O Aperfeiçoamento do controle legal e da fiscalização das cláusulas contratuais gerais na Europa

Estudos do material bibliográfico da discplina de Direito Bancário do curso de Mestrado em Direito com ênfase em ciências empresariais.

30/12/2018 às 03:48
Leia nesta página:

Política consumerista européia, Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993,Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, A Intervenção fiscalizatória estatal, A Ação inibitória e seus efeitos e o Controle incidental e abstrato.

Artigo elaborado na área de Direito Bancário Português, com base na análise e síntese do Regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e suas alterações, nos estudos durante o curso de mestrado em Direito com ênfase as ciências empresariais.

 

Título: O Aperfeiçoamento do controle legal e da fiscalização das cláusulas contratuais gerais na Europa

 

Política consumerista européia

Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993

Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais

A Intervenção fiscalizatória estatal

A Ação inibitória e seus efeitos

Controle incidental e Controle abstrato

 

 

Leonardo Saraiva Págio*

                               

 

INTRODUÇÃO

 

A garantia da justeza do contrato, o que é bom para mim, tem que ser bom para você, dilema este que visa proporcionar o equilíbrio das relações sociais e consumeristas, tem sido enfraquecido, por alguns contratantes/autorizadores, que pela ambição e interesse estritamente financeiro, não leva em conta a satisfação de seus clientes, bem como não observa o princípio basilar da boa fé, que nos remete a moralidade, razoabilidade e regularidade nos contratos.

A consequência jurídica para as acções impregnadas de abusividade e desconsideração para com o consumidor, são, causadores de imensa fragilidade e menor confiança nas relações econômicas, provocando maiores demandas de intervenção fiscalizatória e atuações dos tribunais e ministério público e associações comprometidas com a legalidade, na defesa do interesse dos consumidores.

As leis voltadas para as cláusulas abusivas, e, de condições gerais, vem para proporcionar um norte de segurança ao consumidor, para que, havendo lesão na sua relação de consumo, este pode buscar os meios legais extrajudiciais e judiciais para proteção do seu negócio pactuado, para que não fique em prejuízo.

A directiva européia 93/13/CEE adveio com a missão de clarificar e aperfeiçoar os conceitos e regras de ordem interna nos Estados-membros da comunidade européia, viabilizando um controle sobre a autonomia privada, posto que o Estado precisa continuar seu papel de regulador, fiscalizador e agente de proteção da ordem pública, e, o consumo, que é o meio pelo qual estão as necessidades básicas e de satisfação da sociedade, e, este bem social precisa ser resguardado para manutenção da harmonia e ordem social.

Neste artigo, venho demonstrar a contribuição significativa da directiva 93/13/CEE, sua aplicação nas leis portuguesas, trazendo-as para mais perto da realidade de consumo de seus cidadãos. Doravante, seu instrumento de ordenação jurídico-privado, na opinião de quem redige, encontra-se ainda longe dos anseios do consumidor, aguardando que o mesmo seja ferido em seus direitos, para que posteriormente este seja restituído ou indenizado, se assim tiver acesso a justiça ou suporte fiscalizatório para lhe resguardar, podendo ter uma postura mais activa, na feitura, controle e fiscalização dos contratos celebrados pelas partes.

Nos dias de hoje vemos estelionatários, burlões, adulteradores, aproveitadores e mal prestadores de serviços nas relações de consumo, a ponto de alugarem imóveis sem serem proprietários e apropriarem-se de valores de terceiros, que são enganados e prejudicados sem suas rendas e sem o imóvel para morada. A indústria da farsa na venda de veículos, seja através de pessoas singulares ou de lojas, que preparam os veículos para seus compradores, sem proporcionar a devida garantia, tranquilidade e suporte, dentre diversas irregularidades cotidianas que são vista em venda de bens de consumo e de prestação de serviços que continuam a abusar da boa fé dos consumidores.

Doravante, espera-se, uma evolução dos mecanismos de controle, de fiscalização e repressão as práticas ilícitas, e, uma confiança e legitimidade nas relações comerciais e em geral, apropriando-se o Estados os meios tecnológicos, para uma avaliação e delineamento destes atos jurídicos.

 

Política consumerista européia

 

1. Desde a década de setenta, a Comunidade Européia demonstrou interesse nas relações consumeristas, e, decidiu adotar algumas medidas que auxiliem na regulação das trocas econômicas de consumo.

