Palavras-chave: Colaboração premiada, organização criminosa, meios de obtenção de prova.
1. INTRODUÇÃO
O tema objeto desse trabalho, é a análise do instituto da colaboração premiada, que muito embora já era previsto na legislação pátria, voltou a ser objeto de discussão com a promulgação da Lei N º 12.850/13, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova.
O trabalho longe da pretensão de esgotar o tema, pretende analisar os principais pontos dessa legislação no que se refere ao instituto da colaboração premiada, muito especialmente em relação aos pontos mais discutidos atualmente pela doutrina e as decisões dos tribunais dos tribunais superiores.
O texto encontra-se fracionado em cinco capítulos: o primeiro consiste em uma breve remissão histórica dos acontecimentos usualmente citados como precedentes do que vem a ser hoje conhecido como colaboração premiada; no segundo é abordado o contexto em que a lei objeto desse trabalho foi promulgada; no terceiro já devidamente introduzido o temas e os assuntos indispensáveis a compreensão é abordado o tema central do trabalho, qual seja o conceito e natureza jurídica do instituto, o âmbito de incidência dos benefícios e a natureza indisponível ou não da ação penal; e por derradeiro as considerações finais.
Fixadas essas premissas que se desenvolverá o trabalho, cabe expor os métodos que serão adotados. O método principal adotado ao longo desse trabalho será o bibliográfico, especialmente a bibliografia nacional, sem se prender em casos concretos isolados. Não obstante, também será utilizado vez ou outras precedentes judiciais, tendo em vista as recentes decisões sobre o tema. Evidentemente será abordado a legislação infraconstitucional, eventualmente será abordado algum tratado internacional, e no penúltimo capitulo brevemente será abordado a resolução Nº 183 do Conselho Nacional de Justiça, que que dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público.
2 ORIGEM HISTÓRICA.
Desde os tempos mais antigos, a história, nos remete a inúmeras situações ocorridas ao longo da tempo, a literatura nos aponta frequentemente a traição sofrida por Tiradentes quando foi delatado por Joaquim Silvério dos Reis; Calabar traiu os brasileiros com um acordo com os holandeses; e a mais notável de todas conhecida provavelmente em todo ocidente a traição de Jesus Cristo por seu apóstolo Judas Iscariotes que vendeu a identidade de Cristo por célebres 30 moedas de ouro.
Conforme as lições do eminente professor Renato Brasileiro de Lima, com o decorrer da História, e o aumento desenfreado da criminalidade, os ordenamentos jurídicos em resposta a esse fenômeno passaram a “ premiar” o criminoso que auxiliasse na persecução dos seus antigos sócios nas empreitadas criminosas.
No sistema anglo-saxão, já é possível identificar alguns traços desse modus operandi, conhecido a época como “ crown witness”, em livre tradução testemunha da coroa. Especialmente nos Estados Unidos esse método foi amplamente utilizado (Plea bargain), no combate à criminalidade sofisticada, e também na Itália (pattegiamento) foi utilizada com grande êxito no enfrentamento da máfia (LIMA, 2017, p.701-702).
Inegavelmente esse método na visão de alguns questionável, revelou-se tão eficiente, que as máfias não hesitavam em tolher a vida de quem ao menos suspeitassem que tivesse sido cooptado por agentes estatais. Talvez seja por essa por essa violência como modus operandi, e completo desrespeito as instituições de repressão, que se espera do estado uma atuação eficiente e imediata, no sentido de obstar a atuação das organizações criminosas. Nesse diapasão á muito tempo já advertia Hassemer (1993, p. 48):
Nestas áreas, espera-se a intervenção imediata do Direito Penal, não apenas depois que se tenha verificado a inadequação de outros meios de controle não penais. O venerável princípio da subsidiariedade ou da última ratio do Direito Penal é simplesmente cancelado para dar lugar a um Direito Penal visto como sola ratio ou prima ratio na solução social de conflitos: a resposta surge para as pessoas responsáveis por estas áreas cada vez mais frequentemente como a primeira, senão a única saída para controlar os problemas.
O exemplo mais emblemático e talvez mais importante, deste fenômeno denominado criminalidade organizada foi visto na Itália em meados de fevereiro de 1992, com a denominada “operação mani pulite”, que revelou não somente cifras surpreendentes, mas também um “modus operandi” complexo para a época, que cooptava empresários, administradores locais e parlamentares. As investigações que outrora encontraram barreiras intransponíveis dessa vez obtive êxito e impressionou pelo vulto dos valores, que a Itália suportou com a corrupção.
