Alienação. Formas. ...................................................................................... 22

2.2.1 – Onerosa e gratuita. ....................................................................................... 23

2.2.2 – O direito de preempção. ..............................................................................  23

2.3 – A Extinção. Formas. ........................................................................................ 25

2.3.1 – Por ruína. ...................................................................................................... 26

2.3.2 – Por renúncia. ................................................................................................ 27

2.3.3 – Por abandono. .............................................................................................. 28

2.3.4 – Por perecimento da coisa. ............................................................................ 30

2.3.5 – Por desapropriação. ..................................................................................... 30

2.3.6 – Por adjudicação ou arrematação. ................................................................. 32

2.3.7 – Por apropriação. ........................................................................................... 34

CAPÍTULO III – A POSSE COMO MEIO DE AQUISIÇÃO DO DIREITO REAL    

                                                 DE LAJE. ........................................................................................ 36

3.1 – A proteção constitucional da posse. ................................................................ 36

3.2 – A natureza de socialidade da posse. ............................................................... 38

3.3 – A usucapião. Generalidades. Espécies. .......................................................... 40

3.4 - Espécies de usucapião hábeis à aquisição do direito real de laje. .................. 47

3.5 – Vias procedimentais utilizáveis para a usucapião do direito

 real de laje. ..................................................................................................... 49

3.5.1 – A via judicial. ................................................................................................. 49

3.5.2 – A via extrajudicial. ......................................................................................... 50

CAPITULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS. .......................................................... 53

Referencias bibliográficas. ....................................................................................... 55

                                                                                                

INTRODUÇÃO.

O direito à moradia, com o objetivo a assegurar um padrão de vida que proporcione bem-estar ao ser humano, de há muito erigiu-se em preocupação dos legisladores, tanto que o constituinte o contemplou na Constituição Republicana de 1988 e o incluiu no elenco do Capítulo II do Título II, que trata dos “Direitos Sociais”.

Há também referência ao mesmo direito, nos artigos 6º, caput; 7º, inciso IV; 21, inciso XX, norma esta que atribui competência exclusiva à União, para instituir diretrizes ao desenvolvimento urbano, inclusive habitação e, artigo 23, inciso IX, o qual contempla a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para promoverem programas de construção de moradias.

À toda evidencia, o querer habitar condignamente, ter uma residência própria, ou até mesmo regularizar a que já se possui, com efeito sempre apresentou-se como um objetivo perseguido e a ser alcançado por inúmeras pessoas, o que nem sempre é possível, por razões diversas, dentre as quais a que prepondera é de origem econômica.

A proteção constitucional da posse, pro morare, é crucial para consolidar seu reconhecimento, como elemento fático, propício ao exercício do direito à habitação, porém, conquanto a mesma seja de suma relevância, é mister que se ponha à disposição do possuidor ferramentas jurídicas, para que este possa, por meio de uma delas, regularizar sua posse, colocando-a a salvo de reivindicações indevidas.

Por certo, os legisladores infraconstitucionais vem encetando esforços concentrados e paulatinos, para criarem novos institutos jurídicos, com vias a propiciar soluções escalonadas e eficazes, de molde a permitir a aquisição, e até mesmo a regularização, da moradia própria, e outorgar-lhe status social, com titulação real.

Ao advento da medida Provisória nº 759, de 11.07.2017, que foi convertida na Lei nº 13.465, de 11.07.2017, acrescentou esta ao Código Civil brasileiro, no catálogo do artigo 1.225, o inciso XIII, um novo direito real, com o nomen iuris de “a laje”, o qual se encontra disciplinado nos artigos 1510-A a 1510-E, e regulamentado nos artigos 58 a 63 do Decreto nº 9.310, de 15.03.2018, que instituiu normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana.

O novo direito real, nomeado atecnicamente de “a laje”, nas normas legais que o disciplinam além das imperfeições de ordem técnica, não contém em nenhuma delas autorização que permita, pela posse, garantir a ocupação/ apropriação, e consequente, regularização formal, por aqueles, que carentes de recursos, para suportarem qualquer financiamento habitacional de longo prazo, optam por uma solução que, se apresente menos onerosa, qual seja, a usucapião.

No presente estudo, tem-se a pretensão de demonstrar que a posse ad usucapionem se configura em um meio propício para a aquisição não só da propriedade, mas também do direito real de laje, sobre o qual se faz, a seguir, uma explanação.

        

CAPITULO I – O DIREITO REAL DE LAJE.

1.1. – Conceito. Origem. Natureza jurídica. Características.

Não é ocioso frisar que, os direitos reais estão adstritos ao princípio da taxatividade, sendo que até o advento da Medida provisória nº 759, de 22.12.2016, o direito real de laje não estava inserido no elenco do artigo 1.225 do Código Civil, havendo hoje sua previsão no inciso XIII.

De proêmio, convém fazer menção ao fato de que o termo “venda de laje” é antigo, sendo oriundo de comunidades (favelas), nas quais, de há muito, é práxis comum a alienação a terceiros, pelo possuidor de uma construção, do direito de construir sobre sua “laje”, termo do qual se apropriou o legislador infraconstitucional da espécie legislativa indicada.

No tocante à origem do direito real de laje, hoje disciplinado no Código Civil brasileiro (arts. 1510-A a 1510-E), o mesmo ao que parece afastou-se do significado que lhe empresta o possuidor residente nas favelas, indo buscar supedâneo em legislação alienígena, se inspirando no instituto do “Direito de construir sobre edifício alheio”, previsto no artigo 1526º do Código Civil Português[1].

Importa salientar que, tal dispositivo legal do Código Civil Português (Decreto-Lei nº 47344, de 25.11.1966) está embutido no Livro II (Direito das Coisas), precisamente no Título V, Capítulo I, o qual trata do “Direito de Superfície”.

De uma leitura da norma lusitana civilística, a expressão “direito de laje” utilizada pelo legislador pátrio, não se mostra adequada, sugerindo alguma doutrina nacional nomenclaturas outras, tais como, “Direito de Sobrelevação” e, “Direito de Superfície de 2º Grau”.

Em relação à natureza jurídica do “direito de laje”, se extrai da mens legis do artigo 1510-A e seu parágrafo 1º, que o mesmo é um direito real, que em princípio, só pode incidir sobre a propriedade, ou seja, só ao titular do domínio pleno sobre a coisa imóvel é facultado utilizar-se do mesmo, não podendo fazê-lo o promitente comprador, o mero possuidor, o titular do domínio útil, nem tampouco o fiduciário, na alienação fiduciária sobre imóvel, pois sua propriedade é condicionada resolutivamente ao adimplemento da totalidade da dívida pelo devedor fiduciante.

No direito real de laje ocorre como que uma cisão, um desdobramento do direito real de propriedade, do titular originário do domínio, no caso o alienante, que cede parcela de seu direito, em favor de terceiro, o qual passa a ser titular de um novo direito real sobre coisa própria daquele, a saber, um “direito real de laje, seja para construir sua moradia sobre ou sob a laje de construção já existente (lajes superposta ou subterrânea), ou, ainda, se não terminada a construção sem que a laje esteja construída, sendo neste caso, direito sobre coisa futura, o que não é vedado pela legislação pátria, haja vista o disposto nos artigos 458 a 461 do Código Civil[2].

Acerca das características do direito real de laje, pode-se apontar as seguintes:

  1.  o legislador deixou antever, que apenas o titular do direito de propriedade (domínio) é que poderá ceder (alienar) a superfície superior (espaço aéreo) ou inferior (subsolo) de sua construção;
  2.  o direito real de laje permite a constituição de unidades imobiliárias autônomas sobre ou sob edificações, já existentes e distintas daquelas originariamente constituídas sob o solo, em posição vertical;
  3.  deve haver isolamento funcional entre a construção-base e as demais construções, objeto do direito real de laje, com acessos independentes para estas;
  4.  ao titular do direito real de laje não é conferida atribuição de fração ideal de terreno, nem tampouco, qualquer participação proporcional em áreas no mesmo já edificadas;
  5.  ao titular do direito real de laje incumbe satisfazer os pagamentos decorrentes dos encargos e tributos, que incidirem sobre a sua unidade imobiliária;
  6.  a unidade imobiliária autônoma, objeto do direito real de laje, deve ostentar matrícula própria no Registro de Imóveis da situação do imóvel da construção-base, efetivada a matrícula no Livro nº 2 (Registro Geral), com observância ao princípio da unicidade matricial (Lei nº  6.015/1973, art. 176, § 1º, inciso I), sendo que a construção-base deve estar averbada no registro imobiliário (Lei nº 6.015/1973, art. 167, II, nº 4);
  7.  a formalização do direito real de laje pode ser feita por escritura pública ou instrumento particular, com observância ao artigo 108 do Código Civil, conforme o valor acima ou não de 30 (trinta) salários mínimos;
  8.  é necessária a autorização do Poder Público Municipal, para aprovação e registro do direito real de laje, consoante estatuem os artigos 58, § 5º; 59 e 63, § 2º do Decreto nº 9.310, de 15.03.2018;
  9.  é possível a existência do direito real de laje no âmbito das REURB’s (Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social e Específica), nos termos do artigo 63 e parágrafos do Decreto nº 9.310, de 15.03.2018.
  10.  a alienação do direito real de laje pode se fazer a título oneroso ou gratuito, e por ato inter vivos ou causa mortis;

k) a extinção do direito real de laje pode decorrer da ruína da construção-base, e também, por outros meios da perda da propriedade previstos no Código Civil, e, ainda pela usucapião.

1.2 – Similitudes e diferenças com o direito real de superfície.

Como se mencionou no item 1.1 o direito real de laje guarda sua origem no Direito Português, no artigo 1526º que prevê o “direito de construir sobre edifício alheio”, direito este que está inserido no capítulo do direito de superfície.

Todavia, o legislador brasileiro divorciou-se da norma legal portuguesa, preferindo colocar o “direito real de laje” separado do direito real de superfície. Inobstante isto, certo é que, o novel direito real apresenta similitudes com o direito de superfície, porém deste se diferencia em vários aspectos.

Em breves pinceladas, convém lembrar que, o direito de superfície, previsto nos artigos 1369 e 1377 do Código Civil (aplicável segundo a doutrina pátria atualmente apenas para imóveis rurais) e artigos 21 a 24, da Lei nº 10.257, de 10.07.2001 (Estatuto da Cidade), o qual consoante os doutrinadores tem incidência, atualmente, tão só para os imóveis urbanos, consiste em um direito real sobre coisa alheia.

Tanto no direito real de laje, como no direito de superfície previsto no Estatuto da Cidade, há destinação para construir, sendo que naquele (o de laje) a(s) construção(ões) pode(m) ser superposta(s) ou subterrânea(s), e, no direito de superfície da lei civil, a regra é a não autorização de obras no subsolo, exceto se tal for inerente ao objeto da construção. (C. Civil, art. 1369, § único), cabendo salientar que, no direito de superfície não se exige a existência prévia de edificação, ao contrário do exigível no direito real de laje.

