A destituição do administrador sócio nomeado no contrato social da sociedade limitada

Resumo:


  • Em sociedades limitadas, a destituição de um administrador nomeado no contrato social pode ser realizada pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a, no mínimo, dois terços do capital social, a não ser que haja disposição contratual que determine de outra forma.

  • A destituição do administrador não exige justa causa e pode ser feita a qualquer tempo, devendo ser averbada no registro competente em até dez dias após a ocorrência.

  • Um sócio que detenha mais de dois terços do capital social tem o poder de destituir unilateralmente o administrador sócio nomeado no contrato social, desde que o contrato não disponha o contrário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto analisa a possibilidade e procedimento de destituição do sócio do cargo de administrador da sociedade

Fui consultado sobre a possibilidade de modificação da administração de uma sociedade limitada, com a destituição de um dos administradores.

O fato que me foi apresentado tratava-se de uma sociedade composta por dois sócios (aqui vou chamá-los de S1 e S2) e que no momento da constituição da sociedade estipularam no contrato social que ambos os sócios exerceriam a administração da sociedade e deveriam assinar conjuntamente por esta.

O problema se instalou porque os sócios se desentenderam, desestabilizando inclusive o affectio societatis. No caso, o sócio S2, fazendo valer o seu poder de administração, passou-se a se negar a postar a sua assinatura nos documentos da sociedade. O caso mais grave em questão foi o fato de S2 não mais assinar os cheques emitidos pela sociedade para o pagamento de fornecedores, emperrando assim a continuidade da atividade empresarial.

Ora, fui convidado por S1 a participar de uma reunião onde a proposta era opinar sobre a exclusão de S2 da administração da sociedade, bem como que se ingressasse com uma ação judicial para fazer cumprir tal vontade.

Decerto, apesar de ser direito de qualquer sócio, independentemente do percentual que detenha do capital social, buscar judicialmente o término da administração, comprovando justa causa, na forma do art. 1.019. do CC, conforme o lecionado pelo professor Gladston Mamede1, o caso é mais simples de se resolver do que o sócio S1 pensava, não necessitando bater as portas do judiciário para solucionar a questão, descartando-se então a propositura de ação judicial.

Inicialmente, há que observar que o art. 1.061. do Código Civil informa que “a sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado”.

De acordo com os ensinamentos do professor Fábio Ulhoa Coelho2, a Diretoria (ou gerência, como era chamada antes do Código Civil de 2002), “é órgão da sociedade limitada, integrado por uma ou mais pessoas físicas, cuja atribuição é, no plano interno, administrar a empresa, e, externamente, manifestar a vontade da pessoa jurídica. São os administradores (também chamados diretores) da sociedade, identificados no contrato social ou em ato apartado.

Ainda, nos valendo da lição do professor Ulhoa Coelho3, é necessário informar que os administradores da sociedade limitada “são escolhidos, sempre, pela maioria societária qualificada, variando o quorum de deliberação segundo o instrumento de designação (contrato social ou ato apartado) e o status do administrador (sócio ou não)”. Ademais, o emérito comercialista4 lembra ainda que “especificamente, o administrador sócio nomeado em contrato social será eleito por sócio ou sócios titulares de ¾ do capital social (este é o quorum para a modificação do ato constitutivo – art. 1.076, I) e o designado em apartado, por sócio ou sócios representantes de mais da metade do capital (art. 1.076, II)”. Outrossim, no que tange ao administrador não sócio, professor Ulhoa Coelho5 informa que “independentemente do instrumento de sua nomeação, deve ser escolhido pela unanimidade dos sócios, enquanto o capital social não estive inteiramente integralizado, e por sócio ou sócios detentores de 2/3 desse capital, após a sua total integralização (art. 1.061)”. Ademais, Ulhoa Coelho6 ainda adverte que “a escolha do administrador só pode recair sobre pessoa não sócia se expressamente permitido no contrato social”.

Há três hipóteses de cessação do cargo de administrador: a) a sua destituição; b) a renúncia e; c) o término do prazo.