Em Portugal, apesar de não existir um código dedicado a legislação consumerista, e, tão somente a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, dedicada a defesa do consumidor; foi através da motivação da Comunidade Européia, consumer policy, que surgiu a principal directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, em seus 11 artigos e anexo, no qual tratam especificamente acerca das cláusulas abusivas em contratos celebrados com os consumidores.    

2. Esta directiva comunitária sobre as cláusulas abusivas, veio a dar um amparo aos Estados-membros acerca  dos contratos celebrados entre profissionais e consumidores, propiciando-os um parâmetro legal, para que desta forma, pudessem homogeneizar sua estrutura legal e processual interna, em especial em Portugal quanto ao seu Regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e suas alterações, com 37 artigos, dos quais este diploma já está em vigência há 33 anos.

Cabe salientar que este parâmetro legal não é imperativo, cabendo ao órgão julgador analisar a presente directiva 93/13/CEE e seu anexo, bem como o DL n.º 446/85 e suas atualizações, em conjunto com as circunstâncias do contrato celebrado, para desta forma dizer o direito. Com isso, permitiu o legislador comunitário que os Estados-membros tenham “a possibilidade de instituir ou manter um nível mais elevado de protecção ao consumidor, através de estipulações internas mais estritas”*. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 18).

3. No que tange a intenção do legislador comunitário, em sua contribuição neste ordenamento consumerista, destaca-se diretamente a proteção aos consumidores quanto aos contratos com “cláusulas que não tenha sido objecto de negociação individual”*, isto é, os contratos celebrados com previsões contratuais previamente elaboradas, donde seu conteúdo não teve qualquer influência do contratante (artigo 3º, II, da directiva). Sendo assim, estando o contrato em sua forma padronizada, recai-se sobre o profissional o ônus da prova da existência de negociação para a concretização do contrato celebrado. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 18).

A directiva propicia um processo de investigação para a identificação das cláusulas abusivas, permitindo de forma clara e objetiva que seja analisado as circunstâncias, e a feitura das cláusulas, se estas estão contrariando as exigências da boa fé, se estão provocando um expressivo desequilíbrio na relação contratual, quanto aos direitos e deveres das partes. A ocorrência das cláusulas abusivas estão evidentes no anexo da directiva, que complementa o artigo 3º da presente directiva, discrimando um “catálogo de cláusulas potencialmente abusivas”*, dos quais sem força coercitiva, fica ao alvedrio do órgão julgador, obsevá-los ou não na aplicação do direito. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 19).

4. Ademais, na directiva 93/13/CEE constata-se um “juízo de desvalor ínsito em algumas dessas suas proibições”*, dos quais são afastada sua eficácia a determinados contratos, em especial do setor financeiro, no qual está permitido a alteração da taxa de juro ou de quaisquer outros encargos relativos a produtos e serviços do mercado financeiro, bem como, a modificação unilateral das condições de um contrato de duração indeterminada, prescritos no anexo da directiva, item 2, a, b, e c. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 19).

O rol de cláusulas abusivas descritas no anexo da directiva tem força meramente indicativa, servindo como base de fundamentação da intenção do legislador comunitário para a cláusula geral do controlo. Desta forma, percebe-se que no regime geral desta directiva, se visa a uma aplicação amena aos Estados-membros, para que estes possam atribuir permissividade destas ações em suas legislações internas.

5. Doravante, havendo esta flexibilidade para com o setor financeiro, abre-se um espaço negativo para que problemas surjam, e, o consumidor precise, após sofrer com a arbitrariedade das cláusulas abusivas, buscar pela via do constrangimento, à resolução do contrato que lhe proporcionou prejuízo, onerando o próprio Estado-membro. Nesse sentido, não se consente que o setor bancário se aproveite da inexperiência dos seus clientes, à custa disso, enriquecendo-se.

De outra forma, existindo a falta de vinculação a uma sanção, frente a este carácter abusivo de certas cláusulas contratuais, o consumidor neste diploma directivo, foi entregue ao manejo de cada regulamentação dos Estados-membros, quanto a opção destes de restringir ou potencializar sua intervenção nos conflitos individuais, dando margem para rupturas na segurança jurídica nos contratos bancários e consumeristas em geral.

