A possibilidade de execução do valor da multa fixado em decisão proferida em sede de tutela provisória

03/01/2019 às 14:52

Resumo:


  • A execução indireta é um mecanismo processual pelo qual o Estado, por meio do Judiciário, busca convencer o devedor a cumprir uma obrigação, podendo ser realizada por meio de ameaça de piora na situação atual ou oferecimento de melhoria.

  • A execução indireta não se vincula diretamente ao objeto ou pedido principal da demanda judicial, sendo uma ferramenta exclusiva do juiz para pressionar psicologicamente o executado a cumprir a ordem judicial, podendo ser aplicada em qualquer fase do processo.

  • Exemplos incluem a aplicação de multa diária (astreintes), que pode ser estabelecida pelo juiz de ofício, e cujo valor é devido ao exequente, mesmo não sendo o objeto da ação, refletindo uma sanção pela desobediência a uma ordem judicial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A execução indireta é meio do juiz para pressionar psicologicamente o executado, podendo aplicar multa de ofício, independente de requerimento da parte, pelo não cumprimento de obrigação determinada em decisão em sede de tutela provisória.

A Execução Indireta figura como um mecanismo processual disponibilizado para o Estado-Juiz fazer valer sua autoridade. Em verdade, é o meio pelo qual o Estado, através do Poder Judiciário, tenta “convencer” o devedor que o melhor a se fazer diante de uma circunstância processual é cumprir determinada obrigação.

De acordo com o ilustre processualista Daniel Amorim Assumpção Neves “A execução indireta pode ocorrer de duas formas: ameaça de piora na situação atual (astreintes, prisão civil) ou oferecimento de melhora na situação atual (arts. 827, § 1º, e 701, § 1º, ambos do Novo CPC)1.

Como se pode notar, a Execução Indireta não se vincula diretamente ao objeto ou ao pedido principal de determinada Demanda Judicial.

Trata-se de meio exclusivo do juiz, utilizado para pressionar psicologicamente o executado para que modifique sua pretensão material de ver frustrada a satisfação do direito do Autor.

Tanto é verdade que a Execução Indireta independe de requerimento da parte e pode incidir em qualquer fase do processo.

Exemplo emblemático pode-se extrair da possibilidade de aplicação de multa diária de ofício estabelecida no art. 537. do CPC.

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência);

§ 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

Extrai-se das lições expendidas alhures e do referido dispositivo que a multa cominatória caracteriza-se verdadeira sanção a ser aplicada quando inobservada a autoridade de determinada ordem do Estado-Juiz.

Interessante ressaltar que o dispositivo inserto no §2º do art. 537. do CPC estabelece que, a despeito de não o objeto da ação “O valor da multa será devido ao exequente”.

Apesar de ser criticável susomencionada norma em razão da destinação do valor da multa para o exequente, inexiste controvérsia do ponto de vista prático acerca de quem figuram como beneficiário.

Diz-se criticável porque, em verdade, a incidência da multa possui cunho sancionatório relacionado a desobediência processual de uma ordem judicial.

Em outras palavras, trata-se de sanção decorrente da inobservância do procedimento por parte do “executado indireto”, ou seja, sanção decorrente de ato atentatório à dignidade da justiça, inexistindo justificativa para destinação do valor a qualquer das partes.

Em não sendo o objeto do presente trabalho, não cabe fazer maior exposição acerca desse tema específico que certamente poderia ser objeto de outro trabalho.

Não obstante a inviabilidade de extrapolação do objeto deste trabalho, podemos extrair a premissa de que a multa cominatório sanciona a inobservância do mandamento judicial e deve ser exigível enquanto a ordem do Estado-Juiz não for cumprida.

De há muito o Superior Tribunal de Justiça pacificou a jurisprudência nesse sentido, inclusive, em sede de Informativo Jurisprudencial:

“De outro lado, a multa cominatória é instituto processual, por meio do qual o juiz força a vontade do devedor no sentido de efetivamente cumprir a obrigação judicialmente acertada, conforme os arts. 461, § 5º, e 621, parágrafo único, do CPC. Portanto, muito embora destine-se à realização do interesse do credor, a multa cominatória sanciona, na verdade, a desobediência a uma ordem judicial” 2.