No caso em tela, urgente se faz cessar os poderes de S2 através da sua destituição. Sendo assim, esclarecida a figura do Administrador, bem como a sua nomeação, necessário então enfrentar a questão da destituição, tema objeto da consulta formulada pelo cliente.

Ora, no que tange a destituição do administrador, o enunciado do § 1º do art. 1.063. do CC diz:

“Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução.

§ 1º. Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa.

§ 2º. A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência.”

Em primeiro lugar, há que se analisar que não se faz necessária justificativa para se destituir o administrador de uma sociedade limitada. Conforme bem lembra Arnaldo Rizzardo7, “nota-se a possibilidade de destituir a qualquer tempo do cargo, não havendo uma relação de causas exigidas para tanto”. Ademais, o autor citado ainda lembra em sua obra de julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema que decidiu: “Segundo o entendimento majoritário na doutrina, já adotado nesta Corte, o sócio pode ser retirado da gerência da empresa por simples deliberação da maioria, não havendo a necessidade de justificar a deliberação. Nesse caso, em princípio, não há perquirir o interesse da sociedade por cotas. Ausente, por essa razão o fumus boni iuris8.

Ora, o professor Gladston Mamede9 lecionando sobre o tema informa que “nas sociedades contratuais, o direito de escolher ou destituir o administrador é apenas uma faculdade acessória da titularidade das quotas, manifestando o poder de gerência do patrimônio econômico de cada quotista. Faculdade arbitrária, como sói acontece com direitos meramente econômicos, torna despicienda fundamentação da escolha ou na destituição do administrador que, portanto, não tem direito ao exercício da função. Tomando em relação a maioria do capital social (segundo quorum específico, conforme situação, a lei e/ou contrato social), cumprindo uma investidura precária”.

Com efeito, a legislação, no § 1º do art. 1.063. do CC, abre então a possibilidade do Sócio-administrador nomeado no contrato-social ser destituído pelo (s) sócio (s) titular (es) de no mínimo 2/3 das quotas do capital social, salvo se houver disposição contratual que vede tal alteração. Sendo assim, as condições de destituição da administração insculpidas no § 1º do art. 1.063. do CC são: a) ser sócio e; b) ter sido nomeado no contrato-social. Perfazendo as duas condições, o(s) titular(es) de 2/3 as quotas poderá deliberar pela destituição daquele Administrador.

É valido observar o ensinamento do doutrinador Ricardo Fiúza10 ao comentar o dispositivo em tela:

“O mandato para o exercício dos poderes de administração na sociedade limitada pode ser por prazo determinado ou indeterminado. Tanto em um caso como em outro, o gerente ou administrador pode ser destituído, a qualquer tempo, pelos sócios que representem mais da metade do capital social (art. 1.076). Todavia, se os poderes de gestão tiverem sido conferidos pelo contrato a um dos sócios, o administrador somente poderá ser destituído por deliberação de sócios que representem dois terços do capital social, podendo o contrato, contudo, dispor diversamente sobre essa questão.”

Apesar de não ser o tema do caso em tela, é importante observar, como o faz Marlon Tomazatte11, que “no caso de administrador estranho ao quadro social ou administrador sócio, nomeado em ato separado, a destituição será decidida pela maioria do capital social (arts. 1.071, III, e 1.076, II)”. Sobre o tema, Mamede12 transcreve em sua obra acórdão da Apelação Cível 1.0596.06.036174-5/002(1), da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que decidiu:

“O novo Código Civil prevê que os administradores podem ser sócios ou não sócios. Nomeados no contrato social ou em ato separado. Os administradores não sócios podem ser destituídos pelo quorum correspondente a mais da metade do capital social, que é a chamada maioria absoluta, segundo dispõe o inc. II do art. 1.076. do novo Código Civil. [...] Aos que defendem, como a apelante, que a destituição de administrador não sócio nomeado no contrato deveria ser aplicado o quorum de ¾ por envolver modificação contratual, segundo comando do art. 1.071, V c/c art. 1.076, I, entendemos, com fulcro em princípio de hermenêutica, é o de que por ser a ‘destituição’ tema mais específico que a ‘modificação contratual’, deve a regra mais específica do inciso II do art. 1.076. (maioria absoluta) ter preferência sobre a mais geral do inciso I do mesmo artigo (3/4)”.

