A educação prisional como instrumento de recuperação

08/12/2018 às 16:48
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Ressocialização de detentos é fator de segurança social. É dever do Estado e direito consagrado na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal. Investir na educação de detentos é fator de humanização.

Ao buscar a origem da prisão a partir do surgimento da civilização, constata-se que na antiguidade, mais precisamente na Roma Antiga prevaleciam as penas corporais e de morte, sendo que a prisão constituía meio para encarcerar os acusados somente até o julgamento ou execução.

Naquela época, não existia um local certo com uma arquitetura prisional definida para recolher os encarcerados, os quais ficavam geralmente em fortalezas reais, calabouços, torres ou edifícios diversos. Messuti (2003, p. 28) registra que existiam em Jerusalém quando houve a invasão dos caldeus, três prisões que se localizavam uma no portal de Benjamin, outra no palácio do rei e a última na residência de um funcionário público.

Afora estas experiências isoladas de prisão, segundo Leal (2001, p. 33) foi a Igreja que, na Idade Média, inovou ao castigar os monges rebeldes ou infratores com o recolhimento em celas localizadas em uma ala própria do mosteiro com o fim de recolhimento e oração.

A Idade Média, também, é marcada pelo aspecto estritamente punitivo da pena através do sofrimento físico corporal infligido aos acusados para libertação da alma com os suplícios, a forca, a roda.

No século XVI, com a crise do sistema feudal e a migração da população dos campos para as cidades com cenário de pobreza e miséria na Europa, o aumento da criminalidade foi inevitável e forçou a construção de várias prisões para segregar mendigos, prostitutas e vagabundos com o fim disciplinar e corretivo através do trabalho, especialmente pelos crimes cometidos contra o patrimônio que não se solucionariam com a pena de morte que fatalmente exterminaria milhares de delinquentes assolados pela fome.

Nesta época, a prisão mais antiga de acordo com Leal (2001, p. 34) foi a House of Correction, inaugurada em 1552 na cidade de Bridewell, na Inglaterra, com disciplina extremamente rígida para emenda dos delinquentes.

Outro modelo de inspiração para época foi o de Rasphuis de Amsterdam, inaugurado em 1596, onde o trabalho era obrigatório, a cela individual era utilizada somente a título de punição com vigilância contínua e leituras espirituais.

Percebe-se, desta forma, que a prisão surgiu para a segregação de mendigos, prostitutas e vagabundos, fato sociológico que merece registro pela atualidade da problemática da população carcerária atual, não se olvidando da sua finalidade: corretiva através do labor.

A partir desta época, começou a se desenvolver estudos e ideias sobre o sistema penitenciário, especialmente a preocupação com a questão humanitária da prisão, destacando-se dentre os mais importantes: a obra Reflexões sobre as prisões monásticas de Jean Mabillon (1695), o clássico revolucionário Dos Delitos e das Penas de Cesare Beccaria (1764), O Estado das Prisões na Inglaterra e no País de Gales de John Howard (1776).

As teorias de execução das penas, sustentadas por Cesare Beccaria, John Howard e Jeremias Bentham, germinaram, nos Estados Unidos, no século XVIII, o movimento de criação de sistemas penitenciários padronizados, cujos mais famosos foram experimentados em colônias prisionais sob o influxo do notável político Benjamin Franklin, autor da Constituição norte-americana de 1787, que, no campo do Direito Penal, escreveu, em 1723, a obra From Liberty and From Necessity of Penalty’s Pleasure (Da Liberdade e da Necessidade do Prazer da Pena).

Os Sistemas Penitenciários Clássicos, que prosperaram nos Estados Unidos, na Europa e serviram de modelo para o mundo, a partir do século XIX, foram também incitados por organizações comunitárias, objetivando suavizar a vida dos condenados nas prisões. A mais famosa dessas organizações foi a Philadelphia Society for Alleviating the Miseries of Public Prisons (Sociedade de Philadephia para Aliviar a Miséria das Prisões Públicas), criada em 1787, que conseguiu introduzir modificações nas leis penais, como a abolição dos trabalhos forçados, dos açoites e das mutilações, além de restrições ao emprego da pena de morte que passou, em 1794, a ser aplicada, na Philadephia, apenas aos homicídios dolosos.

Os Sistemas Penitenciários Clássicos são:

1. Sistema Pensilvânico; 2. Sistema Auburniano; 3. Sistema Progressivo Inglês; 4. Sistema Progressivo Irlandês; 5. Sistema de Elmira; 6. Sistema de Montesinos; e 7. Sistema Borstal.

  1. O SISTEMA PENSILVÂNICO

O Sistema Pensilvânico, também conhecido como Sistema de Philadephia, foi implantado na Eastern Penitentiary, na Philadelphia, em 1829, cuja construção foi inspirada na Penitenciária Panopticon idealizada por Jeremias Bentham, na Inglaterra. A base do Modelo Pensilvânico era o isolamento celular, com trabalho no próprio interior da cela, separando os presos para evitar promiscuidade e fazer com que todos meditassem sobre seus crimes com o objetivo de melhora pessoal. A solidão foi tão cruel, no estado de espírito dos enclausurados, que muitos foram vítimas de loucura. Somente podiam visitar os presos o diretor do estabelecimento, os guardas, o capelão e os membros da Sociedade de Philadelphia para Aliviar a Miséria das Prisões Públicas.

A única leitura permitida era a Bíblia. O completo isolamento em relação ao mundo exterior não permitia nem mesmo receber ou enviar cartas. O Modelo Pensilvânico serviu de orientação para os regimes celulares da Europa, começando em prisões da Inglaterra, Alemanha e Bélgica com as devidas adaptações nesses países.

2. O SISTEMA AUBURNIANO

O Sistema Auburniano foi implementado na Penitenciária de Auburn, em Nova Iorque, a partir do ano de 1818. Impunha o trabalho em comum durante o dia, sob absoluto silêncio, punindo com variados castigos qualquer tentativa de comunicação. À noite, o isolamento celular também era absoluto para descanso da labuta diária e como meio de evitar a corrupção dos condenados. Por isso, ficou conhecido nos Estados Unidos como silent system. Os presos não podiam, inclusive, receber visitas, nem mesmo de familiares e eram proibidos exercícios e distrações de qualquer espécie, com direito apenas a rudimentar instrução e aprendizado proporcionados pelos funcionários da prisão. Interessante anotar que a desumana imposição das regras do silêncio propiciou o aparecimento da linguagem indireta, utilizada, universalmente, até hoje pelos presos, por via de gestos, leitura dos dedos ou dos lábios e pancadas nas paredes.

Uma lei de 1821, do Estado de Nova Iorque, determinou que os presos de Auburn ficassem divididos em três classes: a) delinquentes mais velhos e mais perigosos, que deveriam ficar em isolamento celular completo; b) delinquentes que deveriam ficar trancados, em suas celas, três dias por semana; c) delinquentes que deveriam ficar isolados apenas um dia por semana. Nos demais dias, os delinquentes da segunda e da terceira classes deveriam trabalhar em silêncio absoluto.

A Penitenciária de Auburn foi construída pelos próprios presos, com 108 celas propícias ao silêncio e ao isolamento. As críticas ao sistema começaram, quando foram constatados vários casos de mortes provocadas pela tuberculose e pela loucura. Mesmo assim, o Sistema Auburniano era o sistema da preferência norte-americana, enquanto que o Sistema Pensilvânico era o mais adotado na Europa.

3. O SISTEMA PROGRESSIVO INGLÊS

O Sistema Progressivo Inglês surgiu na Inglaterra, em 1840, motivado pelas deficiências correcionais e reformadoras do Modelo Pensilvânico e do Modelo Auburniano.

Sua origem é atribuída ao capitão da Marinha real inglesa Alexander Maconochie que, sensibilizado com as péssimas condições dos presos, especialmente os que eram deportados nos enfers flottants para a Austrália, resolveu idealizar um sistema diferenciado que representasse a substituição dos anteriores sistemas de repressão. Maconochie introduziu esse novo sistema, chamado de Mark System, na Prisão da Ilha de Norfolk, na Austrália, onde era diretor, e lá cuidava dos presos deportados pela Justiça da Grã-Bretanha.

O Mark System estabeleceu uma forma de indeterminação da pena, que era medida em razão do trabalho, da boa conduta do condenado e levando em conta a gravidade do delito praticado. Com base nesses três fatores, eram atribuídas marcas ou vales, diariamente, que poderiam ser subtraídas em razão de faltas praticadas. Ao obter determinado número de marcas ou vales, o condenado era posto em liberdade.

O Mark System alcançou excelentes resultados, por isso passou a ser aplicado em toda a Inglaterra, com a adoção de três períodos progressivos, daí o nome Modelo Progressivo. O primeiro período era chamado de período de prova, implicava em isolamento celular completo diurno e noturno, com trabalho isolado e obrigatório durante o dia. Quando atingia quatro marcas ou vales, o apenado passava para o segundo período, onde era imposto o isolamento noturno, porém, durante o dia, ele era submetido a trabalho em comum sob a regra do silêncio nos Public Work-Houses (Casas de Trabalho Público). Continuando a ser beneficiado com quatro marcas ou vales, o condenado chegava ao terceiro período, onde, após certo tempo e com bom comportamento, alcançando as quatro marcas ou vales, podia obter o ticket of leave, uma espécie de livramento condicional.

4. O SISTEMA PROGRESSIVO IRLANDÊS

O Sistema Progressivo Irlandês foi criado por Walter Crofton, em 1854, então diretor das prisões da Irlanda.

Esse sistema difere do Sistema Progressivo da Inglaterra em dois pontos. Em primeiro lugar, o Sistema Inglês contém três períodos de execução da pena, enquanto no Irlandês há quatro, pois Crofton introduziu um período intermediário entre a prisão em comum (segundo período do Sistema Inglês) e o livramento condicional. Nesse período intermediário, com o feitio de antecedente da prisão aberta, foi adotado o trabalho externo que preparava o preso para o futuro livre com a obtenção do ticket of leave (liberdade condicional).

Outro detalhe diferenciado do Sistema Progressivo Irlandês, em relação ao Inglês, residia no fato dos detidos não serem obrigados aguardar silêncio durante o trabalho em comum.

O Sistema Progressivo Irlandês, pelas benéficas modificações experimentadas, no sentido de oferecer ao condenado vantagens por etapas, passou a influir, positivamente, nos aprimoramentos dos regimes da Europa e dos Estados Unidos, espraiando-se posteriormente por todos os continentes.

5. O SISTEMA DE ELMIRA

Com base no Sistema Progressivo Irlandês, surgiram nos Estados Unidos, os Regimes de Reformatórios, cujo mais famoso foi o Sistema do Reformatório de Elmira, no Estado de Nova Iorque em 1869.

Com o Reformatório de Elmira, a reação contra a criminalidade pela cura do condenado se apresenta mais claramente na evolução prática da política penitenciária. Criou-se o sistema unitário de pena e medida de segurança, mediante o critério de avaliação do condenado. Só admitia jovens delinquentes entre 16 e 30 anos de idade, sujeitos a uma pena relativamente indeterminada com a fixação de um mínimo e de um máximo. Após o condenado passar por uma classificação inicial, era submetido a um sistema de marcas ou vales, concedidas em razão da evolução no trabalho, boa conduta, instrução moral e religiosa. O aprendizado de um ofício era obrigatório e a disciplina era do tipo militar. Quando alcançava a terceira fase, o apenado tinha direito ao livramento condicional e recebia um pecúlio, como forma de ajuda financeira para as primeiras necessidades.

Em 1915, não só Elmira, mas todos os regimes de reformatórios começaram a declinar nos Estados Unidos. As críticas mais fortes residiam no fato de que os jovens ficavam deprimidos com a rigorosa disciplina militar, castigos pesados e um ambiente de segurança máxima que não condizia com o sentido teórico de reformulação moral para a regeneração do condenado. Na verdade, começava a surgir nos Estados Unidos, com repercussão na Europa, o entusiasmo pela adoção das prisões abertas.

6. O SISTEMA DE MONTESINOS

Em 1835 o coronel Manuel Montesinos e Molina foi nomeado governador do Presídio de Valência, na Espanha, onde procurou implantar um diferenciado e eficiente regime prisional, cujo êxito lhe valeu o reconhecimento pelo grande esforço empreendido em busca de um exercício humanitário na prisão. Seu lema era:  “os maus tratos irritam mais do que corrigem e afogam os últimos alentos da moralização. ”

O Sistema de Montesinos, como ficou conhecido sua experiência, apresentou peculiaridades na vida prisional, que distinguiram esse modelo espanhol dos outros existentes na Europa e nos Estados Unidos.

Foram estas as características do sistema de Montesinos:

a) Não admitiu o regime celular, porque além de gerar a “mortificação apenado”, não permitia a socialização em absoluto isolamento.

b) Influiu eficazmente no espírito dos reclusos com menos castigo e mais autoridade moral.

c) Procurou o equilíbrio entre o exercício da autoridade e a missão pedagógica, com vistas à correção do recluso.

d) Nenhuma sanção disciplinar deveria ter caráter infamante.

e) O poder de disciplina estava em conformidade com o princípio da legalidade, por isso instituiu um Código Interno com regulamento para os presos.

f) Ocupava o preso com o trabalho por ser o melhor instrumento para se conseguir o propósito reabilitador da pena.

g) O trabalho do preso era remunerado para despertar o seu interesse por alguma atividade produtiva.

h) Editou uma prática penitenciária que se constituiu em importante antecedente da prisão aberta, visto que o Presídio de Valência “não possuía um só ferrolho que pudesse resistir ao arrombamento de qualquer apenado”, os guardas eram, na maioria, pessoas idosas, pois o mais importante era criar no preso a ideia de que ele deveria ser corresponsável pela segurança do estabelecimento, em respeito aos seus hábitos de subordinação e moralidade.

i) Introduziu no sistema uma espécie de liberdade condicional, reduzindo um terço da condenação como recompensa à boa conduta do preso, apoiado numa interpretação do art. 303 da Ordenação Geral dos Presídios do Reino, de 1834, que lhe serviu de fundamento jurídico. Frequentemente se atribui a Manuel Montesinos e Molina o pioneirismo pela criação do instituto da liberdade condicional.

j) Estabeleceu a prática da concessão de licenças de saída temporária dos presos. Não se conhecia antes essa iniciativa em nenhum outro Sistema.

l) Considerar benéfica a integração de grupos de presos mais ou menos homogêneos, quer dizer, sem uma rígida separação entre perigosos e não perigosos, não encontrando nenhum inconveniente nessa mesclagem, pois entendia que os “bons” poderiam auxiliar os “maus” no estímulo à modificação do interior humano.

Manuel Montesinos e Molina foi realmente notável com seu Sistema. Não somente pela visão, mas principalmente pela excelente e inovadora prática prisional, que representou um marco no penitenciarismo da Espanha e do mundo.

Interessante anotar que sua rica experiência com prisão adveio do tempo em que, após a Guerra da Independência, na Espanha, em 1809, foi submetido durante três anos a severo encarceramento em um Arsenal Militar em Tolon, na França. 

Em 1854, ele pediu demissão do cargo de Governador do Presídio de Valência. Suas contrariedades resultaram, principalmente, da crise em torno do trabalho do preso.

O regime laboral do Sistema de Montesinos era tão eficiente que os fabricantes e artesãos, em virtude da competição, apresentaram reclamação contra essa concorrência, alegando, inclusive, que a mesma não estava sujeita à onerosa carga de impostos. O Governo atendeu aos clamores dos empresários livres e logo a produção na prisão foi diminuindo, perdendo a qualidade, chegando ao ponto de não conseguir matéria-prima e sofrer forte campanha publicitária colocando em descrédito o trabalho na prisão.

Sem ajuda do Governo e sem o apoio da comunidade, Manuel Montesinos e Molina deixou o comando do Presídio que, lamentavelmente, a partir daí se tornou ineficiente no mister de soerguimento social e moral dos apenados.

7. O SISTEMA BORSTAL

O estabelecimento do tipo Borstal, implantado para jovens delinquentes, na Inglaterra, em 1902, merece também destaque na trajetória dos Sistemas Penitenciários Clássicos.

A prisão Borstal ficava no Condado de Kent, inaugurada desde 1893 para presos adultos, que lá ficavam em condições pessoais não recomendáveis. Com a reforma, Borstal se transformou em uma prisão para delinquentes, entre 16 e 21 anos, bem adaptada para oferecer instrução moral e profissional aos presos.

O grande avanço do Sistema Borstal foi o pioneirismo no modelo de regime penitenciário aberto na Inglaterra. Isso começou quando, em 1930, um grupo de jovens presos se deslocou para um acampamento na cidade de Nottinghamshire e lá construiu uma moradia para eles e para os que viessem posteriormente. Os próprios presos concebiam a moradia como prisão.

Estava, assim, semeada a primeira casa penal aberta, bem acolhida pela comunidade, tanto que, nos anos posteriores, o próprio Governo apoiou a fixação de outras unidades do Borstal, com o mesmo perfil, para jovens delinquentes, na Inglaterra.

Verifica-se, pelo exposto, a louvável disposição de se conseguir bons resultados pela via da prisão. Não há dúvida de que enorme foi o esforço dos Sistemas Penitenciários Clássicos, no sentido de dotar o modelo de privação de liberdade com crescentes iniciativas, visando aliviar o pesadelo da contínua violação dos direitos humanos nos cárceres e possibilitando, igualmente, a real correção dos delinquentes.

Veja-se que os Sistemas Penitenciários Clássicos serviram de ponte para a orientação do tratamento prisional, desenvolvido no século XX, sob a égide de duas vertentes:

a) individualização científica da pena e de sua execução com métodos de investigação e conhecimento de personalidade do preso;

b) administração penal sustentada pelas opções de regime fechado, regime semiaberto e regime aberto de cumprimento de pena.

Os resultados práticos não geraram as mais produtivas e infalíveis experiências, todavia valeu a contribuição desses Sistemas Clássicos, como ingrediente merecedor de reconhecimento, na luta incessante em busca de prestígio para o processo regenerador que a anormalidade prisional não permite alcançar.

AS REALIDADES DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A população carcerária brasileira atingiu a marca de 711.463 presos. Os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a representantes dos tribunais de Justiça brasileiros levam em conta as 147.937 pessoas em prisão domiciliar, colocam o Brasil entre os três países com a maior população carcerária em números absolutos, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres. As prisões domiciliares fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400 presos.

O Brasil teve um aumento na população carcerária de 267,32% nos últimos quatorze anos, segundo dados divulgados em 26/4 pelo Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

Além disso, o país excede a média mundial no que diz respeito ao número de presos por habitantes. Atualmente, temos 306 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, enquanto no mundo a média é de 144 para cada 100 mil.

Pensava-se que somente a detenção proporcionaria transformação aos indivíduos enclausurados. A ideia era que estes refizessem suas existências dentro da prisão para depois serem levados de volta à sociedade. Entretanto, percebeu-se o fracasso desse objetivo. Os índices de criminalidade e reincidência dos crimes não diminuíram e os presos em sua maioria não se transformavam. A prisão mostrou-se em sua realidade e em seus efeitos visíveis denunciadas como “grande fracasso da justiça penal”. (Foucault, 1987).