Com efeito, a melhor doutrina entende que “mesmo sendo a obrigação cumprida a destempo, a multa continua a ser exigível pelo período de atraso no cumprimento da obrigação, de forma que somente o cumprimento dentro do prazo exime a parte do pagamento” 3 .

Inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça também caminham nesse mesmo sentido:

“Na hipótese dos autos, consta do acórdão recorrido de forma expressa que o cumprimento se deu após o transcurso do prazo razoavelmente assinalado pelo juiz. O cumprimento tardio da obrigação, todavia, não é objeto de impugnação, limitando-se o inconformismo do recorrente à existência de termo de quitação.

Dessarte, diante do contexto fático incontroverso – cumprimento tardio da ordem judicial – é plenamente aplicável a multa cominatória judicialmente arbitrada, que incidirá desde findo o prazo assinalado até a data referida na quitação como aquela em que se deu o efetivo cumprimento da ordem judicial”4.

Com efeito, é possível fincarmos outra premissa no sentido de que a Execução indireta não se relaciona ou não possui vinculação direta com o pedido formulado pela parte, tratando-se de mecanismo processual destinado ao Estado-Juiz para coercitivamente fazer valer a autoridade de sua decisão.

Tanto não se vinculam diretamente ao pedido principal de determinada Demanda Judicial que o Superior Tribunal de Justiça, em sede de RECURSO REPETITIVO (TEMA 705/706), já consolidou o entendimento de que astreintes não produzem coisa julgada material, de modo que podem ser modificadas ou até mesmo suprimidas em qualquer fase processual.

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA.

1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível." 1.2. "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada."

2. Caso concreto: Exclusão das astreintes.

3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1333988/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 11/04/2014).

Dessarte, verifica-se que por figurarem como meio de Execução Indireta as astreintes não se relacionam direta e exclusivamente com o pedido (tutela definitiva) formulado pela parte em um processo, mas sim tratam-se de tutela processual da autoridade das ordens judiciais.

Pois bem.

A indagação que exsurge das referidas premissas é se a Decisão que fixa multa diária, já realizada a liquidação ou tratando-se de montante incontroverso, pode ser objeto de Execução Definitiva ou qual o momento adequado para realização da execução provisória.

Por uma questão de lealdade intelectual destaca-se que a matéria relacionada execução provisória das astreintes está pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – soberano no que tange à análise das normas infraconstitucionais.

O Tribunal da Cidadania consolidou a matéria por meio do TEMA 743, consubstanciado no Recurso Especial nº 1200856/RS, cuja relatoria foi do ínclito Ministro Sidnei Beneti.

Antes de adentrar ao cerne do Precedente que fixou o TEMA para a matéria, importante trazer à baila a íntegra do voto da ilustríssima Ministra NANCY ANDRIGHI que muito bem sintetizou a controvérsia e o seu desenvolvimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Cuida-se de recurso especial afetado para a Corte Especial como representativo de controvérsia repetitiva nos termos do art. 543-C do CPC, cuja questão nodal cinge-se em determinar o cabimento de execução provisória de multa cominatória fixada em sede de antecipação dos efeitos da tutela.

01. Conforme destacado pelo i. Min. Relator, a questão é tormentosa tanto na doutrina quanto na jurisprudência, inclusive deste Tribunal, no âmbito do qual é possível identificar 03 posicionamentos distintos.

02. O primeiro deles admite a execução provisória da multa de maneira incondicional, inclusive quando derivada de decisão interlocutória proferida em tutela antecipada e independentemente de sua confirmação por sentença. Confira-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: AgRg no AREsp 200.758/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 19.02.2014; AgRg no AREsp 50.816/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22.08.2012; e AgRg no REsp 1.094.296/RS, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 11.03.2011.