No direito real de laje, não prevêem as normas legais que o regulamentam a destinação para plantar, o que ocorre no direito real de superfície hospedado no Código Civil (arts. 1.369 a 1.377), que segundo a doutrina pátria mais abalizada, hoje de destina exclusivamente aos imóveis rurais.

Assim como o direito real de superfície pode se perfazer, por ato gratuito ou por ato oneroso, não há impedimento legal para que o direito real de laje se constitua pelas duas formas, sendo que, em havendo onerosidade na concessão da superfície, nos termos da lei civil, o pagamento se fará em uma única vez ou parceladamente (C. Civil, art. 1370).

Enquanto no direito real de laje sua constituição se faz por escritura pública ou por instrumento particular, dependendo do valor do negócio, se superior ou não a 30 (trinta) vezes o salário mínimo (C. Civil, art. 108), no direito real de superfície a escritura pública é o único modo pelo qual o mesmo se constitui (C. Civil, art. 1369, caput e art. 21 do Estatuto da Cidade).

No direito real de superfície do Código Civil há temporalidade para o mesmo, enquanto o previsto no Estatuto da Cidade pode a concessão ser por prazo determinado ou indeterminado, o que não ocorre no direito real de laje em que não há qualquer prazo, para sua duração.

Há abertura de matrícula própria no registro imobiliário para o direito real de laje (C. Civil, art. 1510-A, § 3º), com averbação na matrícula matriz, o que não ocorre com o direito real de superfície (do Código Civil e do Estatuto da Cidade), muito embora os títulos de ambos os direitos ingressem no fólio real, para registro. (C. Civil, art. 1369, e Lei nº 10.257/2001, art. 21)

Assim, como no direito de superfície o superficiário responde pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel (C. Civil, art. 1371 e art. 21, § 3º do Estatuto da Cidade), o titular do direito real de laje terá as mesmas obrigações em relação à sua unidade (C. Civil, art. 1510-A, § 2º).

Tanto no âmbito do direito real de laje, como do direito de superfície do Estatuto da Cidade, a Municipalidade (e o Distrito Federal), com espeque em seu poder de polícia, poderá dispor sobre exigências edilícias e urbanísticas. (C. Civil, art. 1510-A, §5º, e 1510-B; Lei nº 10.257/2001, art. 21, § 1º)

O direito real de superfície pode ser transferido inter vivos ou mortis causa, assim como o direito real de laje (C. Civil, art. 1372 e par. ún. e Lei nº 10.257/2001, art. 21, §§ 4º e 5º; C. Civil, art. 1510-D).

Da mesma forma que no direito de superfície é conferido o direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, respectivamente, ao superficiário e ao proprietário (C. Civil, art. 1373 e Lei nº 10.257/2001, art. 22), o Código Civil no art. 1510-D e parágrafos confere o mesmo direito, aos titulares da construção-base e do direito real de laje, nessa ordem.

No direito de superfície, extinta a concessão o titular do domínio passará a ter a propriedade sobre a construção realizada pelo superficiário, enquanto no direito real de laje, o titular deste que ergueu a construção é o dono da mesma.

1.3 – O direito real de laje inferior, superior e sucessivo.

O direito real de laje, como disciplinado no Código Civil (arts. 1510-A e 1510-E) e regulamentado nos artigos 58 a 63 do Decreto nº 9.310, de 15.03.2018, (arts. 58 a 63), como instrumento de regularização fundiária urbana, pode se constituir nos planos ínfero e elevado de uma construção preexistente, consoante permissivo inserto na norma do artigo 1510-A, caput do Código Civil.

Admite o mesmo dispositivo legal em seu parágrafo 6º a instituição de direitos de laje em planos superpostos sobre a laje anterior, exigindo a lei a autorização expressa dos titulares tanto da construção-base, como das demais lajes antecedentes.

Extrai-se da mens legis das normas legais citadas que os direitos reais de laje, efetivados no espaço aéreo ou no subsolo, bem como os consecutivos, não estão autorizados a expandir-se horizontalmente, em relação à construção base, haja vista que o legislador no parágrafo 1º do artigo 1510-A do Código Civil, deixou claro que tais direitos são tomados em projeção vertical, ou seja, sua aquisição não abrange as demais áreas edificadas ou que não sejam de propriedade do titular do domínio da construção originária.

A restrição legal acima mencionada é justificável, na medida em que o próprio legislador no parágrafo 4º do artigo 1510-A da lei civil explicitou, de forma ampla, sem qualquer exceção, que a instituição do direito real de laje, neste incluído o subterrâneo (no subsolo), o superior (no espaço aéreo) e o sucessivo (consecutivo a outra laje antecedente), não acarreta a outorga de fração ideal de terreno ao titular do direito de laje, nem tampouco lhe confere participação proporcional em áreas já edificadas.

Tal limitação, também, tem sua razão de ser, pelo fato de que, como já se expôs alhures, ser o direito de laje um direito real, sobre coisa própria, pelo qual o titular do domínio de um imóvel desdobra seu direito de propriedade, alienando parcela deste para construção, ao alienatário, que passa a titularizar aludido direito real.

Como unidade imobiliária autônoma, constituída em matrícula própria, no álbum imobiliário registral, o direito real de laje (inferior, superior ou sucessivo) atribui a seu(s) titular(es) as prerrogativas de usar, gozar e dispor do mesmo, sendo que, em se tratando do ato de disposição na hipótese de instituição, por alienação, de um sucessivo direito real de laje, conforme se mencionou acima, faz-se necessário a autorização expressa dos titulares, respectivamente, da construção basilar e dos das lajes antecedentes.

Impende salientar que, a constituição do direito real de laje, seja ele, no subsolo, no espaço aéreo ou até o sucessivo, só se torna possível se as unidades imobiliárias autônomas forem providas de vias de acesso independentes, a saber, não podem ter interligação com a edificação base, devendo serem apartadas desta.

Convém lembrar que, em caso de haver ação de execução em curso contra os titulares, respectivamente, da propriedade da construção base ou do(s) direito(s) real(is) de laje(s) com deferimento de penhora, o exequente além de ter que proceder à averbação premonitória, no registro imobiliário, do ato de propositura da execução e da constrição realizada, para conhecimento de terceiros, consoante o comando do inciso IX do artigo 799 do C.P.C., deverá requerer a intimação do titular da construção base, bem como se for o caso, do(s) titular(es) do(s) direito(s) das lajes anteriores, quando a penhora recair sobre o direito real de laje (inc. X) ou pugnar pela(s) intimação(ões) do(s) titular(es) do(s) direito(s) real(is) das lajes, quando a penhora incidir sobre a construção-base (inc. XI).

Aludidas providências, são importantes, pois permitem ao titular da construção-base se habilitar no leilão, com vias a arrematar o(s) direito(s) real(is) de laje, ou, o(s) titular(es) do(s) direito(s) de laje arrematar(em) o direito de propriedade daquele, passando a concentrar, em mãos próprias ambos os direitos reais (de propriedade e de laje).

1.4 – O dever de observância às posturas, e às normas edilícias e urbanísticas.

A Constituição Republicana de 1988, atribuiu aos Municípios, no artigo 30, inciso VIII a competência para promover o ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

O instrumento básico da política de desenvolvimento e da expansão urbana é o plano diretor, lei local, a qual,  aprovada pela Câmara Municipal é obrigatória para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes (CRFB/1988, art. 182, § 1º).

Como se vê, a administração e ordenamento da cidade estão afetos à esfera municipal, decorrentes da competência constitucional, sendo que no tocante ao direito de construir merece destaque as normas civis constantes dos artigos 1299 a 1313, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10/07/2001) e, à legislação alusiva ao meio ambiente.

Sem embargo de a lei civil assegurar ao proprietária ou ao titular do direito real de laje, o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, além de reivindica-los de quem injustamente os possua, certo é que tal direito está adstrito a sofrer determinadas restrições, impostas a favor do interesse público e do bem estar coletivo. Aludidas restrições, podem ser de várias ordens, a saber: a) de ordem militar (construções realizadas, nas proximidades de zonas fortificadas e em faixas de fronteiras, e etc.); b) decorrentes do direito de vizinhança (C.Civil, arts. 1;277 a 1.281) e, c) de ordem administrativa (Código Mineração (Dec-Lei nº 227/1967); Código de Águas (Dec. nº 24.643/1934); Código Florestal (Lei nº 12.651/2012); Tombamento (Dec-Lei nº 25/1937); limitações urbanísticas, regulamentos administrativos, e etc.)

Nesta conjuntura, à toda evidência, as construções oriundas do aproveitamento da laje da edificação originária, objetivando a instituição do direito real de laje, seja no subsolo ou no espaço aéreo, assim como, a alienação da laje ascendente para a criação de um sucessivo direito real de laje, com consequente construção, estão adstritas à observância das posturas e normas edilícias e urbanísticas estatuídas pelo poder público municipal, decorrentes do poder de polícia deste.

Fiel à orientação doutrinária e ao Direito legislado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (S.T.F) se consolidou na compreensão de reconhecer e proclamar a legitimidade das imposições urbanísticas pelos Municípios, no ordenamento urbano e no controle da edificação, decidindo,

A autoridade municipal pode dispor sobre a segurança dos edifícios, sua harmonia arquitetônica, alinhamento, altura, ingresso, saídas arejamento, enfim, acomodações às exigências que a vida humana, nas grandes cidades, vai tornando cada vez mais difícil. (RT 248/675. Itálico nosso)

Seguindo a mesma orientação, traz-se acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDIFICAÇÃO LITORÂNEA. MUNICÍPIO DE GUARATUBA. EMBARGO PELO ESTADO. LEGALIDADE. USO DO SOLO URBANO. INTERESSE DA COLETIVIDADE. LEI E DECRETO PARANAENSE 7.389/80 E 4.605/84.

O uso do solo urbano submete-se aos princípios gerais disciplinadores da função social da propriedade, evidenciando a defesa do meio ambiente e do bem estar comum da sociedade.

Consoante preceito constitucional, a União, os Estados e os Municípios têm competência concorrente para legislar sobre o estabelecimento das limitações urbanísticas no que diz respeito às restrições do uso da propriedade em benefício do interesse coletivo, em defesa do meio ambiente para preservação da saúde pública e, até, do lazer.

A Lei 7.389/80 e o Decreto 4.605/84 do Estado do Paraná não foram revogados pelo art. 52 do ADCT Estadual, nem interferem na autonomia do Município de Guaratuba, devido à mencionada competência legislativa concorrente.

Recurso ordinário conhecido, porém, improvido.                     

