Direito das Famílias: União Poliafetiva

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O conceito de família tem evoluído durante todo o período histórico, trazendo maior representatividade para o nosso contexto atual, sendo este um grande desafio tanto para o legislativo quanto para o judiciário.

UNIÃO POLIAFETIVA​

               É notório em nossa sociedade que com o passar dos anos, sujam também novos desafios para o judiciário, desafios estes que necessitam certamente serem avançados em um comum acordo entre o Judiciário, o Legislativo e os anseios da sociedade. O conceito de família tem evoluído durante todo o período histórico, trazendo maior representatividade para o nosso contexto atual, sendo este um grande desafio tanto para o legislativo quanto para o judiciário, que tentam dar vazão a essas novas configurações familiares que a sociedade nos apresenta.

            O Código Civil de 1916 por exemplo reconhecia unicamente o casamento civil como o elemento formador de família, porém mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF88) a união estável já encontrava jurisprudência que lhe alçava o status de família, porém seu reconhecimento de fato sem necessidade de vias judiciais só veio após a CF88.

               O século XXI nos traz novamente mais questionamentos sobre o que seria de fato uma família, como a questão da união homoafetiva e em relação a união poliafetiva. Se por um lado a união estável homoafetiva encontra-se devidamente reconhecida pelo Superior Tribunal Federal (STF), o mesmo não pode ser dito do reconhecimento da união poliafetiva, união esta que ocorre quando três ou mais pessoas resolvem se unir quanto família em comum acordo entre as partes.

“O Poliamor, como nova forma de viver, é visto como um comportamento que vai contra as normas sociais, legais e morais aceitáveis. Assim, há um grande preconceito aos seus simpatizantes, por isso para se ajudarem mutuamente e se conhecerem, esses praticantes têm constituído redes locais e virtuais, para darem suporte uns aos outros, além de discutirem sobre o tema também como uma forma de diminuir a intervenção social. Tentando criar uma imagem positiva e respeitosa, mostrando que se baseiam em relações de afeto, não promíscuas, onde todos aceitam as regras desse relacionamento, tendo liberdade para fazer escolhas a qualquer momento.”

            De acordo com o art. 226 da CF88, A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, logo não seria um papel do Estado de garantir o direito a essa nova configuração familiar de assim poder se constituir enquanto família? É uma pergunta que muitos dos que estudam a questão tentam responder.

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

             O debate acerca da União poliafetiva no Brasil é ainda recente, tendo surgido com mais afinco no ano de 2012, quando um cartório no estado de São Paulo lavrou uma escritura de uma união estável entre duas mulheres e um único homem, que conviviam  juntos dentro da mesma casa. O tabelião alegou não haver nenhum impedimento expresso que motivasse o não reconhecimento e se baseou no princípio da liberdade e da dignidade da pessoa humana para lavrar o registro, e sendo assim as duas mulheres passaram a ter direitos iguais perante o companheiro, tal posicionamento acabou por desencadear uma série de discussão sobre o tema na sociedade brasileira, onde são apresentados diversos argumentos, tanto favoráveis  quanto contrários à causa.

Análise dos Argumentos

         Há uma verdadeira omissão da justiça quando se trata das uniões poliafetivas, onde seus adeptos devem se pautar principalmentes pelos direitos garantidas na constituição e nos princípios que são aplicados ao direito de família, como: princípios da afetividade  princípio da igualdade, princípio da liberdade e princípio da dignidade humana. O princípio da dignidade humana tem que ser objeto central para todos os demais princípios, já que constituição familiar como uma estrutura que contribui para o desenvolvimento individual, não pode ser violada, pois traria danos para os seus membros, ao se ferir esse princípio. O princípio da igualdade buscará colocar em harmonia todas as instituições familiares, já o princípio da liberdade objetiva a possibilidade de se escolher e se formar a família que melhor lhe corresponda.

                  Ainda que o sistema jurídico brasileiro não acate expressamente a união poliafetiva, e a trate como família de fato, por não a considerar uma das entidades familiares  expressa na Constituição Federal, não há impeditivo para tal consideração, já que, de acordo com o princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família, o Estado não poderia tentar moldar e reconhecer os núcleos familiares, já que não caberia ao Estado intervir nas estruturas familiares do mesmo modo como ele age intervindo em uma relação contratual por exemplo, cabendo-lhes apenas fornecer apoio e assistência. O princípio da mínima intervenção do estado aqui analisado acaba por encontrar sustentação inclusive no princípio da afetividade, que vem a trazer proteção contra qualquer agressão produzida pelo estado, e liga-se intimamente ao princípio da autonomia privada, segundo o qual o ser humano como indivíduo moral e racional, tem a capacidade de decidir entre o bom e o ruim e tem a liberdade de fazer suas próprias escolhas, desde que não prejudique terceiros. Diante disso, a união poliafetiva admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus adeptos vivem em plena harmonia uns aos outros, em uma relação múltipla..

