Denominada de Constituição cidadã, a Carta Magna elaborada em 1988 buscou assegurar as mais diversas demandas sociais existentes, mesmo um pouco tardia em comparação a outros países no que tange à legislação sanitária.
Há um enfoque especial à questão da saúde, em seu Título VII – Da Ordem Social, o constituinte originário assegurou uma Seção especial para assegurar o direito à saúde, ao qual temos em seu artigo 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Em seu artigo 6º, o legislador derivado, por meio da Emenda Constitucional nº 90 teve a preocupação de elencar um rol de Direitos Sociais, dentre os quais o Direito à Saúde, assim temos:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).
Conforme menciona Lucena (2004, p.263): “vincula os Poderes Públicos, que, no desempenho de suas funções, devem respeitar e promover à saúde, sendo vedadas ações que o contrariem”. Embora inexistindo ações que contrariem a afirmação da autora, o que vemos na prática é uma verdadeira ineficiência do Estado em promover políticas públicas eficazes com o finco de satisfazer a necessidade geral da população.
Segundo Santos (2013, p.51):
Antes da Constituição de 1988, não havia o reconhecimento de diversos direitos fundamentais, entre eles o da saúde, garantindo universalmente apenas no tocante à prevenção, como vacinação, vigilância em saúde e serviços de pronto-socorro públicos. As demais necessidades de saúda da população eram parcialmente garantidas pela assistência social e pelos previdenciários, que somente se beneficiavam trabalhadores formais e seus dependentes. No tocante à saúde, a sociedade se segmentava em categoria de pessoas carentes, indigentes, pobres, trabalhadores urbanos e rurais.
O trecho acima relata a mais pura realidade anterior a Constituição de 1988, o modelo de Universalidade adotado pelo SUS é algo digno de admiração em qualquer parte do mundo em que se discutam políticas de saúde pública, fonte de estudo de nosso próximo tópico. A grande problemática é a efetividade da aplicação dessa Universalidade.
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS E SEUS PRINCÍPIOS
O Sistema Único de Saúde – SUS surgiu da necessidade da população ser assistida de alguma forma aos serviços básicos de saúde, em tese, anterior a Constituição de 1988, só que era contribuinte do antigo INAMPS era quem tinha assegurado o acesso ao Sistema de Saúde, esse “movimento sanitário mobilizado e articulado, com um acúmulo histórico de alguns anos de lutas e um repertório de propostas convergentes para um projeto alternativo ao modelo médico-assistencial” (BRASIL, 2006, p.46).
Anterior à criação do SUS a organização sanitária no Brasil basicamente era compreendida entre os hospitais de filantropia (Santa Casas de Misericórdia) que teve o início de suas atividades ainda em meados do século XVI. Ainda segundo os ensinamentos de PAIM (2016, p.27-28) temos:
Muito antes da existência do SUS, a organização dos serviços de saúde no Brasil era bastante confusa e complicada. Havia uma espécie de não-sistema de saúde, com, com certa omissão do poder público. Prevalecia, na chamada República Velha (1889 – 1930), uma concepção liberal de Estado de que só cabia a este intervir nas situações em que o indivíduo sozinho ou a iniciativa privada não fosse capaz de responder. Havia desconfianças em relação à descentralização, vista por certos segmentos como algo negativo, quando os estados eram reconhecidos como locus da oligarquia.
Além da atuação das Santas Casas, podemos afirmar que o Sistema Público de Saúde se desenvolveu por três vias: saúde pública, medicina previdenciária e medicina do trabalho.
O SUS surgiu como um sistema ímpar no mundo, garantindo o acesso integral, universal e igualitário à todos os brasileiros em todos os aspectos voltados à promoção da saúde de forma gratuita e financiada com recursos provenientes dos recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios. No entanto, o que vemos na prática cada vez mais é uma longa fila de esperas, corredores lotados, falta de medicamentos, leitos e um verdadeiro caos na saúde pública, embora possuindo uma legislação brilhante para assistir a população as políticas de saúde, na prática vemos completamente o avesso.
O SURGIMENTO DA MEDICINA EMPRESARIAL
Em decorrência de uma ausência estatal desde os períodos mais remotos de nossa colonização para a devida efetivação de uma política sanitária em nosso país, tendo a vir implementar políticas para a saúde de uma forma tardia e que podemos constatar que são ineficientes e deficitárias, associado a uma ampla autonomia do profissional da medicina liberal, em que desde o século passado o médico sempre definiu o valor da consulta a ser cobrado, horários e condições de atendimento, fez com que surgisse meios para diversificar o modo de atendimento da demanda populacional aos sistemas de saúde, vindo a existir a prática da atividade de medicina empresarial no país.