6. Mediante a esta responsabilidade dos Estados-membros, a presente directiva informa a aplicação de um mecanismo de controle e fiscalização pelos Estados-membros, seja habilitando pessoas ou organizações para o atendimento legítimo quanto ao interesse na defesa do consumidor, conforme artigo 7º da directiva. Os Estados-membros, ante a esta previsão directiva, em destaque o artigo 8º, destinando maior rigor contra as cláusulas abusivas, para um padrão de excelência nas relações consumeristas, seja propiciado por um sistema administrativo ou judicial, buscando aumentar seu foco de abrangência através das acções coletivas.

7. O legislador comunitário aprouve resguardar a generalidade de consumidores, seja em qual Estado-membro estiver, quando decidiu assegurar na directiva, em seu artigo 6º, II, que a nenhum consumidor seja privado da protecção concedida pela presente directiva pelo fato de ter sido escolhido o direito de um país terceiro como direito aplicável ao contrato no qual foi celebrado.  A presente directiva permitiu a cada Estado-membro uma visão holística e prestigiada dos direitos do consumidor, levando em conta as possibilidades de fontes normativas dos quais podem utilizar-se para resguardar e potencializar de maneira segura e equilibrada esta primorosa relação consumerista, dando publicidade a esta directiva, em conformidade com o artigo 10º desta.

8. Uma cláusula detendo um carácter abusivo, acarreta a mesma a sua não vinculatividade ao consumidor, e, os Estados-membros terão a conveniência de qual categoria jurídica irá aplicar nesses determinados casos. A responsabilidade destinada pela directiva aos Estados-membros, destina-se a ressaltar o “dever de adoptar instrumentos adequados e eficazes para erradicar, de facto, as cláusulas abusivas do tráfico negocial que envolva a intervenção de consumidores”*. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 24).

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A Intervenção fiscalizatória estatal

 

9. A directiva 93/13/CEE indica a adopção de um mecanismo de fiscalização abstrata, onde o Estado-membro detém certa margem de liberdade na configuração do sistema de operação, seja administrativo ou judicial, legitimando uma acção coletiva, através de organizações de defesa do consumidor, associações profissionais ou sindicais, até mesmo o Ministério Público, para decidir se determinadas cláusulas tem ou não carácter abusivo.                                                                                                                                                                 

10. Nas regras descritas na directiva em voga, percebe-se que estava excluído do âmbito de aplicação da directiva, os contratos concluídos entre os consumidores, como também, as relações negociais realizadas entre empresários, no início da vigência desta directiva, que no entanto foi alterada/atualizada, podendo, em consonância com o artigo 17 da directiva, estar coberto pelas cláusulas contratuais proibidas/abusivas, as relações entre empresários, dando uma ênfase inicial a aplicação de forma exclusiva, aos contratos celebrados entre profissionais e consumidores, permitindo posteriormente sua abrangência as demais relações contratuais consumeristas recorrentes.

De outra maneira, cabe destacar, pode o comerciante ser tratado como consumidor, desde que a situação envolvida não seja referente a sua atividade mercantil. Por fim, o objetivo precípuo do legislador comunitário é resguardar o interesse das pessoas singulares, e, não dos entes coletivos, quanto a inclusão de cláusulas abusivas por parte dos profissionais.

11. Outro ponto importante do instrumento comunitário, é a regularidade contratual, posto que a atuação negocial do consumidor precisa estar adstrita a regular formalidade contratual que prescreve a directiva, eliminando-se as cláusulas que não tenham sido objecto de negociação individual. Deste modo, poderá a lei interna, através de uma intervenção fiscalizadora, identificar e limitar no campo negocial, as cláusulas ou contratos individuais com ausência de negociação, bem como as cláusulas gerais abusivas. Para fins de elucidação, a tutela do consumidor intentada pelos legitimados da directiva, estendem-se a todas as cláusulas que não tenham sido individualmente negociadas, em especial no domínio privado, não desconsiderando os contratos de direito público relacionados com o consumidor.

12. Apesar das modificações realizadas, a partir do ano de 1995, em vários pontos da Lei das Cláusulas contratuais gerais, Decreto Lei 220/95, de 31 de agosto, adequando ao diploma comunitário objeto de exame, porém mantiveram-se excluídos da intervenção fiscalizadora os contratos relativos a direitos sucessórios ou ao estatuto familiar, como também os contratos de trabalho, conforme o artigo 3º, d/e da directiva.

