Escola Sem Partido: entenda o que propõe o projeto em votação na Câmara

13/12/2018 às 07:36
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contribuições acerca do projeto de lei Escola sem Partido

O projeto de lei 7.180/14, conhecido por muitos como Escola Sem Partido, está em tramitação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Originalmente a proposta prevê a inclusão de um novo item no artigo 3º da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, estabelecendo que a prioridade dos valores de ordem familiar sobre a Educação escolar em temas relacionados à Educação moral, sexual e religiosa, dessa forma, sofreu algumas alterações com o decorrer do tempo incluindo e alterando alguns tópicos.

Os projetos de lei geralmente englobam outros projetos que se assemelham a ele, tramitando assim em conjunto com o mais antigo, que nesse caso é o PL 7.180/14, sendo assim de 2015 a 2018 surgiram mais seis projetos que foram anexados ao mesmo. No parecer os deputados devem se pronunciar sobre todos esses projetos, inclusive os contrários, que é o caso do Escola Livre, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ).

Não é só isso, o movimento Escola Sem Partido possui um anteprojeto de lei, que estabelece algumas determinações, como modelo para leis federais, estaduais e municipais, todos baseados no modelo do Escola Sem Partido.

Vamos às propostas do projeto, ele estabelece seis deveres do professor para não se aproveitar da “audiência coletiva dos estudantes” em temas relacionados à política, religião e moral, e apresentar de “forma justa” questões políticas, socioculturais e econômicas, versa ainda que esses “deveres do professor” devem ser fixados como cartaz em todas as salas de aula e também na sala dos professores no tamanho de uma folha A4, classificando como improbidade administrativa a não fixação dos mesmos, e determina que os alunos do Fundamental e Médio além de informados sobre a lei, sejam “educados” sobre ela.

Estipula também que não haja intromissão “no processo de amadurecimento sexual dos alunos” e nem a tentativa de converter os alunos em questões de gênero.

Permite que as escolas particulares de orientação confessional e “ideologias específicas” tratem desses conteúdos, desde que com autorização contratual dos pais, e as obriga a apresentar aos responsáveis informações sobre os temas ministrados e enfoques adotados.

Define que políticas e planos educacionais, conteúdos curriculares, projetos político-pedagógicos (PPP), materiais didáticos e paradidáticos, instituições de ensino superior e processos seletivos para ingresso na carreira docente e ensino superior estejam de acordo com esta lei.

Proíbe também o professor de fazer propaganda político-partidária em sala de aula e incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

Em Nota Técnica, o Ministério Público considera que o PL Escola sem Partido é inconstitucional, porque “está na contramão dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente os de ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ e de ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Também chamado de Lei da Mordaça, o projeto cerceia a liberdade de aprender e ensinar, pretendendo também alterar o Código Penal, para inclusão de detenção de três meses a um ano para o professor, coordenador, educador, orientador educacional ou psicólogo escolar que praticar o dito “assédio ideológico”.

Vê-se nesse movimento uma disseminação de concepções e práticas preconceituosas, discriminatórias e excludentes, onde propaga a ideia de que os estudantes são alvo de doutrinação política e de que os valores morais da família são afrontados por uma suposta ideologia de gênero na escola. Seus retrocessos no campo dos Direitos Humanos são gritantes, utilizando como desculpa e eliminação da política no campo educacional.

Sua estratégia é enfrentar o projeto político educacional de transformação, criando assim uma ruptura na concepção de educação fundamentada mantendo, dessa forma, uma visão conservadora, meritocracia, mercadológica e elitista.

Além do confronto legislativo, tal proposta passa a interferir na condução das políticas em curso, como o cancelamento do Comitê de Gênero no âmbito do MEC, incentivando ainda ataques à iniciativas que afirmam a educação para igualdade de gênero, o respeito e a valorização das diferenças, bem como a importância da abordagem contextualizada da educação em direitos humanos, cidadania e ética.

O projeto inicia uma aproximação com setores reacionários que defendem uma educação acrítica, apolítica, contra as cotas sociais e raciais, fazendo sua primeira reunião pública com representantes do grupo ultra conservador “Revoltados Online”.

O projeto Escola Sem Partido estabelece como princípios da educação nacional a neutralidade política, ideológica e religiosa, bem como reconhecimento da vulnerabilidade do educando a liberdade de consciência e de crença, e direito dos pais que seus filhos recebam educação moral de acordo com suas próprias convicções.

A principal ideia desse projeto é que seria possível e desejável uma desvinculação dos conhecimentos científicos e o posicionamento ideológico, político e cultural, contudo, o que faz é centralizar a educação em um único ponto de vista, ignorando que toda forma de conhecimento é fruto de um conjunto que envolve as perspectivas sociais, históricas, politicas e culturais, restando assim um conhecimento ideológico.

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Impondo desse modo uma condição de tutela aos estudantes, considerados “vulneráveis” na educação, eliminando, dessa forma, a liberdade de ensino e aprendizagem, o que priva os estudantes de uma construção de consciência crítica, supondo que os mesmos são incapazes de construir suas próprias opiniões e reflexões, precisando assim da “lei da mordaça”.

O ato educativo tornar-se-ia uma mera reprodução e expressão do poder vigente, classificando toda e qualquer linguagem crítica como subversiva à ordem social e aos padrões morais da família, nos melhores moldes da ditadura militar, classificando assim os educadores como doutrinadores comunistas.

Ainda, se a convicção moral dos pais é preconceituosa, homofóbica ou racista, esta deve sim ser desconstruída, como prevê a própria LDB, onde propõe-se que a escola deve promover a reflexão crítica e plural através de projetos pedagógicos com essa finalidade.

Inclusive, o próprio projeto é contraditório, pois, ao proibir os professores de agirem corretamente, tira toda a responsabilidade que o Estado tem para colaborar com uma educação democrática, laica, inclusiva e emancipatória, impossibilitando a construção de ambientes plurais de convivência educacional onde o livre debate é a ferramenta que cerca as ideias e concepções.

Por fim, temos uma citação do ano de 1996, de Paulo Freire, na obra “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”: “Creio que nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da educação. Desse ponto de vista, que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro por excelência, é aquele em que se treinam os alunos para práticas apolíticas, como se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma maneira neutra. Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, a avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho." (Freire, 1996, p. 38)

Assim, essa doutrinação não encontra qualquer respaldo legal, sendo assim representa um risco para os estudantes, que se tornam reféns de um único pensamento, retirando assim deles o acesso a conhecimentos essenciais para sua formação integral e para seu crescimento no campo emocional, afetivo, político, cultural e social

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