Menos de 13% da população carcerária tem acesso à educação. Dos mais de 700 mil presos em todo o país, 8% são analfabetos, 70% não chegaram a concluir o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressam ou tenham um diploma do ensino superior. Apesar do perfil marcado pela baixa escolaridade, diretamente associada à exclusão social, nem 13% deles têm acesso a atividades educativas nas prisões.

Em 1991, O Instituto da UNESCO para a Educação (IUE), lançou um projeto para investigar e promover a educação nas prisões tendo como público alvo os adultos sentenciados e encarcerados. Umas das metas do projeto consistia em contribuir para o desenvolvimento do potencial humano que se restringia devido às desvantagens sociais. Os objetivos principais do projeto eram identificar estratégias bem-sucedidas da educação básica nos contextos prisionais, de modo a dar a elas visibilidade, condições de refinamento e replicabilidade.

O relatório da UNESCO (1993: p. 60) indica que os prisioneiros são geralmente jovens, entre 18 a 25 anos. A maioria é constituída por homens, e a presença feminina nas prisões varia entre 2% e 7% da população total prisional. A mulher é uma minoria na prisão, tanto em número quanto em visibilidade. As recomendações de estudos prisionais indicam a necessidade de não continuar ignorando s necessidades de perfil prisional das mulheres apenadas. Em muitos momentos, as dificuldades das mulheres são as mesmas dos homens (o ambiente, o sistema, a superpopulação, etc.), entretanto existem questões específicas que precisam ser observadas (a situação dos filhos, a gravidez, o emocional, as necessidades, as habilidades, etc).

Na esfera internacional, a educação prisional de qualidade e apropriada ao contexto em sido vista como uma parte obrigatória e essencial nas atividades de reabilitação prisional. Entre as pesquisas que procuram esclarecer o perfil do universo prisional destaca-se a publicação da UNESCO - Instituto para a Educação denominada "Educação Básica nas Prisões" (1995). O documento oferece fundamentação, conceitos e relatos globalizados procurando resgatar iniciativas educacionais, a elucidação de contextos prisionais em diferentes culturas seguindo uma perspectiva de educação vitalícia e de direitos humanos.

O quadro reflete a omissão do poder público em conflito com a legislação nacional e internacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/1996), que regulamenta a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 208, inciso I, estabelece que toda a população brasileira tem direito ao ensino fundamental obrigatório e gratuito, sendo assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria.

E a Lei de Execução Penal (nº 7.210/1984) prevê a educação escolar no sistema prisional. Em seu artigo 17, estabelece que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso. O artigo 18 determina que o ensino fundamental é obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. E o artigo 21 exige a implementação de uma biblioteca por unidade prisional, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

A educação é um direito social assegurado pela Constituição Federal e consagrado na legislação internacional. No entanto, quando se trata da população encarcerada, tal direito parece não ter o mesmo grau de reconhecimento. Se é fato que as camadas pobres da população são privadas de vários direitos, entre eles, o direito a uma educação de qualidade, essa realidade torna-se ainda mais contundente e pior – mais invisível ou naturalizada – em se tratando de pessoas condenadas pelo sistema de justiça penal. No Brasil, em muitas instituições penais, a oferta de serviços educacionais é inexistente, insuficiente ou extremamente precária, o que se soma a regimes disciplinares e legais que não incentivam ou mesmo inviabilizam o engajamento de pessoas presas em processos educacionais.

Nos últimos anos, observa-se em escala mundial a perda do ideal reabilitador das prisões, concomitante a um recrudescimento das políticas de segurança pública, o que resulta em ampliação da população presa e no abandono das medidas ditas ressocializadoras no interior dos sistemas penitenciários.

A educação é importante na recuperação, muitos detentos têm baixos padrões de escolaridade. Uma parcela significativa não domina as competências básicas de leitura e escrita, esse baixo nível de escolaridade afetou suas vidas e pode ter contribuído para que cometessem delitos, por isso os programas e projetos de educação nos presídios são importantes para desenvolver nos encarcerados seu senso de autovalorização.

Os programas e projetos educacionais precisam ser desenvolvidos dentro das prisões para que se trabalhe a conscientização dos educandos ajudando a desenvolver seu senso de autovalorização. Pois um indivíduo que nasceu na miséria e por consequência não teve acesso a uma educação satisfatória ou a de nenhum tipo, não pode agir com discernimento em seus atos.

A educação pode ser considerada, entretanto, um caminho promissor para a reintegração social da pessoa condenada à pena de prisão. Mas, além disso, e antes de tudo, é um direito humano universal que deve ser assegurado a todas as pessoas, independentemente de sua situação; é um direito que, ademais, potencializa o exercício de outros direitos como o trabalho, a saúde e a participação cidadã. A extensão dos serviços de educação a grupos historicamente marginalizados – como as pessoas privadas de liberdade – é, portanto, parte essencial na luta pela afirmação dos Direitos Humanos em sua universalidade.

O Estado de São Paulo concentra metade da população encarcerada do país e, nos últimos anos, assistiu à escalada da superpopulação, desumanização e desgoverno das instituições penitenciárias. Nesse sentido, não é apenas pertinente, mas urgente a formação de um grupo de trabalho permanente sobre educação nas prisões, para reunir e potencializar os esforços de pessoas e instituições dedicadas à promoção dos direitos humanos das pessoas presas e dos direitos educativos.

Na atualidade o direito à educação incluiu a disponibilidade, acessibilidade, adaptabilidade e aceitabilidade, nenhum texto jurídico prevê a perda desse direito, o que é mais importante, esta perda não é uma exigência da privação da liberdade.

Profundas mudanças globais, sociais, políticas e econômicas tiveram um impacto forte em todos os sistemas penitenciários. Embora estes sistemas variem, posto que reflitam características, línguas, culturas políticas, populações, filosofias e instituições particulares a cada Estado. Apesar das diferenças entre os sistemas penitenciários é evidente que para todos eles a participação dos reclusos em atividades educativas é um problema essencialmente complexo e que, quando existe, se dá em um meio inerente e hostil frente a suas possibilidades libertadoras.

Presente desde os primórdios da prisão, a educação é arrolada como atividade que visa a proporcionar a reabilitação dos indivíduos punidos. Contudo, considerando que os programas da operação penitenciária se apresentam de forma premente a fim de adaptar os indivíduos às normas, procedimentos e valores do cárcere - afiançando, portanto, aquilo que se tornou o fim precípuo da organização penitenciária: a manutenção da ordem interna e o controle da massa carcerária - quais são as possibilidades para uma "educação autêntica, que não descuide da vocação ontológica do homem, a de ser sujeito" (Freire, 1979, p. 66).

Rege a Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, isto é, são autoaplicáveis. Desta forma, os direitos e garantias não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pelo governo brasileiro e constante nos tratados internacionais (Constituição da República Federativa do Brasil, parágrafos 1º e 2º, art. 5º CF).

O tratamento reeducativo é o termo técnico usado no Direito Penitenciário, na Criminologia Clínica e na Legislação Positiva da ONU. Segundo a concepção científica, o condenado é a base do tratamento reeducativo e nele observa-se: sua personalidade, através de exames médico-biológico, psicológico, psiquiátrico; e um estudo social do caso, mediante uma visão interdisciplinar e com a aplicação dos métodos da Criminologia Clínica. É ponto de união entre o Direito Penal e a Criminologia.

O sistema penitenciário necessita de uma educação que se preocupe prioritariamente em desenvolver a capacidade crítica e criadora do educando, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e consequentemente a do seu grupo social. Isso só é possível através de uma ação conscientizadora capaz de instrumentalizar o educando para que ele firme um compromisso de mudança com sua história no mundo. Sobre isso, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) diz que “Educar é libertar [...] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave. A única força que move um preso é a liberdade; ela é a grande força de pensar. ”

Educação é um fenômeno de produção e apropriação dos produtos culturais, expresso por um sistema aberto de ensino e aprendizagem, constituído de uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, com metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas, com conteúdo e técnicas de avaliações processuais, permeados por uma base política estimuladora de transformações sociais e orientados por anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade.

O Brasil já coleciona experiências bem-sucedidas de ressocialização de presos através de parcerias de governos estaduais com organizações não-governamentais, igrejas e familiares dos presos, que tem como “ingrediente básico” a promoção de redes sociais alternativas.

Considerando a tarefa de reabilitar os indivíduos punidos, áreas diversificadas do conhecimento foram aglutinadas na instituição carcerária para consecução dessa finalidade: arquitetura, sociologia, psiquiatria, serviço social, psicologia, pedagogia e direito.

A reabilitação dos indivíduos por meio do encarceramento, fruto da aglutinação desses saberes, funda-se em três grandes princípios: o isolamento, o trabalho penitenciário e a modulação da pena (Foucault, 1986). A partir deles tornou-se possível a edificação de um saber técnico-científico sobre os indivíduos, declinando o foco de ação do crime, para aquele que o cometeu. O indivíduo é o foco central da operação penitenciária, não o seu ato.

O princípio do isolamento efetiva-se, primeiro, em relação ao indivíduo transgressor com o mundo exterior. Depois, mediante a classificação dos detentos, um em relação aos outros, dispostos a partir da função de individualização da pena. Essa função é desencadeada tendo em vista o indivíduo punido (não o infrator), objeto de transformação do aparelho carcerário.

Junto ao isolamento, o trabalho é definido como parte constituinte da ação carcerária de transformação dos indivíduos. Impõe-se, não como atividade de produção, mas pelos efeitos que faz desencadear na mecânica humana, proporcionando a ordem e a regularidade; o que sujeita os corpos a movimentos regulares, exclui a agitação e a distração, impõe uma hierarquia e uma vigilância que serão ainda mais bem aceitas, e penetrarão ainda mais profundamente no comportamento dos condenados. (Foucault, 1986, p. 203)

Por fim, o princípio da autonomia penitenciária que permite a modulação da pena, ajustando-a àquela transformação, uma vez que a duração do castigo não deve relacionar-se diretamente à infração, mas sim à transformação útil do indivíduo, no decorrer do cumprimento da sentença. A operação penitenciária é quem deve controlar os efeitos da punição.

A fim de processar a transformação útil do indivíduo, a prisão deve, simultaneamente, ser o local de execução da pena e de uma sistemática e rigorosa observação dos indivíduos punidos. É a partir desta que os rigores, atenuantes, progressões e regressões da pena serão aplicados.

Tais princípios, desde o surgimento da pena de encarceramento, formaram os fundamentos a partir dos quais foram edificadas as máximas para uma adequada administração penitenciária, ou seja, que lhe proporcionariam a consecução das finalidades de punir e reabilitar o indivíduo transgressor. "Princípios de que, ainda hoje, se esperam efeitos tão maravilhosos, são conhecidos: constituem há 150 anos as sete máximas universais da boa condição penitenciária" (Foucault, 1986, p. 221). São elas:

1ª) Correção - a prisão deve ter como função essencial a transformação do comportamento do indivíduo; a recuperação e reclassificação social do condenado;

2ª) Classificação - o indivíduo condenado deve ser isolado, primeiro em relação à sociedade, depois repartidos entre eles, a partir de critérios que envolvam idade, sexo, disposições e técnicas que se pretendam utilizar para que se processe sua transformação, bem como suas respectivas fases para operá-las; a pena deve ser não só individual, como individualizante;

3ª) Modulação das penas - a pena deve ser proporcional, de acordo com a individualidade dos condenados e com os resultados da terapêutica penal, com vistas a se processar sua transformação, prevendo progressos e recaídas inerentes deste processo;

4ª) Trabalho como obrigação e como direito - é considerado como uma das peças fundamentais para transformação e socialização dos detentos, que devem aprender e praticar um ofício, provendo com recursos a si e à sua família;

5ª) Educação penitenciária - deve ser preocupação diuturna do poder público dotar o indivíduo da educação, no interesse da sociedade, provendo sua instrução geral e profissional;

6ª) Controle técnico da detenção - a gestão das prisões, seu regime, deve ser realizado por pessoal capacitado, que zele pela boa formação dos condenados;

7ª) Instituições anexas - o indivíduo deve ser acompanhado por medidas de controle e assistência, até que se processe sua readaptação definitiva na sociedade.

A partir de tais pressupostos, combinando seus efeitos punitivos à operação correcional, a prisão apresenta-se como a instituição de combate ao crime. A constatação de que ela não reduz a criminalidade é tão antiga quanto a própria prisão. Exceto pelos números, as críticas ao seu fracasso permanecem idênticas nos mais de cento e cinquenta anos de sua existência. Antes de contribuir para a extinção do comportamento criminoso, a prisão produz a reincidência. Afinal, a prisão propicia a organização dos delinquentes, na medida em que desencadeia uma forma de socialização em seu submundo, estabelecendo solidariedade, cumplicidade e hierarquia entre eles.

De forma bastante singular, entretanto, a prisão, invariavelmente apresenta-se como a solução para o problema da criminalidade que ela própria contribui para sedimentar. Sempre acompanhada de planos de reformas, os quais, em seu bojo, reafirmam as máximas que constituíram a prisão desde seu surgimento.

O que justifica a existência capilar da prisão na sociedade, não obstante seu absoluto fracasso em combater a criminalidade, antes que suprimir as infrações, é distingui-las, distribuí-las e até utilizá-las:

Organizar as transgressões numa tática geral de sujeições (...) É uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles (Foucault, 1986, p. 226).

A lenta formação do delinqüente transparece na investigação biográfica, fator de extrema importância na história da penalidade, "porque faz existir o criminoso antes do crime" (Foucault, 1986, p. 211). A biografia marca o autor da transgressão com uma criminalidade que, portanto, exige as medidas da ação penitenciária. Nesse aspecto, confundem-se o discurso penal e psiquiátrico. No ponto de intersecção desses discursos, surge a noção de indivíduo perigoso, "que permite estabelecer uma rede de causalidade na escala de sua biografia inteira e um veredicto de punição - correção" (Foucault, 1986, p. 211).

Afora a perda da liberdade física (ou do direito de ir e vir), a prisão subjuga o detento ao comando de uma estrutura autoritária e de uma rígida rotina autocrática que opera como uma grande máquina impessoal. O controle sobre os indivíduos é exercido de forma ininterrupta, regulando-se de modo minucioso todos os momentos de sua vida. Com a nítida orientação de preservar a ordem, a disciplina, evitar fugas e motins, a organização penitenciária elege como forma eficaz submeter o recluso, cercear quaisquer possibilidades do exercício de sua autonomia (Thompson, 1976).

Ao adaptar sua conduta e comportamento às normas e padrões da instituição, o preso gradualmente passa a obter acesso a determinados bens ou prerrogativas na prisão. Certas necessidades, procedimentos ou vontades que na vida fora da prisão eram absolutamente corriqueiras, no interior dela adquirem a qualidade de privilégios: tomar um café quente, ir a algum lugar sem motivo aparente, faltar ao trabalho ou à aula, sair com um grupo ou outro de pessoas, dormir ou acordar em horários diferentes, etc.

Em contrapartida, essa adaptação tende à despersonalização do sujeito apenado - a mortificação de seu eu (Goffman, 1996). Quanto maior a intensidade do ajustamento ao sistema social da prisão, maiores as possibilidades de se alcançar os privilégios de que ela dispõe. Ao contrário, mostrar-se resistente acarreta ao indivíduo punido um maior rigor, severidade e endurecimento de seu regime.

No que concerne à administração penitenciária, o sistema de privilégios é vital para sua gestão, constituindo-se num dos sustentáculos de seu modelo organizacional. Em face da importância que esse sistema representa aos reclusos, inexoravelmente, ele se encerra como uma forma eficaz de controle da massa encarcerada. Comportamentos e condutas não desejáveis pela organização significam o impedimento em obtê-los. Tal controle tende a intensificar-se, pois, no interior das prisões, todas as esferas da vida do indivíduo interpenetram-se. Assim, ser recriminado ou avaliado negativamente em determinada atividade influência e repercute nas demais, sendo toda sua conduta considerada como não adequada.

É a partir desse pressuposto que o indivíduo passa a organizar toda sua vida encarcerada. Mais que uma motivação, torna-se uma obsessão, que se materializa na inserção em atividades que permitem a remição de pena - trabalho penitenciário - ou nos programas que lhe atribuem a qualidade de uma boa conduta - caso da educação e cursos em geral, cultura, esportes e grupos terapêuticos. Manifesta-se também na sua forma de proceder e de relacionar-se com outros presos, funcionários, técnicos e dirigentes. "Se o preso demonstra um comportamento adequado aos padrões da prisão, automaticamente merece ser considerado como readaptado à vida livre" (Thompson, 1976, p. 42).

Nesse sentido, essa busca incessante de mostrar-se adequado aos padrões da prisão transforma-se em princípio e fim das ações dos encarcerados. Os objetivos que, pressupõe-se, deveriam ser inerentes às atividades, seja de educação, cultura, esportes, profissionalização ou terapêuticas, são declinados em favor dessa busca.

O sistema punitivo necessita de uma reorganização. Tem que se mudar os métodos arcaicos de tentativa de ressocialização, as penas alternativas têm que sair da ideia para prática, o corpo penal tem de fazer uma reciclagem, a realidade fática que se nos apresenta é diversa da pretendida na Lei Maior Brasileira (Constituição) e pela Legislação Penitenciária.

A educação, no contexto sociocultural, que deveria significar o auxílio aos indivíduos para que pensem sobre a vida que levam; que deveria permitir uma visão do todo cultural onde estão, desvirtua-se na escola. Nesta, as pessoas são preparadas para executar trabalhos parcializados e mecânicos no contexto social. A escola mantém e estimulam a separação da razão e do pensamento, dês que sua finalidade é preparar mão-de-obra à sociedade industrial; transmitir conceitos desvinculados da vida concreta dos educandos, impondo desconsiderar o risco da visão de mundo das classes dominantes. Com efeito, a educação precisa transmitir significados presentes na vida concreta de quem se pretende educar ou reeducar; de modo diverso, não produz resultado, aprendizagem.

Deve existir garantia de fundos públicos suficientes, para que as pessoas em situação de aprisionamento tenham oportunidades educativas, e essas oportunidades devem corresponder às necessidades específicas das pessoas, razão pela qual é indispensável que a oferta não seja limitada ao ensino fundamental ou vocacional, mas ampliada ao ensino médio e superior. Os Estados devem conhecer, estudar e transpor as barreiras sociais enfrentadas pelas pessoas privadas de liberdade, de modo que a oferta educativa signifique realmente uma oportunidade de liberdade em todos os sentidos.

Organizar junto às instituições penitenciárias programas amplos de educação destinados a desenvolver plenamente as potencialidades de cada recluso, os quais também deveriam minimizar os efeitos negativos do encarceramento, melhorar as perspectivas de reinserção e reabilitação, autoestima e a moral. A construção de espaços adequados para a oferta de educação, bem como de esporte e cultura, seja proporcional à população atendida em cada unidade.

As autoridades responsáveis pela gestão transformem a Escola num espaço de fato integrado às rotinas da unidade prisional e da execução penal, com a inclusão de suas atividades no plano de segurança adotado.

Seja realizado um diagnóstico da vida escolar dos apenados logo no seu ingresso ao sistema, com vistas a obter dados para a elaboração de uma proposta educacional que atenda às demandas e circunstâncias de cada um.

Seja garantido o atendimento diferenciado para presos (as) do regime fechado, semiaberto, aberto, presos provisórios e em liberdade condicional e aqueles submetidos à medida de segurança independente de avaliação meritocrática.