(RMS 8.766/PR, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/1998, DJ 17/05/1999, p. 150)

                                                                                      

Não é diverso o entendimento de outros tribunais pátrios:

Ementa: Direito Administrativo - Poder de Polícia da Municipalidade que além de ter competência para fiscalizar construções irregulares no âmbito de seu território, poderá determinar o seu refazimento, até mesmo a sua demolição, se for o caso - Aplicação do art 30, VIII, da CF. e o art 1.299, do Código Civil - Uso e ocupação do solo deve ocorrer de forma que melhor atenda ao interesse público - Procedência bem decretada - Decisão de Primeiro Grau mantida - Recurso não provido. (TJSP, Apelação Com Revisão nº 9154513-4.2005.8.26.0000 (994.05.122886-1, 4326265000), relator: Desembargador Henrique Nelson Calandra, Comarca: Taubaté, 2ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 17/06/2008, Data de registro: 01/07/2008)

O poder de polícia municipal, em matéria de construir, é mais amplo, podendo a Administração Pública alterar a legislação e modificar as posturas aplicáveis, a qualquer tempo. Enquanto, não concedido o pedido de licença, por si só, não gera direito adquirido em favor da parte interessada. A delonga injustificada na apreciação do processo administrativo pode dar ensejo ao mandado de segurança, quando impetrado a tempo de coibi-la, não assim quando já superada pela própria administração (Bol.AASP, nº 1154, p. 23, de 26.01.1981; TJRJ, DJRJ – 09.10.1980, p. 63)

A propósito, em mais de um dispositivo legal há referência às posturas edilícias e urbanísticas, atrelando-as ao direito real de laje. O parágrafo 5º do artigo 1510-A do Código Civil, expõe que “Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje”. Na sequência, o parágrafo 6º do mesmo artigo, quanto à instituição de um direito de laje sucessivo, além da exigência de autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, determina o respeito às posturas edilícias e urbanísticas vigentes. Também no artigo 1510-B, o qual veda ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício, há obrigatoriedade de observância das posturas previstas em legislação local.

Pelo que se atesta da redação das normas indicadas, o legislador preocupou-se com o controle das construções, no direito real de laje tanto no aspecto de garantir a estrutura e o formato das mesmas, como também nos aspectos de segurança, estética, salubridade e funcionalidade, de molde a atender a política de desenvolvimento urbano, a cargo da municipalidade.

Insta acrescer que, o Decreto nº 9.310, de 15.03.2018, o qual institui normas gerais  e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana, no contexto desta, dispôs que o direito real de laje dependerá da comprovação de que a unidade imobiliária seja estável, a depender a estabilidade da mesma das condições da edificação para o uso a que se destina, dentro da realidade em que se situa o imóvel, atribuindo na Reurb-S (Regularização Fundiária Urbana Social), ao Poder Público Municipal ou distrital a comprovação da estabilidade das unidades imobiliárias de que trata (art. 63 e §§ 1º e 2º).

Ainda, em relação a Regularização Fundiária Urbana, inexplicavelmente o legislador no parágrafo 3º, do artigo 63 do Decreto aludido, para a aprovação e registro do direito real de laje, em unidades imobiliárias componentes da Reurb (não a especificou) dispensou a exibição do “habite-se” (auto de vistoria para ocupação), o que soa temerário, fazendo presumir que despojou-se de controlar a observância das normas técnico-legais, atinentes às posturas e normas edilícias e urbanísticas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Dessume-se da exposição, que as posturas e normas edilícias e urbanísticas não são obstáculos à constituição do direito real de laje, e que fora do âmbito da Reurb (Social ou Específica) apenas tem o condão, de impossibilitar a averbação no registro imobiliário, de construção efetivada pelo titular de referido direito ou de cercear-lhe o uso.

1.5 – A aplicabilidade das normas referentes ao condomínio edilício.

         O artigo 1510- C do Código Civil, no tocante ao direito real de laje estipulou que aplica-se a este, no que couber, as normas atinentes aos condomínios edilícios, quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes, que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, as quais serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular do direito real de laje, de forma proporcional, conforme for avençado em contrato.

No parágrafo 1º do mesmo artigo 1510-C estão arroladas as partes que servem a todo o edifício, a saber: I – os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; II – o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; III – as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e; IV – em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício.

Acrescenta o parágrafo 2º da norma legal em comento, ser assegurado, em qualquer caso, o direito de serem promovidas reparações urgentes na construção, pelos titulares da construção-base ou do direito real de laje, com aplicação do parágrafo único do artigo 249 do Código Civil, o qual permite que a execução das obras, de urgência, seja realizada pelo próprio interessado ou por terceiro a mando do mesmo, o qual terá direito a ressarcimento do que despender.

Como se observa das normas retro transcritas não há que se confundir o direito real de laje, com o condomínio edilício, regulado este pelos artigos 1331 a 1358 do Código Civil e no que não contrariarem estes, pelas normas insertas na Lei n° 4.591, de 16.12.1964, com as alterações da Lei n° 4.864, de 29.11.1965.

Por certo, onde existe condomínio edilício, não se poderá instituir direito real de laje, pois as normas que os regem são distintas, sendo que no condomínio edilício há partes de uso comum entre todas as unidades imobiliárias, as quais têm frações ideais do terreno, o que não ocorre no direito real em apreço.

Outrossim, o condomínio edilício consiste em uma universalidade de fato, a qual é representada em juízo pelo síndico ou administrador (C. Civil, art. 1348, inc. II e C.P.C., art. 75, inc. XI), o que inexiste no âmbito do direito real de laje, pois cada unidade deste tem autonomia própria para seu titular demandar e ser demandado em juízo.

Ademais, o estatuto básico do condomínio é a Convenção, a qual regulamenta os deveres e direitos dos condôminos, devendo ser registrada no Livro n° 3, do Registro de Imóveis, consoante previsão do artigo 167, I, n° 17, da Lei n° 6.015, de 31.12.1973, exigindo quórum de 2/3 (dois terços) para sua constituição e alteração (C. Civil, art. 1333), além de haver possibilidade de criação de um Regimento Interno. Já no campo do direito real de laje, inexiste Convenção e tampouco Regulamento Interno, só prevendo a lei a elaboração de um contrato, no qual possa se estipular a forma de partilha proporcional, para a satisfação das despesas necessárias à conservação e fruição das partes que tenham serviência a todo o conjunto e ao pagamento dos serviços de interesse comum. Nada impede que este contrato seja levado a registro no Registro de Títulos e Documentos, de forma facultativa, para publicidade e eficácia assecuratória, a teor do disposto no artigo 127, incisos I e VII, da Lei n° 6.015, de 31.12.1973, vez que ausente disposição expressa para registro do referido instrumento negocial.

Extrai-se das normas de início mencionadas, que apesar de haver autonomia das unidades imobiliárias decorrentes do direito real de laje, em relação à construção-base e isolamento funcional entre as mesmas, há uma certa interligação nas searas de segurança, arquitetura, salubridade, instalações sanitárias, e etc. devendo todos os titulares colaborarem, proporcionalmente, para as despesas de interesse comum, com vias a conservação, manutenção e melhorias, que se façam mister, para a totalidade das edificações.

É oportuno citar-se a respeito, o Enunciado nº 89 da I Jornada de Direito Civil do CEJ/CJF:

O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo.

Assim, sem embargo de não se tratar de condomínio, em quaisquer de suas modalidades, as despesas que sejam comuns, assim como os ônus, que interessem diretamente ao(s) titular(es) da construção base e do(s) direito(s) real(is) de laje, devem ser por todos suportados, em proporção, à(s) sua(s) parte(s), como verbi gratia obrigações decorrentes da legislação trabalhista e previdenciária, relativas a empregados (porteiro, zelador, faxineiro, e etc.), bem como as oriundas da legislação tributária (p. ex: contribuição de melhoria, multas, e etc.)

Impende salientar que, ao contrato acima mencionado, previsto no artigo 1.510-C do Código Civil, aplica-se, por analogia, o verbete nº 260 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

A CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO APROVADA, AINDA QUE SEM REGISTRO, É EFICAZ PARA REGULAR AS RELAÇÕES ENTRE OS CONDÔMINOS.

No concernente às despesas comuns, que interessem, de forma direta, ao(s) titular(es) da construção base e do(s) direito(s) real(is) de laje, tem aplicação às inteiras, a jurisprudência pátria ora colacionada:

PROPRIETÁRIO QUE SE UTILIZA DE BENESSES PROPORCIONADAS POR ASSOCIAÇÃO DE MORADORES.

O proprietário que se beneficia dos serviços de manutenção, limpeza, segurança e outros realizados em condomínio de fato constituído em loteamento fechado tem a obrigação de concorrer com sua cota parte nas respectivas despesas, pena de enriquecimento sem causa. (2º TACivSP, Ap. 542.249, 2ª Câm., rel. Juiz Gilberto dos Santos, j. 29.3.1999)

PROCESSUAL CIVIL - CONDOMÍNIO - LOJA COM ACESSO INDEPENDENTE - COTAS CONDOMINIAIS - CRITÉRIO DE RATEIO EXPRESSO NA CONVENÇÃO - CONFORMIDADE COM A LEI 4.591/64 - VALIDADE.

1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a unidade condominial com acesso direto à via pública não está sujeita às taxas gerais atinentes aos demais apartamentos, salvo se a convenção dispõe em contrário. In casu, o artigo 24 da Convenção do Condomínio do Edifício Lúcio Costa dispõe expressamente que as despesas provenientes de manutenção e conservação dos serviços, coisas e partes comuns, bem como as de sua administração, serão rateadas entre os condôminos na proporção de sua área ideal, em conformidade com o disposto no 12, § 1º, da Lei 4.591/64, devendo, pois, ser respeitado.

2. Recurso não conhecido.

(REsp 646.406/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2005, DJ 21/03/2005, p. 401)

COTAS DE CONDOMÍNIO. PRECEDENTES DA CORTE.

1. No estágio atual da jurisprudência da Corte, a "responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias do caso" (EREsp n° 138.389/MG, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13/9/99).

2. No presente caso, havendo prova de que os recibos foram emitidos pelo condomínio contra o atual ocupante, com isso mostrando ter pleno conhecimento do fato, não tem a empresa responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais, sendo insuficiente a simples ausência de registro.

3. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 579.943/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 16/11/2004, p. 274)

Na sequencia do trabalho, explana-se panoramicamente sobre a constituição, alienação e extinção do direito real de laje.

CAPITULO II – A CONSTITUIÇÃO, ALIENAÇÃO E EXTINÇÃO DO DIREITO REAL DE LAJE.

2.1 – A Constituição. Formas

Consoante já exposto anteriormente, o direito real de laje, nasce pelo fracionamento ou fragmentação do direito real de propriedade, em que o titular do domínio aliena parte de seu direito a terceiro, o qual passa a titularizar um novo direito com o nomem iuris de “a laje”, com o escopo de construir sobre ou sob a edificação primitiva.