13. Para aperfeiçoamento da fiscalização e atuação do judiciário português, foi publicado a Portaria n. 1093/95, de 06 de setembro, do Ministério da Justiça, que designou o Gabinete de Direito Europeu, criado no âmbito do mesmo Ministério, com o serviço incumbido de organizar e manter atualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas, que consistem nas decisões judiciais averbadas das quais tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais, e, haja declarado a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.

14. Visando facilitar a posição processual do consumidor, a directiva 93/13/CEE fez “recair sobre o profissional o ônus da prova, na hipótese de este argumentar que certa cláusula estandardizada foi objecto de negocial individual”* e, no entanto, houve à falta de prévia negociação individual em prejuízo ao consumidor. Com efeito, ao consumidor se perfaz o benefício da tutela intensificada, e, para os empresários ou entidades equiparadas é previsto um rol de proibições, ora elencadas nos artigos 18 e 19 do DL 446/85. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 33).

15. Reforçando, a intervenção fiscalizadora, articulada pelo sistema administrativo de representação dos consumidores e empresários, em suas associações e conselhos de ofícios ou de interesses econômicos legalmente constituídas, bem como, pelo sistema judicial, referenciado pelo Ministério Público e pelos órgãos julgadores, que detém o poder de prolatar decisões dos em “face do abuso da liberdade de conformação do contrato por parte do utilizador, no específico domínio das condições gerais”*. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 34).

Este regime de proteção, que realiza este controle fiscalizatório, é direcionado a todos os clientes, ora consumidores, que pactuaram contratos com cláusulas não negociadas, em total correspondência ao artigo 1º, n.2, do DL 446/85, donde muitos consumidores são vítimas de contratos com conteúdos previamente elaborados ao destinatário, dos quais não podem influenciar. 

16. O ordenamento interno dos Estados-membros vem adaptando-se às exigências comunitárias, permitindo maior abrangência a tutela protetiva, que vai além do consumidor propriamente dito, como bem se posiciona o artigo 1º, n.2, da Lei das Cláusulas contratuais gerais, que aponta para a expressão “destinatário”, que reproduz o alcance a uma categoria jurídica dos “não-consumidores”, sujeitos estes compreendidos pela lei como empresários ou entidades equiparadas (empresário-cliente). O pressuposto da existência do termo “destinatário”, numa concepção holística, é de dar maior alcance a norma de protecção, logo, se não foi esta a intenção do legislador comunitário, houve clara incorreção técnico-jurídica na utilização desta expressão.

17. Ademais, na intervenção fiscalizadora, a atenção do órgão julgador está na pauta das cláusulas contratuais gerais, como base do princípio da legalidade, e, não nas cláusulas individuais, independente de ter ocorrido alguma negociação prévia ou não. A interpretação do órgão julgador frente a análise das cláusulas contratuais, é, sem dúvida, constantando-se cláusulas ambíguas, a repercutir grave desequilíbrio contratual, de pronto, concede-se o sentido mais favorável ao aderente no contrato celebrado, em consonância com o artigo 11, n.2, da Lei das Cláusulas contratuais gerais.

 

A Ação inibitória e seus efeitos

 

18. A ação inibitória, reproduz o processo de controlo abstrato, no que tange a sua função preventiva e de combate as cláusulas intrinsecamente abusivas e prejudiciais ao cliente, que se apresentam no mercado de condições gerais iníquas, independente da sua efectiva presença nos contratos singulares. Havendo esta intenção desproporcional do utilizador, materializada nas cláusulas contratuais, não há necessidade de analisar com maior afinco, a abusividade na norma, ainda se o mesmo ultrapassou os limites da contrariedade à boa fé, no artigo 15 do DL 446/85.

19. Neste tema da ação inibitória, seu objetivo é eliminar todas as cláusulas que oneram, acima do admissível a contraparte, regulando o mercado, através de justa aplicação das normas na fiscalização do conteúdo, quanto as cláusulas que ensejam dar sentido mais prejudicial ao cliente. O mercado dirige-se mediante a função ordenadora da autonomia privada, que vem obtendo espaço e afirmando-se cada vez mais na sociedade. 

No entanto, da mesma forma, tem sido detectado ineficiências da garantia de justeza do mecanismo contratual, carecendo crescentemente e de maneira reiterada da intervenção fiscalizatória na ordem jurídica, pois tem-se evidenciado o uso da liberdade contratual do utilizador(contratante) das condições gerais, que não correspondem aos limites de tolerância que a própria autonomia privada assim suporta.

