Alguns aspectos jurídicos do direito à saúde após a saída de médicos cubanos e outros temas
Uma breve entrevista sobre este e outros temas ligados à saúde.
JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA MAGISTRADO E PROFESSOR COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.
Desta vez, compartilho com vocês uma entrevista para o Jornal do SBT (VTV) sobre a discussão acerca de como ficaria o acesso da população ao atendimento de saúde, após a saída abrupta dos médicos cubanos dos locais em que prestavam atendimento.
Isso porque, neste último mês o noticiário nacional foi alvoroçado pela indicação de nomes de Ministros que comporão o novo Governo, e, mais especificamente, no caso da saúde, sem dúvida, a grande discussão foi a crise dos médicos cubanos que deixaram o país.
O presente artigo não se prende a este ou aquele viés ideológico da questão, mas, ao contrário, analisará o dever do Poder Público em manter o atendimento médico, mesmo diante da postura unilateral do Governo Cubano de romper o convênio e retirar seus médicos do país, de modo imediato provocando uma suposta crise no atendimento de algumas populações.
Como sabido, Cuba seria um Estado Soberano, assim como o Brasil, de modo que não seria obrigada a manter seus médicos aqui e nem o Brasil seria obrigado a manter o Convênio, a questão não se resolve pelo âmbito das regras do direito internacional que deve preservar como premissa inicial o princípio da autonomia dos povos.
Não se busca aqui analisar se o projeto seria bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, se prestigiaria o trabalho escravo ou não, se lesivo aos cofres públicos ou se seria uma necessidade premente do Estado brasileiro, Tudo isso deixo para a discussão própria dos políticos. A discussão que me disponho a fazer seria técnica.
Ou seja, afora todas as variáveis acima, resta o problema: E a população que antes era atendida ? Venho afirmando em colunas mensais que escrevo no site da Pós em Direito Médico que coordeno (Vida, formação em Saúde), que o objeto saúde implica em direito fundamental da pessoa residente ou domiciliada no Território Nacional (embora seja tecnicamente uma garantia prevista no artigo 6º CF, dispositivo que tradicionalmente abriga os direitos sociais ou de segunda geração para aqueles que acolhem a teoria da generalização dos direitos humanos de Vacek, o fato é que a jurisprudência dos Tribunais e parte da doutrina (aí humildemente me incluo, eis que tenho algumas obras sobre o tema) entende que o objeto jurídico em questão, seria um direito correlato e essencial à garantia do próprio direito à vida, este sim, direito fundamental por excelência).
E é óbvio que não se cuida de uma correlação automática entre vida e saúde (uma cirurgia estética pode envolver questões de saúde, sem necessariamente estar ligada à garantia da vida), mas não se pode negar que, na grande maioria dos casos, é disso que se trata - não haveria como garantir a vida, sem garantir a saúde, sobretudo a dos minus habendi (necessitados) pessoas impactadas pela decisão unilateral do Governo Cubano (insista, se provocada ou não, por quem quer que seja, isso é objeto de discussão em palanque, não no presente texto).
Nessa medida, como o Estado deve garantir acesso universal aos serviços de saúde, todos os elementos componentes do SUS se tornam responsáveis pela garantia do atendimento básico de saúde, podendo ser responsabilizados em caso de não atendimento pelos danos que vierem a ser causados.
Pelo óbvio que a retirada abrupta dos médicos, e a iniciativa partiu de Cuba, digam o que disserem, representa uma situação excepcional (motivo de caso fortuito nos termos da lei enquanto evento extraordinário e não previsível) mas o gestor público deve honrar o mandato que recebeu (e não estou falando do novo Governo Federal, que sequer assumiu) e administrar o problema (insista-se no sentido de que todas as esferas estão ligadas por vínculo de solidariedade - norma constitucional que assim estabelece), realocando recursos para a garantia da continuidade do atendimento.
Assim, se faltam dois ou três médicos, em um determinado posto para atendimento, o ente responsável (a CF prevê a solidariedade entre União, Estado e Município, todos podendo ser processados por conta disso, nos termos do artigo 202), no primeiro ou no segundo dia da crise, algumas falhas até poderiam ser entendidas como situações geradas por fortuitos, mas, após tal lapso, o gestor já teve, ou deveria ter tido a expertise própria de seu cargo, realocando os profissionais, dentro de seu quadro disponível, para preenchimento desses claros, ainda que seja necessário, por exemplo, requisitar o concurso de outros órgãos, como as Forças Armadas para rincões distantes do país já que existe estrutura para que isso se faça provisoriamente até que novos concursos públicos normalizem a questão.
Vale, ademais, o alerta no sentido de que se o gestor nada fizer e isso ocasionar danos aos usuários do sistema haverá possibilidade de obter indenizações em face do Poder Público e isso poderá gerar, por exemplo, o direito de regresso contra o patrimônio próprio do Estado se o Estado for condenado por danos gerados (artigo 37, par. 6º CF).
Em casos mais graves, com descaso que possa beirar as raias do dolo eventual (dentro da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre atos dolosos para tanto e as ponderações da nova LINDB) não se descarta a possibilidade de reconhecimento dos temíveis atos de improbidade ao gestor que descumpra prelados de legalidade quanto ao tema.
Assista o vídeo abaixo, clicando no link (não é longo) mas aborda outros temas sobre a questão da saúde. Forte abraço em todos.
Teve dúvida ? Mande sua sugestão para o nosso contato que redigiremos nova coluna sobre o tema. Grande abraço em todos.