Muito se discute acerca da criminalização ou não do uso de drogas no Brasil. Primeiro é necessário evidenciar que este uso advém desde os primórdios da humanidade. Históricos remotos já dissertavam sobre o conhecimento de tais substâncias e seus efeitos diante do seu uso pelo ser humano. Há relatos que há mais de 10 mil anos o homem já faz uso desse tipo de substância, muitas vezes atraído pela simbologia atinente à mística de seus efeitos ou como forma de curar males até então incuráveis.
No Brasil, o primeiro dispositivo legal referente à temática drogas, permeia os anos de 1603, instituída pelas Ordenações Filipinas onde era tipificado drogas como substâncias venenosas.
Hodiernamente, a lei que versa sobre drogas é a 11.340/06. Tal lei, também denominada Lei de Drogas, trata de forma sistemática toda a gama penal que envolve estas substâncias. Este dispositivo elenca normas para coibir a produção não autorizada e o tráfico de drogas e, além disso, tipifica vários crimes relacionados a estas, dentre os quais o próprio tráfico e o uso e consumo, nos seus artigos 33 e 28, respectivamente.
No que se refere ao uso e consumo, várias controvérsias surgem no referido tema legal. A polêmica gerada se refere à sua penalização ou não e quanto à sua natureza jurídica. O ordenamento legal brasileiro preceitua que, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Em sentido estrito, tal princípio de que todo crime possui uma pena equivalente cai por terra, pois no caso específico do artigo 28, há a tipificação penal descrita, no entanto, sem a respectiva penalização.
A total rejeição da privação da liberdade, como forma de punir o agente que apresenta conduta estipulada de uso e consumo de drogas, elencado do diploma de 2006, veio também diferir o usuário do traficante, desde que o julgador se atenha ao disposto no § 2º, que diz respeito "à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente".
No entanto, diversos doutrinadores opinam de maneira diversa quando se refere ao uso e consumo de drogas. João José Leal descreve o artigo 28 da Lei de Drogas como uma descriminalização branca, resultando em uma infração penal inominada. Luiz Flávio Gomes diverge, afirmando que o referido artigo surge para descriminalizar o uso e consumo de drogas. Já Cezar Roberto Bitencourt alega que não houve a descriminalização, já que tais condutas ainda continuam a ser consideradas infração penal. Segundo o mesmo autor, houve apenas o distanciamento da restrição de liberdade, dissertando que o melhor caminho não é a prisão do usuário, já que traz poucos ou nenhum benefício para o indivíduo e a sociedade, mas sim a implementação de medidas educativas que estimulem o próprio tratamento contra a dependência.
Neste mesmo caminho, o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que houve apenas uma despenalização da conduta de portar drogas para consumo pessoal, uma vez que houve um abrandamento nas sanções para a respectiva conduta estipulada ao usuário.
Destarte é que, as medidas impostas pela Lei de Drogas possuem caráter meramente abstrato, visto que, apresentam-se insuficiente para o tratamento e desestímulo ao o uso de entorpecentes, uma vez que a advertência sobre os malefícios das drogas, a prestação de serviços à comunidade e a medida comparecimento a curso educativo não são eficazes no tratamento do viciado em tóxicos, para posteriormente reinseri-los recuperados à sociedade.
Em outra vertente, notório é que o usuário de drogas fere os direitos alheios e não somente o próprio. Fato concluinte é que a boa parte dos usuários vive às margens da dignidade humana, desfazendo de bens familiares, vivendo nas ruas e para sustentar o próprio vício, acabam cometendo ilícitos como furtos, roubos, latrocínios, homicídios e outros.
Quanto à reincidência, réu condenado por porte de drogas para uso próprio não poderá ser considerado reincidente conforme entendimento recente da 5ª Turma do STJ. Conforme jurisprudência pacificada ao tema, considerando que mesmo contravenções penais puníveis com pena de prisão simples não configuram hipótese de reincidência. Seria desproporcional considerar delito anterior de porte de entorpecente como óbice para, após condenação por novo crime.
De acordo com a decisão da 5ª Turma, ainda que não tenha havido abolitio criminis, a legislação prevê a punição da conduta apenas com advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou participação em curso educativo.
Denota-se que no dispositivo legal em riste, o uso de drogas não fora excluído da tipificação criminal, sendo somente despenalizado, não havendo abolitio criminis. Trata-se de uma das maiores novidades, se comparada com a lei de drogas até então vigente, a Lei n° 6.368/76, em que o usuário estava sujeito a uma pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa.
Com isso o objetivo do Estado é o desencarceramento, demonstrando sua ineficiência na recuperação do usuário de drogas, além de possuir um elevado custo. E apesar de algumas controvérsias doutrinarias, o crime de uso de drogas ainda continua tipificado e capitulado no artigo 28 da Lei 11.343/06.
KUHSLER, D. R. A Despenalização Do Porte De Drogas Para Consumo Pessoal. Análise do art. 28 da Lei 11.343/06. Monografia (Conclusão de curso) – Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/177473/Monografia%20%20A%20despenaliza%C3%A7%C3%A3o%20do%20porte%20de%20drogas%20para%20consumo%20pessoal.%20An%C3%A1lise%20do%20art.%2028%20da%20Lei%2011.34306.pdf?sequence=1. Acesso em 02 Dez. 2018.
GOMES, Luiz Flávio (Coord.) et. al. Nova lei de drogas comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 109.
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STJ. HC nº 453437 / SP (2018/0135290-0) Relator: Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA - QUINTA TURMA. Dj: 21/11/2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20453437. Acesso em 01 Dez. 2018.