20. No artigo 23, n. 1 e 2 do DL 446/85, o legislador implementou um regime diferenciado, no qual independente da lei escolhida pelas partes, se o contrato apresenta uma conexão estreita com o território português, será a lei interna portuguesa a ser aplicável, e, no caso de o contrato evidenciar uma conexão estreita com o território de outro Estado-membro, aplica-se as disposições correspondentes deste país.

O ponto maior deste artigo, está na pretensão de assegurar ao consumidor sua autonomia, para que não seja privado do nível de protecção conferido pelas normas vigentes. Dentre estas normas, a principal que é a "regulamentação das cláusulas contratuais gerais, também designadas condições negociais gerais, condições gerais dos contratos, contratos de ou por adesão, contratos de série e contratos standartizados, elaborados, de antemão, limitando-se os proponentes ou destinatários indeterminados a subscrevê-los ou aceitá-los, visa a actuação dos imperativos constitucionais de combate aos abusos de poder económico e da defesa do consumidor e a preservação da autonomia privada"*. (*Ementa do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n. 083348, de 06 de maio de 1993, extraído do sítio eletrônico: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/7BD950386F9F6CDD802568FC003A842B).

21. A Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, DL 446/85, trata das possíveis irregularidades advindas nas condições negociais gerais, das quais precise da tutela do sistema preventivo consumerista, ou melhor, do acesso a justiça pós-conflito negocial consumerista. Como descrito, a directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, veio a contribuir com melhorias a Lei das Cláusulas contratuais gerais, em especial quanto a disciplina de todas as cláusulas abusivas, inclusive as que se destinam aos acordos individuais, e, não mais somente as estipulações pré-elaboradas voltadas a uma pluralidade de contratos, que mormente já vinham com certo grau de abusividade em suas normas.

22. Neste contexto, o contraente que sinta-se acuado, enganado ou desprotegido, face as condições negociais gerais, das quais é pressionado a aceitar, este consumidor, que pode ser um comerciante, empresário ou profissional liberal, pode socorrer-se ao poder de tutela estatal, que rege-se pelo princípio geral de fiscalização do conteúdo, prestigiando as regras da boa fé e regularidade legal na defesa dos consumidores.

Outrora aludido, neste poder de tutela estatal, que se evidencia a legitimidade às associações de defesa do consumidor, como a Deco Proteste, dentre outras organizações representativas de classes, das quais podem ingressar com ação inibitória em defesa de seus associados, como também o Ministério Público, todos, cumprindo sua função de “controlo abstracto, que visa banir do mercado as condições gerais desrazoáveis ou injustas que mais frequentemente são utilizadas no mundo dos negócios”*. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 52).

 

Controle incidental e Controle abstrato

 

23. Na intervenção fiscalizatória protagonizada pelos Estados-membros, em especial em Portugal, há duas modalidades de controlo: a incidental e a abstracto. Ora, no controle incidental, é tratado de um momento pós negocial entre as partes, dos quais o contrato está concluído entre o utilizador e seu parceiro negocial, e, uma das partes percebe que foi lesada em seus direitos, surgindo um litígio, donde busca-se um auxílio no poder público, em associações ou perante advogados, para o atendimento a negativa de cumprimento de estipulações jurídico-negociais, dos quais uma das partes foi lesada.

O controle abstracto, aponta para a salvaguarda prévia de condições gerais difundidas no mercado, nos contratos singulares pactuados, visando reproduzir e manter as cláusulas contratuais gerais válidas em consonância com a segurança jurídica e social.

24. A publicidade é a mola da transparência e segurança jurídica. Neste sentido, as condições gerais do contrato precisam ser integralmente comunicadas à contraparte, de forma adequada e com a necessária antecedência, haja vista as cláusulas contratuais correspondentes a conduta de cada parte envolvida. O resultado deste contrato negocial, deverá ser idôneo para a produção de efeitos benéficos para as partes envolvidas.

Desta forma, o utilizador, precisa dar a conhecer ou transmitir ao parceiro contratual as condições gerais que pretende inserir no contrato, com a preocupação de que sejam cumpridas todas as exigências firmadas. A conduta que se espera do utilizador, é de ser razoável e exigível no trato contratual. O dever pré-contratual de esclarecimento, que a boa fé direciona, sob os contratantes, precisa estar em total sintonia com a legislação vigente, destacando-se neste ponto o artigo 227 do Código Civil.