A constituição deste direito real, pode perfazer-se por duas formas, a saber: inter-vivos ou causa-mortis.

2.1.1 – Inter-vivos e Causa-Mortis.

Na instituição inter vivos os atos ou contratos de alienação ou transmissão do direito real de laje, se concretizam em vida do titular da propriedade da construção-base e do adquirente de aludido direito, podendo efetivar-se, por exemplo, por compra e venda, troca ou permuta, doação, alienação fiduciária de bem imóvel, cessão de direitos, dação em pagamento, arrematação e etc.

Já no que pertine à constituição do direito real de laje causa mortis esta se dá em decorrência de disposição de última vontade, no caso pelo testamento ou por transmissão do direito em foco, por sucessão hereditária após a morte do titular do mesmo.

2.2 – A alienação. Formas.

A alienação do direito real de laje pelo titular do domínio do imóvel, no qual se assenta a construção-base, repassando a outrem parcela de sua propriedade, por transferência entre vivos, pode ser realizada pelo próprio ou por mandatário, este munido de instrumento (público ou particular conforme o valor da alienação), com poderes expressos e especiais para tanto.

Para a validade e eficácia da alienação o titular do domínio, deve ostentar capacidade para o ato, valendo citar-se o aforisma “Allienare qui non potest, nec alienatione consentire” (Quem não pode consentir na alienação, não pode alienar).

A alienação também configura uma forma de extinção do direito real de laje, quando o titular deste transfere seu direito a terceiro, o qual passa a ser o novo dono do mesmo.

É cediço que, a alienação pode se dar inter-vivos a título oneroso (compra e venda, permuta, dação em pagamento) ou gratuito (doação), sendo estas as formas de transferência do direito real em testilha.

2.2.1 – Onerosa e gratuita.

Na forma onerosa de alienação do direito real de laje, há reciprocidade entre alienante e alienatário havendo obrigações de ambas as partes, caracterizadas por prestação e contraprestação, como se dá, verbi gratia, em se tratando de compra e venda.

Em relação à forma gratuita da alienação do direito em referência, esta se apresenta sem qualquer retribuição, ficando a parte que se beneficia deste modo de transmissão, isenta de qualquer contraprestação ou pagamento, pela liberalidade.

Em ambas as formas, conforme a espécie de ato jurídico pela qual se dê a alienação, far-se-á necessário o registro imobiliário do título transmissivo, haja vista o disposto nos artigos 1227 e 1245 do Código Civil, observando-se o catálogo do artigo 167 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31.12.1973).

2.2.2 – O direito de preempção.

Prevê a lei o direito de preempção ou preferência, em caso de alienação onerosa das unidades imobiliárias, resultantes do direito real de laje, em igualdade de condições com terceiros, tanto em favor dos titulares, respectivamente, da construção-base como em favor dos do(s) direito(s) real(is) de laje, obedecida esta ordem, conforme a dicção do artigo 1.510-D do Código Civil.

Estabelece o referido dispositivo que, aludidos titulares deverão ser cientificados pelo alienante, por escrito, para que possam se manifestar, no prazo de 30 (trinta) dias, exceto se disposto de modo diverso no contrato, sendo que, a norma indicada não esclarece a forma pela qual se fará a comunicação, pelo que entende-se que esta pode ser por carta com aviso de recebimento, por notificação judicial ou extrajudicial, esta feita pelo Cartório de Registro Títulos e Documentos, ou qualquer outro meio inequívoco de cientificação, levando-se em consideração a ressalva da parte final do artigo 1.510-D da lei civil.

Ainda no que pertine ao direito de preempção, estipula o parágrafo 2º do aludido artigo que, em havendo mais de uma laje, em caso de alienação, a preferência se dará, sucessivamente, ao titular das lajes ascendentes e ao das lajes descendentes, assegurando-se a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada, excepcionando este parágrafo 2º a ordem de preferência prevista no caput do artigo 1.510-D, que contempla, em um primeiro plano, o titular da construção-base.

Cremos que a comunicação poderia observar, por analogia, a disposição expressa no parágrafo único do artigo 27 da Lei n.º 8.245, de 18.10.1991, devendo conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e o horário em que possa ser examinada a documentação pertinente.

Embora o artigo em comento nada expresse a respeito da forma pela qual deva dar-se a manifestação do interessado, presume-se que a mesma deva se efetivar também por escrito, pois, se transcorrido o trintídio legal in albis, há que se entender que aquele não tem qualquer interesse na aquisição da unidade objeto do direito real de laje.

Confere a lei civil, no parágrafo 1º do artigo 1.510-D, aos titulares da construção-base e do direito real de laje, respectivamente, aos quais não se tenha dado conhecimento da alienação das unidades imobiliárias sobrepostas, no prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data da alienação a terceiro, o direito de alvejar ação reipersecutória de natureza real, objetivando obter para si o direito real da unidade alienada, mediante o depósito do respectivo preço (e demais despesas da transferência, para não haver enriquecimento sem causa), e, se julgado procedente o pedido, com o trânsito em julgado, poderá promover a matrícula em seu nome, no registro imobiliário.

Se, porventura, o titular da construção-base adquirir para si o direito real de laje, que era objeto de alienação, assim como outras unidades imobiliárias acaso existentes, também fruto de direito real de laje, ou, ainda, no caso de ser o autor da ação reipersecutória acima mencionada, na qual obteve êxito, poderá o mesmo, se assim lhe aprouver, utilizar-se do instituto da fusão de matrículas, reunindo-as em uma só, de novo número, com encerramento das matrículas autônomas das unidades, que eram objeto do direito real de laje, consoante a norma permissiva do artigo 234 da Lei n.º 6.015, de 31.12.1973, procedendo-se às anotações respectivas, na forma dos artigos 179 e 180 do mesmo diploma legal.

Importante frisar que, o legislador não contemplou a opção relativa à possibilidade de os titulares, da construção-base e do(s) direito(s) real(is) de laje, preteridos em seus direitos de preferência, no caso de o terceiro adquirente ser comprador de boa-fé ou já tiver este alienado a unidade a outrem, o direito de promover ação de natureza pessoal de cunho indenizatório contra o alienante, como o fez em relação ao locatário alijado em seu direito de preempção, conforme dispõe a primeira parte do artigo 33 da Lei n.º 8.245, de 18.10.1991.

O legislador também nada mencionou sobre a cessão e a sucessão do direito de preferência, razão pela qual entendemos aplicável o artigo 520 do Código Civil, que expressamente as veda, estendendo-se tal vedação ao direito real de laje.

2.3 – A Extinção. Formas.

A extinção de um direito pode ocorrer, seja em relação ao próprio direito, por haver renúncia, abandono ou por estar prescrito, pela obrigação que se finda pelo cumprimento ou prescrição, ou, ainda, pelo perecimento ou consumo da coisa.

Nada obstante o legislador só tenha se referido à hipótese de ruína da construção-base, como causa de extinção do direito real de laje, é cediço que o Código Civil em seu artigo 1275, arrola outras causas que podem ser consideradas como de extinção do direito real de laje, embora constando como sendo de perda da propriedade. São elas as seguintes:

I) por alienação;

II) por renúncia;

III) por abandono;

IV) por perecimento da coisa;

V) por desapropriação.

Há outras causas de extinção do direito real de laje, podendo se exemplificar, nas hipóteses de adjudicação ou arrematação, respectivamente pelo exequente e pelo titular do domínio da construção-base, em leilão, do direito real de laje, decorrente de ação de execução proposta contra o titular deste último.

Algumas das modalidades de extinção do direito real de laje, atingem a própria essência deste, como a renúncia, o abandono, a desapropriação, a apropriação, a adjudicação e a arrematação, estas últimas configuradas como alienação.

Outras, afetam a coisa de per si, como a ruína e a apropriação pela posse, esta conhecida como prescrição aquisitiva (rectius: posse ad usucapionem).

2.3.1 – Por ruína.

O signo “ruina” do latim ruere (desabar, deitar por terra, destroçar), exprime, em relação às coisas (prédios, construções), o estado em que ficam depois de desabadas, derruídas, destroçadas.

Acerca da extinção do direito real de laje, o artigo 1510-E do Código Civil faz menção apenas à ruína da construção-base[3], excetuando nos incisos I e II as hipóteses em que a mesma não faz perecer referido direito, respectivamente, se o referido direito real de laje tiver sido instituído no subsolo e, se a construção-base não for reconstruída no prazo de 5 (cinco) anos.

Prosseguindo em seu parágrafo único, expressa o legislador da norma indicada que “O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína.[4]

Na hipótese de extinção do direito real de laje pela ruína da construção-base, o mesmo só não se ceifará se a unidade imobiliária for ascendente (subterrânea), ou se o titular da construção originária, por inércia sua não proceder à reconstrução da mesma no prazo de 5 (cinco) anos, prazo este que acreditamos ser decadencial.

A responsabilidade civil do causador da ruína da construção-base, deve estar adstrita à observância dos artigos 186 e 927 do Código Civil, não excluída a responsabilidade penal, nos termos do artigo 935 do mesmo diploma legal, valendo lembrar que o artigo 256 do Código Penal tipifica o crime de “Desabamento ou Desmoronamento”, tanto na modalidade dolosa (art. 256, caput), como na culposa, esta inserida no parágrafo único do mesmo dispositivo penal.

Se houver mais de um responsável pela ruína da construção-base, estes responderão na esfera civil solidariamente, (C. Civil, art. 275) e, no campo penal em concurso de pessoas (C. Penal, art. 29).

2.3.2 – Por renúncia.

A renúncia significa a abdicação ou desistência no tocante ao direito que se ostenta sobre determinada coisa ou bem, caracterizando-se por ser uma forma voluntária, por meio da qual o titular daquele não mais o quer fazer valer ou utilizar.

Se apresenta a renúncia expressamente ou por exceção de forma tácita, sendo neste último caso presumida, em havendo omissão ou inadimplemento de obrigação, tempestivamente, a qual seria apta ao asseguramento do direito.

Imprescindível mencionar que nem todo direito é passível de ser renunciado tacitamente, como é o caso da renúncia ao direito hereditário, a qual deve se formalizar, de forma expressa, por escritura pública ou por termo nos autos (Código Civil, artigo 1.806)[5].

À toda evidencia, o titular do direito real de laje pode renunciar ao mesmo.

Por certo a renúncia à propriedade da coisa imóvel, pela qual se perde o domínio sobre a mesma, se perfectibiliza produzindo seus efeitos legais consoante expressa o parágrafo único do artigo 1275 do Código Civil pelo registro do ato renunciativo no Álbum Imobiliário, a teor da previsão no artigo 167 da Lei nº 6.015/1973[6]. O mesmo se aplica ao direito real de laje.

2.3.3 – Por abandono.

O abandono também acarreta a perda da propriedade na medida em que o apropriador venha adquirir o domínio da coisa imóvel abandonada.