O atendimento contemple a diversidade, atentando-se para as questões de inclusão, acessibilidade, gênero, etnia, credo, idade e outras correlatas.

Os responsáveis pela oferta elaborem estratégias para a garantia de continuidade de estudos para os egressos, articulando-as com entidades que atuam no apoio dos mesmos – tais como patronatos, conselhos e fundações de apoio ao egresso e organizações da sociedade civil.

A educação é uma condição mínima de reintegração. Dados da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) do Distrito Federal, segundo a qual o índice de reincidência de crimes dos egressos caiu de 70% para 30%, com o trabalho de ressocialização por meio do ensino.

REINTEGRAÇÃO SOCIAL

As ações de reintegração social podem ser definidas como um conjunto de intervenções técnicas, políticas e gerenciais levadas a efeito durante e após o cumprimento de penas ou medidas de segurança, no intuito de criar interfaces de aproximação entre Estado, Comunidade e as Pessoas Beneficiárias, como forma de lhes ampliar a resiliência e reduzir a vulnerabilidade frente ao sistema penal.

Partindo-se desse entendimento, vê-se que um bom “tratamento penal” não pode residir apenas na abstenção da violência física ou na garantia de boas condições para a custódia do indivíduo, em se tratando de pena privativa de liberdade: deve, antes disso, consistir em um processo de superação de uma história de conflitos, por meio da promoção dos seus direitos e da recomposição dos seus vínculos com a sociedade, visando criar condições para a sua autodeterminação responsável.

Na conformação atual das práticas gerenciais do DEPEN, considera-se que os projetos na área de Reintegração Social devem estar posicionados entre alguns eixos básicos: Formação Educacional e Profissional dos Apenados, Internados e Egressos do Sistema Penitenciário Nacional diz respeito ao processo pelo qual se procura associar a elevação da escolaridade e a educação profissional, com o acesso ao trabalho e à geração de renda, de maneira a preparar o beneficiário para ingresso no mundo do trabalho após o cumprimento da pena privativa de liberdade, principalmente no que concerne à capacitação das mulheres em privação de liberdade.

Assistência ao Preso, ao Internado, ao Egresso e aos seus Dependentes faz referência a um movimento de promoção dos direitos dos apenados, internados, egressos, dependentes e familiares, criando condições para que estes possam exercer a sua autonomia. Esse processo deve ser mediado pela inclusão dos beneficiários na agenda das políticas públicas de governo e pelo apoio a ações de instituições públicas e privadas, de caráter permanente, que tenham como objetivo prestar atendimento aos beneficiários, na forma e nos limites da lei: material, jurídica, educacional, social, religiosa e principalmente à saúde ao egresso, após a edição do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.

O homem quanto ser social, entrega ao Estado à responsabilidade de prevenir a prática de delitos e promover a reinserção social do condenado; acreditando-se que somente a força da lei será suficiente para que a marginalidade diminua.

As teorias voltadas para a finalidade da pena mostraram ao longo dos anos, que somente o Estado não é capaz de resolver o problema da marginalidade. É necessária uma consciência de que se há aumento de violência, também deve estar ocorrendo aumento da exclusão social. Cabe a toda sociedade identificar as causas e atacá-las devidamente.

O que não se pode deixar são os “oportunistas”, que veem no pânico social em relação ao aumento da violência, um motivo para defender ideias desumanizadoras como: pena de morte. Precisamos avançar em nossos direitos e permitir que todos sejam cidadãos plenos e isso só ocorre quando a pena for vista em toda a sua extensão social, quando for permitido ao homem entender os seus atos, diante do coletivo e corrigi-los; permitindo que seja novamente inserido na sociedade.

O que irá diminuir a violência e os conflitos sociais não é a intensidade ou o agravo da pena, e sim a certeza que não passará impune; penas alternativas, menores e com uma certeza que será aplicada inibirá com maior eficácia a prática delituosa; evitando que um criminoso com um grau de periculosidade, relativamente pequena, se torne um elemento de alta periculosidade, perdendo assim a oportunidade de ressociabilizá-lo de uma forma humana e eficiente.

Falar em ressocializar, nos passa a ideia que reintegraremos na sociedade um indivíduo que era sociabilizado e foi retirado do convívio social como forma punitiva por alguma atitude antissocial (crime), o mesmo após sofrer a sanção prevista, deverá retornar ao convívio social de uma forma reeducada para não voltar na prática do delito; isto é o conceito ideal, mas a prática não confirma que funciona desta forma, até mesmo por querer ressocializar e reeducar quem nunca foi socializado nem educado.

Ressocializar ou punir? Continua sendo o maior enigma para uma sociedade que vive do medo. É preciso romper o medo, estabelecer a segurança social e aí sim discutir formas que permitam a sociedade, entender a necessidade de recuperar os nossos semelhantes de uma forma humanizadora.

A EDUCAÇÃO DE DETENTOS

Em anos recentes tem se registrado um aumento considerável de forma geral em certos Estados das investigações relativas aos sistemas penitenciários, não obstante segue havendo uma escassez de investigações e debates sobre a educação nas prisões e particularmente sobre a forma em que os programas educativos se concebem, financiam e são acessíveis as populações penitenciárias. Dado o caráter das normas de direitos humanos, as investigações de caráter internacional e comparativo sobre os regimes carcerários são cada vez mais urgentes e os sistemas penitenciários devem cooperar e aprender uns com os outros.

A comunidade internacional se preocupa desde há muito tempo pela humanização da justiça penal, a proteção dos direitos humanos e a importância da educação no desenvolvimento da pessoa e da comunidade. 

A Assembleia Geral da ONU em 1990 em sua resolução 45/111, aprovou os princípios básicos para o tratamento dos reclusos, dentre eles: a) Todos os reclusos serão tratados com respeito que merece sua dignidade e valor inerentes de seres humanos (art. 1); b) Com exceção das limitações que são evidentes e necessárias pelo fato do aprisionamento, todos os reclusos seguirão gozando dos direitos humanos e das liberdades fundamentais consagradas na declaração universal das direitas humanos e, quando o Estado de que se trate seja parte no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo, assim como todos os demais direitos estipulados em outros instrumentos das Nações Unidas (art. 5); c) Todos os reclusos terão direito a participar das atividades culturais e educativas direcionadas a desenvolver plenamente a personalidade humana (art. 6).

As normas jurídicas e políticas internacionais seguiram tendo um efeito limitado enquanto a comunidade internacional, cuja atuação tenta regular, não apoie plenamente os princípios em que se fundam. No que se atenham as pessoas privadas de liberdade, esse apoio esta tardando a chegar. A elaboração de normas internacionais juridicamente vinculantes e de orientações conexas sobre a educação nos estabelecimentos penitenciários e por certa bem vida e contribui a documentar o debate internacional sobre o tratamento dos reclusos, especialmente no que se respeita o seu acesso à educação. Pese a que os Estados têm desempenhado um papel fundamental na elaboração dessas normas, seu pleno cumprimento segue sendo uma exceção.

Na atualidade o direito à educação incluiu a disponibilidade, acessibilidade, adaptabilidade e aceitabilidade, nenhum texto jurídico prevê a perda desse direito, o que é mais importante, esta perda não é uma exigência da privação da liberdade.

Profundas mudanças globais, sociais, políticas e econômicas tiveram um impacto forte em todos os sistemas penitenciários. Embora estes sistemas variem, posto que reflitam características, línguas, culturas políticas, populações, filosofias e instituições particulares a cada Estado. Apesar das diferenças entre os sistemas penitenciários é evidente que para todos eles a participação dos reclusos em atividades educativas é um problema essencialmente complexo e que, quando existe, se dá em um meio inerente e hostil frente a suas possibilidades libertadoras.

Presente desde os primórdios da prisão, a educação é arrolada como atividade que visa a proporcionar a reabilitação dos indivíduos punidos. Contudo, considerando que os programas da operação penitenciária se apresentam de forma premente a fim de adaptar os indivíduos às normas, procedimentos e valores do cárcere - afiançando, portanto, aquilo que se tornou o fim precípuo da organização penitenciária: a manutenção da ordem interna e o controle da massa carcerária - quais são as possibilidades para uma "educação autêntica, que não descuide da vocação ontológica do homem, a de ser sujeito" (Freire, 1979, p. 66).

No interior das prisões, as contradições do processo de ajustamento materializam-se nas possibilidades concretas dos indivíduos punidos preservarem-se como sujeitos; na resistência a subjugarem-se plenamente aos valores da instituição e do sistema social que lhe é inerente.

A resistência prisioneira ao controle carcerário (...) é muito mais forte e presente que seu raro registro na literatura faz supor (...). As pessoas presas conseguem manter a identidade, os valores de origem e grupais, a perspectiva de vida e de liberdade, a despeito das longas condenações e de todos os fortes e rigorosos meios de controle e sujeição utilizados pela instituição penitenciária. (Rocha, 1994, p. 3).

A educação formal não permanece, em absoluto, neutra nesse processo pleno de contradições de subjugação e resistência. "A característica fundamental da pedagogia do educador em presídios é a contradição, é saber lidar com conflitos, saber trabalhar as contradições à exaustão" (Gadotti, 1993, p. 143).

Por um lado, as rígidas normas e procedimentos oriundos, da necessidade de segurança, ordem interna e disciplina das unidades que prescrevem as atividades escolares, a vigilância constante ou até mesmo a ingenuidade dos educadores, podem contribuir para que a escola seja mais um dos instrumentos de dominação, subjugando os indivíduos punidos ao "sistema social da prisão" (Sykes, 1999, p. 9) e ao "mundo do crime" (Ramalho, 1979, p. 163). Por outro lado, a escola pode apresentar-se como um espaço que se paute por desenvolver uma série de potencialidades humanas, tais como: a autonomia, a crítica, a criatividade, a reflexão, a sensibilidade, a participação, o diálogo, o estabelecimento de vínculos afetivos, a troca de experiências, a pesquisa, o respeito e a tolerância, absolutamente compatíveis com a educação escolar, especificamente a destinada aos jovens e adultos.

Nos estabelecimentos penais, a educação compõe a área de reabilitação, sendo a ela subordinada hierarquicamente. A manutenção de suas atividades, contudo, em todo o tempo, observou a participação de outras instituições não pertencentes propriamente à unidade prisional. Sua organização e funcionamento são decorrentes, dessa forma, das normas e diretrizes das instituições que as coordenaram, ao longo dos anos.

Até o final da década de 1970, as escolas no interior das unidades prisionais regulavam-se observando a organização da rede regular de ensino estadual. O calendário escolar, o material didático, os processos de avaliação e promoção de séries eram análogos aos do ensino destinado às crianças.

A inadequação dessa proposta é patente. O primeiro aspecto reside na renúncia em inserir os encarcerados na educação destinada aos adultos, corporificada no cenário educacional brasileiro desde a década de 1930. Um segundo aspecto a acometer a qualidade desse ensino relaciona-se à extrema rotatividade da população carcerária entre as unidades do sistema penal. Um ensino de oito séries anuais, afora a possibilidade de repetência dos alunos, praticamente inviabiliza a conclusão dessa fase escolar pelos encarcerados.

Proeminente, nesse sentido, foi à iniciativa da Funap que é uma fundação de interesse e direito públicos, que tem como missão “contribuir para a inclusão social de presos e egressos do Estado de São Paulo, estimulando seu potencial como indivíduos, cidadãos e profissionais”. Dentre as ações desenvolvidas pela Funap, destacam-se os programas de educação, cultura, alocação de mão-de-obra e qualificação profissional e assistência judiciária.  

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A Funap é órgão da própria Administração Penitenciária, em firmar convênio com duas instituições responsáveis pela educação de jovens e adultos: a Fundação Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização - e a Fundação Roberto Marinho. Além de passar a desempenhar um papel importante na organização das atividades escolares, a Funap possibilitou que o ensino nas prisões ocupasse um lugar próprio no cenário educacional brasileiro de jovens e adultos.

Sua organização efetivou-se observando as diretrizes programáticas da Fundação Mobral, posteriormente Fundação Educar, no que respeita ao ensino de 1ª à 4ª série. Denominado Programa de Educação Básica (PEB), foi subdividido em três etapas, PEB I, PEB II e PEB III, caracterizando, no sistema penal, o Nível I. Para o ensino de 5ª à 8ª série - o Nível II - conforme diretrizes da Fundação Roberto Marinho, que pressupõem a organização de grupo de alunos por disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências, e o exercício da pluridocência.

O calendário letivo em todas as escolas do sistema penal paulista é organizado de fevereiro a julho. Após um recesso de quinze dias, o reinicio ocorre em agosto, estendendo-se até meados de dezembro. Entretanto, os motivos para o cancelamento das aulas não são poucos, mormente por questões relativas à segurança e disciplina.

Rotina da segurança em todas as unidades do sistema são as blitz. Caracterizam-se por revistas em todas as celas, normalmente planejadas em sigilo pela área de segurança, possuindo a prerrogativa de ser inesperada. Não existem períodos sistemáticos para sua realização, que varia segundo ocorrências no estabelecimento. Esse desígnio paralisa todas as atividades da unidade, pois os presos devem permanecer trancados nas celas para que se cumpra a revista.

Por vezes, a falta de agentes penitenciários também impede o funcionamento da escola. Os alunos presos são revistados quando saem do pátio para a escola e quando retornam. A falta de funcionários em determinados dias e horários impede a realização desse procedimento, impedindo a locomoção dos presos na unidade.

Na grande maioria dos estabelecimentos penais, a escola é o único local onde toda a população carcerária se encontra. No cotidiano permanecem separados nos raios onde estão dispostas suas celas. São comuns boatos de que algum "acerto de contas" (o termo enseja o uso da violência) entre os presos será efetuado na escola, oportunidade única para encontrar pessoas que estão em outros raios. Esse fato igualmente acarreta a interrupção das atividades.

Quando surgem ocorrências concretas na escola, tais como a descoberta de um túnel para fuga ou esconderijo de armas, as atividades escolares são suspensas por um período muito maior se comparado ao mesmo acontecimento em outro local da prisão O motivo alegado pelo corpo dirigente é o de que não se pode proibir o uso do pátio ou da cozinha, por exemplo, sem o risco de movimentos de motins ou rebeliões. No caso da escola, seu fechamento não traz consequências mais graves à ordem interna das prisões - prioridade da organização.

Afora os motivos de segurança, as aulas são paralisadas, inexoravelmente, uma vez por mês, no dia denominado como pecúlio. À população carcerária não é permitido manuseio de dinheiro. Aqueles que exercem alguma atividade remunerada apresentam uma lista de compras a ser efetuada pela penitenciária (Setor de Pecúlio), que repassa aos presos os produtos. Nesse dia, a escola permanece sem atividades.

A carga horária diária das aulas é de duas horas para cada turma, de segunda a sexta-feira. A diretriz, no que respeita ao número de alunos, preconiza que sejam matriculados vinte para cada classe de PEB I e vinte e cinco para cada um das demais fases do ensino fundamental.

É bastante comum, contudo, os diretores de educação das unidades excederem esse número. Ocorre uma quantidade razoável de faltas, principalmente nos locais em que a frequência não é obrigatória. As justificativas para as ausências incidem: a) nos atendimentos de ordem jurídica, médica ou social; b) no trabalho, pois apesar de os alunos serem dispensados para as aulas, em momentos de picos de produção não há essa concessão, ocorrendo então a opção pelas oficinas que, além da remuneração, possibilita a remição de pena, na proporção de três dias trabalhados, um a menos na sentença; c) na opção do aluno em não ir à aula em determinado dia; d) na concorrência da escola com outras atividades da unidade, principalmente as esportivas. O registro de ausências é maior quando são realizados campeonatos. Normalmente, sobre esses campeonatos, incide uma rede de apostas dos encarcerados, daí então o grande interesse em acompanhá-lo.

Em determinados estabelecimentos penais existe a obrigatoriedade da frequência à escola. Tal fato configura-se contrário à proposta de reabilitação penitenciária visto que o êxito dessa terapêutica penal se funda na participação voluntária do apenado nos programas (Rodrigues, 1999). Ao pessoal penitenciário incumbe-se a motivação para tanto.

Concernente a obrigatoriedade da educação, contudo, a grande maioria das unidades prisionais adota um procedimento que consiste em não impor tal condição num primeiro momento. Porém, uma vez matriculado, o aluno não pode ausentar-se sem justificativa. Caso não possua o ensino fundamental completo e, mesmo assim não queira estudar, deve assinar um "termo de responsabilidade" que será anexado ao seu prontuário, o qual, concretamente, transfigura-se na imposição, observando-se o receio dos encarcerados em assumir formalmente não tencionar matricular-se na escola, pois que há um temor que a Comissão Técnica de Classificação, conforme veremos adiante, ao avaliar sua solicitação de benefício, leve em conta esse fato, negando-lhe a concessão.

Não obstante as dificuldades para o funcionamento regular da escola, observando-se os procedimentos da gestão penitenciária, um aspecto relativo à qualidade do ensino destinado aos homens e mulheres presos se sobressai. Trata-se da constituição da proposta de ensino supletivo no sistema penal paulista, a qual ensejou a possibilidade de ingresso do aluno encarcerado na escola a qualquer tempo, sem observar nenhum período preestabelecido, atentando-se para a especificidade da organização penal.

Sua inclusão efetiva-se após diagnóstico do seu desenvolvimento e aprendizagem escolares, realizados pelos próprios educadores. Denominado Processo de Triagem, constitui-se de três etapas, a saber: prova escrita de Língua Portuguesa e Matemática, entrevista e adaptação em sala de aula.

Esse processo de triagem deve ser realizado apenas na primeira vez em que o aluno se matricula no programa de educação da Funap. A partir de então, os dados relativos ao seu grau de aprendizado e respectiva etapa que está cursando, seriam registrados no documento individual do aluno, denominado Histórico Escolar, o qual é atualizado com as informações pertinentes ao seu desenvolvimento escolar. Esse documento acompanha o aluno na movimentação pelas unidades do sistema penitenciário, de forma a permitir sua reinserção na escola.

A estrutura do programa de educação: Nível I - PEB I, II e III - correspondente ao ensino de 1ª à 4ª série; e Nível II, de 5ª à 8ª série, conforme já citado, permaneceu no sistema penal do estado de São Paulo, mesmo após a extinção da Fundação Educar, em 1990. A certificação, até então realizada por aquela Fundação, passou a ser constituída como uma "Declaração de Conclusão" fornecida pela Funap, sem o reconhecimento do Ministério da Educação ou do Conselho Estadual de Educação. Essa Declaração possui um valor maior no interior das unidades prisionais. Anexada ao prontuário dos alunos, tem a finalidade de atribuir boa conduta carcerária ao seu portador, quando for organizar a solicitação dos benefícios previstos em lei, principalmente a progressão de regime, cujo parecer final cabe à Comissão Técnica de Classificação.

Tal modalidade de ensino, caracterizada como de suplência, não prevê a retenção do aluno em qualquer de suas etapas. A avaliação é realizada de forma contínua e, ao atingir os objetivos mínimos previstos para cada uma das fases, o aluno é promovido à fase seguinte. Esse critério encerra, ainda, a promoção do Nível I para o Nível II.