25. A cláusula surpresa, outra manobra abusiva do utilizador, para sair beneficiado num contrato, seja nas circunstâncias que dele venham a se oportunizar, é originado pela falta de concordância expressa do aderente ao conteúdo regulativo, e, da inclusão de cláusulas contidas nas condições gerais, que se mostrem incompatíveis com as tratativas acordadas entre os contraentes. Em termos concretos, com a falta de observância das condições gerais do contrato singular, compromete-se a estabilidade prática de todo o projecto negocial, mantendo o contrato válido e eficaz na parte que não foi prejudicada, observando o artigo 239 do Código Civil, referente a integração do negócio jurídico junto às regras legais.

26. Os interesses dos clientes precisam estar sobrepostos aos interesses dos utilizadores, na medida em que a interpretação é mais favorável à contraparte dos utilizadores, ainda mais quando estes utilizam-se de cláusulas unilaterais predispostas nos contratos, contrárias à boa fé, e, proibidas nas condições gerais. Nesse sentido, destaco que "as regras para interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais contidas nos artigos 10 e 11 do Decreto-Lei n. 446/85, de 25 de Outubro, são reflexo dessa filosofia de proteção à parte mais fraca"*. (*Ementa do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n. 083348, de 06 de maio de 1993, extraído do sítio eletrônico: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/7BD950386F9F6CDD802568FC003A842B).

Importante salientar que para uma cláusula ser abusiva, esta deve causar, contra as regras de boa fé, um desequilíbrio significativo dos direitos e obrigações das partes. Estas situações acontecem, principalmente pela ausência de negociação individual, e, de um órgão ou associação que valide tais normatizações e documentos celebrados.

27. Na celebração de um contrato, a de observar uma segura ponderação de interesses, dos quais se requer uma verificação das condições negociais gerais, em suma quanto aos interesses de racionalização, certificação e uniformização pelo utilizador, e, por parte da contraparte, o cuidado, se possível aprofundado, das normas legais e princípios que norteiam, com razoabilidade, a relação contratual vigente, para que não se sobreponha as condições gerais desfavoráveis ou injustas aos seus destinatários, e, assim seja necessário uma fiscalização judicial da cláusulas, com eficácia ultra partes, face ao caráter colectivo.

28. Neste material, não poderia deixar de destacar a instituição do Ministério Público, que detém legitimidade processual ativa para propor ação inibitória, que é isenta de custas processuais, bem como sua atuação como custos legis, fiscal da lei, nos processos que dizem respeito ao direito do consumidor. A ação do Ministério Público, pode ser numa intervenção ex offício, ou por indicação do Provedor de Justiça, ou, ainda mediante solicitação de qualquer interessado, conforme artigo 26, I, c, do DL 446/85. A meta ministerial é de “contribuir para o aperfeiçoamento do nível de correcção e justeza dos regulamentos negociais estandarlizados que proliferam no tráfico massificado dos nossos dias”*. (Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas, Almeno de Sá. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005, 79).

29. Novamente, é de bom alvitre mencionar, que os fornecedores de serviços financeiros se reservam no direito de realizar atos unilaterais para com o consumidor, até mesmo sem pré-aviso para alguns casos, desde que também seja em razão válida, com a obrigação de informar acerca de tal conduta junto ao contraparte, que, se desejar, pode livremente rescindir ao contrato. Cabe frisar que nenhuma das proibições elencadas na directiva comunitária, prescritos em seu anexo, item 2, a, b, e c, aplica-se as transacções relativas a valores mobiliários e produtos ou serviços cujo valor dependam das flutuações de uma taxa de mercado financeiro que o profissional não controla.

30. A legislação civilista, possui evidente eficácia na regulação contratual, em especial ao princípio normativo da boa-fé, esculpidas no artigo 227, que consagra a culpa in contraendo e, no artigo 229, que nos remete â integração dos negócios jurídicos, bem como, o artigo 334, sobre o abuso do direito, e, por fim o artigo 762, que diz respeito ao cumprimento das obrigações e ao exercício o direito correspondente, em suma, legitimam a fiscalização judicial dos contratos individuais celebrados entre profissionais  e consumidores, sempre quando não tenha ocorrido prévia negociação individual.

