Remédios Democráticos Constitucionais

Remédios político-jurídicos

07/01/2019 às 15:39
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Há vários tipos, inclusive os ilegais ou ilegítimos.

~~A principal função/atribuição dos remédios político-jurídicos constitucionais, ou remédios democráticos constitucionais, é exatamente defender a integridade, a eficácia, a organicidade político-jurídica da Carta Política – como espaço público, organizado juridicamente, em que prospera o direito democrático e são eficientes os direitos fundamentais em defesa da dignidade humana.
Os remédios democráticos constitucionais são bons para a democracia: referendo, plebiscito, iniciativa popular, impeachment – além do recall (também o “recall judicial”), Accountability e o veto popular: esses nós não temos –, são legítimos poderes constituintes derivados. Contabilizemos até mesmo os recursos do chamado Estado de Emergência, contra calamidades públicas, força maior, terrorismo real: lembrando-se que também desconhecemos este instrumento político-jurídico, ao menos não ressoa na Constituição Federal de 1988.
Aristóteles e Cícero já alertavam para os tempos excepcionais, que requerem medidas igualmente excepcionais. Walter Benjamin enunciou – mesmo não tratando adequadamente – um “legítimo estado de exceção”: supondo-se que se referrisse à Ditadura Democrática do Proletariado. Antonio Gramsci também não invalidou o “cesarismo progressista”. O problema é quando se utiliza disto para os golpes.
Vale dizer que esses recursos não se equiparam ao designado “bonapartismo” (Karl Marx) – “temperado” ou radical, é um tipo de quartelada político/militar – e nem ao Estado de não-Direito (do jurista português Canotilho), juridicamente falando.
O problema, como foi dito, é que todas as ações desse modelito, na crescente fase fascista, ou é golpe institucional ou é contragolpe político-jurídico. Infelizmente, acerta-se quando se diz que vivemos numa Ditadura Inconstitucional – ora revogando-se, deslegitimando-se a Constituição, ora promovendo-se “interpretações criativas” (“Transmutação Constitucional”) que desfazem o Princípio Democrático e a garantia solene (eficácia) em defesa dos direitos fundamentais. É o caso em que muitos agentes do poder que deveriam zelar pela Constituição parecem abusar de sua autonomia e assim agem em desfazimento do princípio ativo constitucional, que é, notadamente, democrático, participativo, inclusivo e popular.
 Ainda se pode observar que o Estado de Exceção (Giorgio Agamben) – definido em claras regras do jogo democrático e popular – converte-se em Estado de não-Direito, quando condicionado pelo uso de regras excepcionais, não apenas na formulação de regras jurídicas antidemocráticas e antipopulares (como na negação do direito, ao violar a relação entre equidade e isonomia) como também na aquisição, controle e manutenção do poder.
O Estado de Exceção, portanto, livre dessa condicionante de uso/abusivo dos meios de exceção, pode se constituir como elemento legítimo em defesa da democracia, ao menos em duas hipóteses: 1. Como “legítimo estado de exceção”, colocando-se como forma e instrumento de defesa dos interesses das classes subalternas (o Estado Legal pós-Revolução Francesa é bom exemplo); 2. Ainda que submetido ao assim denominado Estado Burguês – de variável resoluta na democracia liberal –, quando se apresentar como escrutínio da República, do Estado de Direito (direitos fundamentais) e da pacificação social que se encontrem sob comprovada ameaça institucional, como nos seguintes casos: 1) grave e ininterrupta ameaça de organizações antidemocráticas (fascistas, por exemplo); 2) ameaça declarada de guerra externa; 3) ocasião de agravada força maior, como catástrofes ambientais localizadas (ou não) que elevem os níveis de conturbação e obstaculizem a sobrevivência da organização social (o Haiti foi exemplo caro).
 O Estado de Exceção é um recurso intrínseco da produção do Não-Direito (Roberto Lyra Filho) quando, especialmente, aglutina forças solventes da democracia e da normalização jurídica do controle sobre a tripartipação dos poderes. Um exemplo efetivo seria a criminalização dos movimentos sociais a fim de se beneficiar o capital e abastecer os Grupos Hegemônicos de Poder.