Nesse sentido observa Sergio Fernando Moro:
A operação mani pulite ainda serviu para interromper a curva ascendente da corrupção e de seus custos. Giuseppe Turani, jornalista financeiro italiano, estimou que, na década de 1980-1990, a corrupção teria custado à Itália um trilhão de dólares. Superestimados ou não esses números, há registro de que os custos de obras na Itália seriam mais elevados em comparação com os de outros países: No que se refere a contratos públicos em Milão, em relação aos quais as investigações judiciais teriam determinado a quantia paga em propina, foi notado que a linha de metrô milanesa custaria 1000 bilhões (de liras) por quilômetro e levaria 12 anos para estar completa; em Zurique, 50 bilhões e sete anos. O Teatro Piccolo já custou 75 bilhões e deve estar pronto em nove anos; na Grã-Bretanha, o novo teatro de Leeds custou 28 bilhões e foi construído em dois anos e três meses. A reestruturação do estádio de San Siro custou 140 bilhões, o estádio olímpico de Barcelona, 45 bilhões. A linha número três da ferrovia metropolitana de Milão custou 129 bilhões por quilômetro; a linha subterrânea de Hamburgo custou 45 bilhões17.
Mais recentemente, o ministro Celso de Melo em recente decisão, faz uma breve síntese da contextualização histórica do instituto, no nosso ordenamento jurídico asseverado que embora seja trazido como parâmetro a operação ocorrida na Itália, já era possível identificar institutos que possuíam características semelhantes ao que hoje se denomina colaboração premiada no ordenamento interno desde as Ordenações do Reino.
Para o Supremo Tribunal Federal:
A colaboração premiada, embora em voga no direito processual penal italiano, notadamente a partir de meados da década de 1970, em contexto de combate ao terrorismo (que, em momento subsequente, no início da década de ‘90, veio a ser utilizada na operação “Mãos Limpas”, objetivando a repressão a práticas de corrupção governamental), surgiu, entre nós, no direito reinol, fundada nas Ordenações do Reino (1603), instituída, primariamente, com o objetivo de agraciar aqueles que delatassem os autores e partícipes do crime de falsificação de moeda (Título 116) e, sobretudo, do crime gravíssimo de “lesa-majestade” (Título 6), que constituía o mais sério delito previsto no temível Livro V do Código Filipino, o “liber terribilis”, tal a prodigalidade com que esse estatuto legal cominava a pena de morte!!! Na Conjuração Mineira (1789), Joaquim Silvério dos Reis valeu-se desse meio e delatou os inconfidentes de Vila Rica, hoje Ouro Preto, havendo sido beneficiado pela legislação portuguesa consubstanciada, quanto a esse ponto, nas (então) vigentes Ordenações Filipinas!
3 DA LEI Nº 12.850/2013
Tendo em vista que a Lei nº 12/850/13, foi a que com mais proficiência, disciplinou os métodos especiais de investigação, especialmente a colaboração premiada, e deu um conceito legal do que se consideraria organização criminosa no ordenamento pátrio, é importante conhecer os motivos que levaram o legislador a promulgar tal diploma legal.
A despeito da profusão de referências legislativas ao termo organizações criminosas, sempre o tema foi controvertido no ordenamento jurídico pátrio. A Lei Nº 9.034/95 atualmente revogada, definiu os meios de obtenção de prova, e os procedimentos investigatórios relativos os crimes decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando e organizações ou associações criminosas de qualquer tipo, não obstante isso, a referida Lei não trouxe uma definição legal de organizações criminosas, por esse motivo essa legislação ficou adstrita ás quadrilhas (CP, antiga redação do art. 288) e as associações criminosas.
Em que pese a ausência de tipificação penal, a comunidade jurídica internacional a muito tempo já havia reconhecido a gravidade do problema, bem como a necessidade de promover e de reforçar o enfrentamento do crime organizado, uma vez que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional foi adotada em Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), no mês de novembro do ano de 2000, na cidade de Nova Iorque, mais conhecida como Convenção de Palermo.
A escolha da Cidade de Palermo para abertura dos respectivos instrumentos e seus adicionais para assinatura, homenageia dois grandes ícones do combate às máfias italianas, os magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone assassinados, em atentados a bomba, na cidade de Palermo em 1992, em resposta ao grande julgamento que em 1987 condenou 360 elementos da máfia. Por esses crimes, foi condenado Salvatore Riina, apontado como “capo dei capi” da família Corleonesi, que era ligada a Cosa Nostra, uma das mais antigas e conhecidas organizações criminosas de natureza transnacional. Aos 73 anos de idade, foi preso pela polícia italiana Bernardo Provenzano, chefe maior da máfia siciliana, condenado à prisão perpétua. O aeroporto internacional de Palermo hoje é conhecido como Aeroporto Falcone-Borsellino.
