A detração e seu mau uso na sentença penal

Leia nesta página:

Pequeno artigo abordando o instituto da detração e sua adequada utilização na sentença penal condenatória.

Olá, pessoal.

Neste artigo pretendo abordar tema pouco falado e também não muito observado pela defesa em seus petitórios e, principalmente, pelo juiz ao sentenciar o processo criminal.

A detração está prevista no Código Penal em seu artigo 42 que preconiza:

“Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.”.

Ou seja, todo o tempo de prisão provisória, administrativa ou internação será computado na pena privativa de liberdade. Por exemplo, se uma pessoa foi presa em flagrante e teve convertida a prisão em preventiva, ficando 1 ano presa e, ao final tiver uma condenação de 6 anos, deverá cumprir somente 5 anos de reprimenda, pois todo o tempo que ficou detida preventivamente será contado em sua pena final.

A aplicação da detração era encargo do juiz da execução penal, que tem como uma de suas funções, aplicá-la, vide artigo 66, inciso III, alínea c da Lei de Execução Penal.

Entretanto, com a entrada em vigor da Lei 12.736/2012 que incluiu o § 2º ao artigo 387 do Código de Processo Penal, a aplicação da detração tornou-se possível pelo juízo do processo de conhecimento, quando da prolação da sentença penal condenatória.

Vejamos a literatura do referido dispositivo:

“Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:

§ 2o  O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)”.

Assim, o juiz, ao sentenciar, conforme determina o artigo acima, deverá aplicar, se for o caso, o tempo de prisão provisória, administrativa ou internação para fixar o regime inicial de cumprimento de pena.

A discussão, que, diga-se de passagem, tem simples solução, reside na parte final do artigo 287, § 2º que diz que o tempo da prisão provisória “será computado para fins de determinação de regime inicial”.

Mas, qual é a celeuma? Alguns juízes, de forma equivocada, estão aplicando a detração penal e, no momento de determinar o regime inicial da prisão, levam em consideração o período cumprido e, em vez de fixar regime prisional, usa-o para conceder progressão de regime na sentença.

A utilização pelo juiz do processo de conhecimento da detração para fins de progressão de regime é equivocada.

Trago ao artigo uma decisão do STJ sobre o tema:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICAVA-SE ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS. DETRAÇÃO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM O INSTITUTO DA PROGRESSÃO DE REGIME. ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA PELO JUÍZO SENTENCIANTE. [...] NÃO CONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 2. O § 2.º do art. 387 do CPP, com redação dada pela Lei n.º 12.736/12, não guarda relação com o instituto da progressão de regime, próprio da execução penal, tendo em vista que o legislador cuidou de abranger o referido dispositivo no Título XII - Da Sentença. Diante de tal fato e em razão do próprio teor do dispositivo, que se refere a regime inicial de cumprimento de pena, incumbe ao juízo sentenciante a verificação da possibilidade de se estabelecer regime inicial mais brando, tendo em vista a aplicação da detração no caso concreto. Notabiliza-se, pois, que o mencionado artigo não diz respeito à progressão de regime, motivo pelo qual não há falar em exame dos critérios objetivo (lapso temporal) e subjetivo (comportamento carcerário), até porque tal avaliação invadiria a competência do Juízo das Execuções prevista no art. 66, III, b, da Lei de Execucoes Penais. Deve ser afastado o óbice apontado pela Corte de origem para deixar de analisar o tema ora em testilha. [...] 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de afastar o óbice apontado pelo Colegiado estadual para deixar de examinar a possibilidade de aplicação da detração, determinando ao Tribunal a quo que reavalie o regime inicial de cumprimento de pena à luz do disposto no art. 387, § 2º, do Código Penal.”. (HC 325.174/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 30/9/2015).

A outorga da progressão de regime é de é de competência tão somente do juiz do processo de execução penal, segundo a norma contida ao teor do artigo 66, inciso III, alínea b da Lei de Execução Penal.

Ora, mas então de que serve a aplicação da detração penal pelo juiz sentenciante?

Basta analisar o artigo 387, § 2º (já citado acima): o juiz vai utilizar o tempo de pena provisória (ou administrativa ou internação) já cumprida para fixar o regime inicial de prisão e essa aferição se dá em consonância com o artigo 33, § 2º, alíneas a, b, e c, que transcrevo:

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a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

       b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

       c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Exemplificando: hipoteticamente um réu primário e de bons antecedentes teve prisão preventiva decretada. Ficou preso por 1 (um) ano e, ao final do processo, foi condenado à pena de 5 (cinco) anos de prisão.

Se levarmos em conta somente o artigo 33 do Código Penal, o réu deveria iniciar o cumprimento de pena em regime semiaberto, pois não é reincidente e tem pena superior a 4 (quatro) anos e inferior a 8 (oito).

Entrementes, temos que lembrar que este réu ficou preso 1 (um) ano em prisão preventiva e, segundo a regra do artigo 387, § 2º esse período tem que ser considerado pelo juiz ao aplicar a sentença.

Logo, descontado 1 (um) ano de prisão preventiva, sobram 4 (quatro) anos de pena a cumprir. Desta forma, por ser réu não reincidente e ter condenação igual a quatro anos, passa a cumprir a reprimenda em regime inicial aberto.

Vejam, não houve progressão de regime, mas tão somente a utilização da detração para fixar o regime inicial de cumprimento de pena, o que é permitido por lei.

Destarte, basta a análise dos institutos para aplicá-los de maneira correta. À defesa: peça sempre a detração, visto que pode ser vantajoso para seu cliente em determinados casos.

Espero que tenham gostado. Curtam, comentem e compartilhem.

Sobre o autor
João Gabriel Desiderato Cavalcante

Advogado criminalista, membro da Associação dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), membro do International Center of Criminal Studies (ICCS), pós-graduado em Advocacia Criminal, consultor em direito penal, processual penal e execução penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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