Por outro lado, manifesta-se tão-somente o Estado de não-Direito como força motriz que desorganiza severamente o equilíbrio entre equidade e isonomia e anula, na prática, o Princípio da Justiça. Em evento concreto, ocorre, não poucas vezes, de o próprio Judiciário “fazer” suas leis em forma de privilégios, como se fosse uma casta isenta da tributação social.
Em outros momentos são o Executivo ou o Legislativo (separadamente ou em conjunto) a legislar em desfavor dos interesses sociais e populares, quando se tributa em excesso a cesta básica e se isentam as grandes fortunas ou os rendimentos do setor financeiro (bem como as igrejas de toda sorte). Em todas essas condições, no entanto, um fenômeno comum é observado: opera-se – como Estado de não-Direito – por dentro da divisão social e da luta de classes, como se ganhasse eficácia uma real divisão social do direito – que deixaria de ser regra geral e universalizável, para figurar, objetivamente, como o pluralismo jurídico medieval, com um direito específico para cada estamento ou estrato social.
Para que este fenômeno se concretize, digamos assim, o conjunto dos poderes instituídos não apenas atua em concerto (ou dois atuam contra um, a exemplo do impeachment sem contraprova), como, não-raramente, promovem-se interpelações constitucionais “estranhas e adversas à ordem democrática” (Transmutação Constitucional) e se é taxativo ao se desfazer da diretriz programática da mesma Constituição que deveria zelar em sua integralidade (Paulo Bonavides).
Neste sentido, nesta breve ponderação, pode-se distinguir as duas formas-Estado nos seguintes termos: o Estado de não-Direito é uma excrescência à democracia popular e o Estado de Exceção pode ou não ser abusivo, uma vez que em muitas situações reais atua em benefício da organização social.
E o resultado prático, tanto do ilegítimo Estado de Exceção quanto do Estado de não-Direito, é a provocação de um intenso ódio de classes, na base e na constância da luta de classes inerente e evidente na sociedade capitalista dividida em classes sociais.
O ódio de classes criou o ódio às classes subalternas envolvidas, desde o Abolicionismo liberal. É um fato histórico e político. Mas quando se nota a existência da prisão política e todo o ódio a determinados partidos, organizações políticas, grupos sociais, há que se pensar que criamos ou alimentamos outros ódios, ainda mais profundos. Temos ódio do direito, das formalidades, dos protocolos, das regulamentações e de suas regularidades. Temos ódio da isonomia e mais ainda da equidade. Guardadas as proporções, é como se os meios de exceptio substituíssem de forma incontinente a normalidade e a mediação produzidas pelo desenvolvimento e aprofundamento do direito no interior da Política (Polis). Por isso temos ódio aos presos, especialmente aos presos políticos e ideológicos. Neste embate odioso, é preciso “livrar-se” do direito, da própria retidão, ocupando-se das formas mais ativas e brutais da correção social baseada na tortura de larga escala, por exemplo, apoiando-se em Guantánamos nacionalizadas. Mas, o que é Guantánamo? É uma prisão dos EUA, em Cuba, onde os presos são submetidos a torturas indescritíveis, como serem cortados com bisturi em todo o corpo (inclusive nas genitálias), mês após mês, assim que se curassem das feridas.
Assim, não é difícil visualizar que temos ódio do Outro, porque é preciso criar inimigos para se manter as bases do ilegítimo Estado de Exceção e do predominante Estado de não-Direito. Lembrando-se que o primeiro pode ser um legítimo recurso democrático (ou de cunho popular-revolucionário, como ocorreu na Comuna de Paris) e que a segunda forma-Estado é o próprio desiderato nao só da democracia como dos princípios elementares do Direito Ocidental. Os que se dedicam a destruir a Constituição Programática constroem um Conto Épico – de proporções vertiginosas contra o processo civilizatório. Por isso, enquanto Carta Política, a Constituição não é somente uma construção de equilíbrios dos poderes, é um constructo da civilização em que se apoiam os princípios construídos pelo Direito Ocidental. Por fim, voltar-se contra esses princípios, descaracterizando-se suas bases, equivale ao cometimento de graves crimes contra a Humanidade.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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