No que tange à conclusão do Nível II, o ensino fundamental, a avaliação é realizada por professores e instituições alheios ao processo de ensino e aprendizagem propriamente. Trata-se do Centro de Exames Supletivos (Cesu), órgão da Secretaria de Estado da Educação, responsável pela realização dos Exames Oficiais de Suplência em todo o estado de São Paulo.

As provas do Cesu, como são conhecidas nas escolas das prisões, são realizadas uma ou duas vezes por ano, sendo estendida aos alunos encarcerados. São organizadas por disciplina e um conceito igual ou superior a cinco, habilita o aluno-candidato a receber um atestado de aprovação naquela disciplina. O certificado de conclusão do ensino fundamental é obtido após a aprovação nas cinco disciplinas que compõem o currículo, atualmente: Língua Portuguesa, História, Geografia, Ciências e Matemática. Essa forma de avaliação dos alunos para certificação na educação fundamental encerra um paradoxo. Durante o percurso de ensino e aprendizagem, os processos de avaliação são contínuos, participativos e qualitativos. Ao final do percurso, para obter a certificação, o aluno é submetido a uma série de testes objetivos, identificados com conteúdo programáticos (Secretaria de Educação - Centro de Exames Supletivos, 1989) diversos daqueles constituintes dos materiais didáticos dos alunos.

A estrutura e o funcionamento do programa de educação de adultos presos sofreram alterações, a partir de 1997, decorrentes da implementação do Telecurso 2000.

O Programa de Educação Básica - PEB, com três etapas, passou a ser denominado Programa de Alfabetização, subdividido em apenas duas: Alfabetização I e Alfabetização II (ALFA I e II). A fase subsequente da educação fundamental constituiu o Telecurso 2000, correspondente ao programa de ensino de 3ª à 8ª série, e organizada segundo a divisão das disciplinas que compõem o currículo: Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências.

A proposta curricular para alfabetização foi igualmente alterada. Os objetivos e conteúdos pertinentes a essa fase escolar foram extraídos e readequados da Proposta Curricular para o 1º Segmento do Ensino Fundamental de Jovens e Adultos (São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1997), elaborada pela organização não-governamental Ação Educativa, a partir de um amplo e democrático processo, que contou com a participação de organizações educacionais públicas e da sociedade civil, vinculadas à Educação de Jovens e Adultos, com o apoio da Secretaria de Educação Fundamental do MEC. A Funap esteve presente nesse percurso. Ao final do processo, o MEC manifestou interesse em coeditar e distribuir os resultados dos trabalhos, constituindo uma proposta curricular basilar à elaboração de projetos voltados para educação de jovens e adultos no âmbito nacional. (São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1997, p. 5).

Fundamenta essa proposta curricular a intenção de concorrer para a estruturação e organização de programas de educação destinados aos jovens e adultos "O objetivo deste trabalho é oferecer um subsídio que oriente a elaboração de programas de educação de jovens e adultos e, consequentemente, também o provimento de materiais didáticos e a formação de educadores a ela dedicados" (São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1997, p. 13).

A partir dessa orientação e com o propósito de manter a educação dos encarcerados inserida no cenário educacional brasileiro de jovens e adultos, a Funap desencadeou um processo, envolvendo coordenação e educadores, para a reorganização curricular destinada ao primeiro segmento do ensino fundamental (Funap, 1997). Foram seis meses para construção e implementação do projeto, caracterizado como piloto, a partir do qual foram constituídas as bases para sua difusão às demais unidades do sistema penal paulista, o que veio a ocorrer somente em 2001, devido à falta de recursos financeiros.

Um aspecto não propriamente didático-pedagógico, relacionado à organização e ao funcionamento das escolas, requer relevância, pois sua interferência é decisiva qualitativamente para o programa de educação de adultos presos.

No interior das unidades prisionais, a educação é subordinada à área de reabilitação. Seu corpo técnico é o responsável pela realização dos exames criminológicos e emissão do parecer acerca da concessão dos benefícios solicitados pelos indivíduos presos.

Para essa concessão, conforme já mencionado, incide uma primazia em avaliar a adaptação do indivíduo punido ao sistema social da prisão, a partir da qual infere-se sobre sua reabilitação. Dessa forma, decorre que os encarcerados passam a organizar sua vida prisional e pautar sua conduta de forma a apresentar-se com um "bom preso", pois, do contrário, os benefícios lhes serão negados.

Esse proceder, invariavelmente, prejudica as atividades educativas, principalmente devido ao fato de que o setor de educação deve enviar à Comissão Técnica de Classificação um relatório sobre a conduta do aluno.

O processo educativo requer a participação ativa dos educandos nas aulas, numa série de "erros" e "acertos" que se constituem como parte do processo de aprendizagem. A necessidade de mostrar-se como um "bom preso" ao professor, com a intenção sub-reptícia de obter uma concessão, pode inviabilizar o processo educativo, mormente organizado tendo em vista o desenvolvimento de uma série de potencialidades dos alunos.

Observando-se que "fica difícil desenvolver efetivamente o programa de educação ou de trabalho, se eles estiverem ligados ao esquema de funcionamento da prisão" (Salla, 1993, p. 95), a participação do corpo docente nos exames e na elaboração dos pareceres percorre uma direção contrária: transportar para o espaço da sala de aula os procedimentos pertinentes à gestão penitenciária, suas normas, procedimentos e valores. Não obstante, o programa de educação de adultos presos apresenta-se com os objetivos de: a) "criar condições para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos de forma participativa e crítica"; b) "desenvolver as potencialidades dos alunos, preparando-os para o exercício pleno da cidadania"; c) "estimular e conscientizar os alunos para a importância dos estudos, buscando alternativas atrativas para a participação" (Rusche, 1995, p. 28), dos alunos em sala de aula na avaliação de sua conduta carcerária, torna-se aspecto acometedor para a consecução destas finalidades educativas.

O percurso que consolidou a organização e funcionamento das escolas no interior dos estabelecimentos penais evidencia, portanto, uma condensação de variados procedimentos pertinentes, de um lado, à gestão penitenciária e, de outro, ao fazer pedagógico propriamente.

O primeiro fato que poderíamos citar acerca da especificidade da Educação de Adultos Presos é o de que ela faz parte, enquanto processo metodológico, da História da Educação de Adultos e tem, portanto, seu desenvolvimento pedagógico inserido nessa história. O segundo fato é o de ser um projeto de educação que se desenvolve no interior das prisões e que, dessa forma, está inserido também na história das prisões e das formas de punição. (Rusche, 1997, p. 13)

Normas, valores e padrões identificados com estes dois aspectos, que perpassam a organização das atividades escolares destinadas aos encarcerados, raramente são passíveis de coadjuvarem-se. É no embate diuturno entre pressupostos e finalidades diferentes, até opostas, que emergem a organização e o funcionamento das escolas no sistema penal paulista.

As possibilidades e as contradições de uma "educação autêntica, que não descuide da vocação ontológica do homem, a de ser sujeito" (Freire, 1979, p. 66) configuram-se de forma preponderante nos aspectos metodológicos.

No interior das prisões, a metodologia é o fator diferencial do trabalho educativo, na medida em que possibilita, por um lado, o engajamento da educação aos procedimentos da gestão carcerária, pautados pelo princípio da punição e de manutenção da ordem interna das prisões. Por outro, permite a constituição desse trabalho, enquanto uma das possibilidades concretas para a preservação dos indivíduos punidos à subjugação carcerária.

As possibilidades da metodologia em desvincular as atividades educativas do esquema disciplinar das prisões materializam-se na prática de sala de aula: nas relações estabelecidas entre os alunos e destes com os educadores, na participação individual e em grupo nos trabalhos, no debate, nos questionamentos, na reflexão, no respeito, na tolerância, no diálogo e nos conteúdos. A observação desses aspectos pode contribuir para a constituição do espaço escolar, diferenciando-o da técnica penitenciária.

Nos interstícios das contradições, presentes e inerentes a todos os processos de dominação e subjugação, arrogam-se as possibilidades concretas para a constituição da escola, como espaço diferenciado da técnica penitenciária. O confronto direto ou a mera sublevação ante os procedimentos da gestão carcerária fatalmente acarretam a própria afirmação destes. Observando-se a nítida prioridade de manutenção da ordem interna das prisões, no cotejo avultam-se os preceitos relativos aos esquemas disciplinares e punitivos, solidificando-os na organização.

A década de 90 foi marcada pela extinção da Fundação Educar, pois, o atual Ministro da Educação cortou as verbas destinadas a este projeto criando assim, um distanciamento com relação às políticas e pesquisas sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil e desarticulando os programas municipais e estaduais existentes embora a Constituição de 1988, no artigo 208 havia ampliado e garantindo importantes avanços no campo da Educação de Jovens e Adultos.

No artigo 208 da Constituição constata-se que: O dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria.

Embora a Constituição Brasileira assegurasse a obrigatoriedade de ‘Educação para todos’, houve retrocesso no processo da Educação de Jovens e Adultos pelas esferas governamentais permanecendo em níveis inferiores aos demais níveis educacionais.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394 promulgada e sancionada em 20. 12. 1996 pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso determina na Seção V da Educação de Jovens e Adultos dois artigos que promovem uma ligeira recuperação:

*Art. 37 A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiverem acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.

§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderem efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

§ 2º O poder público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

* Art. 38 Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.

§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:

I No nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de 15 anos;

II No nível de conclusão do ensino médio para os maiores de dezoito anos.

§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos e pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

Embora seja a Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional 9394/96 o suporte norteador das Bases Educacionais que asseguram o direito a escolaridade a todos os cidadãos, a própria lei apresenta a Educação de Jovens e Adultos como modelo supletivo e assim, descomprometendo o estado da obrigatoriedade de criar condições de permanência dos jovens e adultos trabalhadores no Sistema Educacional, reservando ao Sistema Público, no que concerne ao Exame Supletivo apenas a avaliação do produto, restringindo-se a certificação.

Em 10 de maio de 2000, o Conselho de Educação Básica emite o Parecer Nº 11/ 2000 para a Educação de Jovens e Adultos, de acordo com o Parecer, são estabelecidas quatro funções próprias da Educação de Jovens e Adultos, divididas em:

1. Função Reparadora: “é uma oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola [...] é por isso que a Educação de Jovens e Adultos necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio. ”

2. Função Equalizadora: “Para tanto são necessárias mais vagas para estes novos alunos e novas alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização”.

3. Função Permanente: “[...] atualização de conhecimentos por toda a vida [...] é o próprio sentido da Educação de Jovens e Adultos. ”

4. Função Qualificadora: “É um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção [...]. ”

Neste sentido cabe enfocar que a organização curricular da Educação de Jovens e Adultos de acordo com o Parecer Nº. 11/ 2000, possui um perfil diferenciado dos demais educandos devendo ser considerado que:

[...] o importante a considerar é que os alunos da Educação de Jovens e Adultos são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos trabalhadores, maduros com larga experiência profissional [...] com um olhar diferenciado sobre as coisas [...] logo, aos limites impostos pela vida, não se podem acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação destes estudantes como a de banalização da regra comum da Lei de Diretrizes e Bases.

Neste contexto, cabe frisar as colocações estabelecidas no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (Delors: 2000) quando salienta que os programas de educação básica e de alfabetização para adultos serão mais atraentes se associados a aquisição de competências e se forem utilizados os meios de comunicação social para contribuir no desenvolvimento da aprendizagem.

Assim, Delors (2000, p.cxxxi-ii) aponta que:

É preciso ter em conta as especificidades da vida no meio rural e urbano, decidindo qual a língua de ensino e analisando com cuidado, as adaptações a fazer nos programas, conteúdos, formação de professores e materiais.

Delors (2000, p.133) também faz menção à responsabilidade e ação vigorosa do Estado em relação ao processo de educação destacando que: “Os adultos tenham acesso às possibilidades de aprender para melhorar a sua atividade profissional como a qualidade de suas vidas. ”

Deste modo, para que se desenvolva um projeto sustentável na Educação de Jovens e Adultos a prática pedagógica deverá oportunizar o desenvolvimento de competências e permitir a estes alunos jovens e adultos, avanços qualitativos que impliquem vivenciar e interpretar sua vida, seus projetos, sua história.

A Lei de Execução Penal é explícita quanto à obrigatoriedade dos presídios, penitenciárias, Casas de Detenção..., oportunizarem a seus detentos condições de reeducação, reinserção e ressocialização.

A referida Lei na Seção V Da Assistência Educacional, no Artigo 17 da Lei de Execução Penal (LEP) determina que: "A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e formação profissional do preso e do internado".

Os escritos de Mirabette (1993: p.lxxxv) oportunizam o esclarecimento do Artigo 17 (da LEP):

A assistência educacional deve ser uma das prestações básicas mais importantes não só para o homem livre, mas também àquele que está preso, constituindo-se, neste caso, em um elemento de tratamento penitenciário como meio para a reinserção social ... Dispõe, aliás, a Constituição Federal que a 'educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". (art 205), garantindo ainda o "ensino fundamental", obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria"(art. 208, I), conceituando este como "direito público subjetivo"(art 208, § 1º). Isto quer dizer que não só a instrução, que é um dos elementos da educação, mas também está é um direito de todos, sem qualquer limitação de idade.

Assim, pois, qualquer pessoa, não importa a idade e tampouco a sua condição ou status jurídico., tem o direito de receber educação desde que, evidentemente, seja dela carente qualitativa ou quantitativamente. De vez que a cada direito corresponde um dever, é a própria Constituição que esclarece ser este do Estado, que deverá promover a educação aos presos e internados se não o tiver feito convenientemente no lar e na escola.

A aprendizagem na prisão por meio de programas educativos se considera uma ferramenta para a mudança de valor e se dá a luz da sua repercussão na reincidência, a reintegração e, mas concretamente, nas oportunidades de emprego após a saída da prisão. A educação é muito mais importante que uma ferramenta para a mudança. É um imperativo em si. A educação apresenta desafios consideráveis para os reclusos devido a uma gama de fatores ambientais, sociais, institucionais e individuais.

A Educação Prisional nos Estados Unidos

Os Estados Unidos da América são um bom exemplo da falência das políticas repressivas neoliberais. Desde o governo de Regan, que se assistiu a um crescente movimento no sentido de privatizar as prisões e os vários sistemas de segurança. Esta tendência para transformar as polícias e as prisões em negócio apetecível ao mercado, foi acompanhada de uma intensificação crescente das penas e da repressão, em quase todos os Estados dos EUA. A pena de morte passou a ser um recurso cada vez mais frequente, sendo cada vez mais aplicada em alguns Estados, como o do Texas e Califórnia.

As prisões estaduais funcionam com mais 16% de presos do que o permitido pela sua lotação. As prisões federais estão piores, pois superam essa capacidade em 31%. Nos Estados Unidos, em 2001, existiam 6,6 milhões de americanos nas prisões ou em liberdade condicional. Isto significa que em dez anos, o número de presos nas cadeias aumentou em dois milhões. Os Estados onde o número de presos aumentou mais foram os do Texas e da Califórnia, isto é, aqueles que mais aumentaram o peso das penas, aplicaram mais a pena de morte fez crescer a violência criminal, e mais, privatizaram o sistema prisional.

Mais de metade dos presos americanos são condenados por terem praticado atos de violência: assassinatos, violação e roubo. O sistema repressivo não é igual para todos, tal como o não são os problemas sociais e as condições de vida. 46% dos presos são negros, 36% brancos e 15% hispânicos. Já no que concerne à liberdade condicional, o mercado repressivo, é mais brando para os brancos do que para os negros. 55% dos condenados a beneficiarem de liberdade condicional são brancos e apenas 31% são negros.

O capitalismo é um sistema cheio de manchas. O sistema repressivo é uma delas. Um sistema a exigir uma discussão e análise tão profunda como a que se exige para os sistemas educacionais ou de saúde.

O sistema prisional dos Estados Unidos tem seus alvos. As minorias são as mais afetadas. Seus “clientes” são basicamente pobres, negros e latinos (rabble class). Os negros representam a minoria da população, mas são a maioria dentro dos presídios. Um de cada 19 homens negros está na prisão. Enfim, segundo John Irwin, “o encarceramento serve para governar a ralé. ”

As penitenciárias americanas como a de Beaumont, Lompoc e Florence, situadas no Texas, Califórnia e Colorado, respectivamente, funcionam como depósitos de gente. Muitos dos condenados estão nas cadeias por terem cometido crimes sem gravidade, onde se poderiam aplicar sanções alternativas.

Nos Estados Unidos, as taxas de encarceramento deram um salto a partir de 1973, no governo de Richard Nixon. No início da década de 70 eram em média 100 presos para 100 mil habitantes. Em 2003, as taxas saltaram para 740 presos para 100 mil habitantes. No ano de 1997, eram 1.785.079 detentos em todo o país; hoje são mais de dois milhões. Os EUA têm a maior população carcerária do planeta.

O Direito Penal, um subsistema de controle social, vem sendo implementado como um “Direito Penal do Terror”, que apenas pune as classes menos favorecidas. Enfim, criminaliza a miséria. É importante ressaltar que a excessiva rigidez na aplicação das penas tem o apoio da maioria dos americanos. No caso da pena de morte, pesquisas afirmam que 70 a 80% dos americanos são a favor deste sistema racista e cheio de falhas.

Os Estados Unidos gastam mais no sistema prisional do que na educação. Boa parte do orçamento federal vai para a construção e manutenção das prisões Supermax (segurança máxima). A Califórnia, o estado com a maior população penal em todo o mundo ocidental, gastou, de 1997 a 2000, cerca de 5,2 bilhões de dólares na construção de novas penitenciárias. Entretanto, seu sistema penitenciário continua sendo o mais aglomerado nos Estados Unidos, além de um exemplo de desrespeito aos Direitos Humanos, o que torna a ressocialização um ideal quase inalcançável, um mito.

Uma revisão orçamentária com uma melhor destinação dos recursos e um eficaz treinamento policial seria um passo na longa jornada de mudança nos índices de criminalidade e de encarceramento, pois em estados como a Califórnia, a qualidade do ensino despencou desde a adoção do modelo “tudo penal”. Portanto, acredita-se, ainda, que a criminalidade, antes de ser punida possa ser prevenida.

A Educação Prisional na Europa

A inserção da educação no sistema prisional surge na França e na América do Norte, previam em suas propostas administrativas a disposição de instrutor/professor aos internos das maiores penitenciárias do país. Os Quackers, grupo religioso que organizaram as primeiras penitenciárias nos Estados Unidos, final do século XVIII, tinham como meta alfabetizar os internos para que pudessem ler a bíblia e, portanto, participar dos cultos religiosos, obrigatórios naquelas instituições penais. A religião, a leitura da bíblia e a participação nos cultos religiosos eram obrigatórias nas penitenciárias americanas.

No artigo “Estratégias sociais e educação prisional na Europa: visão de conjunto e reflexões” do Professor HUGO RANGEL, da Universidade de Quebec e Montreal, Canadá, ele expõe a educação prisional na Europa.

Na Europa, numerosos países aprovaram leis que garantem o direito dos presos à educação. Essas normas legais apresentam geralmente muita semelhança, embora, principalmente nos países do Leste europeu, observe-se uma distância considerável entre o que prescrevem as leis e a vida cotidiana nas prisões. Países como a Bulgária, por exemplo, adotam sistemas rígidos, altamente normativos. Em todos os países, nota-se o crescimento significativo do número de detentos, o que acarreta incontáveis problemas no que tange à aplicação das normas. Além disso, poucos são os recursos destinados a atender às demandas de educação dos presos.