Esse modus operandi, e a completa ausência de respeito aos pilares democráticos do stado, foi muito bem observada por Hassemer (1993. p. 85):
A criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção do Legislativo, da Magistratura, do Ministério Público, da polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade. Nós conseguimos vencer a máfia russa, a máfia italiana, a máfia chinesa, mas não conseguimos vencer uma justiça que esteja paralisada pela criminalidade organizada, pela corrupção.
Esse instrumento internacional teve três de quatro instrumentos assinados na cidade de Palermo, na ilha de Sicília, na Itália e foi subscrito por 147 países, que se comprometeram a dar uma definição legal e implementar métodos de combater ao crime organizado.
Esses três protocolos abordam áreas específicas do crime organizado: o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições. Observa-se que os países devem ratificar a Convenção antes de aderir a qualquer um dos protocolos.
Os Estados-membros que ratificaram este instrumento se comprometem a adotar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação criminal na legislação nacional de atos como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça.
A convenção também prevê que os governos adotem medidas para facilitar processos de extradição, assistência legal mútua e cooperação policial. Adicionalmente, devem ser promovidas atividades de capacitação e aprimoramento de policiais e servidores públicos no sentido de reforçar a capacidade das autoridades nacionais de oferecer uma resposta eficaz ao crime organizado.
Os protocolos adicionais à Convenção de Palermo também foram acolhidos pelo Brasil. Esses quatro instrumentos (a Convenção de Palermo e seus protocolos adicionais) foram promulgados no Brasil por meio de Decreto presidencial, após aprovação pelo Congresso Nacional por Decreto legislativo (art. 49, inciso I, da Constituição), e têm força de Lei ordinária.
A partir desse compromisso assumido pela República do Brasil, em disciplinar a tipificação penal de organizações criminosas e os métodos de combate a esse tipo de delito, é que foi promulgada a Lei Nº 12.850/20113, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
A Lei Nº 12.850/13 além de disciplinar a matéria, também revogou expressamente a Lei 9.034/1995 (art. 26).
3.1 REQUISITOS E DIREITOS DO COLABORADOR
Os requisitos Mínimos para que a colaboração posso produzir seus efeitos, estão taxativamente previstos no Art. 4º da Lei Nº 12.850/2013, e devem estar presentes simultaneamente, quais sejam a efetividade da colaboração e voluntariedade, ainda o parágrafo 1º, diz que além da voluntariedade e efetividade o magistrado levará em conta circunstancias subjetivas do caso concreto.
Nesse sentido a efetividade consiste:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
§ 1o Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Já a voluntariedade deve ser analisada no caso concreto, não necessita ser espontânea, contudo algumas premissas básicas devem ser observadas, consoante no que se depreende das lições de Busato e Bitencourt (2014. p 119):
A delação premiada deve ser produto da livre manifestação pessoal do delator, sem sofrer qualquer tipo de pressão física, moral, ou mental, representando, em outras palavras, intenção ou desejo de abandonar o empreendimento criminoso, sendo indiferentes as razões que o levam a essa decisão. Não é necessário que seja espontânea, sendo suficiente que seja voluntária: há espontaneidade quando a ideia inicial parte do próprio sujeito; há voluntariedade, por sua vez, quando a decisão não é objeto de coação moral ou física, mesmo que a ideia inicial tenha partido de outrem, como da autoridade, por exemplo, ou mesmo resultado de pedido da própria vítima.
Contudo deve o magistrado, analisar com cautela o caso concreto, para fim de evitar acordos sem nexo com a realidade fática, nas lições Lima (2017, p. 714):
Tais situações espúrias, denominadas pela doutrina estrangeira de móveis turvos ou inconfessáveis da delação, devem ser devidamente valoradas pelo magistrado, de modo a se evitar que a delação seja utilizada para deturpar a realidade
Já o parágrafo 4º do Art. 4º da Lei Nº 12.850 traz outros requisitos, diferentes daqueles genéricos dos Incisos I ao V, porem o “prêmio” também é diverso do previsto no Caput do Art.4. Nesse sentido dispõe:
§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:
I - não for o líder da organização criminosa;
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.