Particularmente, concordo com os ilustres doutrinadores acima citados, entendendo pelo quorum da maioria absoluta do capital, entretanto, se faz necessário informar que a balizada opinião do professor Fábio Ulhoa Coelho13 é em sentido diverso, destacando em sua obra que “o administrador não sócio, designado no contrato social, por sua vez, pode ser destituído por deliberação de sócio ou sócios titulares de ¾ do capital social, já que para a sua remoção da diretoria será necessária alteração contratual (art. 1.071, V, e 1.076, I)”.

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Deveras, este não é o caso em questão, visto que S2 era administradora-sócia e nomeada no contrato social, tendo sido feito o comentário somente para melhor elucidar a matéria.

Retornando, no caso da sociedade em tela, do qual são sócios S1 e S2, observa-se que é possível a realização da alteração contratual com registro na junta comercial para a destituição de S2 da administração, uma vez que se encontram preenchidos os dois requisitos exigidos pelo artigo acima transcrito.

Ora, compulsando-se o contrato social, o qual tive acesso no curso da reunião, medida obrigatória quando se trata de sociedade limitada, observou-se que a cláusula 6ª da ultima alteração contratual, ocorrida em 29.05.2007, estabelece que o sócio S1 possui 80% (oitenta por cento) do capital social da empresa, representado por 165.284. (cento e sessenta e cinco mil, duzentos e oitenta e quatro) quotas, no valor unitário de R$ 1,00 (um real) cada quota.

Fica patente que o sócio S1, sendo titular de 80% (oitenta por cento) do capital social, tem legitimidade para assinar sozinho a alteração contratual destituindo o sócio S2 da administração da empresa, pois possui mais do que 2/3 (dois terços) do capital social, uma vez que 2/3 representam 66,66% (sessenta e seis inteiros e sessenta e seis centésimos por cento) do capital social.

Sendo assim, preenche-se o primeiro requisito.

O segundo requisito para que haja a destituição do sócio S2 da função de administradora da sociedade é que não exista disposição contratual que vede ao sócio majoritário realizar tal modificação.

Em análise à Alteração Contratual consolidada registrada em 29.05.2007, observa-se que tal instrumento não proíbe que seja registrada tal alteração. Com efeito, a cláusula 12ª do instrumento contratual analisado reza que:

“As alterações deste contrato, a transformação, incorporação e liquidação da sociedade, ressalvados os casos determinados por lei, somente se darão por liberação de todos os sócios”. (grifo nosso)

A cláusula é clara em afirma que se dispensa a “deliberação” de todos os sócios nos casos ressalvados pela lei. Sendo a destituição do sócio da qualidade de administrador uma disposição contida em lei, fica autorizado ao sócio majoritário protocolar o instrumento para alterar tal dispositivo do contrato social.

Desta forma, realizamos a alteração contratual frente a Junta Comercial do Estado da Bahia – JUCEB, excluindo S2 da administração societária, dando continuidade a vida da empresa.

Essa foi a solução no caso concreto, dispensado que fosse utilizada qualquer medida judicial, o que foi por demais favorável, visto o tempo que se arrastam as ações que tramitam na justiça.


Notas

1 Mamede, Gladston. Direito de empresa: direitos societários: sociedades simples e empresárias, volume 2. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 226.

2 Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2. 11. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 440.

3 Op. cit., p. 440.

4 Op. cit., p. 440.

5 Op. cit., p. 440.

6 Op. cit., p. 440.

7 Rizzardo. Arnaldo. Direito de empresa: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. – Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 220.

8 Agravo Regimental na Medida Cautelar – AgRg na MC nº 4.643/SP, da 3ª T., j. em 26.03.2002, DJU de 6.05.2002.

9 Op. cit., p. 225.

10 Novo Código Civil Comentado. São Paulo : Saraiva, 2002, p. 956.

11 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 356.

12 Op. cit. p. 225-226.

13 Op. cit. p. 441.

Sobre o autor
Ricardo Simões Xavier dos Santos

Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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