03. O segundo posicionamento, em sentido diametralmente oposto, afasta a possibilidade de execução provisória, autorizando-a somente após o trânsito em julgado da respectiva decisão. Veja-se, à guisa de exemplo, os seguintes julgados: AgRg no REsp 1.173.655/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 26.04.2012; AgRg no AREsp 50.196/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 27.08.2012; e REsp 859.361/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 29.11.2010.

04. Por fim, inaugurando posicionamento intermediário, há precedente da 4ª Turma, derivado do julgamento do REsp 1.347.726/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe de 04.02.2013, admitindo a execução provisória da multa desde que a decisão que a fixou tenha sido confirmada por sentença ou acórdão e que o respectivo recurso não seja recebido no efeito suspensivo.

05. O i. Min. Relator se filia a esse último entendimento, concluindo ser o que confere maior segurança jurídica aos jurisdicionados, por minimizar o risco de o autor levantar valor a que, ulteriormente, não tenha direito, situação que culminará em pedido de repetição de indébito que, além de prolongar o processo, nem sempre será exitoso.

06. A multa cominatória visa a coagir o devedor a cumprir a obrigação, revestindo-se de natureza heterogênea, preponderantemente processual – como meio coercitivo indireto de garantir a efetividade das decisões judiciais – mas também de caráter material – como instrumento de tutela da mora, conferindo repercussão econômica à resistência do devedor de satisfazer a obrigação de direito material posta em juízo, em detrimento do direito do credor e da autoridade do Poder Judiciário.

07. Diante disso, a subsistência das astreintes encontra-se visceralmente ligada ao êxito da parte na ação principal, êxito esse que acaba por se caracterizar como uma condição resolutiva da multa cominatória: se procedente o pedido, convalida-se; se improcedente, perde efeito retroativamente.

08. E nem poderia ser diferente, pois não há como se cogitar da condenação da parte ao pagamento de multa pelo descumprimento de uma obrigação que, ao final, se mostre indevida, valendo lembrar que a liminar que antecipa os efeitos da tutela é concedida a partir de um juízo perfunctório, baseado numa cognição sumária, de índole precária.

09. Em contrapartida, a exigibilidade das astreintes somente após o trânsito em julgado da ação certamente retiraria boa parte da sua força coercitiva, incentivando a inadimplência do devedor que, vale lembrar, pode orientar a sua conduta com base na perspectiva de revisão do valor da multa, conforme faculta o art. 461, § 6º, do CPC.

10. Cumpre, pois, encontrar solução de equilíbrio entre a manutenção da força coercitiva das astreintes e a garantia do devedor de não ser cobrado por multa que venha a ser considerada incabível.

11. Nesse contexto, a proposta intermediária contida no precedente da 4ª Turma parece ser a que melhor harmoniza essas duas situações, pondo a prumo o fiel da balança.

12. Ao condicionar a exequibilidade das astreintes à prolação de sentença ou acórdão confirmatório da decisão que as fixar, desde que o recurso que se seguir não seja recebido no efeito suspensivo, confere-se, de um lado, certeza suficiente de que a multa é realmente devida e, de outro, preserva-se a coercibilidade da medida.

13. Proferida sentença ou acórdão, a mora do devedor no cumprimento da obrigação e a consequente imposição da multa cominatória passarão a ter por base uma cognição exauriente, derivada de ampla dilação probatória, reduzindo o risco de reforma da decisão. A partir daí, mostra-se razoável a sua execução provisória, motivando o devedor à satisfação do encargo.

14. Inclusive, essa solução se sustenta mediante uma interpretação lógico-sistemática do próprio CPC, cujos arts. 475-N e 475-O reconhecem como título executivo – mesmo para fins de execução provisória – apenas a sentença, vedando, contrario sensu, cobrança fundada em decisões interlocutórias, ainda que confirmada em grau recursal.

Forte nessas razões acompanho integralmente o voto do i. Min. Relator.

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Conforme se pode extrair da íntegra do voto, após discorrer acerca das três correntes existentes no Tribunal da Cidadania, da Douta Ministra acompanhou integralmente o voto do Relator.