 

CONCLUSÃO

 

As cláusulas de condições gerais, geralmente são utilizadas para regular os atos negociais entre particulares, estes na maioria consumidores, que, no uso de sua liberdade de contratar e adquirir bens e serviços, para atendimentos as suas necessidades básicas de cidadão, veem-se vítimas ou reféns de práticas contínuas de abuso com o consumidor, posto que "os contratos tipos não podem conter cláusulas que suscitem dúvidas ou que possam reverter injustificadamente contra o aderente"*. (*Ementa do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n. 083348, de 06 de maio de 1993, extraído do sítio eletrônico: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/7BD950386F9F6CDD802568FC003A842B).

Sobretudo, nestes contratos percebe-se uma atuação mais preponderante do Estado na sua uniformização, optimização e fiscalização do mercado interno, num modelo legal de excelência da administração pública na prevenção, controle, normatização e sanções a serem aplicadas nas relações negociais, amparando sempre as partes envolvidas, para que nenhuma delas seja prejudicada ou submetida a cláusulas ou atos abusivos, inadequados para uma sociedade moderna, que estima a valorização a vida, com qualidade e bem estar.

Os legisladores, os operadores jurídicos e associativos, enfim, a comunidade européia em si, estão perseguindo os ideais de equilíbrio mercadológico e de atendimento as demandas sociais, para que haja de forma permanente, um consenso de prestigiar seu próximo, até mesmo sem a preocupação de cláusulas contratuais válidas, pois desta forma, nessa cultura, educação, enfim caráter, venha-se gerar uma plena razão coletiva de monitorar e vivenciar mais abundantemente esta relação de perfeição e aceitabilidade nos negócios jurídicos.

 

*Advogado, Consultor, ex Gerente de banco, Formador, Mestrando em Direito com ênfase em Ciências empresariais na Universidade Lusófona do Porto - Portugal, especialista em gestão pública, em direito público, tributário e seguridade social, com vasta experiência em empresas na área de gestão, contábil e jurídica. Sítio eletrônico: http://lattes.cnpq.br/2402869212686499 (currículo acadêmico).

 

Material que pode ser utilizado com anuência do autor, através do envio de uma solicitação para o email [email protected], face aos direitos autorais registrados.

 

Fontes bibliográficas e legais:

 

  1. Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31993L0013:PT:HTML
  2. Código Civil Português, Decreto Lei 47.344/66 de 25 e novembro.
  3. Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais: DL n.º 446/85, de 25 de Outubro: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=837&tabela=leis
  4. Lei de Defesa do Consumidor, Lei n.º 24/96, de 31 de Julho: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=726&tabela=leis
  5. Jurisprudência referente ao Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/107055847/201804222016/diploma/1?consolidacaoTag=Civil&rp=indice&did=34436475
  6. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n. 083348, de 06 de maio de 1993, extraído do sítio eletrônico: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/7BD950386F9F6CDD802568FC003A842B).
  7. Sá, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed., Almedina, 2005.
Sobre o autor
Leonardo Saraiva Págio

Advogado e Contabilista com atuação consultiva e empresarial em diversas empresas nacionais e multinacionais. Professor Universidade do Grande Rio no curso de graduação em ADM e Direito, Tutor EAD UAB UFF RJ, no curso de pós graduação em Gestão Pública Municipal e Administração Pública em pólos regionais do Cederj. Escritor na área de empreendedorismo e relações sociais. Criador dos personagens do Coração e de publicações infanto-juvenil. Presta Assessoria empresarial, jurídica e contábil junto ao Grupo Formando Valores e Satec. Experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Público - Tributário, e, na área de Educação, desenvolvendo treinamentos e suporte pedagógico empresarial, como também, publicações infanto-juvenil e universitárias, atuando principalmente nos seguintes temas: Cidadania, empreendedorismo, justiça social, meio ambiente, políticas educacionais, projetos sociais, sujeitos sociais, valores morais, sistema estatal e relações contratuais, meios alternativos de solução de litígio em suas obras literárias e científicas. Mestre em Direito. Pós-graduado em Gestão da Administração Pública pela UFF-RJ, bem como Especialização em Direito Público e Tributário - UCAM-RJ e MBA Executivo em Auditoria Fiscal e Tributária - UGF-RJ. Formado em Direito pela Universidade Estácio de Sá - RJ (2006). Disponho de complementação acadêmica em Docência do Ensino Superior - UCAM-RJ e diversos cursos na área de educação, gestão e direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Os estudos realizados neste artigo são advindos no decorrer do curso de mestrado em Direito com ênfase em ciências empresariais na universidade em Porto - Portugal, do mestrando Sr. Dr. Leonardo Saraiva Págio.

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