Como mencionou MacDonald (2003), os países da Europa do Leste dão pouquíssima importância às prisões; seus responsáveis políticos concentram esforços em apenas alguns padrões, visando à adesão do seu país à Comunidade Europeia, mas as políticas penitenciárias não mudaram na essência e as condições dos detentos continuam precárias. Seria necessário, então, pensar em estratégias globais capazes de traduzir as leis e os regulamentos em práticas e em programas. Uma visão de conjunto da educação nas prisões europeias permite identificar várias problemáticas na realidade muito complexa e diversificada da vida carcerária. Essa complexidade obriga-nos a ser vigilantes, a fim de não cairmos na formulação de generalizações.

Nesse sentido, é preciso levar em consideração as diversas dimensões das práticas educativas que estão ou deveriam estar sendo desenvolvidas na prisão, situando suas exigências específicas numa visão mais ampla dos sistemas de justiça e de administração dos programas educativos. A complexidade do meio carcerário, sua natureza multidimensional, a importância dos contextos socioeconômicos e o espírito crítico com o qual devem ser abordadas as práticas educativas permitem-nos afirmar que o discurso das best practices, muito em moda nos meios penitenciários, é incompatível com a realidade da educação prisional. Esse discurso comporta riscos, pois veicula uma ingenuidade a crítica que negligencia os contextos e os problemas sistêmicos. Um olhar comparativo sobre a educação prisional na Europa obriga-nos a afirmar que não existem fórmulas ou modelos a serem seguidos. Daí decorre a importância de valorizar as práticas educativas numa perspectiva geral. Uma das constatações da pesquisa realizada é que boa parte do “sucesso” de certos programas educativos depende da implementação simultânea de diferentes estratégias, tanto no plano da administração judiciária como no acompanhamento dos detentos após sua liberação. O “sucesso” dos programas educativos adotados nas prisões pelos países escandinavos pode, a nosso ver, ser explicado a partir dessa leitura e, é claro, de programas sociais que seguem uma estratégia social e comunitária fora da prisão.

Organizando-se serviços e ficando-se atento à população de risco, tem-se a melhora das condições de vida e evita-se a repetição do círculo (infernal) prisão-marginalidade-recidiva. Um modo de melhorar a educação nas prisões é trabalhar também fora dos muros, no âmbito comunitário. Saliento que as administrações dos países escandinavos têm como preocupação a formação dos detentos para a autonomia, inclusive nos atos da vida cotidiana. Essa dimensão educativa, por dirigir-se a pessoas frequentemente dependentes, deveria ser generalizada e fundamentar os programas educativos. Se o objetivo é que os detentos possam superar sua condição, não se deve habituá-los à vida carcerária (a serviços de cozinha e de limpeza, por exemplo). Poder apresentar uma gestão eficaz das prisões e dedicar atenção aos detentos depende também do nível de estabilidade da população carcerária. A Europa beneficiou-se, nos últimos tempos, de uma estabilidade em suas taxas de encarceramento. Mas, como já foi mencionada, essa situação está mudando: a Alemanha, a Inglaterra, os Países Baixos e, particularmente, a Espanha tiveram taxas de crescimento importantes das suas populações carcerárias ao longo destes últimos anos. A Espanha duplicou sua população carcerária desde 1990, e atualmente a taxa de detentos por 100 mil habitantes é de 146, a mais alta da Europa. A superpopulação, como se sabe, provoca numerosos problemas e acentua os que já existem. Frequentemente, e cada vez mais se acentuando, as políticas de encarceramento estão ligadas a uma visão punitiva e securitária, produzindo mais problemas do que soluções. Nessa situação, a educação fica em segundo plano, sendo muitas vezes cortada ou reduzida nas prisões superpovoadas.

Quase todos os países que têm leis ou regulamentos prevendo e garantindo o direito à educação na prisão aceitam geralmente que esses direitos sejam implementados por organizações não-governamentais. Todavia, verifica-se com excessiva frequência que tais iniciativas se limitam a uma visão da educação como intervenção terapêutica ou de reabilitação ou, pior ainda, a um tratamento especial para os detentos. É muito raro constatar que as autoridades nacionais consideram a educação prisional um direito universal, embora essa opção lhes pudesse conferir uma legitimidade internacional e reforçar a coesão nacional.

Essa ausência de estratégias nacionais no que se refere à educação prisional foi identificada com frequência na pesquisa. Conclusões similares foram enunciadas por comissões parlamentares, tanto na Inglaterra como na França, salientando a ausência de coordenação das políticas e das instituições governamentais no desenvolvimento de estratégias para a educação prisional e assinalando a impossibilidade, muitas vezes, de identificar responsáveis públicos. Volta e meia, reina certa confusão quando se trata de designar o organismo responsável pela educação prisional: o ministério da justiça ou o da educação, ou organismos de formação para ao trabalho etc.

Essa confusão é produto ou expressão de uma falta de vontade política? Os centros penitenciários ficam enredados nessa indefinição institucional. Eles administram as urgências com um financiamento insuficiente e, na falta de interlocutor público, veem-se empurrados para a improvisação.

A Educação Prisional na América Latina

A Justiça penal na América Latina continua seletiva na punição. Acostumou-se a mandar para trás das grades os miseráveis que formam maioria absoluta nas prisões e nelas se amontoam em números superiores aos padrões recomendados pelas Nações Unidas (ONU). Pelo menos 70% dos detentos são provenientes de famílias que sobrevivem com apenas um salário mínimo (83 dólares por mês). O perfil dos encarcerados pobres não para aí: 91% dos presos não têm instrução primária completa e muitos não sabem sequer escrever o próprio nome. Num conjunto de 10 condenados pela Justiça criminal, 7 deles estão na faixa de idade inferior a 25 anos. Metade da população carcerária na América Latina é constituída de negros. As prisões superlotadas funcionam como mecanismo propulsor de tendências criminosas que, além de contaminar os presos, contagiam os operadores do Sistema Penal e até mesmo a população em geral. O custo de um preso, por mês, corresponde ao dobro do que o Governo gasta, mensalmente, para manter uma criança na escola.

Em termos de proteção aos direitos humanos do preso, nenhum país da América Latina cumpre as normas do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ditadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, nem tampouco a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José de Costa Rica, aprovada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1969.

São quatro os pontos que merecerem consideração de análise.

O ponto de partida, no conjunto dessas inquietações, reside na atmosfera da  preocupação com o crescimento da violência na sociedade, alarmada com a insegurança pública  recrudescida, de modo impressionante, pelas  formas tradicionais e inusitadas de expressões de crimes. Daí o discurso da lei e da ordem, galgado na concepção ideológica que defende a política conservadora de construir mais prisões e fixar penas mais longas, por entender que o número de pessoas inclinadas a cometer crimes decresce, quando o instrumento da punição aumenta.

O segundo ponto é a constatação da inoperância radical da administração penitenciária aliada à notória tibieza do Poder Judiciário diante da ciranda do crime. Nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires, Assunção, Bogotá, Lima, Caracas e La Paz, cerca de 71% dos egressos de prisões voltam a elas, por qualquer razão pessoal ou social. Outras cidades, que apresentam menor índice, estão por volta dos 55%, o que também é absolutamente inaceitável. O crime organizado continua arquitetado nas prisões, e chega a constituir, em certos lugares, um poder paralelo, capaz de se confrontar com os órgãos públicos de repressão, não apenas no uso da força, mas também no domínio de tecnologias modernas, como o aberto uso de telefone celulares pelos presos.

O terceiro ponto é o escândalo diário do absoluto descaso pelos direitos humanos dos presos. Embora também exista o outro extremo de privilegiar o preso em detrimento das vítimas, é fato consumado que os Países da América Latina apresentam uma das imagens mais negativas no mundo em termos de tratamento prisional, colhendo com isso a reação ainda mais violenta por parte de organizações não governamentais, cientistas e especialistas dedicados à questão.

O quarto ponto refere-se ao modelo prisional Latino-americano, de modo geral totalmente arcaico, porque ainda encerrado no âmbito da mera repressão praticada na época colonial que, sem estratégias modernas de políticas públicas, vende a falsa ilusão de que o sistema penal funciona enchendo as prisões. A teoria penal está, assim, a serviço da autoridade: o cárcere vale como reafirmação da ordem jurídica, e não como pedagogia da recuperação para proteger a cidadania e alterar a personalidade do condenado, na redefinição de sua escolha existencial.

Duas são as fontes geradoras dessa insegurança.

De um lado, na primeira fonte, existe o pesadelo socioeconômico de base. Na América Latina, a grande maioria da população é constituída de pobres. O Informe Mundial sobre Riqueza, divulgado em Nova Iorque, em junho de 2002, mostra que na América Latina somente 8% são ricos, sendo a base da pirâmide social constituída cada vez mais de pobres, muitos dos quais apelam ao crime ou à contravenção para sobreviver. Nessa realidade conflitual, o fenômeno mais conhecido é o das crianças e adolescentes sem ocupação que perambulam pelas ruas, pedindo dinheiro, orientados pelas próprias famílias para, desse modo, prover o sustento. Eis a fonte do índice elevado da delinquência que alimenta o arsenal de táticas urbanas de sobrevivência.

De outro lado, na segunda fonte geradora da insegurança prisional, aparece o crime organizado de acesso facilitado ao lucro, ao enriquecimento ilícito e outras vantagens, como, por exemplo, o apoio da corrupção. Assaltos a bancos, roubos de carros e mercadorias, contrabando, sequestros para obtenção de significativos resgates e, sobretudo, tráfico de drogas e de armas são exemplos significativos. Existe a profissionalização do crime, não só como atividade comum das pessoas aí envolvidas, mas também pelo uso de tecnologia sofisticada pertinente. As quadrilhas muitas vezes, possuem armas pesadas, dominam sistemas complexos e modernos de comunicação, usam conhecimento atualizado para planejar e realizar as atividades, inclusive com o auxílio da Internet.

No caso do crime organizado é comum a presença de lideranças negativas, entendendo-se por isso pessoas dotadas de marcantes lideranças, capazes de construir um sistema moderno e eficiente de criminalidade, mesmo quando presas. Tratando-se de um mundo extremamente perigoso, impera a seleção dos mais fortes, o que facilita o surgimento de poderes paralelos bem estruturados, sobretudo quando à força se ligam a inteligência e o dinheiro.

Essas duas fontes geradoras da insegurança prisional na América Latina, isto é, a pobreza e o crime organizado, representam rasgos muito preocupantes no mundo globalizado.

De certa maneira, é possível afirmar que a primeira fonte, vinculada à pobreza, aponta para questões mais estruturais, porque alimentada na miséria do povo, haja vista as lutas sangrentas pela posse de terra. Furtar ou roubar para sobreviver não deveria ser a tônica de uma sociedade dotada de critérios mínimos de democracia e justiça, especialmente num país como o Brasil, que detém economia razoavelmente expressiva, por isso colocada destacadamente no ranking das Nações Emergentes, mas que tem 55% do seu Produto Interno Bruto (PIB) comprometido com o pagamento da dívida pública.

A criminalização produzida pela pobreza demonstra, mais do que o recrudescimento da insegurança social, a persistência de altíssima concentração da renda beneficiando poucos privilegiados, na ciranda de um mercado financeiro constantemente em turbulência, com elevações das taxas de câmbio, juros altos e parcos investimentos que intranquilizam os cidadãos, geram aumento de impostos e prejudicam o controle da informação, tudo porque as estratégias dos governos na América Latina não têm sido hábeis em promover o desenvolvimento com qualidade de vida, especialmente agora com os efeitos da globalização.

É assim que se mostra, no Continente Latino-americano, a falta de um projeto adequado ao bem-estar do povo, o que implicaria o desenvolvimento qualitativo da educação primária. Mas o que se vê é que apenas cerca de 30% das crianças que entram no curso primário chegam a concluí-lo e essa situação acaba por contribuir para a precariedade da polícia, recrutada normalmente entre segmentos de jovens econômica e culturalmente mais pobres no conjunto da população.

A segunda fonte geradora da insegurança prisional, ou seja, o crime organizado, tomou ultimamente dimensões aterradoras, em particular pela capacidade de dispor de recursos e tecnologias expressivos, colocando o aparato repressivo público na defensiva. O que mais preocupa, certamente, é a tendência ao incontrolável, em face à ascensão desse Estado Paralelo, que movimenta milhões de dólares, sabe jogar com a impunidade e acha que o crime sempre compensa, já que seus riscos podem ser calculados e controlados com certa precisão.

Em todos os grandes centros urbanos dos países da América Latina (citem-se os exemplos de São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Assunção, La Paz, Bogotá e Caracas) há favelas em que a Polícia não entra ou, quando entra, já está em franca desvantagem ante os delinquentes bem armados. Há favelas em que os moradores estão reféns do Estado Paralelo, que vende proteção, obrigando as pessoas a comprar a segurança marginal para poupar a própria vida. Há favelas onde os moradores vêm abandonando suas casas, expulsos delas pelo medo, pelo terror e pela desproteção absoluta a que estão expostos. Há favelas onde o tráfico de drogas prende, julga e executa. Uma pesquisa patrocinada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em novembro de 2001, revela que a média para ingresso no crime, na América Latina, era de 15 a 16 anos, no início da década de 90, mas, atualmente, esse índice caiu para 12 a 13 anos, exatamente porque o recrutamento de crianças e adolescentes aumentou consideravelmente com as ações dos traficantes, substituindo a ausência de investimentos sociais do Estado Legal.

Na América Latina, a reabilitação prisional, pretendida pela legislação penal, tem patenteado, na prática, o desalento, a aflição e a definitiva rebeldia contra uma sociedade que fecha as portas ao egresso, quando chega o tempo do lendemain de la peine, na elegante expressão dos franceses.

A prisão continua, assim, a procurar um futuro novo capaz de viabilizar medidas e métodos de execução penal que correspondam aos anseios da reinserção social e moral, em qualquer regime formal de aprisionamento previsto em lei:

a) seja no Regime Fechado para os condenados de maior periculosidade, em estabelecimentos de segurança máxima ou média;

b) seja no Regime Semiaberto para os condenados que ficam em semiliberdade, em estabelecimentos de segurança média, que se destinem à prática de atividades agrícolas, industriais ou similares;

c) seja no Regime Aberto para os condenados em estabelecimentos de segurança mínima, adaptados com casas de albergados, onde os presos, teoricamente, podem exercer suas atividades habituais sem qualquer vigilância, recolhendo-se à noite para dormir no albergue com os outros companheiros.

Em nenhum desses três Regimes se cumpre pena com decência e eis a razão pela qual se diz, a todo instante, que a prisão, na América Latina

a) não serve para o que diz servir; b) oferece o máximo de promiscuidade; c) neutraliza a formação e o progresso de bons valores; d) estigmatiza o ser humano; e) funciona como máquina de reprodução da carreira no crime; f) introduz na personalidade a nefasta cultura carcerária; g) estimula o processo de despersonalização; h) legitima o desrespeito aos direitos humanos; i) destrói a família do condenado.

Veja-se, por oportuno, que o povo vem assistindo a proliferação de gangues rivais de presos e a ascensão de facções criminosas que comandam operações dentro dos estabelecimentos prisionais, com impressionante capacidade de planejamento e contam com a corrupção dos funcionários do sistema penitenciário para promover fugas, rebeliões, motins, homicídios, suicídios, impor o terror, desafiar o Governo e oprimir a sociedade.  É de lamentar que os Governos não tenham boa vontade, nem tenham sido capazes de elaborar e implantar a execução penal com seriedade, determinação e competência.

Preso e sociedade sempre terão de conviver como vizinhos decentes, ainda que estipulando fronteiras. Não precisa ser uma cena de Dostoievski, de irmãos se abraçando, mas uma convivência de compreensão e tolerância, na rota de um consensualismo penitenciário edificado numa escala de valores éticos, morais e normativos, integrado no conjunto da política social do Estado de Direito, em condições de aproximar o delinquente da vida normal dos cidadãos.

A visão global da questão penitenciária nos Países da América Latina, lamentavelmente, está fora de qualquer cronograma usual de planejamento estratégico de promoção social.

Os governantes precisam compreender que o universo penitenciário deve ser visto como componente relevante do moderno desenvolvimento socioeconômico. Faz parte de uma sociedade justa, equitativa, educada e economicamente expressiva saber dar conta desta problemática de acordo com a competência considerada hoje como sendo a atualizada. A violência crescente não agride apenas a cidadania, mas igualmente a economia, como é o caso notório do turismo no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Em outro ângulo, a reprodução do crime nas prisões agride totalmente o princípio de mudança radical da concepção atual penitenciária encerrada na prática medieval de prender somente para castigar.

De um lado, deve existir o Estado de Direito, para que se definam os procedimentos legais do crime e da sanção, o que torna a condenação socialmente justa. De outro lado, deve existir a condição iniludível de uma possível e desejável recuperação do preso, sem escamotear o contexto de visível violência aí implicado. Não se trata de esconder a violência, mas de administrá-la em nome da satisfação que o preso deve dar à sociedade em nome de sua necessária recuperação.

Aí está um ponto essencial:  quando se trata de recuperação prisional, a melhor maneira de fazê-lo não é com a acentuação da violência. Assim, em ambiente de violência típica, como é o da privação da liberdade, é preciso administrá-la de modo a reduzir essa violência ao mínimo, para sobressair a face da reconstrução do direito à liberdade.

No alinhamento de uma execução penal em busca de elevado significado ao controle jurídico-penal, com equilíbrio e autoridade responsável, se destaca, como ponto alto, o empreendimento do trabalho produtivo e do ambiente educativo.

Não comporta o trabalho apenas como passatempo, faz-de-conta, porque não é pedagógico e não é fonte geradora de condições de vida para o dia em que a liberdade chegar. Pedagógico é o trabalho que fundamenta a dignidade da pessoa como ente capaz de prover sua subsistência com autonomia e criatividade. É essencial que o preso tenha a experiência construtiva de que é possível sobreviver sem agredir os outros, por conta da capacidade própria de encontrar soluções adequadas.

Ganhar percentual do valor de seu trabalho é indiscutivelmente um direito humano do preso, até porque aí entra a questão complexa do sustento de sua família.

Acresce ainda a preocupação justa em torno da manutenção das penitenciárias, a qual, pelo menos em parte, deveria ser provida pelos próprios presos. Seus custos são muito altos e tornam-se alucinantes, quando se pensa que são, na maior parte, em vão. Evitando-se sempre o trabalho forçado, definido como espoliativo e desumano, o preso deve trabalhar também para manter a instituição que ocupa, embora sempre em ambiente educativo. Isto quer dizer que o trabalho precisa representar atividade séria para fundar a dignidade da cidadania de alguém que encontra aí ocasião e motivação para mudar de vida.

O ideal seria que a ressocialização do preso fosse apropriada a cada perfil de condenado. Ressocialização significa fornecer ao preso um canal pelo qual possa reentrar na sociedade com escolaridade e desenvolvimento de uma habilidade profissional, que leve em conta as necessidades futuras. Porém, hoje, na América Latina a situação é esta:

45% dos presos não têm nenhuma atividade que exija habilidade ou formação profissional;

36% dos encarcerados se ocupam apenas com o trabalho de serviços gerais dentro da própria prisão;

19% dos detentos dispõem, efetivamente, de um trabalho produtivo com caráter ressocializador.

