O síndico pode utilizar o fundo de reserva sem autorização dos condôminos?

02/01/2019 às 11:30
Leia nesta página:

O síndico/administradora tem uma imensa responsabilidade na gestão do patrimônio do condomínio, tanto que, o Código Civil, especialmente no art. 1.348, atribuiu a essa pessoa uma série de competências que devem ser observadas. Todas essas exigências envolvem o patrimônio do condomínio, que na verdade é de cada condômino com sua fração ideal.

Caso seja omisso em alguns atos, o condomínio sofrerá consequências. Um exemplo que podemos citar é a inobservância de realizar o seguro da edificação, o prejuízo financeiro que o condomínio terá que arcar no caso de aplicação de multas ou até mesmo a ocorrência de algum incêndio, o seguro não poderá cobrir, sendo assim, terá que ser utilizado à reserva do condomínio ou convocar assembleia para estipular uma taxa extra para pagar.

Ou seja, será os condôminos que deverão arcaram com a desídia do síndico/administradora, por este motivo e outros, é que as atribuições devem ser observadas.

Em alguns casos, como o citado, o condomínio utiliza o fundo de reserva para pagar as despesas. Certo dia, um condômino me perguntou o que seria o fundo de reserva? Se ele era obrigado a pagar, é previsto em lei? Com base nesses questionamentos, iremos formar este presente artigo.

Primeiramente, o fundo de reserva consiste em cobrir despesas que aparecem em situações inesperadas, urgentes, não tem uma finalidade específica. É como uma reserva de um dinheiro para ocasiões excepcionais.

Arnado Rizzardo entende como “Para atender despesas especiais, não previstas, e que sempre aparecem, sendo que, às vezes, inesperadamente, tem-se adotado a cobrança de um valor destinado a atender essas situações, de sorte, a não se precisar acrescer o valor da taxa condominial através de chamadas extraordinárias. Cobra-se de cada condômino uma quantia mensal própria, que não se destina a satisfazer uma obrigação vencida e exigível, para a cobertura de gastos ocorridos, mas tem por escopo constituir uma reserva para fazer frente a certas eventualidades que impõe gastos urgentes e inadiáveis, sem necessidade de acorrer subitamente aos condôminos. (Condomínio edilício e incorporação imobiliária / Arnaldo Rizzardo. – 6. ed.,rev.,atual. e ampl. – Rio de Janeiro, 2018).

O entendimento do Tribunal de Justiça é no mesmo sentido:

Despesas de condomínio. Fundo de reserva. Natureza extraordinária, eis que destinado a atender despesas urgentes e imprevistas. Embora a condômina tenha sido nomeada síndica, ficando isenta do pagamento das despesas ordinárias, subsiste a obrigação de pagamento da quota relativa ao fundo de reserva, eis que tal verba tem natureza extraordinária. Sentença mantida Recurso não provido.

(TJ-SP - APL: 00835629220098260000 SP 0083562-92.2009.8.26.0000, Relator: Manoel Justino Bezerra Filho, Data de Julgamento: 10/04/2013, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/04/2013).

É previsto em lei? É obrigado a pagar? Para responder essas perguntas devemos fazer uma conjugação com o Código Civil, Lei Federal nº 4591/64 e a Convenção do Condomínio.

O nosso Código Civil, na parte que dispõe sobre condomínio, não há menção sobre a obrigatoriedade ou não. Sendo assim, para instituir a taxa é de livre discricionariedade.

De outro lado, a Lei Federal nº 4591/64, no art. 9, § 3º, alínea “g”, descrevia que a convenção deveria conter a forma de contribuição para constituição de fundo de reserva. Nesta parte, entendemos que a referida lei foi derrogada, assunto que já abordamos em outros artigos.

É comum notar em várias convenções de condomínios antigos e ainda nos dias de hoje, a regulamentação ainda é com base na Lei acima referida. Em nossa opinião, não é errado, entretanto, é melhor se basear nas disposições que o Código Civil trouxe, são importantes atualizações e interpretações, dando uma segurança jurídica para os condomínios.

Assim, já que não é previsto no Código Civil e a Lei nº 4591/64 derrogou esta parte, então não sou obrigado a pagar?

