Latinobarômetro é uma Organização não Governamental, sem qualquer finalidade lucrativa, sediada em Santiago do Chile, que, anualmente, realiza uma pesquisa consistente em, aproximadamente, 20.000 entrevistas em 18 países da América Latina que, ao todo, representam mais de 600 milhões de habitantes.
Esta ONG chilena investiga o desenvolvimento da democracia, da economia e da sociedade em seu conjunto, usando indicadores de opinião pública que avaliam atitudes, valores e comportamentos.
Os resultados obtidos na pesquisa são utilizados, não somente por estudiosos da região, como também por pesquisadores internacionais, membros de governos e pela imprensa.
Neste final de ano, a ONG publicou os dados relativos à pesquisa realizada em 2018, resultando em um texto de sua Diretora Executiva, a pesquisadora chilena Marta Lagos.
Neste trabalho – “El fin de la terceira ola de Democracias”[1] – a autora, após descrever o que se passou na América Latina, conclui, parafraseando a Rainha de Isabel, que 2018 foi um “annus horribilis”, pois os resultados obtidos mostraram que esta foi a “peor de todas la mediciones anteriores.”
Segundo ela, poucas vezes, desde o início da transição para a democracia, a América Latina viveu um período tão convulsionado como o atual; evidentemente, não se referindo a revoluções ou grandes acontecimentos sociais, mas a uma série de fatos significativos que vão delineando “un cuadro muy nítido”, a mostrar que, certamente, estamos presenciando, “como espectadores, el fin de la tercera ola de democracias.” Vivemos hoje o que ela chama de uma nova América Latina, na qual se chega ao autoritarismo, não por meio de golpes de estado, mas “por la vía de las elecciones.”
Aliás, o Latinobarômetro, nos últimos cinco anos, foi enfático em advertir acerca do lento e gradual declínio das nossas democracias, chamando este fenômeno de “diabetes democrática”, doença invisível na sua origem que, “si bien no mata de inmediato, una vez que aparece es extremamente difícil de erradicar y mortal.”
Depois de uma época em que todos os países da região viviam um período de democracia – isso há pouco mais de trinta anos – esta “tercera ola” acabou neste ano de 2018, citando expressamente os casos da Venezuela e da Nicarágua, e ressalvando que Cuba não está referida no estudo, pois não há autorização do Governo cubano para a pesquisa. Escreveu ela:
“El año 2018 es un ´annus horribilis` para América Latina. La región retrocede a los niveles donde se encontraba en los años de la crisis asiática, en calidad de sus democracias y aumento en corrupción y violencia y pierde la condición de democracia en dos países: Venezuela y Nicaragua. Las instituciones caen a su menor de nivel de confianza, la política a su mayor nivel de desencanto. En ese contexto se eligen en México y Brasil presidentes ´extra muros` del sistema político establecido, confirmando la crisis política.”
A questão preocupante, na verdade, é o perigo de que alguns países da região, nada obstante formalmente democráticos – com eleições livres, por exemplo –, deixem de sê-lo, exatamente em razão de “problemas en el funcionamiento de sus democracias.”
Vejam o que escreveu Marta Lagos, como uma advertência:
“Es necesario que la democracia tenga también, como la medicina, indicadores de la ´presión` democrática, un guarismo que permita encender las luces de alarma para actuar antes que sucedan los acontecimientos. Este informe muestra altos niveles de ´presión` en varias democracias de la región que deberián servir de voz de alarma para que aumenten los países no democráticos de la región. Sin militares, sin armas, es más difícil reconocer la pérdida de democracia.” (grifei).
Em nosso caso, a pesquisa mostrou que os brasileiros acham que a atual crise econômica é mais negativa do que a crise asiática do final dos anos 1990, fato que se revelou determinante nas eleições presidenciais. Por outro lado, a Justiça brasileira acabou sendo “un actor relevante en los processos eleccionarios.” Demonstrou-se que o ator mais importante na eleição presidencial brasileira não foram propriamente os candidatos e os seus respectivos planos de governo, mas “los tribunales de justicia”, que decidiram por afastar um determinado candidato das eleições, “el único capaz de ganar la presidencia para la izquierda”, abrindo caminho para a direita.
Assim, o descontentamento da população brasileira e a decepção com a política “traen lo inesperado en esta elección.” Não perdeu as eleições a esquerda ou a direita, mas o “sistema tradicional de partidos antes existentes, donde se elige a la ´persona` no a un conglomerado político con una ideologia.” Estes eleitos fora do sistema tradicional não precisam de partidos políticos fortes, nem de ideologias, bastando-lhes “el poder personal.”
As eleições brasileiras marcam o início de uma nova época, onde as democracias entram em um “estado intermediário”, o sistema de partidos políticos e a representação enfrentam uma grave crise, com líderes “que entran a governar en situaciones que constituyen substitutos de instituciones ya débiles.”
Ao final do trabalho, Marta Lagos conclui, com base nos dados resultantes da pesquisa, que “los pueblos de América Latina quieren prosperidad y desarrollo, no hay evidencia de una demanda de autoritarismo, si ha evidencia que quieren orden y ausencia de violencia. Quienes interpretan la demanda de mano dura, como una demanda de autoritarismo contra la violencia, le están regalando el camino a la derecha radical que esta separada por una línea muy fina del autoritarismo.” (grifei).
Enfim, “la izquierda y la derecha democrática de la región deben enfrentar la debacle de la política, y liderar a sus pueblos, no dejarlos a la deriva de lo que encuentran en el camino, en la indiferencia y el individualismo. Lo importante no son los destinos personales, sino los liderazgos que conducen y producen bien común. Sin liderazgos que conduzcan a la población, estaremos a la deriva del que quiera llenar el vacío.”
Oxalá consigamos!
Nota
[1] http://www.latinobarometro.org/lat.jsp, acessado em 26 de dezembro de 2018.