É interessante assimilar que, na quase totalidade dos Sistemas Penitenciários latino-americanos, e aí se inclui o Brasil, existe uma lei determinando que através do trabalho o preso diminua sua pena: para cada três dias trabalhados, abate-se um dia de pena. Como a maioria dos detentos não trabalha, essa lei existe sem maior efetividade.

Na quase totalidade dos sistemas penitenciários, a regra é remunerar o trabalho do apenado com a metade, ou três quartos de um salário mínimo. No Brasil, pela atual Lei de Execução Penal (art. 29) o trabalho do preso será remunerado, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo (hoje, o salário mínimo equivale a 83 dólares por mês).

Neste contexto, aparece sempre a discussão em torno da atuação da iniciativa privada em estabelecimentos prisionais, havendo nos Estados Unidos e na Europa, já há alguns anos, experiências que parecem positivas. Em si, esse tema não deveria causar espécie, se os objetivos podem ser alcançados com melhor resultado pela via privada. Com efeito, hoje, a situação de absoluta precariedade de, praticamente, todas as penitenciárias as leva a serem confundidas dentro do espírito predominante no serviço público, considerado sempre coisa pobre para pobre. Se os órgãos públicos não são satisfatórios em seus serviços e atividades, em muitos casos a iniciativa privada pode representar a vantagem de executar melhor esses serviços e ainda reduzir custos.

A título de ilustração, mencionamos que acabam de ser implantadas as primeiras prisões privadas na América Latina. Elas estão no Brasil. A primeira, localizada no Município de Guarapuava, no Estado do Paraná, onde os 350 presos têm de estudar e trabalhar na agricultura. A segunda, localizada no Município de Juazeiro do Norte, no Estado do Ceará, onde os 300 presos se dedicam ao trabalho de fabricação de joias.

Outra opção que se examina para instalar na América Latina, com apoio do gerenciamento do Mercado Comum dos Países do Mercosul (os Países que formam o Mercosul são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) é a experiência com cooperativas de presos e  ex- detentos, as quais, pela influência do bom exemplo, na exploração de atividades econômicas, no campo da agricultura e da indústria, podem ter aptidão para  subsidiar a incorporação da iniciativa privada nos propósitos de reintegrar o condenado à sociedade, sem que a pena se desmoralize como promessa lírica que não se cumpre.

Componente de primeira linha, ao lado do trabalho produtivo pedagógico, é a ambiência educativa que deve imperar nas penitenciárias. Não se trata apenas de oferecer educação formal, ou seja, apenas o curso primário previsto na Constituição Federal como direito de todos, mas sem de envolver o preso dentro da ecologia da educação, incluindo cultura, lazer, instrução, etc. Ao contrário das condições atuais imperantes, de total degradação humana, deveria emergir o lado sadio, promocional, desafiador da educação crítica e criativa, uma das bases mais seguras da formação da cidadania popular.

O preso deve ter oportunidade de ler conteúdos interessantes, ver materiais eletrônicos pertinentes de teor didático e instrutivo, discutir temas coletivamente, problemas e soluções, fazer cursos à distância, sobretudo plantar o convencimento da capacidade de se modular como sujeito social competente. Isso supõe metodologias didáticas modernas construtivas, que não se bastam com mera reprodução do saber, imitação, cópia, instrução. O ambiente deve ser marcado nitidamente pelo aprender a aprender, que fundamenta a habilidade crítica e criativa. Assim será possível realizar a função repressiva do Estado de Direito, usufruindo o que a Ciência e a Tecnologia têm a oferecer.

Característica essencial da dinâmica população penitenciária na América Latina é, então, a acentuada ausência de instrução escolar sem iniciação e sem aperfeiçoamento técnico, daí a constatação de que:

a) 36% de presos são analfabetos; e

b) 51% de presos não têm instrução primária completa.

Esse é um dos fatores incisivos mais indutores de tensões, revoltas, motins e do círculo da reincidência no crime. 71% das pessoas que saem das prisões, a elas voltam por falta de terapia da reestruturação pessoal, carência que não estimula boas chances no retorno à sociedade.

Anote-se, nesta oportunidade, que o Peru foi o primeiro país da América Latina a colocar em vigor uma lei estabelecendo a compensação da pena pelo estudo:  para cada três dias de atividades de educação escolar, abate-se um dia da pena a ser cumprida. Outros países, como o Brasil, já estão regulamentando esse esforço de iniciativa educacional adotado no Peru.

Está bem claro, nesta apreciação, que a conjugação inteligente entre ambiente educativo e o trabalho produtivo pedagógico, lamentavelmente ainda não é o ângulo principal do processo de reconstrução da liberdade e da dignidade dos presos na América Latina. Pouquíssimos bons exemplos podem ser observados e entre esses pouquíssimos bons exemplos, destacamos a experiência que situamos a seguir.

Há expectativa de mudanças? Apesar de tudo, vale a pena manter o entusiasmo e a grandeza de espírito, na luta pelo comprometimento social com a educação e o trabalho no ambiente que consome os valores da vida carcerária.

Um dia ficaremos livres da frieza e da carência de zelo cívico tão comum entre os políticos que hoje governam os países da América Latina. Esses governantes perturbam os nossos sonhos, mas, pelo menos, não são capazes de nos deixar sem a consciência tranquila e não nos tiram a capacidade de esperar.

Seria mais triste ainda viver se a esperança não pudesse vencer o medo das incertezas.

 A Educação Prisional no MERCOSUL

Rege a Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".

Estes Tratados, Pactos e Convenções fazem parte dos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados, e são fontes soberanas de direito público, de plena e irrestrita vigência interna.

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, isto é, são autoaplicáveis. Desta forma, os direitos e garantias não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pelo governo brasileiro e constante nos tratados internacionais (Constituição da República Federativa do Brasil, parágrafos 1º e 2º, art. 5º CF).

Nesse sentido, a Convenção de Viena, sobre Direito dos Tratados, de 1969, em seu artigo 60, prescreve como obrigação "erga ommes" que não se podem usar subterfúgios e invocações do direito interno para justificar o não-cumprimento de um Tratado aderido, nem a Constituição pode contradizer norma de Direito Público humanitário, vez que possui caráter imperativo ("ius congens") e não simples disposição.

Os Estados devem fazer valer a salvaguarda dos interesses comuns superiores protegidos pelas Convenções, para não afetar o seu próprio grau de validade hierárquica, sob forma de restrição ou de rebaixamento, mas sim, para aumentar os mecanismos de supervisão e respeito a um tratamento humano mínimo (ver Cançado Trindade, Antonio Augusto; in Direito Internacional Humanitário, IPRI, Brasília - 1989).

Dentre os Direitos Humanos dos presos, por exemplo, dispõe a Lei de Execução Penal brasileira (art. 1º e 10) que a sentença ou decisão criminal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do interno, e que a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, é dever do Estado, para prevenir o crime e orientar o retorno à convivência do apenado em sociedade. Teoria do “res”, segundo E.Raúl Zaffaroni, como justificativa ao encarceramento humano e restrição ao “ius libertatis”.

"Nenhuma pessoa submetida a qualquer forma de detenção ou prisão será submetida à tortura ou a tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. Não se poderá invocar circunstância alguma como justificação da tortura ou de outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes", estatui o princípio (6) do Projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão da ONU (Resolução n. 43/173).

A expressão "tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes" deve ser interpretada de maneira que abarque a mais ampla proteção possível contra todo tipo de abuso, sejam físicos ou mentais, incluído o de manter o preso ou detento em condições que o privem temporária ou permanentemente do uso de um de seus sentidos, como a visão ou a audição, ou de sua ideia de lugar ou do transcurso de tempo. (in La Revista, Por el Imperio del Derecho, da Comisión Internacional de Juristas, n. 42, Junio 1989).

O contido no artigo 1º Convenção Contra a Tortura da ONU, e dispositivo 2º da Convenção da OEA, rezam que "as dores e os sofrimentos por consequência de sanções legítimas ou "medidas legais", não estão compreendidos no conceito de tortura". Obviamente que devemos interpretar no sentido de que, desde não afetarem os princípios humanitários básicos. De outro lado, a execução da pena privativa de liberdade deve observar as Regras Mínimas das Nações Unidas para os detentos, do contrário pode caracterizar a prisão, na prática, pena infamante, cruel e desumana, visto que atenta contra a dignidade da pessoa encarcerada, ferindo inclusive os princípios elementares de justiça de um Estado Democrático de Direito.

Não devemos admitir e legitimar nenhuma das condições degradantes que estão sujeitos todos os presos, a prisão por si só causa dores, sofrimentos físicos e psicológicos nefastos e irreparáveis ao ser humano que o Estado pretende recuperar, ressocializar, reintegrar, reeducar ou readaptar.

Contradições desta ordem e deste nível de desrespeito jurídico e legal não podem existir e ser admitidos pelos Documentos de Direitos Humanos; pois, sem exceção alguma, visam a prevenção e a repressão das violações fundamentais inerentes ao direito de viver com dignidade, seja “intra” ou “extra” “murus”.

É público e notório que a maioria, ou quase a totalidade, dos estabelecimentos prisionais da América Latina e do Brasil, efetivamente, tem transformado o cumprimento da pena privativa de liberdade, em sanção cruel e desumana. Ainda que esteja expresso em documento internacional que "nenhum funcionário encarregado de fazer cumprir a lei poderá infringir, instigar ou tolerar nenhum ato de tortura ou outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes", reza o artigo 5º do Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (Adotado pela Assembleia Geral da ONU em 17-12-79 - Resolução n. 34/169).

Segundo a doutrina especializada, a expressão "funcionários encarregados de fazer cumprir a lei" inclui todos os agentes, nomeados ou eleitos, que exercem funções de polícia, com faculdades de arresto ou detenção, incluam-se, a nosso ver, também as autoridades judiciárias, magistrados que determinam a prisão e membros do Ministério Público que requerem a condenação à pena privativa de liberdade ou que postulam a prisão provisória.

Em geral, sabemos que a pena privativa de liberdade teve sua origem na revolução industrial e que seu objetivo foi e é eminentemente utilitário, ainda que o discurso ideológico tenha sido humanitário. Para isso, se faz indispensável o respeito a norma com rigidez em nome do princípio da legalidade.

Seria muito conveniente pensar em algum controle internacional para verificar o grau de cumprimento e de descumprimento das Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento do Recluso, afirma o prof. Eugênio Raul Zaffaroni, acrescentando: "As condições de alojamento das pessoas privadas da liberdade devem ser vigiadas judicialmente. A indiferença judicial nesta matéria é notável no continente latino-americano. É preciso ações e recursos de habeas corpus e similares para amparar as condições de alojamento higiênico e digno. A via mais prática para quebrar a indiferença judicial é responsabilizar em forma pessoal - inclusive penal - os juízes por negligência na vigilância de tais condições. Isto geraria, sem dúvida, conflitos com o Poder Executivo e se alegaria a carência da infraestrutura para cumprir as "Regras Mínimas" das Nações Unidas. A solução mais prática e adequada aos Direitos Humanos, ante tal conflito, é impor aos juízes o dever de interditar os estabelecimentos inadequados e de dispor a imediata liberdade qualquer pessoa privada de liberdade em condições que não satisfaçam os requisitos mínimos de segurança e higiene. O Poder Judiciário deve regular com extrema severidade a privação da liberdade quando exista um número de pessoas maior do que o indicado nas condições mínimas de alojamento digno disponível (capacidade conforme a planta arquitetônica).

O processo institucional de prisionalização gera fatores negativos, e estes são originários da: superpopulação; ociosidade; insalubridade e promiscuidade pela falta das mínimas condições de vida com dignidade e precariedade das instalações físicas. A violência física (sexual) e psíquica que estão sujeitos os detentos, a corrupção entre agentes penitenciários e grupos de internos, e muitas outras mazelas são produzidas dentro dos ergástulos públicos (ver CPIs do Sistema Penitenciário da Câmara dos Deputados Federais do Brasil, de 1975 e 1993).

Define a Regra 31 da ONU para Tratamento dos Reclusos, sobre disciplina e sanções: "As penas corporais, encerramento em cela escura, assim como toda sanção cruel, desumana ou degradante são completamente proibidas como sanções disciplinares". Se há previsão legal proibitiva de sanção disciplinar nestas condições, muito mais óbvio e evidente que o Poder Judiciário não pode admitir a execução da pena privativa de liberdade quando caracterize na prática sanção cruel, desumana e degradante.

Sabemos que os maus-tratos carcerários resultam do "modus vivendi" oferecido pelo Estado aos condenados à pena privativa de liberdade, que impera a “lei do mais forte” ou a sobrevivência no interior dos estabelecimentos penais.

A regra geral do direito penal democrático é interpretar a lei restritivamente, e quando necessária a ampliação, esta maneira somente é autorizada juridicamente quando for em benefício ou a favor do réu ou do apenado. O artigo 3º do Código de Processo Penal, reforça este critério doutrinário, quando estabelece que são permitidas a aplicação dos princípios gerais do direito.

Na legislação brasileira (lei n. 4.898/65) o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade, considerando-se crime todo atentado "à incolumidade física do indivíduo" (art. 3, "i"); "submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei" (art. 4, "b"); em reforço a norma ordinária a Carta Magna assegura a concessão de mandado de segurança para proteção de direito líquido e certo..., quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública (inciso LXIX, art. 5º CF).

A título de estudo e de informação do direito positivo das Nações Unidas (Assembleia Geral em Resolução n. 40/43, de 29 de novembro de 1985), lembramos a recomendação do Sexto Congresso da ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Milão - Itália), para a continuidade do trabalho de elaboração das diretrizes e normas para as vítimas do delito de abuso de poder, solicitando a cooperação de organismos governamentais e não governamentais.

São consideradas "vítimas de abuso de poder" as pessoas que, individualmente ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como consequência de ações ou omissões que não cheguem a constituir violações do direito penal nacional, mas violem normas internacionais reconhecidas e relativas aos Direitos Humanos (item 18, letra B, da Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e do Abuso de Poder).

Assim, a decisão emanada do Poder Judiciário que fundamentar e aplicar os princípios de direito, supra referidos, estará dentro da mais cristalina legalidade e prestando a mais pura medida de Justiça; "in contrarium sensu", concretizar-se-á uma gritante e brutal inobservância aos Direitos Humanos e aos princípios reitores do regime penal democrático, com flagrante abuso de autoridade passível de responsabilidade, desde a pena administrativa de advertência até a de demissão a bem do serviço público, sem prejuízos da aplicação da sanção civil de indenização e da própria detenção.

O modelo do "homem enfermo", frente ao do "homem normal", é ainda mais torturante e desumano, vez que o Estado não possui pessoal especializado e muito menos estabelecimentos destinados a esta espécie de serviço médico-psiquiátrico. E a possibilidade de defesa é muito mais difícil, pois, os exames “médicos-criminológicos" são estigmatizante e marginalizam eternamente o paciente. São raros os que conseguem um parecer favorável quanto a cura de sua “personalidade criminosa”.

Culpabilidade de Autor versus culpabilidade de Ato, onde os réus possuidores de boa ou regular condição financeira são autorizados a frequentar clínicas particulares, já os vulneráveis (pobres) do sistema de administração de justiça penal são internados nos chamados Manicômios Judiciários, com total falta de infraestrutura, sofrendo diariamente maus-tratos, pela dupla condição de prisioneiro e de enfermo mental.

Sempre em debate no âmbito dos Direitos Humanos, são colocadas em dúvidas as questões como: choques elétricos e insulínicos, condicionamentos de reflexos inibitórios e, determinados tratamentos para modificar a conduta.

Os princípios básicos de ética médica aplicável à função do pessoal de saúde, especialmente os médicos na proteção de pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão contra a tortura e outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes expressos na Resolução n. 37/194, de 18.12.82, das Nações Unidas, em reconhecimento a Resolução 31-85 de 13 de dezembro de 1976 da Organização Mundial da Saúde, estão sendo violados corriqueiramente pelo Estado e sua administração penitenciária.

À luz dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, de aceitação universal e aderido pelo governo da República Federativa do Brasil, destacamos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948/ONU); Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966/0NU); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969/OEA); Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento dos Reclusos (1955/57/77); Normas para a aplicação das Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos (ONU/1984); Princípios Básicos para o Tratamento dos Reclusos (ONU/1990); Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão (ONU/1988); e Regras Mínimas do Preso no Brasil (Ministério da Justiça/1994).

É de se ressaltar que na prática nenhum dos Documentos internacionais, muito menos a Constituição federal e a legislação ordinária positiva (Lei de Execução Penal) não estão cumpridas e respeitadas, dentro da obrigatoriedade dos princípios basilares do Estado de Direito, impõem-se às autoridades competentes e diretamente ligadas a questão prisional do país, seja na esfera do Poder Executivo (encarregadas do gerenciamento do sistema penitenciário), como na alçada do Poder Judiciário (competentes para a execução de medidas privativas de liberdade), responsabilidade criminal, em decorrência da inércia e/ou da prevaricação de atos de ofício que deveriam tomar e não o fizeram em tempo oportuno, conforme prevê o Código Penal (Decreto-lei n.º 2.848/40).

Os artigos 1º e 10 da Lei n.º 7.210/84, estabelecem que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou da lei.

Carecem os detentos (provisórios e definitivos) do direito à assistência material, ou seja: de alimentação suficiente, vestuário, de atividades laborais (inclusive quanto à remuneração, previdência social e pecúlio, e direito de remição), intelectuais, artísticas e desportivas, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

Se a educação pode ajudar a reinserir um preso na sociedade, o Brasil está bem longe dessa meta. O sistema prisional brasileiro abriga 371.400 presos, de acordo com dados preliminares de 2006 do Ministério da Justiça. E menos de 10% dos presos - 34 mil - completaram o ensino fundamental. Pior: cerca de 18 mil são analfabetos.

A Lei tem número, 7.210, é de 1984, se chama Lei de Execução Penal e é bem clara: determina a oferta do ensino fundamental e a formação profissional nas cadeias. Mas há uma enorme distância entre o que está escrito e o que realmente acontece dentro das prisões.

O último relatório sobre escolaridade de presidiários, de 2003, faz a lista das maiores barreiras ao ensino nas cadeias brasileiras. Começa pela falta de espaço adequado, segue pela carência de professores e agentes penitenciários e, finalmente, reflete a ausência de um sistema de ensino nacional, vinculado à educação de jovens e adultos.

No Brasil, o MEC e o MJ trabalham juntos desde 2005 para criar uma política pública de educação prisional, com diretrizes nacionais. “Na maioria dos estados, existe educação nas prisões, mas de forma aleatória. Faltam vagas para os alunos interessados em estudar, nem sempre há todos os níveis. Há turmas de alfabetização e ensino fundamental, mas há alunos que gostariam de fazer o ensino médio também”, diz Timothy Ireland. Ele conta que muitos presídios não dispõem sequer de espaço físico que comporte salas de aula. “Já vi até um corredor adaptado. A primeira parte era para turmas de alfabetização, a do meio para ensino fundamental e o fundo, para ensino médio. Tudo muito precário. ”

A educação deve ser vista como um direito, não para a reintegração. Claro que isso é muito importante, mas se a reintegração for impossível, a educação continua a ser um direito. Não devemos instrumentalizar a educação unicamente para um papel social ou do tipo político-social. A educação pode ser uma solução se for uma educação ao longo da vida, não apenas do tipo profissional ou a reeducação. É para muitos presos a primeira oportunidade de compreender sua história e de tratar de desenvolver seu próprio projeto de vida.