Ao contrário da renúncia, que se dá, em regra, por ato expresso, e somente produz seus efeitos após o registro no fólio real, o abandono se apresenta por ser um ato tácito, independendo a produção de seus efeitos de qualquer ato inscritível no registro imobiliário, bastando que a coisa imóvel saia da posse física, de fato, do titular do domínio, o qual ao enjeitá-la esboça o desejo de não mais possuí-la.

No Código Civil o abandono tem previsão nos artigos 1275, inciso III e 1276, parágrafos 1º e 2º[7].

Na oportunidade, cabível a transcrição dos Enunciados de números 242 e 316, respectivamente das III e IV Jornadas de Direito Civil do CEJ/CJF, ad colorandum:

242 – Art. 1.276: A aplicação do art. 1.276 depende do devido processo legal, em que  seja assegurado ao interessado demonstrar a não cessação da posse.

316 – Art. 1.276. Eventual ação judicial de abandono de imóvel, caso procedente, impede o sucesso de demanda petitória.

É curial que, o direito real de laje também pode ser objeto de perda, por esta modalidade a qual afeta a propriedade, bem como a posse, que abandonada pode ser exercida por terceiro.

2.3.4 - Por perecimento da coisa.

Já se falou alhures no item 2.3.1 sobre a ruína da construção-base como forma de extinção do direito real de laje, inserta no artigo 1510-E do Código Civil.

Neste item se trata, especificamente, sobre a extinção do direito real de laje, pelo perecimento físico, ou seja, corpóreo da coisa imóvel (a construção) objeto do mesmo.

Conforme o escólio de De Plácido e Silva (1980, vol. III e IV, p. 350), o signo “perecimento” significa:

“Na terminologia jurídica, sem fugir ao sentido literal, é o vocábulo empregado, em relação a coisa ou direito que deixam de existir, na acepção de perda, destruição e extinção.

O perecimento das coisas revela-se na sua destruição ou  perda das qualidades, que lhe são essenciais, pelo que, se perdidas ou desaparecidas, resultam na sua destruição.”

Complementa o doutrinador:

“Desse modo, há perecimento toda vez que a coisa ou o direito deixa de ter existência legal, em face da destruição de caracteres que lhe são próprios, ou dos próprios elementos materiais que o compõem.

Assim sendo, na evidência do perecimento há sempre uma perda ou destruição, que vem mostrar materialmente, a falta de vida ou a inexistência jurídica da coisa ou do direito”. (ibidem)

Arrematando, conclui o estudioso:

“Em regra, pois, decorre de perda ou destruição física ou corpórea, seja da própria coisa ou de quaisquer elementos indispensáveis à sua vida”. (ibidem)

Indubitavelmente, o perecimento da coisa, como causa da perda da propriedade, que se encontra listado no inciso IV do artigo 1.275 do Código Civil, aplica-se inteiramente ao direito real de laje.

                   

2.3.5 – Por desapropriação.

A desapropriação[8] consiste em uma alienação forçada, pela qual o poder público utilizando-se de seu poder de império, promove a extinção do domínio de um imóvel, cuja titularidade era ostentada por um particular, transferindo-o para o domínio estatal, seja por interesse público ou social

Não é demais assinalar que, o instituto da desapropriação previsto na CRFB/1988, em seu artigo 5º, inciso XXIV, por utilidade pública, é regulamentado pelo Decreto-Lei nº 3.365, de 21.06.1941, enquanto que o por interesse social é objeto de disciplina pela Lei nº 4.132, de 10.09.1962.

Como ato administrativo emanado do poder público (federal, estadual, distrital ou municipal) a desapropriação por interesse público, que é a que nos interessa, a qual efetiva-se por meio de acordo ou de forma litigiosa pela via judicial (Decreto-Lei 3.365/1941, art. 10) pode recair sobre o imóvel no qual se assenta a construção-base, e por consequência haverá a conversão da propriedade particular em propriedade pública, o mesmo ocorrendo em relação ao direito real de laje, que passará para o domínio público.

Impende realçar, ser possível, assim, a desapropriação tanto da construção-base, como do direito real de laje (inferior, superior e sucessivo) considerando as normas cogentes expressas no artigo 2º, caput e seu parágrafo 1º da Lei Geral das Desapropriações (Decreto-Lei nº 3.365/1941).

No caso, há a possibilidade de os titulares, respectivamente, do direito real de propriedade e do direito real de laje, requererem a retrocessão nos termos do artigo 519 do Código Civil, se não houver a destinação ou utilização das coisas expropriadas[9], excetuando-se apenas a hipótese contemplada no parágrafo 3º do artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.365/1941, se a desapropriação tiver por fim à implantação de parcelamento popular para classes de menor renda.

       

2.3.6 – Por adjudicação ou arrematação.

               

Embora não mencionadas como causas de extinção do direito real de laje, pelo legislador que o regulamentou, pode ocorrer a adjudicação ou a arrematação pelo titular do domínio da construção-base, em leilão, do direito em apreço, decorrente de ação de execução proposta contra o titular deste último, sendo que a aquisição, nestas hipóteses, do direito real de laje, pelo dono da construção principal, tal importa em exercício do direito de preempção, já exposto anteriormente.

Ambas as formas, de extinção do direito real de laje, são espécies do gênero expropriação, ocorrendo, como já se disse, no quadrante de um procedimento de execução (judicial ou extrajudicial).

Pela adjudicação, o direito ou bem penhorado é atribuído ao credor exequente, o qual deve oferecer pelo mesmo, preço que não seja inferior ao da avaliação, enquanto em se tratando de arrematação[10], esta decorre de alienação em leilão (judicial ou extrajudicial), o qual pode ser eletrônico ou presencial, se efetivando a venda pública ao licitante que ofertar o maior lance.

Não se pode olvidar que, o exequente ou o arrematante, do direito real de laje, pode ser o próprio titular do domínio da construção-base, e neste caso, concentrar-se-á em suas mãos ambos os direitos, pelo que lhe será possível promover no registro imobiliário a fusão das matrículas das unidades imobiliárias em seu nome.

2.3.7 – Por apropriação

É inquestionável que o direito real de laje pode ser objeto de apropriação, tanto pelo titular do domínio da construção, como por terceiro, ocorrendo o apoderamento se a coisa imóvel se encontrar em estado de abandono ou, também, nos casos de interversão da posse ou conversão da detenção em posse.

Assim, pela apreensão material, o apropriador adquire a posse, a qual se efetiva por atos externos, tomando então para si o aludido direito, com a detenção física da coisa, passando a tê-la em suas mãos e poder.

Na hipótese particular do apropriador do direito real de laje ser um terceiro, que já detinha a posse direta, decorrente de vinculo obrigacional com o titular do direito real de laje, o qual ostentava a posse indireta, é cabível, como se disse acima, a interversio possessionis prevista no artigo 1.203, do Código Civil.

Na ensanchas, o Enunciado nº 237 da III Jornada de Direito Civil do CEJ/CJF, in verbis:

É cabível a modificação do título da posse - interversio possessionis - na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.

         Ainda, no caso de conversão da detenção em posse, rompido o vínculo de subordinação, em havendo exercício em nome próprio de atos possessórios, pelo detentor (Código Civil, art. 1.198 c/c o art. 1.204)[11]

À propósito, veja-se o Enunciado nº 301 da IV Jornada de Direito Civil do CEJ/CJF, in litteris:

É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.

Perfilhando-se na mesma orientação, a jurisprudência pátria:

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROMESSA DE VENDA E COMPRA. TRANSMUTAÇÃO DA POSSE, DE NÃO PRÓPRIA PARA PRÓPRIA. ADMISSIBILIDADE.

? "O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador de imóvel, em princípio, não impede que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter originário daquela posse, de não própria, para própria? (REsp nº 220.200-SP).

Recurso especial não conhecido.

(REsp 143.976/GO, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 06/04/2004, DJ 14/06/2004, p. 221)

Processo civil e civil. Recurso Especial. Promessa de compra e venda de imóvel. Usucapião extraordinário. Transformação do caráter originário da posse. Dissídio. Caracterização.

- O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador de imóvel, a princípio, não impede que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter originário daquela posse, de não própria, para própria.

- A caracterização do dissídio jurisprudencial ensejador de Recurso Especial exige que o acórdão recorrido tenha divergido de afirmação assentada no paradigma e que os julgados comparados tenham analisado questão delineada faticamente de modo semelhante.

Recurso Especial não conhecido.

(REsp 220.200/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2003, DJ 20/10/2003, p. 269)

CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. MUTAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE.

O usucapião extraordinário - art. 55, CC - reclama, tão-somente: a) posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini; b) o decurso do prazo de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, "que não só dispensa a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência". E, segundo o ensinamento da melhor doutrina, "nada impede que o caráter originário da posse se modifique", motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente.

Recurso especial conhecido, com base na letra "c" do permissivo constitucional, e provido.

(REsp 154.733/DF, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2000, DJ 19/03/2001, p. 111)

No capítulo seguinte, se trata, especificamente, da aquisição pela posse ad usucapionem, do novel direito real de laje.

CAPÍTULO III – A POSSE COMO MEIO DE AQUISIÇÃO DO DIREITO REAL DE LAJE.

É notório que, o Código Civil em seu artigo 1.196 adotou apenas parcialmente a teoria objetiva, no atinente à compreensão da posse, pela qual bastaria o elemento corpus, como sendo único e material contato físico com a coisa, ou seja, a posse natural.

Dessarte, por tal teoria, a posse se apresenta como uma situação fática, que se instituiu entre coisa e pessoa, com vias a que esta tenha a possibilidade de fazer uso econômico da mesma.

Na acepção jurídica, o possuidor detém a coisa em mãos ou a tem à sua disposição, de molde a poder exercitar sobre a mesma todos os direitos inerentes ao títular da propriedade, se portando, em relação àquela como se seu dono fosse, presente, assim, a affectio tenendi, além do corpus.

Precisamente no que diz respeito à posse ad usucapionem, a qual é a que nos interessa, para caracterizar a aquisição do direito real de laje, a mesma deve apresentar-se por atos externos, compreendidos estes como o uso e gozo contínuos sobre a coisa imóvel, exteriorizando-se o desejo de tê-la para si, prolongando-se a posse no tempo, de forma mansa e pacífica, sem qualquer objeção, havendo a crença do possuidor que a coisa lhe pertence.

Tal espécie de posse, por sua evidente natureza social granjeou abrigo constitucional.

3.1 – A Proteção Constitucional da Posse.

        

A Constituição Brasileira, de 05.10.1988, no Título VII que trata “Da Ordem Econômica e Financeira”, inovou em relação à Carta Política que a antecedeu, ao instituir o Capítulo VII, sobre a Política Urbana, estampada esta nos artigos 182 e 183.