Segundo PAIM (2016, p. 37-38) temos:
Desde a década de 1940, existiu a Caixa de Assistência aos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi), que possibilitava a assistência médica desses trabalhadores e a familiares, independentemente de atendimento no IAPB. Outros segmentos de trabalhadores dispunham de algo parecido. A Associação dos Empregados do Comércio da Bahia, por exemplo, assegurava aos seus sócios e familiares consultas médicas e alguns exames complementares, desde que contribuíssem com uma taxa mensal ou integrassem a categoria de sócio remido. Iniciativas semelhantes foram transformadas, recentemente, na modalidade assistencial do setor de saúde suplementar denominadas planos de auto gestão.
Na década e 1960, algumas grandes empresas contrataram serviços de medicina em grupo, evitando que seus trabalhadores procurassem a assistência médica da previdência social e, em contrapartida, sendo dispensadas de pagar parte de suas contribuições previdenciárias. Nessa época também surgiram as cooperativas médicas, combatendo o que a Associação Médica Brasileira denunciava como “empresariamento da medicina”. Apesar das lutas ideológicas, as cooperativas médicas passaram a funcionar de modo equivalente ao da medicina de grupo.
Na passagem da década de 1970 para a de1980, foram se desenvolvendo as empresas de seguro saúde, vendendo distintos planos de saúde no mercado. Essas modalidades de medicina empresarial – autogestão, medicina de grupo, cooperativas médicas e seguro saúde – constituíram o Sistema de Assistência Médica.
Podemos observar que, desde meados do século passado, esse tipo de atividade começa a ganhar posição de destaca no senário econômico nacional. Em primeira fase de modo mais tímido, através dos planos de assistências a pessoas ligadas por atividades laborais, posteriormente a medicina em grupo passou a ser exercida de forma mais parecida com o que temos na atualidade, surgiu as cooperativas de medicina em grupo e os médicos de certa forma continuaram a exercer o monopólio dessa atividade, não tendo que ser repassada totalmente a classe empresarial. A medicina em grupo, através de cooperativas médicas representa boa parte do share do mercado nacional.
O MODELO ATUAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL
O sistema de saúde pode ser dividido em dois subsistemas: o público e o privado. O subsistema público é representado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e o subsistema privado é dividido em dois subsetores: o subsetor saúde suplementar e o subsetor liberal clássico.
O liberal clássico é o composto por serviços particulares autônomos, caracterizados por clientela própria, captada por processos informais, em que os profissionais da saúde estabelecem diretamente as condições de tratamento e de sua remuneração. A saúde suplementar é composta pelos serviços financiados pelos planos e seguros de saúde, sendo predominante neste subsistema. Este possui um financiamento privado, mas com subsídios públicos, gestão privada regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Os prestadores de assistência são privados, credenciados pelos planos e seguros de saúde ou pelas cooperativas médicas, serviços próprios dos planos e seguros de saúde, serviços conveniados ou contratados pelo subsistema público, que são contratados pelas empresas de planos e seguros de saúde que fazem parte de sua rede credenciada (BRASIL, 2007).
O setor de planos de saúde é definido como suplementar, no Brasil, devido à opção de se pagar um seguro privado para ter acesso à assistência médica, a despeito da manutenção da contribuição compulsória para a seguridade social, que inclui o direito ao acesso ao serviço público (BAHIA, 2002).
A atenção à saúde é exercida fundamentalmente no Brasil pelo Sistema Único de Saúde e deveria garantir a saúde nos termos de eqüidade, universalidade e igualdade. Entretanto, o setor público vem continuamente expondo suas iniquidades, que, submetidas a constantes críticas e inequívocos exemplos de ineficiência, serviram como grande atrativo para os planos de saúde privados ampliarem sua atuação no mercado (SILVA, 2003).
É importante ressaltarmos o quanto a regulamentação do setor de saúde suplementar, representada na edição da Lei nº 9.656/98 e a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, trouxe profundas alterações no setor, criando um novo ambiente político-institucional no mercado de planos privados de assistência à saúde, desafiando as empresas, os consumidores e as estruturas de governo a desenvolverem novas habilidades para se adaptarem e lidarem com a situação, resultando em um processo de eliminação de várias empresas, retirando as que não tinham condições de garantir um produto de melhor qualidade ou foram incapazes de desenvolver estratégias de adaptação ao novo ambiente de concorrência criado.
O segmento da saúde suplementar é representado hoje por cerca de 1.000 operadoras médicas e odontológicas. Atualmente, o número de usuários registrados na ANS é de aproximadamente 47,9 milhões de beneficiários no total de vínculos a planos de assistência médica com ou sem odontologia e planos exclusivamente odontológicos, o que corresponde a 24,3% da população, sendo marcado por uma taxa de crescimento de 0,2% ao ano.
Essa representatividade expressiva da saúde suplementar nos leva a imaginar o que aconteceria caso não existisse, e se 47,9 milhões de pessoas atendidas pela saúde suplementar migrassem seus atendimentos para o sistema público de saúde, e se esse teria condições de atender o aumento de demanda ocasionado por essa migração.
Ao visualizar os dados alcançados pela saúde suplementar, vemos o quanto ela representa importante pilar de sustentação do próprio sistema nacional de saúde, tornando-se, hoje, complementarmente indispensável para o Estado.