A noção de educação prisional como direito está no auge das discussões em todo o mundo. Em novembro de 2006, por exemplo, o Brasil acolheu, em Belo Horizonte, as discussões do Fórum Educacional do Mercosul, que tinha como um dos núcleos de debates o Seminário de Educação Prisional, que recebeu autoridades neste assunto de toda a América Latina e Europa e de entidades ligadas à educação e direitos humanos. O objetivo era criar uma rede latino-americana de discussões, que colocasse na pauta dos governos de cada país a educação prisional como direito inalienável de todos e as possíveis soluções para tornar essa educação mais proveitosa.

Os especialistas em educação prisional defendem que a escola deve ser um direito mesmo que o detento não seja reintegrado ou reintegrável à sociedade.

No Paraguai segundo dados do Ministério da Justiça e Trabalho nas 15 (quinze) penitenciárias do país o número de presos são 5.889 dados estes de 12 de dezembro de 2008. O Paraguai apresenta uma das mais reduzidas percentagens de presidiários em relação à população (4 mil presos para 5,1 milhões de habitantes). No entanto, a maioridade penal é expressivamente baixa em relação aos outros países do continente: somente são inimputáveis criminalmente os menores de quatorze anos.

Em Tacumbu - maior presídio do país -, é crônico o problema de superlotação. Por absoluta inexistência de espaço físico os presos vão ocupando todos os lugares disponíveis: a capela, a marcenaria, a cozinha, os escritórios administrativos e as dependências de assistência. São 1,5 mil pessoas aglomeradas, semelhante a um campo de refugiados. Esta grande concentração vem acarretando graves problemas de saúde e higiene. Não há incentivo ao trabalho penitenciário. Os telefones públicos, antes disponíveis no interior do presídio, foram barbaramente destruídos para obrigar os reclusos a alugar os aparelhos de telefonia celular daqueles que os possuem. Foram localizados também alguns presos provisórios entre os sentenciados. Um deles aguarda há oito anos decisão de seu processo criminal. A estes, além da ausência de assistência judiciária, não são observadas as orientações normativas de separação dos condenados, oferecimento de oportunidade de trabalho e muitas vezes são proibidas as visitas familiares. Próximo ao presídio de Tacumbu existe o Centro de Reabilitação chamado Panchito López, destinado a menores infratores, que abriga crianças e adolescentes de 14 a 18 anos. São trezentos reclusos divididos unicamente pelo critério de idade, o que expõe os menores a um risco potencial. Nem todas as celas estão em perfeito estado de conservação. O centro de Reabilitação carece de investimentos para ensino educacional e profissionalizante aos jovens de Tacumbu.

No Paraguai registram-se inúmeras queixas sobre a morosidade e a ausência de assistência jurídica. Por fim, constatamos ainda a incrível existência de um presídio fantasma, onde, embora existam diretores designados e previsão orçamentária, as obras para conclusão do presídio encontram-se em completo estado o de indiferença e abandono.

Em 2007 o Ministério da Educação e Cultura do Paraguai através da Direção Geral de Educação Permanente beneficiou com materiais escolares e didáticos cerca de 700 alunos da educação de média distância para jovens e adultos com ênfase para as novas tecnologias e 1000 estudantes da educação básica bilíngue para jovens e adultos. Este projeto é a implementação da Reforma Educativa da modalidade de jovens e adultos que se desenvolve em todo o país, através do Programa de Educação Básica Bilíngue de Jovens e Adultos (PRODEPA). O objetivo é melhorar a qualidade da educação dos presos e garantir o acesso à educação básica e de nível médio. O projeto aponta para o funcionamento e consolidação da nova rede de docentes penitenciários que conta com a estrutura e apoio para assegurar o processo de aprendizagem dos internos e a possibilidade de continuar seus estudos quando obtenham sua liberdade.

Na Argentina, há cerca de 30 mil reclusos, sendo que aproximadamente 6,1 mil pessoas cumpram pena em estabelecimentos federais de Buenos Aires. De acordo com os dados oficiais, apenas 20% da população carcerária argentina encontra-se contemplada pelo direito ao trabalho penitenciário. É também alarmante a informação de que aproximadamente 8% dos reclusos estariam infectados pelo vírus da Aids, fato este agravado pela grande incidência de outras doenças sexualmente transmissíveis.

No presídio federal Caseros, em plena Buenos Aires, centenas de presos condenados não têm onde tomar sol ou praticar esportes. Não há a menor perspectiva de trabalho num presídio parcialmente destruído pela última rebelião, ocorrida já há alguns anos.

O melhor exemplo de administração penitenciária da Argentina foi observado em Olmos, próximo a La Plata. Lá encontramos 3.336 internos, dos quais 80% são sentenciados. Embora a população carcerária seja superior à sua capacidade, Olmos apresenta alguns aspectos positivos: aos detentos são oferecidos serviços de ensino integrado à rede pública educacional. São 180 reclusos matriculados em curso primário e 220 em aulas de orientação secundária. Em todos os pavilhões são encontrados telefones públicos que permitem aos presos o livre acesso a seus familiares e advogados. Um serviço comunitário de rádio opera internamente, ocupando parcialmente a população carcerária. É permitida a visita conjugal aos detentos, bem como assistência religiosa. Durante a visita tivemos a oportunidade de presenciar uma cerimônia pentecostal que reuniu cerca de oitocentos detentos.

No Uruguai - bastião do civismo, da melhor distribuição de renda do continente e dos direitos sociais - é o Ministério do Interior responsável tanto pela repressão ao crime e quanto pelo encarceramento, em contradição à regra fundamental de incompatibilidade entre as duas atribuições.

O Complexo Carcerário Santiago Vásquez, que aloja mais de 50% da população reclusa do país. Constata-se o problema de superlotação, já que, originariamente concebido para alojar oitocentos presos, hoje comporta 1,7 mil detentos. Há ainda grande carência em matéria de trabalho, apesar de alguns convênios realizados com empresas privadas. Um problema essencial é a inexistência de hospital penitenciário para atendimento médico, farmacêutico e ambulatorial.

Em muitos países, a remição já é lei há décadas. “Por trás da remição, está o conceito de prisão, que ou tem uma perspectiva de punição ou uma visão de ressocialização. Nós a vemos como forma de reintegrar à sociedade, por isso a educação pode acelerar esse processo de soltura do condenado”, diz Hernando Lambuley, chefe da divisão de desenvolvimento social do Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário da Colômbia. Na Colômbia, a cada cinco dias de aula, um a menos de pena a cumprir.

No Equador, a conta é sete dias de estudo igual a um de pena cumprida. No entanto, a remição não vale para assassinos e narcotraficantes. “Estes não têm esse direito em função da gravidade do delito”, explica Eduardo Chiliquinga, coordenador-geral do Ministério da Educação e Cultura do Equador.

A educação nas prisões acaba de ser incorporada na nova Lei Nacional de Educação Argentina. Lá, o estudo funciona apenas como sinônimo de bom comportamento, mas não há equivalência estabelecida de dias estudados em troca de pena cumprida. “O estudo é valorado como boa conduta, como alguém que está interessado em mudar de rumo na vida”, diz Stella.

O panorama hoje nos mostra uma realidade que desencadeia na reclusão de muitíssimas pessoas que criminalizam suas atitudes, suas intenções, seus atos, seus agires, e desta maneira contaminam outros seres que ficam possuídos pelo medo, esse que é o pior inimigo do homem, esse que não deixa a paz e a segurança interna se desenvolver para impulsionar os desejos particulares e converter-lhes em realidade.

Privações à liberdade ficam ganhando como prêmio pelos seus comportamentos, e a sociedade em geral acredita ser uma bela punição esta perda no direito de ir e vir, pois acontece que o estado em que se encontram os condenados ao cárcere evidencia de por si a carga da pena que desta maneira lhes parece ser el mejor de los castigos , mas esquecemos dos direitos de todos os que são privados da suas liberdades e que merecem, a pesar da sua conduta reprovável e ilegal, um tratamento adequado, pois é letrado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas com entrada em vigor na ordem internacional em 23 de Março de 1976:

“Art.10. Todos os indivíduos privados na sua liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana”.

Claro que também ficam privados de liberdade, os que foram vítimas destas violações, pois são cada vez mais janelas de carros fechadas, muros mais altos são construídos em casas, mais temores inculcados na infância das nossas crianças, mais alerta de cuidados para aos nossos visitantes vindos de outros países e que taxam as nossas belezas como envenenadas pela falta do livre desfrute de quem vem de longe para deixar suas divisas e levar em troca a fama da insegurança total, da pobreza e do despreparo educacional.

Os homens e mulheres de boa-fé devem se inter-relacionar em harmonia e com cortesia, e devemos nos esforçar para que nas próximas décadas o nosso país seja reflexo de intenção em um sentido de melhorar tudo o que está se encontrando como desviado e prejudicial para o desenvolvimento de uma humanidade mais consciente das suas atitudes; mais consciente dos limites que a lei impõe para organizar uma sociedade frutífera, produtiva e cheia de possibilidades para todos. Também devemos cobrar ao Estado para que através dos nossos governantes sejam promovidas políticas públicas de inclusão social, que possibilite a todos o mínimo necessário para a formação do cidadão.

Os que entendem que a vida é uma oportunidade que a existência nos dá para o crescimento pelo bem estar, de uma maneira mais consciente com a responsabilidade pessoal e individual como célula da sociedade, figurando-se mais aptos para adquirir tolerância e um entendimento de que as forças devem ser unidas em grupos organizados na comunidade acadêmica que como sementes luminosas, dentro da obscuridade que o crime encerra, se instalem e criem raízes fortes para castrar o crescimento e formação de futuros desgostos.

Nota-se que precisamos de uma estrutura carcerária mais digna como pretende o texto constitucional da ensaiada Constituição para a América Latina e o Caribe, esboçada pelo Movimento Constitucional Latino Americano da Equipe Federal do Trabalho no seu Capítulo IV, Dos Cárceres dignos:

“Art.78. Todos os Estados integrantes da União assegurarão que os cárceres dentro de cada território sejam: sãos, limpos, seguros, tutores do direito à integridade física, psíquica e moral, guardiões da honra e dignidade, patrocinadores dos direitos constitucionais dos internos; educativos, antecipando-se, observando e aplicando obrigatoriamente a estes as ferramentas de socialização e reinserção necessárias. Os cárceres não serão um meio de castigo ou perseguição física, psicológica ou moral para seus internos, nem por parte do serviço penitenciário nem por parte de outros internos. Qualquer violação destes direitos tornará responsável a quem o permitir ou autorizar. ”

É dessa responsabilidade que deve estar imbuídos todos os que acreditam em uma filosofia de vida em prol de uma sociedade melhor, de perfil inclusivo e de respeito à dignidade da pessoa humana, é aqui quando temos que assimilar que a capacidade de ler as realidades políticas é vital para a montagem de coligações e redes por trás dos bastidores. Essas redes permitem a alguém exercer influência, independentemente de seu papel profissional. Os que têm um desempenho medíocre carecem dessa acuidade social e por isso revelam um nível tristemente baixo de sabedoria política.

Deve-se buscar estudar as ciências criminais também como uma chave que pode abrir caminhos para parar o sofrimento de muitos que sofrem; buscar uma sabedoria política que deve ser carregada da política da empatia na medida certa para muitos que sofrem como todos nós sofremos pelos infortúnios resultantes na nossa humanidade em geral por causa das escolhas más, das escolhas de seres que geram estados dignos de compaixão e que estão contaminados pelo seu próprio ódio e frustração, e que às vezes, nunca tiveram uma chance de aprender a arte de viver, de viver em paz consigo mesmo e, porém com os outros seres vivos.

Há várias décadas existe uma experiência que é vivida no Sistema Penitenciário da República da Índia , especificamente na prisão de Tihar, Nova Delhi, e em mais de quinze prisões desse país, e mais recentemente nesta última década nos países de Israel, no Presídio para Mulheres na Mongólia, em Taiwan, na Espanha, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, México, Chile e Argentina, sendo que o Brasil já se mostra interessado em também adotar esta, poderíamos dizer, ferramenta de reestruturação do sistema prisional.

As pessoas importantes são os agentes penitenciários que se relacionam com os detentos cotidianamente. São eles que abrem as celas dos detentos pela manhã, que ficam junto deles a maior parte do dia e que os encerram pelas noites. São testemunhas das maiores forças e das grandes debilidades dos detentos. A forma como os agentes penitenciários tratam os detentos determinará se uma prisão é decente e humana, ou brutal e coercitiva. Eles falam com os reclusos habitualmente, seja com respeito ou não, controlam a distribuição das camas e das celas, o acesso às comidas, às visitas familiares, às encomendas, às correspondências, o acesso aos telefones, ao trabalho, à educação, aos médicos e aos traslados para outras prisões.

São os agentes penitenciários que mitigam as desordens potenciais, manejam os incidentes com toma de reféns, fazendo isto de forma violenta ou por médio de uma negociação. Para que os agentes penitenciários tratem bem aos detentos e respeitem seus direitos, é essencial que eles mesmos sejam respeitados e valorizados. Também necessitam se desenvolver dentro de um marco ético claramente estabelecido e valorizado publicamente e que defina os parâmetros das condutas aceitáveis.

A formação e treinamento são necessários para melhorar o profissionalismo e as aptidões dos agentes penitenciários, mas também para deixar em claro que as autoridades superiores considerem que um maior profissionalismo dos agentes penitenciários é um investimento importante. Normalmente quem apoia um projeto de reforma penitenciária soe considerar que dar uma formação adicional aos agentes penitenciários constitui uma das melhores formas de aperfeiçoar a administração das prisões e garantir um maior respeito pelos direitos humanos.

   Antes de realizar um curso desta técnica de meditação em um presídio, um profissional veterano da mesma, assim como tantos outros quanto for possível, deve fazer um curso em um Centro de Meditação Vipassana. Este é um pré-requisito essencial.

Isto permite aos agentes penitenciários compreender melhor, graças à experiência direta, o valor e a relevância da Meditação Vipassana em seu centro penitenciário específico. Ao ter participado de um curso, hão de entender melhor como programar um curso dentro das próprias instalações.

Mudar as condutas e atitudes dos agentes penitenciários é chave para o sucesso da reforma penitenciária, assim considerando que a reforma é a solução. Se prestando, também, atenção a outros fatores importantes para os agentes penitenciários, como os são suas condições de emprego e o acesso a diversos recursos como o da possibilidade da formação educativa, intelectual e religiosa que lhes permitam o respeito e a valorização pelos seus direitos e pelos direitos dos demais. Podemos afirmar que a maneira em que os agentes penitenciários tratam os detentos é fundamental para o respeito dos direitos humanos.

NECESSIDADE DE ESTÍMULO

O baixo índice de frequência da população encarcerada às escolas na prisão deve-se à falta de estímulo e condições, e não à falta de interesse dos educandos.

A remição pelo estudo, no entanto, deve vir acompanhada de outras medidas que possibilitem e valorizem as atividades educativas no interior dos presídios. É preciso sensibilizar funcionários e também população carcerária para a importância do funcionamento de escolas no interior dos presídios, tema bastante polêmico diante da situação de tensão e violações de direitos – sofridas e praticadas – pelos dois grupos.

A valorização da educação no sistema prisional também está vinculada ao caráter e à forma que assumirá. Este debate foi iniciado com os seminários promovidos pelo MEC/SECAD no último ano, mas ainda não foi estendido à sociedade. A discussão pública sobre o sistema penitenciário é restrita aos aspectos da segurança e violência.

Os processos educativos são sempre relacionados à perspectiva da ressocialização, reinserção e outros termos que remetem para a reorganização da vida quando e se conquistada a liberdade. Sem dúvida esta é uma perspectiva fundamental, mas não se pode deixar de considerar que os processos educativos, em qualquer situação, exercem influência sobre a vida presente dos envolvidos.

AS DIFICULDADES DO EXERCÍCIO DO DIREITO À EDUCAÇÃO

A educação penitenciária que não constitui uma modalidade formal de ensino e que, assim, estaria inserida na educação de jovens e adultos carece de orientação e articulação com as ações do Ministério da Educação (MEC). Isso fica evidente ao perceber que a primeira tentativa de ação conjunta com o Ministério da Justiça (MJ) e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH) data de março de 2005, apesar do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, estabelecer que todas as unidades e os estabelecimentos que atendem adolescentes e jovens infratores devem oferecer “programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como formação profissional”. O objetivo desta ação seria desenvolver um projeto educativo específico a partir de um mapeamento da situação prisional do país e identificação de ações educativas voltadas para os presos em diferentes estados.

Além desta notável ausência do MEC, as ações voltadas a essa população implantadas em cada estado variam bastante. O estudo “Assistência educacional nos estabelecimentos penais” realizado em 2004 por Paulo Sena, da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, traz um resumo da situação da educação nos estabelecimentos penais por estado em 1997. Apenas Tocantins e Espírito Santo afirmaram não oferecer ensino fundamental nas prisões. Há ensino médio nas prisões do Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Acre; em São Paulo e Goiás este nível é realizado por meio dos exames de certificação. A participação do setor privado varia também em todos os estados, mas na maior parte deles há convênios com as entidades do Sistema S e a Fundação Roberto Marinho. Até mesmo a responsabilidade administrativa é assumida por diferentes órgãos administrativos. Em Goiás, Amazonas e Paraná está a cargo das secretarias estaduais de educação e, nos demais estados, é atribuição das secretarias responsáveis pela administração do sistema penitenciário. O levantamento não detalha a abrangência das atividades educacionais em cada sistema prisional ou no interior de cada penitenciária.

A UNIDADE PRISIONAL DE BOM JESUS

A Secretaria da Justiça do Estado do Piauí foi criada pela Lei nº. 3.869, de 13 de maio de 1983.

O artigo 75 da citada Lei destinou-se a criação da Secretaria da Justiça, órgão integrante da Administração Direta do Estado, com a finalidade de executar a política do governo relacionada com a ordem Jurídica, preservação do regime, o estudo dos assuntos concernentes à cidadania, garantias constitucionais, tratamento de presos, assistência jurídica e livre exercício dos poderes constituídos, com jurisdição em todo território do Estado.

Competindo-lhe coordenar os assuntos relacionados com o funcionamento das instituições, com a ordem jurídica e a assistência judiciária do Estado; administrar o sistema penitenciário do Estado e promover a implantação de métodos e técnicas modernas nos serviços prisionais; velar pela proteção dos direitos humanos, em colaboração com os órgãos federais competentes e em coordenação com a Secretaria de Segurança do Estado; organizar e manter o cadastro de provimento e vacância dos ofícios e serventias da Justiça; preparar  os atos necessários ao provimento dos cargos da Magistratura, do Ministério Público e serventuários da Justiça; exercer outras atribuições correlatas e que se enquadrem no âmbito de suas atribuições.

Naquele período a Defensoria Pública estava ligada a Secretaria de Justiça que era dirigida por um coordenador indicado pelo Secretário de Justiça, e nomeado em comissão pelo Governador do Estado e como órgão colegiado, apenas o Conselho Penitenciário fazia parte da estrutura básica da Secretaria.