Porem além dos resultados que a colaboração deve alcançar, o legislador trouxe garantias a quem colaborar efetivamente com as investigações, são elas:
Art. 5o São direitos do colaborador:
I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
4 DAS CONTROVÉRSIAS EM ESPÉCIE.
4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Inicialmente para uma razoável compreensão do tema, deve-se ter em mente que prova em sentido amplo pode ser entendida como a demonstração da veracidade de um enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real (LIMA, p. 453).
Notadamente a prova judiciária possui uma grande finalidade, qual seja a reconstrução dos fatos investigados no processo, sempre buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica (Princípio da verdade real). Por vezes essa busca, é extremamente difícil, o que não significa que não deva ser feita, nas palavras de Oliveira (2014, p. 328) “por mais difícil que seja e por mais improvável que também seja a hipótese da reconstrução da realidade histórica (ou seja, do fato delituoso), esse é um compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional”.
Nesse sentido a colaboração premiada pode ser entendida como uma técnica especial de investigação, uma espécie do gênero do direito premial, como bem ensina Renato Brasileiro de Lima (2017, p. 647):
Por meio do qual o coautor e/ou participe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal, informações objetivas eficazes para consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida determinado prêmio legal.
Nesse diapasão podemos extrair algumas lições iniciais como; uma simples confissão não pode ser entendida como colaboração premiada, esta sendo muito mais ampla e complexa; segundo o colaborador precisa admitir a sua participação no delito e posteriormente fornecer informações objetivamente eficazes, pois evidentemente se o agente não confessar sua participação será considerado mera testemunha do fato criminoso.
Imperioso consignar que, o artigo 65, I, alínea “d” do Código Penal, elenca uma hipótese de atenuante genérica, qual seja a confissão espontânea, circunstância essa que sempre diminui a pena do delinquente, instituto este que não se confunde com a colaboração premiada.
Majoritariamente há um consenso que a delação premiada não é a prova em si, mas sim um meio de obtenção da prova, e com este não se confunde nesse sentido aduz Gustavo Badaró (2012, p. 270):
Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são instrumento para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos.
Corroborando esse entendimento observou o Ministro Dias Toffoli:
A colaboração premiada, por expressa determinação legal (art. 3º, I da Lei nº 12.850/13), é um meio de obtenção de prova, assim como o são a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas ou o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal (incisos IV a VI do referido dispositivo legal). Cumpre, aqui, extremar, de um lado, meios de prova e, de outro, meios de pesquisa, investigação ou obtenção de prova. Mario Chiavario, com base na tipologia adotada pelo Código de Processo Penal italiano, distingue meios de prova (mezzi di prova) dos meios de pesquisa de prova (mezzi di ricerca della prova): os primeiros definem-se oficialmente como os meios por si sós idôneos a oferecer ao juiz resultantes probatórias diretamente utilizáveis em suas decisões; os segundos, ao revés, não constituem, per se, fonte de convencimento judicial, destinando-se à “aquisição de entes (coisas materiais, traços [no sentido de vestígios ou indícios] ou declarações) dotados de capacidade probatória”, os quais, por intermédio daqueles, podem ser inseridos no processo (Diritto processuale penale – profilo istituzionale. 5. ed. Torino: Utet Giuridica, 2012. p. 353)
Fixadas essas premissas, é necessário compreender que a Constituição Federal de 1988 elencou uma série de direitos e garantias ao investigado, notadamente no artigo 5º que materializou importantes salvaguardas ao acusado como: a garantia da duração razoável do processo; identidade física do juiz; publicidade das decisões; ampla defesa e contraditório.
Conforme as lições do professor (Lima. 2016, p. 457), os meios extraordinários de obtenção de prova, classificam-se com base na maior ou menor restrição a essas garantias constitucionais.
Há um consenso que esses meios dividem- se em ordinários e extraordinários. Os primeiros são aqueles previstos não somente para os delitos graves como para infrações de menor gravidade, porém cuja forma de execução é diferente.
Já os meios extraordinários de obtenção de prova, também chamados de técnicas especiais de investigação, são ferramentas sigilosas postas à disposição da polícia, dos órgão de inteligência e do Ministério Público, para apuração dos delitos considerados mais “graves” e mais complexos, que exijam uma persecutio criminis mais sofisticada, uma vez que os métodos convencionais de investigação não seriam eficazes nesse tipo de delito.