Depende! A convenção do condomínio tem liberdade de regrar situações que não contraria o Código Civil, desde modo, caso a convenção descreva sobre a obrigatoriedade de pagar a taxa, o condômino não pode se basear de que não há lei que o obrigue, em razão de que,  a convenção faz lei entre as partes (condomínio-condômino), então ele é obrigado a contribuir.

Se por outro lado, a convenção do condomínio não regrar tal situação, neste caso o condômino não é obrigado a contribuir com taxa não prevista.

 Demonstrado que há necessidade da convenção descrever para tornar obrigatória a instituição da taxa, normalmente ela é apresentada na assembleia geral ordinária. Para isso envolve toda uma administração eficiente, tanto na previsão orçamentária, como na prestação de contas.

O entendimento jurisprudência é no mesmo caminho:

DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. FUNDO DE RESERVA. PREVISÃO LEGAL E CONVENCIONAL. LEGALIDADE E EXIGIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. I. O fundo de reserva deve ser obrigatoriamente previsto na convenção do condomínio e, por conseguinte, integra a contribuição devida por todos os condôminos, na esteira do que prescrevem os artigos 9º, § 3º, alínea j, da Lei 4.591/1964, e 1.334, inciso I, e 1.336, inciso I, do Código Civil. II. O condômino não pode se esquivar do pagamento do fundo de reserva previsto na convenção condominial e cobrado sem nenhum excesso. III. Recurso conhecido e desprovido.

(TJ-DF 20140112005140 DF 0051363-66.2014.8.07.0001, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de Julgamento: 07/11/2018, 4ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/11/2018 . Pág.: 397/402)

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Diante de todo fato e com a constituição da taxa, o síndico poderá utilizar de qualquer maneira? Não!

Como explicamos o fundo de reserva tem finalidade de atender situações excepcionais. Exemplo: se determinado dia aconteça uma forte chuva a ponto de derrubar a árvore do condomínio no portão de acesso aos veículos ou na entrada, deixando aberto e sem proteção. Nesses tipos de situações, o síndico poderá utilizar sem a necessidade de autorização, pois há uma obra urgente e necessária a ser realizada, eis que esta em perigo a segurança dos condôminos.

É recomendando que, após a utilização da reserva, seja convocado assembleia para explicar aos condôminos a finalidade do uso e eventualmente prestar contas.

Outro tipo de situação que poderá ocorrer, e que o síndico/administrador deverá observar, é a utilização da reserva para obras úteis ou voluptuárias, nesses casos, é necessário à aprovação/autorização da assembleia para obra, com quórum específico, conforme os arts. 1.341 e 1.342. Sobre este tema, recomendamos a leitura do artigo.

Caso haja utilização sem autorização, poderá o condômino recorrer ao judiciário, ou, em conjunto com 1/4 dos restantes, convocar assembleia para inibir tal ato do síndico, lembrando que deverá seguir os atos formais.

Mister mencionar o entendimento dos Drs. Fabio Barletta e Daniele Barletta “explicando de outra forma, não cabe ao síndico se valer do fundo de reserva para o pagamento de despesas ordinárias, sob pena de descaracterização de sua finalidade, que é cobrir despesas não previstas antecipadamente. Entretanto, caso haja necessidade imperiosa de suprimento do caixa mediante a utilização do fundo de reserva, este, posteriormente, deverá ser recomposto, retornando ao estado anterior. (...). Agora, se o síndico se valer do fundo de reserva, constantemente, para pagamento das despesas ordinárias é um forte indício de que o orçamento anual foi mal elaborado e que as contribuições mensais se mostram insuficientes para o pagamento das despesas ordinárias. Nesse caso, outra opção não há, senão a realização de uma assembleia para que seja revisto e readequado o valor da taxa condominial”. (Gestão condominial eficiente: Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018).

Portanto, demonstrado a importância do fundo de reserva para o condomínio, bem como sua instituição não é obrigatória, os síndicos/administradores devem se atentar para tal finalidade, não utilizando deste recurso como bem entender, por outro lado, os condôminos devem também fiscalizar o uso, eis que são seus recursos financeiros.   

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Sobre o autor
Miguel Zaim

MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Palestrante, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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