Ainda, pela Lei-Delegada nº. 158, de 16 de junho de 1982, as atribuições conferidas à Procuradoria Geral da Justiça passaram para competência da Secretaria de Justiça, onde dispõe sobre a organização da Assistência Judiciária do Estado.

Em 08 de agosto de 1983, pelo Decreto nº 5.504, foi aprovado o Regulamento da Secretaria de Justiça.

Nova reforma administrativa entra em vigor com a Lei nº 4.382, de 27 de março de 1991 e, a Secretaria de Justiça recebe nova denominação: “Secretaria da Justiça e da Cidadania” – com finalidade de executar a política do Governo relacionada com a ordem jurídica, os assuntos concernentes à cidadania, garantias constitucionais, o sistema penitenciário do Estado, as técnicas modernas dos serviços prisionais e a proteção dos direitos humanos. Com nova estrutura, incluindo mais dois órgãos colegiados: o Conselho Estadual de Entorpecentes e o Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher.

No ano de 2003, o Governador do Estado, Wellington Dias encaminhou para a Assembleia Legislativa, mensagem com Indicativo de Projeto de Lei Complementar, propondo a Reforma Administrativa do Estado, obtendo aprovação em quase sua totalidade, implementando assim, a Lei Complementar nº. 028, de 09 de junho de 2003, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Administração Pública do Estado do Piauí e dá outras providências.

A Secretaria da Justiça foi transformada em Secretaria da Justiça e de Direitos Humanos, com a finalidade de promover, manter, executar e acompanhar a política de Governo relacionada com a cidadania, o sistema penitenciário, os serviços prisionais e a proteção dos direitos humanos, competindo-lhe administrar o sistema penitenciário do Estado, desenvolvendo programas de ressocialização dos presos, com a participação da sociedade; promover a modernização do sistema penitenciário com implantação de políticas disciplinares, com vistas à segurança e à ordem dos presídios; elaborar e executar serviços, programas e projetos de proteção especial às vítimas e testemunhas de crimes; executar  política do Governo relacionada à cidadania e aos direitos humanos; zelar pela proteção dos direitos humanos, colaborando com órgãos públicos e entidades não governamentais que se dediquem a igual objetivo ou que tenham por escopo a defesa e o desenvolvimento da cidadania. A nova reforma melhorou a estrutura básica da Secretaria, incluiu mais dois órgãos colegiados: o Conselho Estadual de Direitos Humanos e o Conselho da Comunidade, além de adequar toda administração prisional às determinações da Lei de Execução Penal, colocando, assim, a Secretaria dentro das atuais normas legais.

A Unidade Prisional de Bom Jesus teve o início de seu funcionamento nos primeiros dias do mês de fevereiro do ano de 2004, sendo que no dia 21 de fevereiro do mesmo ano foram removidos 42 (quarenta e dois) detentos da Penitenciária Gonçalo de Castro Lima que fica localizada no Município de Floriano para a nova Unidade Prisional de Bom Jesus.

A Penitenciária Regional de Bom Jesus dispõe apenas de vagas para o sexo masculino, com capacidade para acolher 76 (setenta e seis detentos), possui dois pavilhões, módulo de ensino (escola), módulo de visita íntima, módulo ecumênico, módulo de guarda externa e prédio amplo onde funciona a administração da Unidade Prisional.

O ensino na Unidade Prisional de Bom Jesus foi implantado em 18 de setembro de 2004 com o Projeto “Educando para a Liberdade” contemplando inicialmente 20 (vinte) detentos, sendo que no dia 28 (vinte e oito) de setembro do mesmo ano foi procedido diagnóstico para o desmembramento da turma adotando-se o critério de separação entre alfabetização e segundo ciclo 3ª e 4ª séries de educação de jovens e adultos, atividades educativas que tinham a frente à pedagoga Ivone Antônia da Silva e Marilene de Matos Rosal licenciada em letras/português.

No ano de 2005 o Projeto “Educando para a Liberdade” aumentou o número de alunos da escola para 30 (trinta) reeducandos, sendo uma turma de primeira etapa (1ª e 2ª séries) e outra turma de segunda etapa (5ª e 6ª séries) de educação de jovens e adultos e uma turma de alfabetização (Alfabetização Solidária) a cargo da professora Maria Fátima Lopes de Oliveira. O Gerente da 14ª Gerência Regional de Educação da cidade de Bom Jesus professor de matemática José Antônio Alves Piauilino passou a ser professor voluntário e ministrava a disciplina de matemática uma vez por semana dentro do citado projeto.

A Escola da Penitenciária Regional Dom Abel Alonso Núñez de Bom Jesus, atualmente conta com 25 (vinte e cinco) detentos, os reeducandos frequentam o Programa de Educação de Jovens e Adultos – EJA que funciona em três etapas: Primeira Etapa (1ª e 2ª Séries), Segunda Etapa (3ª e 4ª Séries) e Terceira Etapa (5ª e 6ª Séries).

As disciplinas ministradas todas são da Educação de Jovens e Adultos - EJA: Matemática, Geografia, História, Inglês, Português, Relações Humanas, Ensino Religioso, Artes (artesanato), sendo que as disciplinas de História e Geografia estão voltadas para a realidade local.

A disciplina Relações Humanas trabalha a parte social, a vida após a saída da Penitenciária, regras de comportamento e de convivência social.

A disciplina de português procura através do estimulo a leitura de livros, revistas e jornais despertar e incentivar o gosto pela leitura.

Os horários das aulas da Escola da Penitenciária ocorrem no turno da manhã entre as 08h00min e às 11h30min de segunda a sexta-feira.

A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE RECUPERAÇÃO DE DETENTOS

Mediante a consciência reflexiva, simbólica, o homem desenvolve a linguagem, utilizando-se da palavra; dá sentido à vida, segundo os significados que advêm fundamentalmente dos símbolos, das palavras, dos nomes. Assim, os conceitos (símbolos) são necessários às experiências dos indivíduos em conexão à realidade. Logo, o processo da aprendizagem precisa mobilizar tanto os significados, os símbolos, quanto os sentimentos, as experiências a que eles se referem.

A educação deve ser vista como um direito, não para a reintegração. Claro que isso é muito importante, mas se a reintegração for impossível, a educação continua a ser um direito. Não devemos instrumentalizar a educação unicamente para um papel social ou do tipo político-social. A educação pode ser uma solução se for uma educação ao longo da vida, não apenas do tipo profissional ou a reeducação. É para muitos presos a primeira oportunidade de compreender sua história e de tratar de desenvolver seu próprio projeto de vida.

A educação é importante na recuperação, muitos detentos têm baixos padrões de escolaridade. Uma parcela significativa não domina as competências básicas de leitura e escrita, esse baixo nível de escolaridade afetou suas vidas e pode ter contribuído para que cometessem delitos, por isso os programas e projetos de educação nos presídios são importantes para desenvolver nos encarcerados seu senso de autovalorização.

Os programas e projetos educacionais precisam ser desenvolvidos dentro das prisões para que se trabalhe a conscientização dos educandos ajudando a desenvolver seu senso de autovalorização. Pois um indivíduo que nasceu na miséria e por consequência não teve acesso a uma educação satisfatória ou a de nenhum tipo, não pode agir com discernimento em seus atos.

A educação é um direito social assegurado pela Constituição Federal e consagrado na legislação internacional. No entanto, quando se trata da população encarcerada, tal direito parece não ter o mesmo grau de reconhecimento. Se é fato que as camadas pobres da população são privadas de vários direitos, entre eles, o direito a uma educação de qualidade, essa realidade torna-se ainda mais contundente e pior – mais invisível ou naturalizada – em se tratando de pessoas condenadas pelo sistema de justiça penal. No Brasil, em muitas instituições penais, a oferta de serviços educacionais é inexistente, insuficiente ou extremamente precária, o que se soma a regimes disciplinares e legais que não incentivam ou mesmo inviabilizam o engajamento de pessoas presas em processos educacionais.

A educação pode ser considerada, entretanto, um caminho promissor para a reintegração social da pessoa condenada à pena de prisão. Mas, além disso, e antes de tudo, é um direito humano universal que deve ser assegurado a todas as pessoas, independentemente de sua situação; é um direito que, ademais, potencializa o exercício de outros direitos como o trabalho, a saúde e a participação cidadã. A extensão dos serviços de educação a grupos historicamente marginalizados – como as pessoas privadas de liberdade – é, portanto, parte essencial na luta pela afirmação dos Direitos Humanos em sua universalidade. Os poucos dados existentes a respeito da escolaridade das pessoas presas no Brasil apontam que, apesar de mais de 70% delas não terem concluído o ensino fundamental e de 10,5% serem analfabetas, apenas 17% estudam. Os números, bastante eloquentes, mostram que é urgente a mobilização dos órgãos governamentais e da sociedade civil para que se cumpra no Brasil a Constituição, que garante a todos os brasileiros, independentemente da idade, o direito ao ensino fundamental e obriga o Estado a ofertá-lo, assim como a Lei de Execução Penal, que garante ao preso o direito ao estudo.

A educação, no contexto sociocultural, que deveria significar o auxílio aos indivíduos para que pensem sobre a vida que levam; que deveria permitir uma visão do todo cultural onde estão, desvirtua-se na escola. Nesta, as pessoas são preparadas para executar trabalhos parcializados e mecânicos no contexto social. A escola mantém e estimulam a separação da razão e do pensamento, dês que sua finalidade é preparar mão-de-obra à sociedade industrial; transmitir conceitos desvinculados da vida concreta dos educandos, impondo desconsiderar o risco da visão de mundo das classes dominantes. Com efeito, a educação precisa transmitir significados presentes na vida concreta de quem se pretende educar ou reeducar; de modo diverso, não produz resultado, aprendizagem.

Deve existir garantia de fundos públicos suficientes, para que as pessoas em situação de aprisionamento tenham oportunidades educativas, e essas oportunidades devem corresponder às necessidades específicas das pessoas, razão pela qual é indispensável que a oferta não seja limitada ao ensino fundamental ou vocacional, mas ampliada ao ensino médio e superior. Os Estados devem conhecer, estudar e transpor as barreiras sociais enfrentadas pelas pessoas privadas de liberdade, de modo que a oferta educativa signifique realmente uma oportunidade de liberdade em todos os sentidos.

Organizar junto às instituições penitenciárias programas amplos de educação destinados a desenvolver plenamente as potencialidades de cada recluso, os quais também deveriam minimizar os efeitos negativos do encarceramento, melhorar as perspectivas de reinserção e reabilitação, autoestima e a moral. A construção de espaços adequados para a oferta de educação, bem como de esporte e cultura, seja proporcional à população atendida em cada unidade.

As autoridades responsáveis pela gestão transformem a Escola num espaço de fato integrado às rotinas da unidade prisional e da execução penal, com a inclusão de suas atividades no plano de segurança adotado.

Seja realizado um diagnóstico da vida escolar dos apenados logo no seu ingresso ao sistema, com vistas a obter dados para a elaboração de uma proposta educacional que atenda às demandas e circunstâncias de cada um.

Seja garantido o atendimento diferenciado para presos (as) do regime fechado, semiaberto, aberto, presos provisórios e em liberdade condicional e aqueles submetidos à medida de segurança independente de avaliação meritocrática.

O atendimento contemple a diversidade, atentando-se para as questões de inclusão, acessibilidade, gênero, etnia, credo, idade e outras correlatas.

Os responsáveis pela oferta elaborem estratégias para a garantia de continuidade de estudos para os egressos, articulando-as com entidades que atuam no apoio dos mesmos – tais como patronatos, conselhos e fundações de apoio ao egresso e organizações da sociedade civil.

A remição pela educação seja garantida como um direito, de forma paritária com a remição concedida ao trabalho e cumulativa quando envolver a realização paralela das duas atividades.

O trabalho prisional seja tomado como elemento de formação e não de exploração de mão-de-obra, garantida a sua oferta em horário e condições compatíveis com as da oferta de estudo.

Além de compatível, o trabalho prisional (e todas as demais atividades orientadas à de reintegração social nas Prisões) se torne efetivamente integrado à educação.

Seja garantida uma certificação não estigmatizante para as atividades cursadas pelos educandos (sejam eles cursos regulares de ensino fundamental e médio, atividades não-formais, cursos profissionalizantes, etc.), de maneira a conciliar a legislação e o interesse dos envolvidos.

Exista uma política de incentivo ao livro e à leitura nas unidades, com implantação de bibliotecas e com programas que atendam não somente aos alunos matriculados, mas a todos os integrantes da comunidade prisional.

Seja elaborada uma cartilha incentivando os apenados à participação nos programas educacionais, bem como informações relativas a remição pelo estudo.

Os documentos e materiais produzidos pelos Ministérios da Educação e da Justiça e/ou pelas Secretarias de Estado de Educação e de Justiça ou Administração Penitenciária, que possam interessar aos educadores e educandos do Sistema, sejam disponibilizados e socializados, visando ao estreitamento da relação entre os níveis de execução e de gestão da Educação nas Prisões.

Sejam promovidos encontros regionais e nacionais sobre a Educação nas Prisões envolvendo todos os atores relevantes, em especial Diretores de Unidades Prisionais e do Setor de Ensino, tendo como um dos itens de pauta a troca de experiências.

Formação e Valorização dos Profissionais Envolvidos na Oferta do ensino prisional.

As propostas enquadradas neste eixo destinam-se a contribuir para a qualidade da formação e para as boas condições de trabalho de gestores, educadores, agentes penitenciários e operadores a execução penal.

Ao ingressar no cotidiano do sistema prisional, o professor passe por um processo de formação, promovido pela Pasta responsável pela Administração Penitenciária em parceria com a da Educação, no qual a Educação nas Prisões seja tematizada segundo os marcos da política penitenciária nacional.

A formação continuada dos profissionais que atuam no sistema penitenciário ocorra de maneira integrada, envolvendo diferentes áreas, como trabalho, saúde, educação, esportes, cultura, segurança, assistência psicossocial e demais áreas de interesse, de modo a contribuir para a melhor compreensão do tratamento penal e aprimoramento das diferentes funções de cada segmento.

No âmbito de seus projetos político-pedagógicos, as escolas de formação de profissionais penitenciários atuem de forma integrada e coordenada para formação continuada de todos os profissionais envolvidos e aprimoramento nas condições de oferta da educação no sistema penitenciário. Nos estados em que elas não existem sejam implementadas.

As Instituições de Ensino Superior e os Centros de Pesquisa sejam considerados parceiros potenciais no processo de formação dos profissionais do sistema, na execução de projetos de formação e na organização e disponibilização de acervos bibliográficos.

A formação dos servidores penitenciários contemple na sua proposta pedagógica a dimensão educativa do trabalho desses profissionais na relação com o preso.

Os atores estaduais estimulem a criação de espaços de debate, formação, reflexão e discussão como fóruns e redes que reflitam sobre o papel da educação nas prisões.

Os cursos superiores de graduação em Pedagogia e as demais Licenciaturas incluam nos seus currículos a formação para a EJA e, nela, a Educação Prisional.

Os educandos e educadores recebam apoio de profissionais técnicos (psicólogos, terapeutas, fonoaudiólogos, etc.) para o constante aprimoramento da relação de ensino-aprendizagem.

A pessoa presa, com perfil e formação adequados, possa atuar como monitor no processo educativo, recebendo formação continuada condizente com suas práticas pedagógicas, com direito à remição e remuneração.

Educação nas Prisões, com base nos fundamentos conceituais e legais da Educação de Jovens e Adultos, bem como os paradigmas da Educação Popular, calcada nos princípios da autonomia e da emancipação dos sujeitos do processo educativo.

Um regimento escolar próprio para o atendimento nos estabelecimentos de ensino do sistema prisional venha a ser criado, no intuito de preservar a unidade filosófica, político-pedagógico estrutural e funcional das práticas de Educação nas Prisões.

Cada Estado elabore os seus projetos pedagógicos próprios para a Educação nas Prisões, contemplando as diferentes dimensões da educação (escolarização, cultura, esporte, e formação profissional) e considerando a realidade do sistema prisional para a proposição das metodologias.

Seja estimulada a produção de material didático específico para a educação no sistema penitenciário, para complementar os recursos de EJA disponibilizados pela gestão local.

Seja elaborado um currículo próprio para a Educação nas Prisões, que considere o tempo e o espaço dos sujeitos da EJA inseridos nesse contexto e que enfrente os desafios que ele propõe em termos da sua reintegração social.

Essa proposta curricular seja elaborada a partir de um Grupo de Trabalho que ouça os sujeitos do processo educativo nas prisões (educadores, educandos, gestores do sistema prisional, agentes penitenciários e pesquisadores de EJA e do sistema prisional).

A educação de jovens e adultos no sistema penitenciário inclua a formação para o mundo do trabalho, entendido como um lócus para a construção da autonomia do sujeito e de desenvolvimento de suas capacidades profissionais, intelectuais, físicas, culturais e sociais.

Os familiares dos presos e a comunidade em geral sejam estimulados, sempre que possível, a acompanhar e participar de atividades educacionais que contribuam para o processo de reintegração social.

Sejam ampliadas as possibilidades de educação à distância em seus diferentes níveis, resguardando-se deste atendimento, o Ensino Fundamental.

Sejam ampliadas as possibilidades de uso de tecnologias nas salas de aula de unidades prisionais, visando ao enriquecimento da relação de ensino-aprendizagem.

Seja garantida a autonomia do professor na avaliação do aluno em todo o processo de ensino aprendizagem.

A articulação do Ministério da Justiça com os Ministérios da Educação, do Esporte, da Saúde e do Trabalho na perspectiva de que a educação prisional possa ocupar espaço prioritário na agenda governamental;

A nível de MERCOSUL a colocação do tema da Educação Prisional com mais força nas pautas nacionais, integração entre as áreas – Justiça, Saúde, Educação – acesso a novas concepções de educação prisional e alternativas para lidar com a criminalidade e o papel da educação na ressocialização das pessoas apenadas, impulsionar políticas públicas integrais e integradas que favoreçam a educação em contextos de privação de liberdade, concebida como um direito ao longo de toda a vida, trocar experiências e informações, fomentar pesquisas e a cooperação técnica entre os países membros.

A educação é um direito de todos. A concepção e implementação de políticas públicas visando ao atendimento especial de segmentos da população estrutural e historicamente fragilizados, constituem um dos modos mais significativos pelos quais o Estado e a Sociedade podem renovar o compromisso para com a realização desse direito e a democratização de toda a sociedade. O espaço e o tempo do sistema penitenciário, aliás, confirmam esses pressupostos. Embora não faltem referências no plano interno e internacional, segundo as quais se devam colocar em marcha amplos programas de ensino, com a participação dos detentos, a fim de responder às suas necessidades e aspirações em matéria de educação. A educação auxilia e permite a obtenção dos objetivos centrais de reabilitação que incidem em resgate social e educação libertadora numa dimensão de autonomia, sustentabilidade e minimização de discriminação social. A relevância da educação prisional como instrumento de ressocialização e de desenvolvimento de habilidades e de educação é notória no sentido de auxiliar os reclusos a reconstruir um futuro melhor durante e após o cumprimento da sentença.

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos, especialista em tutoria em educação a distância, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheira no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

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