Como bem observa em importante reflexão o magistrado Federal Paulo Augusto Moreira Lima (2015. p.126 apud Masson e Marçal 2016, p. 72):
A análise do modus operandi destes ‘velhos delitos’ é suficiente a demonstrar que raramente virão à tona por confissão, prova testemunhal ou flagrante. Se os julgadores se contentarem apenas com esse tipo de prova, assistiremos a uma saraivada sem fim de absolvições, pois a experiência demonstra que nos casos pertinentes à macrocriminalidade impera forte código de silêncio na instrução criminal. Assim, a não compreensão de que as novas formas criminosas não podem ser demonstradas pelos meios clássicos de prova resulta, no mais das vezes, na exigência de produção de prova impossível (diabólica), o que acaba por conduzir ao reconhecimento de nulidades e absolvições. Não se pode negar que o desejo de todo juiz criminal é poder julgar com uma relativa certeza da ocorrência do crime, o que é costumeiramente alcançado nos crimes clássicos por provas diretas como confissões, prisões em flagrante e testemunhas que presenciaram o fato. Mas, diante da nova criminalidade que se apresenta, praticada de forma dissimulada, às ocultas, por vezes mediante a utilização de ‘laranjas’ e empresas de fachada, o juiz que exige provas diretas como pressuposto inarredável para proferir eventual condenação, não se contentando com a prova possível, no mais das vezes indiciária, coloca sua tranquilidade pessoal acima da responsabilidade que tem como julgador.
O sigilo e a dissimulação são características presentes nessa espécie de “ procedimento”, uma vez que são coletadas informações, indícios ou provas propriamente ditas sem o conhecimento do investigado de modo a não comprometer o sucesso da investigação. Nesse aspecto, o contraditório, indispensável ao devido processo penal será exercido de maneira diferida ou postergada, o que significa dizer que em tais casos, a urgência da medida ou sua natureza exige um provimento imediato e inaldita altera parte.
Destarte, na esteira dos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover (2013. p. 234), para que se possa valorar minimamente o conteúdo das declarações feitas sob o manto delação, é necessário que seja dada a oportunidade direito de defesa, com a presença dos corréus delatados no processo, durante o seu interrogatório e dando publicidade aos atos processuais.
No mesmo sentido Antônio Sacarance Fernandes leciona (2012. p. 84):
Se o corréu e seu advogado não foram intimados sobre a data e hora do interrogatório, ficando, assim, impedidos de se esclarecerem a respeito de aspectos que prejudicam o corréu, os elementos nele obtidos não poderão servir para a sua condenação, pois haverá ofensa à ampla defesa e ao contraditório.
Superada esta questão, surgem discussões acerca da nomenclatura do instituto, a doutrina diverge quanto ao uso das expressões, de um lado os partidários que sustentam que a colaboração premiada e delação premiada são sinônimos.
Porém há quem defenda a distinção entre as expressões, para estes a delação premiada consiste em um ato complexo, em que como já adiantado o investigado fornece relevantes informações acerca dos fatos delituosos e em consequência delata outras pessoas e por finalmente assume a prática de crimes, sustentando para tanto que a colaboração premiada é o gênero da qual a delação seria sua espécie.
Ademais alguns autores veem uma impropriedade por parte da comunidade jurídica ao se utilizar da expressão “delação premiada”, nesse sentido adverte com propriedade Andrey Borges de Mendonça (2013, p. 2):
“delação premiada” não é adequado, seja porque embute carga negativa apriorística (e preconceituosa, por parte de alguns) contra o instituto, seja porque, principalmente, a colaboração premiada não necessariamente envolve produção de provas de corréu ou investigado contra os demais agentes.
Isto uma vez consignado, grande parte da doutrina se socorre dos ensinamentos de Vladimir Aras (2011, p.428), um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, que aponta para a existência de quatro subespécies de colaboração premiada nas suas palavras:
Na modalidade ‘delação premiada’, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas no crime e seu papel no contexto delituoso, razão pela qual o denominamos de agente revelador. Na hipótese de ‘colaboração para libertação’, o agente indica o lugar onde está a pessoa sequestrada ou o refém. Já na ‘colaboração para localização e recuperação de ativos’, o autor fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos à lavagem. Por fim, há a ‘colaboração preventiva’, na qual o agente presta informações relevantes aos órgãos de persecução para evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita.
Posto isso, um traço presente em todas as modalidades citadas é a eficácia das declarações, no sentido de possibilitar desvendar detalhes importantes do fato criminoso, sem a qual dificilmente seria possível chegar ao mesmo resultado.
Dito isso a Lei Nº 12.850/13 foi expressa em optar pela definição mais específica do instituto qual seja uma técnica especial de investigação, com nomem iuris “colaboração premiada” tanto no artigo 3º, I, como na Seção I do Capítulo II, nos artigos 4º a 7º.
4.2 ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DOS BENEFÍCIOS
De plano é necessário consignar que na legislação penal extravagante existem inúmeros dispositivos que preveem, “espécies” de colaboração premiada, e estes dispositivos estão plenamente validos (não houve revogação tácita), com exceção da antiga Lei Nº 9.034/1995.
Não obstante, a primeira questão a ser enfrentada, diz respeito a sistemática trazida pela Lei Nº 12.850/2013, se ela deveria ser “aproveitada” as demais leis que previram a colaboração, mas não o procedimento a ser adotado.
Tendo em vista a escassez de decisões acerca do tema, surgem algumas correntes, a primeira delas e capitaneada por Cleber Masson e Vinícius Marçal que, entendem adequado que seja a sistemática trazida pela Lei Nº 12.850/2013 para as demais leis que não disciplinaram o procedimento, nesse sentido:
seja aplicada a sistemática (diálogo das fontes) inaugurada pela Lei 12.850/2013, nos seus arts. 4.º a 7.º, até porque esta foi a única lei que delineou uma espécie de“ procedimento” para a corporificação do acordo de colaboração premiada (Masson e Marçal 2016, p. 84).
A questão não é pacifica, sustentando os partidários da combinação de leis que se no caso concreto a reunião de duas ou mais leis for em benefício do réu, é viável tal união.
Não obstante esse entendimento, que a princípio parece conveniente a combinação de leis penais, os penalistas da antiga escola, defendem a sua inaplicabilidade, como Hungria (1997, p. 120) que fazia importante reflexão a respeito do instituto da “lex tertia”, uma vez que o mesmo esbararia no princípio constitucional da separação dos poderes, nas suas palavras:
Cumpre advertir que não podem ser entrosados os dispositivos mais favoráveis da Lex nova com os da lei antiga, pois de outro modo, estaria o juiz se arvorando em legislador, formando uma terceira lei, dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo.
Evidentemente não se desconhece o teor do Art. 2º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ao mencionar que “ a lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente poderá retroagir”. A expressão “de qualquer modo” tornou-se a justificativa para que partes de uma lei, compostos com trechos de outra, fizesse nascer uma diversa norma, inédita, sem qualquer participação legislativa.
Corroborando esse entendimento Guilherme Nucci 2016, leciona que:
Combinar leis significa promover a sua reunião, constituindo um corpo único e ordenado. Na realidade, o ajuntamento de duas ou mais leis penais, seja qual for o propósito, faz nascer uma terceira norma, não prevista, nem aprovada pelo Poder Legislativo. Estaria o Judiciário legislando, ao promover a criação de lei, mediante o recolhimento de partes de outras.
Em que pese, não haver um consenso e a doutrina e os tribunais terem posições divergentes, a questão em tese no âmbito do STJ esta pacificada, tendo em vista a edição da súmula Nº 501 que preceitua:
É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.
Em razão da amplitude dos benefícios trazidos taxativamente pela Lei Nº 12.850/13, surgem inúmeros questionamentos quanto ao âmbito de incidência dessas benesses legais. A celeuma reside se os tais benéficos podem ser aplicados a todo e qualquer espécie de delito, ou se a concessão de tais prêmios estaria adstrita ao crime de organização criminosa (art. 2º, caput Lei Nº 12.850/13).
Diante dessa discussão surgem correntes distintas. Com o advento da Lei nº 9.807/99, discussão semelhante já havia acontecido como lembra Renato Brasileiro, tendo prevalecido o entendimento de que a referida Lei seria aplicável, inclusive para delitos que tivessem regramento específico sobre a colaboração premiada (Ex Tráfico de Drogas).
Referido autor vai além trazendo razoes de ordem prática, nas suas palavras:
Ora, se o agente souber que eventual prêmio legal ficará restrito ao crime de organização criminosa, dificilmente terá intenção de celebrar o acordo de colaboração premiada” (2017, p.705).
J.J. Canotilho (2016, p. 24-25) em sentido oposto:
Assim, não é possível reduzir uma pena em mais de dois terços ou conceder perdão judicial a um crime não mencionado pela Lei das Organizações Criminosas. Em tais casos, o juiz substituir-se-ia ao legislador numa tão gritante quanto constitucionalmente intolerável violação de princípios fundamentais do Estado de Direito como são os da separação de poderes, da legalidade criminal, da reserva de lei e da igualdade na aplicação da lei.
Por derradeiro, é preciso consignar que a Lei Nº 12.850/13, não buscou a consecução de resultados indiscriminadamente, não sendo suficiente para a obtenção dos benéficos previstos na legislação a consecução objetiva dos resultados, uma vez que o artigo 4º § 1ª da Lei Nº 12.850/13 é expresso, o magistrado “ levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.
Já o caput do artigo 4º utiliza o verbo ‘’ poderá”, no sentido de a concessão dos benefícios ser uma faculdade do magistrado no caso concreto, se interpretados em harmonia os dois comandos normativos, é fácil a conclusão que o juiz no caso concreto possui um pequeno grau de discricionariedade. Contudo parece necessária a advertência feita por GRAU. Eros Roberto (2016, p. 22):
O intérprete está vinculado pela objetividade do direito. Não a minha ou a sua justiça, porém o direito. Não ao que grita a multidão enfurecida, porretes nas mãos, mas ao direito.
Em razão grande complexidade que o tema se apresenta, o controle judicial será sempre indispensável, sob pena de se permitir inviabilizar o exercício da ampla defesa e do contraditório dos demais acusados, e abrir espaço para acordos em desconformidade com a legislação nesse sentido observou o ministro Gilmar Mendes:
É curioso! Nós declaramos a inconstitucionalidade, Ministro Ricardo Lewandowski, de tratados internacionais. Muitos países, hoje sabemos todos, evitam a declaração de inconstitucionalidade de tratados fazendo o controle preventivo. Mas não se pode fazer um controle de regularidade de um acordo de delação, porque vai deixar os infratores inseguros e o Ministério Público terá oferecido o que não poderá cumprir, ainda que tenha feito ilegalmente.
4.3 DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL.
O constituinte originário elencou expressamente como prerrogativa exclusiva do Ministério Público dentre outras funções “ promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, por isso se convencionou que o Ministério Público é o “Dominus litis”, ou seja o Ministério público é o titular da ação penal pública.
Já na legislação infraconstitucional, o artigo 42 do Código de Processo Penal, trouxe o seguinte comando normativo “ O Ministério Público não poderá desistir da ação penal”, positivando assim o que a doutrina mais moderna chama de princípio da indisponibilidade da ação penal pública, ou da obrigatoriedade.
Conforme leciona Afrânio Silva Jardim (2001, p. 144) “o princípio da obrigatoriedade da ação penal somente surge para o Ministério Público quando se encontram presentes todas as condições exigidas pela lei para o seu regular exercício”. Dessa lição pode-se extrair a contrário senso, que uma vez presente as condições das ações e a existência de justa causa, não poderia o membro do Ministério público dispor do interesse do estado em perseguir o autor do delito.
Importante registrar que alguns autores defendem a distinção dos princípios sendo aquele na fase processual (indisponibilidade) e esse na fase pré-processual (obrigatoriedade) (LIMA, 2017, p.198).
Mais recentemente a Lei Nº 12.850/13, que é objeto desse estudo trouxe algumas hipóteses de flexibilização desse princípio, especificamente no artigo 4º com algumas poucas condicionantes, ipsis litteris:
§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:
I - não for o líder da organização criminosa;
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.
Não obstante, a discussão acerca da possibilidade ou não do membro do ministério público “dispor” em tese da ação penal pública não é nova, e remonta aos idos de 1995 quando da publicação da Lei Nº 9.099/95, quando foi previsto a possibilidade de o Ministério Público oferecer a transação penal para os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa e as contravenções penais.
Ocorre que com edição da referida lei, o legislador somente estava dando eficácia a uma norma constitucional que previu tal hipótese (artigo 98, I Constituição Federal), sendo assim em perfeita consonância com Carta de 1988.
No caso específico da Lei nº 12.850 o legislador deixou a situação um pouco nebulosa, uma vez que não dispôs sobre o fundamento material do arquivamento do procedimento investigatório.
E foi sob esse impasse que o Conselho Nacional do Ministério Público editou a resolução Nº 183 de 2018, que “dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público”, e por meio dessa resolução criou o “ acordo de não persecução criminal”.
Questão importante, que deve ser observada, é que o Conselho Nacional do Ministério Público é um conselho administrativo desprovido de função legiferante, conforme § 2º do Art. 130 A da Constituição “ Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros”.
Indo mais adiante é sabido que a competência para legislar sobre direito penal e processo penal é privativa da União (artigo 22, I Constituição Federal), sendo que em razão da importância da matéria existe expressa vedação dessas matérias serem tratadas até por Emenda Constitucional (Art. 62 § 1º Constituição Federal).
Certamente deverá haver um posicionamento do judiciário, em relação aos limites da atuação do Ministério público nesses acordos de colaboração premiada, tendo em vista que o órgão tem suas atribuições delineadas na Constituição Federal e à essa esta subordinado permanentemente.
Não raras vezes o Ministério público agiu a margem de suas atribuições, atuando contra expressa disposição da Lei e da Constituição, nesse sentido observou o Ministro Gilmar mendes:
O Ministro Teori Zavascki deixou de homologar cláusulas que importavam renúncia ao direito de acesso ao Poder Judiciário. Escreveu-se isso, inclusive de não usar habeas corpus. Lembro-me do Ministro Teori Zavascki indignado, chocado, com esse tipo de prática. Também negou eficácia a cláusula do acordo de Alberto Youssef que previa a remuneração da PGR pela recuperação de ativos, cuidadosos 20% deveriam ser pagos à Procuradoria na devolução.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do compromisso assumido pela República do Brasil, em disciplinar a tipificação penal de organizações criminosas e os métodos de combate a esse tipo de delito, é que foi promulgada a Lei Nº 12.850/20113, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
Nesse sentido andou bem o legislador que acompanhou, ainda que um pouco tardia a comunidade jurídica internacional que, já vinha alertando para a necessidade de criação de institutos que fosses mais sofisticado e mais eficaz no combate à criminalidade organizada.
É evidente que o tema é bastante complexo, não obstante, algumas lições conseguimos extrair da análise dos institutos analisados. Longe de esgotar o tema, e sem essa pretensão conseguimos observar que a discussão se encontra em um estágio inicial seja em sede doutrinaria seja em sede jurisprudencial. Talvez isso se de pois a Lei é razoavelmente nova (2013), e em que pese o instituto já estar previsto no ordenamento jurídico em outros diplomas, ainda é pouco utilizado por porte dos operadores do direito.
Foi possível observar que o instituto, ainda que existam severas críticas do modo como vem sendo utilizado, é compatível com o modelo acusatório, se guardadas as devidas ressalvas e for utilizado em consonância com as garantias constitucionais tão duramente esculpidas na Carta Magna. Em que pese o direito anglo saxão não possuir esse caráter negocial do processo penal, uma vez previsto o instituto dever ser visto com ressalvas, e é em razão de tradicionalmente o Direito Penal pátrio não possuir esse viés negocial é que deve ser utilizado com algumas salvaguardas, e com a necessária parcimônia principalmente por parte do Ministério Público.
Deve ser destacado também que quer seja pela velocidade com que os inúmeros acordos estão sendo fechados, quer seja pela ausência de paradigmas enfrentados, o Judiciário, principalmente na figura do Supremo Tribunal Federal, precisa dar uma solução jurídica aos a impasses criados com a edição da Lei Nº 12.850/2013, e uniformizar os parâmetros em sede nacional, uma vez que inúmeras normas pelo menos em tese estão, em colisão com a Constituição Federal.
Por fim pode-se depreender que a legislação nacional, esta acompanhado a comunidade jurídica internacional, no que concerne a introdução desse método de obtenção de prova na legislação. Deve, contudo, ser guardado as devidas proporções, uma vez que cada estado é soberano e possui suas normas internas próprias, e funções dos órgãos acusatórios muitas vezes constitucionalmente previstas e que não podem ser mudadas por uma legislação infraconstitucional, ainda que a pretexto de um combate a criminalidade organizada mais acirrado. Sobre o tema, anota com propriedade Rodrigo Janot :
Como lembra J. J. GOMES CANOTILHO, normas infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz da Constituição, não o inverso (interpretação da constituição conforme as leis – gesetzkonforme Verfassungsinterpretation). O verdadeiro autor da ideia, WALTER LEISNER, alerta para o risco de “interpretação da Constituição segundo a lei”. O intérprete e aplicador do direito deve fazer as leis e demais normas infraconstitucionais adaptarem-se ao ordenamento constitucional, não este àquelas, a fim de não conferir à Constituição caráter demasiadamente aberto, a ser preenchido a seu talante pelo legislador ordinário, e de não se chegar a interpretações constitucionais inconstitucionais.(2016, p.10)
REFERÊNCIAS
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