         No âmbito da política de desenvolvimento urbano, a ser efetivada pelo Poder Público Municipal, com o escopo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, o legislador constitucional, decerto levou em consideração o fato social da posse pró-moradia.

         Assim o foi, tanto que alçando a posse ao mesmo patamar de relevância que atribuiu à propriedade, conferiu-lhe proteção constitucional, consoante se infere da mens legis do artigo 183, caput, ao prever a usucapião constitucional pró-morare, em área urbana de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), desde que ocupada, ininterruptamente e sem oposição, por um quinquênio, pelo possuidor e sua família, que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

         Ainda no domínio da Política Urbana, a proteção constitucional da posse é atribuída, à figura da concessão de uso especial para fins de moradia, como expressam os parágrafos 1º e 2º do já citado artigo 183, regulamentada pela Medida Provisória nº 2.220, de 04.09.2001, conferida a concessão por uma única vez, ao homem ou à mulher, ou a ambos, não importando o estado civil destes.

         O abrigo constitucional da posse também se verifica na seara “Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária”, prevista no Capítulo III, do mesmo Título VII, precisamente nos artigos 187 a 191, cuidando este último dispositivo, da usucapião constitucional pró-labore, dando relevo à posse quinquenal ininterrupta e sem oposição, daquele que não sendo proprietário de imóvel urbano ou rural, ocupe área de terra, em zona rural, não superior a 50 ha (cinquenta hectares), a fazendo produtiva, por seu trabalho e de sua família, utilizando-a para sua moradia.

         Também a título ilustrativo no Título VIII, “Da Ordem Social”, no Capítulo VIII, “Dos Índios”, nos parágrafos 1º e 2º do artigo 231 o legislador constituinte, em relação às terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas estipulou que estas se destinam à posse permanente dos mesmos, para utilização de suas atividades produtivas, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes. Porém, importa frisar que, tais bens pertencem à União (C.R.F.B./1988, art. 20, inciso XI), que detém o domínio e a administração dos mesmos, consoante o verbete n.º 480 da Súmula de jurisprudência do S.T.F[12].

         Por fim, no “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”, inobstante não constando expressamente, mas de forma implícita, o legislador jungiu à proteção constitucional a posse das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, ao reconhecer-lhes no artigo 68, a propriedade definitiva com direito à emissão dos respectivos títulos, em decorrência do poder de fato sobre as mesmas.

         Como se pode observar das normas constitucionais indicadas, a posse não foi olvidada pelo legislador constituinte originário, o qual emprestou-lhe o mesmo destaque que deu à propriedade, devendo como esta atender à sua função social.

3.2 – A natureza de socialidade da posse.

         O vocábulo “função social” remete à expressão “justiça social”, sendo esta um dos ideais do Cristianismo, em relação à solidariedade.

         Anota Wilson Accioli que, “ao que tudo indica a expressão justiça social teria surgido, inicialmente, na Encíclica Quadragésimo Anno de Pio XI, difundindo-se posteriormente. É certo ainda que este termo novo parece ter correspondência na expressão usada pelos escolásticos - justiça legal. Como essa expressão se desgastou, surgiu então o uso da referência justiça social, que melhor se adequava à linguagem contemporânea. O objetivo mais evidente da justiça social é a realização do bem da sociedade, o bem comum ou geral” (1981, p. 596).

         Discorrendo em sua obra sobre os contratos, ao expor acerca da função social destes, o escritor Arnaldo Rizzardo informa que “a doutrina da Igreja Católica teve grande repercussão nas concepções de uma justiça social nas estruturas dos sistemas econômicos, especialmente, por meio das Encíclicas Rerum Novarum, Quadragésimo Anno, Mater et Magistra, Pacem in Terra e Populorum Progressio” (2015:10).

         A Carta Constitucional brasileira, de 16 de julho de 1934, foi a primeira a insculpir em seu texto a expressão “interesse social ou collectivo”, em seu artigo 11, número 17, ao referir-se ao direito de propriedade que não poderia ser exercido contra aludidos interesses.

         Seguiu-se-lhe a Constituição Republicana, de 18 de setembro de 1946, a qual em seu artigo 147 estabeleceu que “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

         Imperioso enfatizar que, a Carta Magna de 1988, emprega em seu Preâmbulo as expressões “direitos sociais”, “bem estar”, “igualdade”, “justiça”, “sociedade fraterna”, “harmonia social”, para a seguir no artigo 1º, inciso IV e no artigo 3º, incisos I, III e IV, utilizar-se, respectivamente, dos termos “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, “sociedade justa e solidária”, “reduzir as desigualdades sociais”, e “promover o bem de todos”. Também usa o vocábulo “função social” nos artigos 5º, inciso XXII; 170, incisos II e III; 173, parágrafo 1º, inciso I; 182, caput e parágrafo 2º; 184, caput; 185, parágrafo único, e 186. Ainda, faz menção aos termos “interesse social” nos artigos 5º, inciso XXIV; 184 e parágrafo 2º, e, por fim “justiça social” no artigo 170, caput.

         Como se observa das inúmeras vezes em que o signo “social” é reprisado no corpo da Constituição de 1988, não afronta emprestar à posse utilidade de natureza social, uma vez que o legislador constituinte após garantir o direito de propriedade, subordinou seu uso e exercício a encargo de interesse coletivo ou a imposição de ordem legal, ao possibilitar sua desapropriação, mediante justa indenização, acaso não cumpra sua destinação social.

         A propósito da função social da propriedade, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, que “Embora seja característico das limitações constitucionais apenas impor deveres de abstenção não se pretendendo por meio delas captar do particular atuações positivas, em nosso Direito Constitucional há uma exceção notável, e que se constitui em cadente expressão do art. 170, III, onde se impõe o princípio da função social da propriedade. Esta, na conformidade do art. 5º, XXII cumprirá sua função social, em cujo nome o proprietário é obrigado a prepor o seu imóvel a uma função socialmente útil, seja em área urbana, seja em área rural” (2005, p. 740/741).

         Lembra a respeito o administrativista Hely Lopes Meirelles que “com a Constituição Brasileira de 1988, evolui-se da propriedade-direito para a propriedade função...”. Acrescenta que, “[...] ao submeter o direito de propriedade ao preenchimento de sua função social, estabeleceu-se verdadeiro marco na evolução da simples proibição do mau uso do solo urbano à exigência constitucional de uso adequado à sua função no ordenamento da cidade” (1996, p. 25 e 39).

         Sem embargo da garantia do direito de propriedade, é notório que não mais perdura o conceito de absolutismo de tal direito, haja vista que a concepção moderna sobre o tema, converge para o relativismo, prestigiando a socialização e a justa e equitativa distribuição de bens.

         Como adverte José Afonso da Silva, “a norma que contém o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicação imediata ... Realmente afirma-se a tese de que aquela norma tem plena eficácia, porque interfere com a estrutura e o conceito de propriedade valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta, transformando-a numa instituição de Direito Público...” (2016, p. 281/282).

         Por certo, a ocupação individual ou coletiva de imóveis urbanos (ou glebas rurais), sem qualquer destinação dada por seus proprietários, por pessoas carentes de moradias (e de terras para utilização, cultivo, criação, e etc.), insere-se no âmbito dos princípios constitucionais, que miram assegurar a existência digna com espeque nos imperativos sociais.

         Destarte, as políticas governamentais habitacionais e agrárias, devem visar a justa utilização do solo, a ordenação urbanística, e, melhorias das condições das áreas já ocupadas, reconhecendo a função social da posse dos que as tornem úteis com o seu trabalho e construções de suas habitações, dando maior relevo ao interesse público coletivo, em detrimento do individual, objetivando atender aos anseios de regularização daquelas, pela usucapião.

  

3.3 - A usucapião. Generalidades. Espécies.

A usucapião configura um modo natural oriundo da posse, o qual permite a obtenção do direito real de propriedade e, por analogia, do direito real de laje.

Confira-se, na oportunidade, o Enunciado de nº 627 da VIII Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho de Justiça Federal (CEJ/CJF):

“Art. 1510. O direito real de laje é passível de usucapião.”

O vocábulo usucapião, segundo o escólio de Plácido e Silva (1982, IV, p. 442), advém “Do latim usucapio, de usucapere (usucapir), exprime o modo de adquirir pelo uso, ou adquirir pela prescrição”.

         Pode-se ensaiar um conceito de usucapião, com esteio na consagrada doutrina pátria, como sendo um dos meios de aquisição do domínio ou de outro direito real (verbi gratia: laje, servidão, usufruto, e etc.) e que se dá pela posse contínua, prolongada, sem contestação ou oposição, presente a boa-fé, e o ânimo de dono.

         Em sendo a usucapião, por sua natureza, um modo originário[13], de aquisição do domínio, mister que haja a concorrência de alguns elementos para que se efetive, a saber: coisa hábil, posse, tempo, boa-fé.

Com efeito, a coisa a ser apropriada deve ser hábil para tanto, ou seja, deve ser usucapível, estar no comércio, havendo que ser identificada e individualizada, não sendo passível de restrições ou limitações[14].

         Ademais, a posse exercida sobre o bem imóvel, há que ser mansa, pública, ininterrupta e tranquila, sem quaisquer impugnações e de boa-fé, e isto porque, a posse violenta, às ocultas, descontínua e contestada, não gera a usucapião.

Convém realçar que, no atinente à oposição ou contestação à posse, efetivada por terceiro, se for posterior à propositura da ação judicial de usucapião, ou a impugnação for ofertada nos autos do procedimento administrativo extrajudicial tal não tem o condão de descaracterizar a sua continuidade[15].

         No que pertine ao tempo da posse, este é fixado em lei, sendo fator determinante da aquisição do domínio pela usucapião, até porque, o mesmo apaga qualquer ideia em torno do vício da má-fé.

Insta citar que, para a contagem do tempo de posse, pode-se ajuntar a posse anterior, para formar uma só, promovendo-se a acessio possessionis (acessão de posse)[16], no caso, de transmissão da posse a título singular, ou, a sucessio possessionis (sucessão da posse), na hipótese de haver transferência da posse a título universal.

Quanto à boa-fé, esta é a subjetiva, que se traduz na convicção, na crença do possuidor de que age e porta-se como o verdadeiro dono da coisa, e que esta realmente lhe pertence.

         Há que se fazer referência, também, ao justo título, requisito exigível para algumas modalidades de usucapião, que se fundam em documento, com vias a que se opere a aquisição, e, ainda, a capacidade, ostentada pelos que da usucapião participem, no respeitante à possibilidade de transferência e renúncia de direitos.

         Por certo, podem ser objeto de aquisição pela usucapião, tanto coisas móveis como imóveis, bens materiais e imateriais, o domínio útil (na enfiteuse), direitos reais (servidão aparente, usufruto, superfície, etc.), importando frisar que, os bens públicos, não podem ser usucapidos (C.R.F.B/1988, arts. 183,§3º e 191, parágrafo único; C. Civil, arts. 102; Dec-Lei nº 9.760/1946, art. 200; S.T.F, súm. nº 340)[17].

