Resenha. STELZER, Joana. União Europeia e Supranacionalidade: desafio ou realidade? Curitiba: Juruá, 2000, 198 p.
Rogério Duarte Fernandes dos Passos
1. Sobre a autora.
Mestre (1998) e doutora em Direito (2003) pela Universidade Federal de Santa Catarina, Joana Stelzer vem desenvolvendo trabalhos e pesquisas no âmbito do direito internacional, comércio internacional, além da transnacionalidade e relações econômicas internacionais, e justamente no ano 2000 – data de publicação da presente obra resenhada – revisitava a União Europeia (UE) em um momento de profusão das discussões sobre transferência de soberania, exercício de poder por órgãos nacionais e comunitários e as dimensões do processo de integração ora em curso, em particular, sob a influência e fundamento do atributo da supranacionalidade.
2. Sobre a obra.
Enunciando ações como as relacionadas à transferência de soberania como atributos da supranacionalidade, no caso da UE ela traduzia-se como fundamento para a consecução dos objetivos do bloco, de maneira a superar o viés exclusivamente comercial e alcançar pautas relacionadas à segurança e defesa, governança conjunta e empoderamento global à região.
Dentre vários outros temas caros à UE, a autora retoma na obra a história das relações internacionais deste espaço geopolítico enquanto parte da própria tradição cultural da região, mencionando uma arquitetura institucional perpassada por vários tratados internacionais e ajustes de cunho político-econômico, em que um dos mais significativos antecedentes restou materializado na constituição de uma Alta Autoridade para gerenciar o mercado de carvão e aço de antigos rivais na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), notadamente, França e então Alemanha Ocidental, do qual destacou-se com grande evidência o labor do estadista luxemburguês Robert Schuman (1886-1963).
E eis que ao lado do desenvolvimento jurídico e histórico, o trabalho alcança de forma mais intensa o tema da supranacionalidade, refletindo que esse atributo – não totalmente coordenado nas ações políticas – representa característica básica da UE, restando como pilar estabelecido a partir de um poder superior aos Estados para certas áreas e obtido por meio do consenso para o próprio benefício comunitário em temas bem delimitados e ínsitos ao processo de integração, pois, do contrário, não haveria sentido para essa transferência de competências do âmbito dos Estados nacionais.
Como forma de outorgar contornos a esse processo, desenvolve-se o direito comunitário da UE, aperfeiçoado em seus princípios pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia – inclusive trazendo maior compreensão acerca do real conteúdo de suas fontes – , que manifestou-se em julgados pela possibilidade de transferência de poderes dos Estados nacionais em favor dessa nova ordem jurídica, como a reescrever o desenho de soberania tão difundido por meio do pensamento de Jean Bodin (1530-1596), cunhado no bojo da perspectiva do raciocínio do período absolutista.
Em decorrência disso, com grande participação dessa jurisprudência construída pelas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, sedimentou-se o entendimento que participar das comunidades em torno da União implica em, consensualmente, os Estados soberanos resolverem na limitação de suas soberanias e direitos dela decorrentes, criando um corpo próprio de normas – substanciado no direito comunitário – que aplicando-se de forma subsidiária para o alcance dos objetivos da integração, estabelece obrigações para todos os entes públicos e privados.
Instituições comunitárias, portanto, erigem-se com competências próprias e limitadas a certos temas e domínios reservados, cabendo ao Tribunal de Justiça da União Europeia o controle acerca das violações da legalidade comunitária, estabelecendo a responsabilidade dos Estados em eventual desrespeito ao direito da comunidade, ainda que persistam temas sensíveis no âmbito europeu face ao contexto global mundial, especialmente no que tange à Política Agrícola Comum (PAC).
Apesar disso, permanece fortalecida a jurisprudência dessa corte, reafirmando os valores da livre circulação de pessoas, capitais, fatores produtivos e trabalho, em direitos que podem ser exigidos perante ela ante a Estados e particulares, substanciando um espaço privilegiado na comunidade que, além do pilar dos direitos humanos, buscava a harmonização de políticas – como as de segurança social –, no bojo da atribuição de competências específicas executadas pelos órgãos da UE.
Se subsidiária a ação da UE, ela é prioritária de execução ante aos direitos nacionais dos Estados membros, de forma que as competências comunitárias – no bojo de poderes implícitos (teoria das competências implícitas) ou explícitos – poderão até mesmo ser aumentadas para o alcance dos objetivos do processo de integração, revelando que soberanamente os participantes dessa comunidade assentiram em um projeto que, em última razão, vem, até mesmo, a consubstanciar o germe do que entende-se por um destino comum.
Esses são alguns dos temas que a autora explora, desenvolvendo seu raciocínio a partir dos muitos estudos dedicados à UE e aos temas mais caros ao direito internacional, ao direito comunitário e ao próprio processo de integração.
Em um momento assinalado pela traumática saída do Reino Unido da UE em 2016, “União Europeia e Supranacionalidade: desafio ou realidade?”, de Joana Stelzer, oferece uma importante contribuição para a visualização do bloco econômico no limiar da década de 2000, igualmente apoiando o aperfeiçoamento daqueles que objetivam construir uma visão global dos aspectos históricos e jurídicos deste processo de integração que revela-se o mais profundo da atual sociedade internacional.