Nesse sentido, prevaleceu o voto do Relator, cuja ementa segue abaixo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE MULTA COMINATÓRIA FIXADA POR DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. NECESSIDADE DE CONFIRMAÇÃO POR SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TESE CONSOLIDADA.

1.- Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: "A multa diária prevista no § 4º do art. 461. do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo."

2.- O termo "sentença", assim como utilizado nos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC, deve ser interpretado de forma estrita, não ampliativa, razão pela qual é inadmissível a execução provisória de multa fixada por decisão interlocutória em antecipação dos efeitos da tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por Acórdão.

3.- Isso porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do próprio reconhecimento da existência do direito material reclamado que lhe dá suporte, então apurado após ampla dilação probatória e exercício do contraditório, ao passo em que a sua confirmação por Tribunal, embora sob a chancela de decisão colegiada, continuará tendo em sua gênese apenas à análise dos requisitos de prova inequívoca e verossimilhança, próprios da cognição sumária, em que foi deferida a antecipação da tutela.

4.- Recurso Especial provido, em parte: a) consolidando-se a tese supra, no regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 08/2008 do Superior Tribunal de Justiça; b) no caso concreto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial.

(REsp 1200856/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/07/2014, DJe 17/09/2014)

Como se pode notar, o susomencionado precedente foi proferido ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, sendo objeto de discussão a interpretação do termo “sentença” inserto nos arts. 475-N, I5, e 475-O6 que tratavam sobre a execução provisória.

Mesmo diante da alteração legislativa proveniente do Código de Processo Civil de 2015, na qual alterou-se o termo “sentença” por “decisões”7, o Superior Tribunal de Justiça permaneceu firme na jurisprudência consignada no TEMA 7438.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE MULTA. DESCABIMENTO.

1. Constata-se que não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamente fundamentada, a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado.

2. O acórdão recorrido está em conformidade com o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que, sob o rito dos recursos representativos da controvérsia, assentou que "a multa diária prevista no § 4º do art. 461. do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo" (REsp 1.200.856/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Corte Especial, DJe 17/9/2014).

3. Recurso Especial não provido.

(REsp 1767055/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 04/12/2018)

Considerando a alteração da premissa jurídica seria plenamente possível suscitar a superação (overruling) para infirmar o precedente consubstanciado no TEMA 743, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça se mantém firme no entendimento de que a multa “somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo”.

Ocorre que, com todas as vênias, levando a efeito tal entendimento a coercibilidade da imposição das astreintes perde toda a sua eficácia.

Isso porque, a demora na prolação da Sentença – e, ergo, na possibilidade de execução provisória das astreintes – acaba por esvaziar a força coercitiva de eventual Decisão que impõe essa forma de Execução Indireta.

Importante destacar que recentes publicações, lastreadas no relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelam que “Em média, a Justiça estadual do Brasil leva 4 anos e 4 meses para proferir a sentença de um processo em 1ª instância9.

Portanto, não se mostra razoável que o exequente aguarde mais de 4 anos para executar provisoriamente determinada Decisão.

Aliás, tal entendimento contraria inclusive a natureza da medida, uma vez que o intuito da Execução Indireta é justamente coagir a parte a satisfazer determinada obrigação que invariavelmente se trata de medida urgente.

Lado outro, mostra-se contraditória a vinculação da “exequibilidade das astreintes à prolação de sentença ou acórdão confirmatório da decisão que as fixar, desde que o recurso que se seguir não seja recebido no efeito suspensivo”.

Primeiro porque, como visto alhures, a Execução Indireta figura como mecanismo processual exclusivo do Estado-Juiz que inclusive pode determinar sua imposição independente de requerimento da parte.

Segundo porquanto não existe vinculação do objeto da ação ou do pedido definitivo com imposição de multa diária.

Terceiro porque a própria eficiência e autoridade do Poder Judiciário são colocadas em xeque com a vedação de execução provisória de decisão líquida ou que fixa montante incontroverso.

Portanto, inexistem óbices para realização de execução provisória de Decisão Interlocutória, pendente de recurso com efeito suspensivo, que fixa astreintes em caso de descumprimento da ordem judicial.