         Oportuno lembrar que, as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também são aplicáveis ao possuidor, em se tratando da usucapião, a teor da norma disposta no artigo 1244 do Código Civil.

         No que concerne, especificamente, às espécies de usucapião de bens imóveis, estas possuem regimes jurídicos distintos, prazos e requisitos diferenciados, sendo importante relacioná-los, destacando-se as modalidades extraordinária, ordinária, e os especiais, em sequência:

1) Usucapião Extraordinária – esta modalidade comporta 2 (dois) prazos temporais de posse: 15 (quinze) anos, posse ininterrupta, sem oposição e boa-fé, não sendo necessário justo título (C. Civil, art. 1238, caput); 10 (dez) anos, posse ininterrupta, sem oposição, boa-fé, além de morada habitual, obras ou serviços no imóvel (C. Civil, art. 1238, §único).

2) Usucapião Ordinária – também esta espécie de usucapião admite 2 (dois) prazos temporais de posse, 10 (dez) anos, justo título, boa-fé (C. Civil, art. 1242) e 5 (cinco) anos, justo título, boa-fé, somados à aquisição onerosa, com base no registro imobiliário cancelado posteriormente, moradia estabelecida ou realização de investimentos de interesse social ou econômico (C. Civil, art. 1242, §único) e Lei nº 6.015/1973, art. 214, §5º, sendo neste último caso chamada de “usucapião tabular”.

3) Usucapião Constitucional Especial Rural (agrário ou pró-labore): 5 (cinco) anos de prazo temporal de posse, ininterruptos e sem oposição; área rural até 50 ha (cinquenta hectares); não ser o usucapiente proprietário de imóvel rural ou urbano; utilização do imóvel para moradia, tornando-o produtivo por seu trabalho ou de sua família (C.R.F.B/1988, art. 191; C. Civil, art. 1239; Lei nº 6.969/1981).

4) Usucapião Constitucional Especial Urbano (ou pró-mísero): 5 (cinco) anos, de tempo de posse, ininterruptos e sem oposição; área urbana de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados); não ser o usucapiente proprietário de outro imóvel urbano ou rural; utilização para sua moradia ou de sua família, título de domínio e a concessão de uso conferidos ao homem ou à mulher ou a ambos, independentemente do estado civil (C.R.F.B/1988, art. 183 e C. Civil, art. 1240 e §§1º e 2º).

5) Usucapião Especial Urbano Coletivo: 5 (cinco) anos de tempo de posse, ocupação ininterrupta e sem oposição por pessoas de baixa renda; áreas urbanas com mais de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados); não serem os usucapientes proprietários de outro imóvel urbano ou rural; destinação para moradia; impossibilidade de identificar a fração do imóvel utilizada por cada possuidor individualmente; resulta em condomínio especial indivisível (Lei nº 10.257/2001, art. 10 e §§1º a 5º).

6) Usucapião Especial Expropriatório: 5 (cinco) anos de prazo temporal, posse ininterrupta e de boa-fé; área extensa ocupada por considerável número de pessoas; realização em conjunto ou separadamente pelos possuidores, de obras e serviços considerados como de interesse social e econômico relevantes (C. Civil, art. 1228, §§4º e 5º).

7) Usucapião Especial Familiar, por abandono de lar: 2 (dois) anos de posse direta, com exclusividade, sem interrupção ou oposição; ocupação de imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados); propriedade dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro, que abandonou o lar; utilização para moradia pelo usucapiente ou sua família; não ser o usucapiente proprietário de outro imóvel urbano ou rural; não reconhecimento ao mesmo possuidor de tal direito por mais de uma vez (C. Civil, art. 1240-A e §1º).

8) Usucapião Especial Indígena: 10 (dez) anos de ocupação consecutiva, por indígena integrado ou não; posse ininterrupta e sem oposição; área de terra inferior a 50 ha (cinquenta hectares) (Lei nº 6.001/1973, art. 33, caput).

         A par de tais modalidades de usucapião, que em regra se processam pela via jurisdicional, outras há, que tramitam na esfera administrativa, como, por exemplo, a conversão da legitimação da posse em usucapião (Lei nº 13.465/2017, art. 26, §§ 1º e 2º)[18].

3.4 – Espécies de usucapião hábeis à aquisição do direito real de laje.

         À toda evidência, nem todas as espécies de usucapião podem ser utilizadas para a aquisição do direito real de laje, inobstante a posse contínua, prolongada, ininterrupta e sem oposição, existente a boa-fé, e animus domini, ante as peculiaridades que algumas delas apresentam, e, porque não se trata de usucapir a propriedade plena de um imóvel em sua totalidade, mas sim de um mero direito real.

         Destarte, cremos que as modalidades de usucapião especiais, rural, coletivo, expropriatório e indígena, ante as especificidades próprias que as particularizam, em relação às demais, em princípio, não comportariam suas aplicabilidades, como meios de aquisição possessória do direito real de laje, face às características deste, dentre as quais se destaca a pré-existência de uma construção-base em um imóvel.

         Por conseguinte, as demais espécies, quais sejam, a extraordinária, a ordinária, e as especiais, urbanas (pró-misero) e a familiar por abandono do lar, possibilitam suas incidências como modos aquisitivos, pela posse direta, contínua, ininterrupta, sem objeção, de boa-fé, e com a intenção de ser dono, do direito real de laje, por ostentarem requisitos similares, os quais não se mostram incompatíveis com aludida pretensão.

         No tocante à temporalidade para a conquista do direito real de laje pela usucapião, consoante as modalidades que se prestam para tanto, há variação entre 15 (quinze) anos que se traduz no prazo máximo, e 2 (dois) anos, que é o prazo mínimo, valendo salientar que o número de requisitos a serem preenchidos se altera para mais ou para menos, conforme menor ou maior o prazo, respectivamente.

Na sequência, impende analisar, em concisa síntese, as duas vias procedimentais referenciadas, e, aptas igualmente à obtenção do direito real de laje, pela usucapião.

3.5 – Vias procedimentais utilizáveis para a usucapião do direito real de laje.

3.5.1 – A via judicial.

Quanto às vias procedimentais utilizáveis, com o desiderato de se obter o alcance do direito real de laje, pela posse, com posterior registro do mesmo no Álbum Imobiliário da situação do imóvel, há previsibilidade bifurcada em duas, quais sejam: a) a judicial, mediante ação própria de usucapião, a qual tem sua tramitação perante o Poder Judiciário, e, b) a extrajudicial (administrativa) que de início se processa junto ao Registro de Imóveis, e, no mesmo se finda, se não houver impugnação.

         Em relação à via judicial, da ação de usucapião de terras particulares, o Código de Processo Civil anterior (Lei nº 5.869, de 11.01.1973), a previa nos artigos 941 a 945, embutida no Livro IV, Título I, que catalogava os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.

         Com a entrada em vigor do novel Código de Processo Civil em 18.03.2016 (Lei nº 13.105, 16.03.2015), a ação de usucapião de bens imóveis, passou a seguir o rito comum ordinário previsto nos artigos 318 a 512 da lei indicada.

         A petição inicial da ação, em apreço, deve atender aos requisitos estatuídos nos artigos 319 a 321 do Código de Processo Civil de 2015, assim, como o pedido se adstrirá às normas, que lhe forem pertinentes, contidas nos artigos 322 a 329, devendo ser individualizado o imóvel, juntando-se a planta respectiva, sendo o foro competente para a propositura da demanda o da situação do bem, a teor do artigo 47 do mesmo diploma legal.

         Também é oportuno lembrar, que certidões referentes ao bem imóvel usucapiendo devem ser anexadas aos autos do processo, objetivando comprovar a inexistência de ações possessórias pendentes em relação ao imóvel, considerando o explicitado no artigo 557 da lei processual civil, o qual veda a propositura de ação visando o reconhecimento do domínio tanto pelo autor, como pelo réu, com a ressalva se a pretensão for alvejada em face de terceira pessoa.

Se não houver improcedência liminar do pedido (C.P.C/2015, art. 311) nem indeferimento liminar da petição inicial, após oportunidade para emenda (C.P.C/2015, art. 106, parágrafo 1º c/c 321), será designada audiência de conciliação ou mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, sendo a mesma obrigatória (CPC/2015, art. 334), sob pena de nulificar-se o procedimento.

         Deve haver as citações pessoais, tanto daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel, bem assim dos confinantes, consoante determina o parágrafo 3º do artigo 246 do C.P.C/2015, excetuando-se a hipótese em que o objeto da ação seja unidade autônoma de prédio em condomínio, dispensando-se a pessoalidade da citação.

         A propósito, imperioso recordar que os verbetes nºs. 263 e 391 da Súmula de Jurisprudência do STF, consagram, respectivamente, os entendimentosde que o possuidor deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião, e também, o confinante certo pela mesma forma.

         Citam-se por editais, os eventuais interessados desconhecidos ou incertos e os réus em lugar ignorado, incerto ou inacessível, conforme os comandos dos artigos 256, incisos I e II e parágrafos 1º a 3º e 254, incisos I e III do Código de Processo Civil vigorante, para que haja o desenvolvimento válido e regular do processo, evitando-se nulidades.

         As Fazendas Públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão intimadas perante o órgão de Advocacia Pública responsável por suas representações judiciais, nos termos dos artigos 269, parágrafo 3º e 183, parágrafo 1º da lei processual civil, com objetivo de se proporcionar-lhes a manifestação quanto à eventual interesse na lide.

         Se não houver contestação, aplicam-se os artigos 344 a 346 do Código de Processo Civil, sendo o réu em cujo nome se encontra registrado o imóvel, considerado revel, presumindo-se verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor, em deixando aquele de oferecer impugnação especificada acerca da matéria fática arguida.

         Em havendo autocomposição entre as partes litigantes, esta será homologada, e constituir-se-á em título executivo judicial, na forma do artigo 515, inciso II da lei processual civil vigente.

         Apresentadas contestação ou reconvenção, ou ocorrendo a revelia, segue-se a fase das providências preliminares (artigos 347 a 353 do C.P.C/2015).

         Em prosseguimento pode ocorrer o julgamento conforme o estado do processo, com a extinção deste (artigo 354 e parágrafo único do C.P.C/2015), ou o julgamento antecipado do mérito, o qual pode ser total (artigo 355 do C.P.C/2015) ou parcial (artigo 356 do C.P.C/2015).

         Ultrapassadas as fases anteriores, há a de saneamento e organização do processo (artigo 357 e parágrafos do C.P.C/2015), seguindo-se-lhe a audiência de instrução e julgamento, na qual será proferida a sentença, na mesma audiência, ou no prazo de 30 (trinta) dias, a teor do que estabelece o artigo 366 do novo Código de Processo Civil.