         O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na REsp 1157273_RN, traz a importância de se analisar cada caso sobre o referido tema, já que em cada uma reside suas particularidades, uma vez  que há diversas situações dentro do Direito de Família.

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. PARALELISMO DE UNIÕES AFETIVAS. RECURSO ESPECIAL. AÇÕES DE RECONHECIMENTO DE UNIÕES ESTÁVEIS CONCOMITANTES. CASAMENTO VÁLIDO DISSOLVIDO. PECULIARIDADES. [...] As uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses. Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade. Emprestar aos novos arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável, implicaria julgar contra o que dispõe a lei; isso porque o art. 1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente.

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Decisão do Conselho Nacional de Justiça- 26/06/2018

            O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao julgar a legalidade de se reconhecer o direito de cartórios de registrarem uniões poliafetivas, conforme breve resumo do caso:

“A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), após tomar ciência que alguns cartórios lavraram escrituras de uniões estáveis poliafetivas, formulou um pedido de providência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pleiteando a inconstitucionalidade da lavratura em cartórios de escrituras de união poliafetiva, isto é, união constituída por três ou mais pessoas. Além disso, a ADFAS requer também que o CNJ expeça recomendações aos serviços notariais de todo o país para obstar o reconhecimento dessas uniões”

              Em sessão plenária do dia 26 de junho de 2018, por maioria, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça, decidiu que os cartórios nacionais não podem registrar uniões poliafetivas em escrituras públicas. A maioria dos conselheiros considerou que esse tipo de documento atesta um ato de fé pública e, portanto, implicaria no reconhecimento de direitos garantidos a casais ligados por casamento ou união estável, como  herança e benefícios previdenciários.

             No presente  julgamento, venceu o voto do relator, o ministro João Otávio de Noronha, que defendeu que atos notariais devem seguir o que está escrito na legislação. Para a maioria dos conselheiros, o documento atesta um ato de fé pública e implica o reconhecimento de direitos a receber herança ou previdência. Em sua decisão, o CNJ determinou que as Corregedorias-Gerais de Justiça proíbam os cartórios de seus respectivos estados de lavrar escrituras públicas para registrar uniões poliafetivas. De acordo com Noronha, as competências do CNJ se limitam ao controle administrativo, não jurisdicional, conforme estabelecidas na Constituição Federal. A emissão desse tipo de documento, conforme afirma o ministro em seu relatório, não tem respaldo na legislação e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconhece direitos a benefícios previdenciários, como pensões, e a herdeiros apenas em casos de associação por casamento ou união estável. Noronha ainda afirmou o seguinte:

"Eu não discuto se é possível uma união poliafetiva ou não. O corregedor normatiza os atos dos cartórios. Os atos cartorários devem estar em consonância com o sistema jurídico, está dito na lei. As escrituras públicas servem para representar as manifestações de vontade consideradas lícitas. Um cartório não pode lavrar em escritura um ato ilícito como um assassinato, por exemplo"

Referências Bibliográficas

ARAGUAIA, Mariana. Poliamor. Disponível em: http://www.brasilescola.com/sexualidade/poliamor.html . Acesso em 26/10/2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.html. Acesso em 26/06/2018.

BRASIL. Código Civil de 1916. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm . Acesso em 26/10/2018

CNJ: Cartórios são proibidos de fazer escrituras públicas de relações poliafetivas . Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87073-cartorios-sao-proibidos-de-fazer-escrituras-publicas-de-relacoes-poliafetivas Acesso em 27/10/2018

TARTUCE, Flávio. Da escritura pública de união poliafetiva - Breves considerações. Disponível em : http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI257815,31047-Da+escritura+publica+de+uniao+poliafetiva+Breves+consideracoes . Acesso em: 26/10/ 2018.

STJ, REsp.1157273_RN Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14339099/recurso-especial-resp-1157273-rn-2009-0189223-0/inteiro-teor-14339100?ref=juris-tabs Acesso em 27/10/2018

Sobre os autores
Daniel Barbosa Nunes

Estudante de Direito da Universidade de Brasilia-UnB

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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