O crime de registro não autorizado da intimidade sexual e sua distinção em relação ao artigo 218-C do código penal.

27/12/2018 às 19:28
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O crime de registro não autorizado da intimidade sexual e sua distinção em relação ao artigo 218-C do código penal. A objetividade jurídica tutelada. Efeitos para as vítimas.

A Lei 13.772/2018 tipificou a conduta de quem produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado, sem autorização dos participantes.

Eis o teor do dispositivo criminal sub examine:

Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes ( grifos acrescidos)

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo”.

Referida tipificação teve por escopo permitir o enquadramento de situações que se tornaram rotineiras. A título de exemplificação, imaginemos a situação de um indivíduo que instala uma câmera em um quarto de sua namorada (sem a sua anuência) e começa a registrar imagens, por intermédio de  fotos ou vídeos.

A objetividade jurídica é a tutela da dignidade sexual, e, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, honra e intimidade, evitando-se o registro, filmagem ou captação de cena de ato sexual ou nudez, sem o consentimento dos participantes, desde que em local privado e em caráter íntimo.

Por seu turno, o artigo 218-C do código penal (cuja entrada em vigor teve início a partir da publicação da Lei 13.718/2018) tipificou a conduta de quem publica cenas de sexo, sem o consentimento dos envolvidos, tendo sido tipificada na seguinte forma:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O tipo penal acima tem por objetivo vedar a prática rotineira do compartilhamento de imagens, vídeos e outros registros audiovisuais, que abarquem cenas de estupro ou de estupro de vulnerável (ou que faça apologia), ou a divulgação de cenas de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima (aqui enquadra-se a famigerada conduta de publicação ou compartilhamento do "nudes" em grupos de whatsapp ou outros meios de divulgação pela internet).

Enquanto a conduta do primeiro delito refere-se ao fato de quem produzir, fotografar, filmar cenas de nudez sem o consentimento do envolvido, a conduta do artigo 218-C tem ligação com o mero fato de oferecer, divulgar e publicar, referindo-se a cenas de sexo, nudez ou pornografia, sendo, ainda, delito expressamente subsidiário, uma vez que punido apenas se o fato não configurar delito mais grave.

Se o agente efetiva uma filmagem e posteriormente a expõe à venda ou produz sua divulgação, responderá por dois delitos (artigo 216-B e art. 218-C), em concurso material de crimes (artigo 69 do código penal), diante da incidência de duas condutas em contextos fáticos distintos.

Em sentido semelhante, preleciona CUNHA: "... caso o agente faça o registro indevido e posteriormente divulgue a cena, deve responder pelos crimes do art. 216-B e 218-C em concurso material"

Vale salientar que ambos os delitos são de ação penal pública incondicionada, seguindo a regra estabelecida em relação os crimes contra a dignidade sexual,  ou seja, independem de representação ou queixa do ofendido para que seja iniciada a persecução criminal.

Com efeito, a partir da Lei nº 13.718/2018, todos os crimes contra a dignidade sexual foram alçados à categoria de ação pública incondicionada (art. 225 do CP).

Cumpre salientar que a conduta é punida com aumento de pena (1/3 a 2/3), quando se tratar do revanchismo de quem, ao terminar um relacionamento amoroso, divulga ou publica, por vingança, fotos ou filmagens de cena de sexo ou nudez do parceiro, sem o consentimento da vítima (vingança pornográfica ou revenge porn).

Aludido tipo de publicação ocorre quando, no intuito de se vingar, humilhar ou chantagear, o agente compartilha fotos ou vídeos íntimos de um ex-parceiro. 

De outro lado, se a conduta foi praticada antes da entrada da lei em vigor, o fato pode ser tipificado como difamação e injúria.

Se, porém, envolver criança ou adolescente, poderá ser tipificado no artigo 241 ou 241-A do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), diante do princípio da especialidade.

Ressalte-se que, a teor do artigo 234 do CP, os fatos em apuração referentes aos crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça.

Por seu turno, trata-se de crimes de ação múltipla ou conteúdo variado, significando que a perpetração de mais de uma conduta prevista no núcleo do tipo penal, em um mesmo contexto fático, não implicará na incidência de concurso material de crimes, e sim em crime único.

É relevante registrar que a vítima de tais crimes deve imediatamente providenciar o registro mediante o boletim de ocorrência (BO), além da solicitação de retirada das imagens ou vídeos ao responsável pela administração do site.

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Em relação ao elemento subjetivo, cumpre registrar que os delitos são dolosos, não sendo punida a conduta meramente culposa do agente, haja vista a ausência expressa da modalidade culposa, e somente são punidos se não houver o consentimento da vítima.

Por fim, cumpre salientar que a publicação de imagens ou fotos íntimas na internet ocasiona sérios danos à vítima, tendo sido registrados inúmeros casos de suicídios, problemas psiquiátricos, e traumas psicológicos decorrentes da respectiva conduta criminosa, conforme pesquisa efetivada pela psicóloga Sônia Eustáquia, sendo oportuno trazer à colação os seguintes relatos:

" (...) A pessoa que se fotografa nua para uma pessoa específica, ela pode não ter a dimensão do quanto isso pode lhe prejudicar, caso haja vazamento das imagens. Sabemos que o estado emocional da vítima fica péssimo: A auto estima cai, o medo aparece e também aparecem alguns sintomas de “paranoia”, como: “todo mundo está me olhando e censurando” ou “eu agora vou ficar mal falada” ou “vou perder amigos” dentre outros pensamentos negativos. As vezes a menina entra em estado depressivo o que pode levar até ao suicídio. Em novembro de 2013, Júlia Rebeca, de 17 anos, se suicidou em Parnaíba (PI) depois que um vídeo seu fazendo sexo começou a circular nas redes sociais. A ONG SaferNet, registra mais denúncias feitas por mulheres, chegando a 81%. E a maior parte dos outros 19% são de homens que marcaram encontros com outros homens e passaram a ser ameaçados de ter sua orientação sexual revelada. Geralmente os homens heterossexuais não procuram ajuda e não sofrem grande consequência. As mulheres sentem um impacto social maior..." (disponível em http://www.soniaeustaquia.com.br/a-nudez-na-internet/),

Como se nota, embora de forma tardia, o legislador trouxe importantes inovações no âmbito do direito penal, cujas condutas deverão ser rigorosamente apuradas e punidas pelos órgãos de persecução penal e Poder Judiciário no Brasil.


REFERÊNCIAS

ARAUJO, Renan. Lei 13.718/18 – Alterações nos crimes contra a dignidade sexual – Importunação sexual, vingança pornográfica e mais. Disponível em: https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/lei-13-718-18-alteracoes-nos-crimes-contraadignidade-sexual-importunacao-sexual-vinganca-pornograficaemais/. Acesso em 27 de dezembro de 2018.

CUNHA,Rogério Sanches.Breves comentários às Leis 13.769/2018, 13.771/2018, e 13.772/2018. Disponívelem https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/416cc1c6a6b29df0ad327918a8502593.pdf. Acesso em 28 de dezembro/2018.

EUSTÁQUIA, Sônia. A Nudez na internet. http://www.soniaeustaquia.com.br/a-nudez-na-internet/. Acesso em 27 de dezembro/2018.

Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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