         Não de seve olvidar, que se o autor da ação de usucapião, for casado, exceto se pelo regime de separação absoluta (convencional) de bens, deverá apresentar a outorga uxória ou marital do outro cônjuge, e por analogia da outorga convivencial (em caso de companheiros), haja vista o disposto no artigo 73 e parágrafos 1º a  3º do Código de Processo Civil vigorante.

3.5.2 – A via extrajudicial ou administrativa

                     No respeitante à via administrativa o Código de Processo Civil vigente (Lei nº 13.105, de 16.03.2015), por seu artigo 1.071, introduziu no Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31.12.1973, o artigo 216-A e parágrafos, a possibilitar o reconhecimento extrajudicial da usucapião. Referida norma legal teve alterações e inclusões posteriormente, pela Lei nº 13.465, de 11.07.2017.

         O pedido inicial, obedece ao princípio da rogação, devendo ser formulado diretamente no Registro Imobiliário da situação do imóvel, com assistência do usucapiente por advogado, sendo instruído com os documentos exigidos pelos incisos I a IV do artigo 216-A da Lei dos Registros Públicos, a saber: a) ata notarial lavrada por tabelião atestando o tempo da posse, aplicando-se o artigo 384 do Código de Processo Civil; b) planta e memorial descritivo assinado  por profissional habilitado e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes; c) certidões negativas, da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; d) justo título ou quaisquer outros documentos que comprovem a origem, continuidade, natureza e tempo da posse.

         Com a autuação do pedido acompanhado dos documentos, o prazo de prenotação, que é de 30 (trinta) dias (art. 188 da Lei nº 6.015/1973), é prorrogável até o acolhimento ou rejeição do mesmo, pelo registrador imobiliário.

         Se porventura ausentes ou insuficientes os documentos, a posse e outros dados que se fizerem necessários para a instrução do pedido poderão ser demonstrados por justificação administrativa, realizada na própria Serventia extrajudicial imobiliária, com obediência, no que for aplicável ao disposto no parágrafo 5º do artigo 381 e observância do procedimento disciplinado nos artigos 382 e 383, todos do novo Código de Processo Civil.

         Se for verificada a ausência de assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o registrador procederá a notificação deste, pessoalmente ou por via postal, com aviso de recebimento, para no prazo de 15 (quinze) dias manifestar expressamente sua aquiescência ao pedido, sob pena de seu silêncio ser havido como concordância ao mesmo (art. 216-A, §2º da Lei nº 6.015/1973).

         Acaso o notificando não for encontrado ou estiver em local incerto ou desconhecido, após certificado tal fato pelo registrador, este promoverá a notificação via editalícia, com publicação em jornal de grande circulação, por duas vezes, no prazo de 15 (quinze) dias, podendo a mesma ser efetivada por meio eletrônico, caso autorizado pelo órgão jurisdicional competente, valendo, também, neste caso, o silêncio como aquiescência ao pedido (art. 216-A, §§13 e 14 da Lei nº 6.015/1973).

         A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município, deverão ser cientificados, pessoalmente, ou por intermédio do Registro de Títulos e Documentos, ou por via postal com aviso de recebimento para que possam se manifestar no prazo de 15 (quinze) dias, e, quanto aos terceiros eventualmente interessados, estes serão cientificados por edital publicado em jornal de grande circulação para, querendo, se manifestarem em igual prazo (art. 216-A, §§3º e 4º da Lei nº 6.015/1973).

         O Oficial do Registro Imobiliário tem a faculdade de solicitar diligências para esclarecer qualquer ponto duvidoso, ou até mesmo realizá-las, sendo que ao final destas se a documentação não estiver completa, o pedido será rejeitado, podendo nesta hipótese o solicitante ajuizar a ação de usucapião (art. 216-A, §§ 5º, 8º e 9º da Lei nº 6.015/1973).

         Se, ao reverso, não houver diligências a serem produzidas e escoado o prazo de 15 (quinze) dias previsto no parágrafo 4º do artigo 216-A, o oficial imobiliário registrará a aquisição do imóvel, pela posse, com as descrições fornecidas, permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

         Em qualquer caso pode o interessado suscitar a dúvida registral, cujo procedimento seguirá o disposto nos artigos 198 a 207 da lei de Registros Públicos.

         Caso o imóvel usucapiendo seja unidade autônoma de condomínio edilício, será suficiente a notificação do síndico, assim como se o imóvel confinante for condomínio edilício, sendo dispensados, no primeiro caso o consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes, e, no segundo, de todos os condôminos (art. 216-A, §§ 11 e 12 da Lei nº 6.015/1973).

         Ocorrendo a hipótese de impugnação ao pedido por qualquer um dos titulares de direitos reais ou outros direitos, averbados ou registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, ou por quaisquer dos entes públicos mencionados, ou, ainda, por algum terceiro interessado, o registrador encaminhará os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial, para adequá-la ao procedimento comum, previsto nos artigos 318 a 512, do Código de Processo Civil, alhures pormenorizados.

CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS.

É axiomático que, o novel direito real denominado impropriamente de “a laje”, que ingressou no mundo jurídico com a Medida Provisória nº 759, de 22.12.216, convertida na Lei nº 13.465, de 11.07.2017, pela qual recebeu novos contornos, sendo hospedado no inciso XIII do artigo 1.255 do Código Civil, traduz-se em um importante marco, para a regularização fundiária urbana.

Contudo, é oportuno enfatizar, que há muito, ainda, por se fazer na seara da política habitacional, haja vista a existência de enorme quantidade de imóveis particulares, sem qualquer destinação específica, sendo mister avançar na direção de tornar tais imóveis úteis, criteriosamente, para os que realmente necessitam com o escopo de morar, por meio da ocupação possessória.

Neste contexto, é de bom alvitre que o Poder Público, em suas esferas legiferantes, esteja sempre atento à progressiva escassez de moradias, e os problemas desta decorrentes, e mostre-se sensível a estes engajando-se na proposição, elaboração e execução de medidas jurídicas, que possibilitem a regularização da posse.

O reconhecimento da natureza social da posse, o qual pode proporcionar a aquisição do direito real de laje, à toda evidência constitui-se em um grande êxito para toda a sociedade, e não apenas para aquele integrante de determinada coletividade, que será o beneficiário direto, do acesso à moradia, em imóvel do qual não detêm o domínio.    

Não é ocioso enfatizar que, não faltarão críticas e desaprovações ao novo instituto legal, propiciador à aquisição, pelo apropriador/detentor da posse de fato, de imóvel urbano, o qual foi ocupado pelo mesmo e seus familiares, eis que sem condições de arcar com os preços de alugueres ou de parcelas de um financiamento.

Inobstante as atuais normas disciplinadoras de aludido instituto, por si sós, não tenham o condão de modificar a realidade fática da insuficiência de habitações, é curial que os avanços legislativos tendem a produzir efeitos práticos, de forma a facilitar o exercício do direito social de morar.

Certo é que, algumas das normas regulamentadoras do direito real de laje suscitam dúvidas, tendo-se por vezes, a impressão de que o legislador não foi claro o bastante, e que disse menos do que deveria dizer, além do que deixou lacunas em relação à vários aspectos do novo direito, tais como as formas de extinção, fazendo menção apenas à ruína, nada dispondo sobre outras, como a apropriação pela posse, geradora da usucapião

Inobstante isto, não se pode negar que o direito real de laje poderá propiciar benefícios efetivos na solução da crise de moradias, bem como permitir a regularização da posse de fato pelo apropriador e, também, pelo possuidor direto, ou ainda, pelo mero detentor do bem imóvel, conferindo a esta acesso ao registro imobiliário.

Com efeito, a recepção e aplicação das normas referentes ao direito real de laje demandará sensibilidade e flexibilidade na inteligência verdadeira e interpretação das mesmas, por operadores e aplicadores do direito, os quais terão que se socorrer dos meios de integração da norma jurídica, de molde a possibilitar a efetivação e concreção do mesmo, inclusive com o emprego da analogia, prestigiando a aquisição de tal direito pela posse ad usucapionem.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.     

ACCIOLI, Wilson. Instituições de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2ª edição,1981.

AGUIAR SILVA, João Carlos Pestana de. Lei n.º 10.257, de 10-7-2001. O recém criado Usucapião Coletivo (Estatuto da Cidade). Revista Justiça e Cidadania, dezembro de 2001.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Editora Saraiva, 10ª edição, revista, atualizada, e reformulada, 2012.

Brasil. Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/>. Acesso em 26. Set. 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3365.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/Decreto-Lei/Del9760compilado.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Decreto-Lei nº 9.310, de 15 de março de 2018, Institui as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana e estabelece os procedimentos para a avaliação e a alienação dos imóveis da União. Disponível em <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/556781261/decreto-9310-15-marco-2018>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, Define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4132.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4591.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, Dispõe sobre o registros públicos, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, institui o Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 26. set. 2018

BRASIL. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977.htm>. Acesso em 26.set.2018

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, Código Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015 – Institui o Programa do Seguro-Desemprego – PSE. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

2018/2015/Lei/L13189.htm>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017 – Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis nos8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 13.001, de 20 de junho de 2014, 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011,10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de agosto de 2012, a Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis nos 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar no 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei no 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm#art109>. Acesso em 26. set. 2018.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em <http://portal.stf.jus.br/>. Acesso em 26.set.2018.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>. Acesso em 26.set.2018.

CASSETARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 5ª edição, 2017.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2ª edição, 2006.

De PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 7ª edição, Vol. III e IV, 1982.

FERNANDES, Edísio. Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

LOUREIRO, Francisco Eduardo. Usucapião coletivo e habitação popular. Revista de Direito imobiliário, volume 51, página 150

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. Salvador: Editora Juspodivm, 7ª edição, revista, atualizada e ampliada, 2016.

 MACHADO, Hermano Augusto. A função social e a tipificação do direito de propriedade. In, Estudos Jurídicos. São Paulo: Saraiva.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros Editores, 7ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo com a colaboração de Beatriz di Giorgi e Flávia Piovesan, 1996.

__________________. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª edição, atualizada.

__________________. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 42ª edição, atualizado por José Emmanuel Burle Filho e Carla Rosado Burle, 2016.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 19ª edição, revista e atualizada, 2005.

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. São Paulo: Saraiva, volumes 1 e 2, 5ª edição, revista e atualizada, 2007.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 6ª edição, 2016.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 39ª edição, revista e atualizada, 2016.

SCARPINELLA, Bueno Cassio. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, vol. único, 3 edição, 2ª tiragem, 2017.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, São Paulo: Método, vol. único, 6ª edição, revista, atualizada, e ampliada, 2016.

TERRA, Marcelo. A habitação popular no Estatuto da Cidade, Revista de Direito Administrativo, volume 51, página 169

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos