Por moralidade administrativa entende-se como a distinção, por parte do administrador público, do certo e do errado, do probo e do ímprobo, do honesto e do desonesto. Basicamente, é determinar que o agente público deve agir sempre no sentido de conferir probidade aos atos públicos, evitando-se a defesa de interesses particulares, conluios ou fraudes.
A moralidade administrativa é um dos princípios fundamentais da Administração Pública, estando descrita no caput do artigo 37 da Carta Magna de 1988, conjuntamente com a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência.
Como um dos princípios do Direito Administrativo, a sua violação por parte do servidor público pode acarretar ato de improbidade administrativa, pois o artigo 11 da Lei 8.429/92 determina ser ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole, dentre outros, os deveres de honestidade e lealdade às instituições. Basicamente, aqui estamos diante da moralidade administrativa.
Ao mesmo tempo, a Carta Magna de 1988 permitiu ao cidadão, no gozo de seus direitos políticos, impetrar ação popular para anular ato da administração pública direta ou indireta que atente, dentre outros, a moralidade administrativa (artigo 5º, inciso LXXIII).
Já a Lei de Ação Civil Pública, em seu artigo 1º, determina ser direito difuso ou coletivo a proteção e defesa ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a ordem econômica, a ordem urbanística, a honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, dentre outros.
O artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública não determinou expressamente a utilização da Ação Civil Pública para defesa da moralidade administrativa, mas a Constituição Federal permitiu o uso da Ação Popular para tanto. Surgiu, portanto, como dúvida se a moralidade administrativa é ou não direito difuso ou coletivo para atrair o inciso IV do artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública (“ou qualquer outro direito difuso ou coletivo”) a fim de utilizar tal modalidade de ação para sua defesa.
Primeiramente, é importante salientar o que vem a ser direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Segundo o Parágrafo Único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, direitos difusos são aquele “de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”; direitos coletivos, os “de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” e os direitos indivíduos homogêneos, “os decorrentes de origem comum”.
Como exemplo, podemos trazer a ausência de transporte público para determinada localidade, ao aumento abusivo de mensalidade de escola particular e um acidente aéreo com vítimas. No primeiro caso, não dá para determinar quem é afetado pela ausência de transporte público e o quantum cada pessoa é afetada. Pode o morador da localidade não ser afetado por não necessitar de transporte público, mas pode um morador de outra localidade ser afetada porque queria visitar um amigo ou parente, ou mesmo passear no local. Não dá para determinar quem é vítima e o quantum este foi afetado. É, portanto, um direito difuso.
No segundo caso, o aumento abusivo da mensalidade escolar afeta somente um grupo de pessoas – pais ou alunos – ligados pela mesma situação – escola particular – e que são afetados da mesma maneira. É, por consequência, um direito coletivo. Por fim, no último caso, cada pessoa vítima do acidente aéreo foi afetado de forma individual. Um pode ter falecido, o outro ter perdido movimento do corpo ou se ferido gravemente, outro se ferido levemente, outro apenas teve dano material e outro apenas deixou de chegar ao destino do voo. Dá para individualizar o dano de cada vítima. Contudo, para evitar uma enxurrada de procedimentos judiciais iguais, criou-se a lei consumerista a possibilidade da defesa coletiva, desafogando o Judiciário e evitando julgamentos repetitivos ou contraditórios. É, dessa forma, um direito individual homogêneo.
Passada tal explicação, é necessário analisar se a moralidade administrativa é, ou não, um direito transindividual e qual a sua natureza jurídica. Uma administração íntegra, respeitosa, imparcial é direito de todos. Todos os administrados possuem direito a uma administração que seja honesta, que combata fraudes e dolos, que defendam o patrimônio público e a licitude. Ademais, a violação da moralidade administrativa é atitude ilícita, pois tal princípio se encontra disposto em lei para ser respeitado e sua violação viola, por consequência, a lei. Dessa forma, a moralidade administrativa é direito transindividual. E sua natureza, logicamente, é de direito difuso, haja vista a impossibilidade de divisão do direito para toda a sociedade.
Uma vez sendo um direito difuso, entendemos a possibilidade da defesa da moralidade administrativa através da Ação Civil Pública pelos legitimados do artigo 5º da Lei 7.347/85, utilizando-se o inciso IV do artigo 1º da mesma lei. Da mesma forma, é o entendimento da jurisprudência:
AGRAVO POR INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INSURGÊNCIA CONTRA O INTERLOCUTÓRIO QUE SANEOU O FEITO E RECEBEU A INICIAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. Não se tratando de pretensão eminentemente tributária, para fins de arrecadação (interesse público secundário), e sim da apuração de atos tidos por afrontosos à Lei n. 8.429/92, há se reconhecer que "(...) a Constituição Federal e a Lei n. 8.429/92 conferem legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ação civil pública na defesa da moralidade administrativa" (Agravo de Instrumento n. 2002.005103-9, rel. Des. Newton Trisotto, j. em 03/06/2002), consubstanciada no interesse público primário. [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0032566-03.2016.8.24.0000, da Capital Relator: Desembargador Carlos Adilson Silva)
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DEFESA DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA LEGALIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 2-A DA LEI Nº 9.494/97. INOCORRÊNCIA DE COISA JULGADA. APLICAÇÃO DO ART. 295 DO CPC. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR EX OFFICIO. RELEVÂNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO E RISCO DE INUTILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. [...] 4. Evidencia-se a dimensão difusa da tutela pela simples análise dos pedidos, voltados para a proteção da moralidade administrativa e do princípio da legalidade, em estrita vinculação à destinação estatutária da associação autora. [...] 7. Agravo inominado prejudicado e agravo de instrumento desprovido.” (STF, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 769.116 RJ, Relator: Ministro Luis Roberto Barroso)