Noutro giro, partindo-se das premissas traçadas adrede, por maior razão, inexistem obstáculos para execução definitiva da Decisão que fixa astreintes, obedecidos determinados contornos processuais inerentes à problemática.

Explica-se.

É sabido que, nos termos do art.515, I do CPC, “São títulos executivos judiciais [...] as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”.

Lado outro, o art. 785. do Novel Codex preceitua que “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”.

Com efeito, mostra-se indene de dúvidas que o Decisum que fixa astreintes, de per si, possui natureza de título executivo judicial.

Nesse sentido, dessume-se que o descumprimento da obrigação consignada na Decisão enseja o direito adquirido do beneficiário do valor estabelecido pelo Estado Juiz. Tanto é verdade que norma cogente determina a destinação do valor da multa10.

Nesse sentido, exaurindo-se o efeito da Decisão, ou seja, sendo líquido o valor da multa em decorrência de descumprimento de ordem judicial proferida em Decisão Interlocutória é possível a execução definitiva das astreintes.

Nesse caso, a certeza e o momento da execução definitiva do título executivo judicial, cujo montante já perfez direito adquirido do exequente, ganham contornos peculiares.

Explica-se.

De acordo com o rol taxativo inserto no art. 1.015. do CPC, “Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre [...] tutelas provisórias”.

A praxe forense demostra que na quase totalidade dos casos levados ao Poder Judiciário da possibilidade de imposição da multa ocorre concomitantemente com a prolação da Decisão que defere eventual tutela provisória.

Com efeito, tal Decisum, em sua integralidade, é atacável por meio de Agravo de Instrumento, conforme comando estatuído no art. 1.015, I do CPC de 2015.

Portanto, a despeito da Decisão que comina astreintes não fazer coisa julgada, há preclusão temporal para o “devedor” não a ataca por meio do recurso cabível.

Com efeito, mostra-se indene de dúvidas a possibilidade de execução definitiva da Decisão certa, líquida e exigível que comina astreintes.

Seria possível sustentar que por conta da natureza precária do Decisum o Estado-Juiz – e tão somente ele - poderia modificar o valor ou a periodicidade da multa ou até mesmo excluí-la, obviamente dentro das duas possibilidades estabelecidas no art. 537, §1º, I e II do CPC de 2015.

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Ocorre que, mostrando-se necessária e útil à multa e que realmente pressionou o devedor, tal valor somado durante o período de descumprimento do Decisum tranforma-se em direito adquirido do beneficiário, de modo que o Juiz não pode reduzi-lo sob qualquer pretexto.

Ademais, acaso prevaleça a entendimento de que a Decisão é precária e pode ser modificada sob qualquer forma pelo juiz, tal desiderato pode ser realizado no bojo da execução definitiva, uma vez que, pelo paralelismo das formas, o Juiz pode decidir nesse sentido em qualquer fase do processo.

Destarte, a título de desfecho, é possível concluir tanto pela possibilidade de execução provisória imediata, quanto pela execução definitiva da Decisão que versa sobre tutela provisória que comina astreintes.


Notas

1 NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª Ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2016, p. 137.

2 (Informativo nº 526. REsp 1183774/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 27/06/2013)

3 NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª Ed. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2016, p. 2005.

4 (Informativo nº 526. REsp 1183774/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 27/06/2013)

5 Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

6 Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

7 Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

8

9 Exame. Quanto tempo a Justiça do Brasil leva para julgar um processo?. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/quanto-tempo-a-justica-do-brasil-leva-para-julgar-um-processo/> Acesso em 03 de jan. de 2019.

10 Art. 537. § 2º O valor da multa será devido ao exequente.

Sobre o autor
Anderson Oliveira

Advogado. Assessor Parlamentar na Assembleia Legislativa da Bahia, Consultor Jurídico Legislativo da Associação dos Procuradores do Estado da Bahia (APEB). Pos-Graduado em Processo Civil. Aluno Especial na Disciplina Tutela Constitucional do Processo - UFBA. Palestrante. Autor de Artigos Jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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