As eleições de 2018 foram marcadas, por muitas questões; porém, nenhuma delas chegou perto de debater o pano de fundo que envolvia as propostas. Na verdade, promessas, algumas vãs e outras violentas. O regime político que se entrevia atende hoje por IDIOCRACIA: nada se lê, não há conhecimento de fato, da realidade, nada é alvo de reflexão, mas “tudo se sabe” – porque o Facebook ou o WhatsApp assim o definiu. De certo modo (diria bem específico), o eleitor, antes sujeitado, resignando-se como “Servo Voluntário”, prostrou-se como escravo da mediocridade.
Alguns militantes, analistas, candidatos, partidos e partidários, resumiram a questão Maior entre a luta do Bem contra o Mal (sem clareza de quem nos faz tanto mal) ou entre Civilização e Barbárie: e cada um com seu cada qual se colocando no lugar que imaginava ocupar. O Eleitor de Pilatos, armado de seu voto inútil (branco, nulo ou abstenção), tenta se livrar da consciência pesada.
Curioso que esse voto “em branco” nada tem de brando, pois se declara como “voto no branco” mesmo, e contra os negros, pobres, desescolarizados, marginalizados, famintos, enfraquecidos pela miséria humana imposta. O voto em branco só é mais claro, mas os demais (nulo e abstenção) têm o mesmo efeito: o Eleitor de Pilatos, diante do fascismo, prefere se anular ou se abster de tomar uma posição contra César. É um caso típico, sem dúvida, do que chamaremos de “covardia de classe”. Sempre em cima do muro, isentos diante do fascismo, na prática, todos são propagadores (por omissão) do mesmo ódio que se dizem vítimas. São os ausentes do Circo de Roma, mas que não se incomodam com a existência do Circo da Morte.
Alguns seguiram muito conscientes de seu suposto “papel político”; a maioria, contudo, desse “cada um com seu cada qual”, no fundo, nem sabia para que lado olhar, se para a direita ou para a esquerda. O analfabetismo disfuncional teve um efeito significativo; contudo, é preciso lembrar que o “analfabetismo político” é absolutamente presente nas elites mais toscas de conhecimento. Como sabemos, sem conhecimento – onde prospera o pré-conceito – não há reconhecimento, e assim criamos uma legião de zumbis que não se reconhecem como cidadãos, como “animais políticos”.
Não é novidade alguma, como se sabe, que esquerda e direita costumam se apoderar de siglas adversárias – o Partido Nacional-Socialista, de Hitler, e o Partido Revolucionário Institucional, no México, são exemplares natos, naturalizados pelo avanço do capital – com destaque para o pós-2013/2016. Tanto quanto costumam reviver, repaginar doutrinas, lemas ou pautas, uns dos outros: alguns defendem ajuste fiscal com justiça social e outros falam em ajuste fiscal para ter mais igualdade. Se formos ver, pelo meio balanço, só muda a entonação, porque a regra capitalista permanece em pé.
De certo modo, portanto, em conclusão antecipada, o duelo direita x esquerda está bem enfraquecido, em parte porque as cláusulas da esquerda foram pasteurizadas de tom socialdemocrata, uma cor meio lusco-fusco que sempre foi de direita. Neste caso, o que ocorre é que, a política foi tão para a direita que a socialdemocracia pode ser considerada de esquerda.
É obvio que permanecem e se aquecem, em tempos de extrema-direta, temáticas da esquerda, como a nacionalização e a divisão das riquezas nacionais, bem como a defesa e a promoção das garantias dos direitos fundamentais sociais, especialmente de minorias, dos mais pobres, dos negros, das mulheres e dos trabalhadores, dos quilombolas, dos indígenas e dos povos das florestas, dos menores infratores ou em desacordo com a lei, da comunidade LGBT (marcada a canivete, com uma suástica), e das centenas de militantes dos direitos humanos já abatidas neste ano e nos tempos recentes. Todavia, isto – salvo exceções – não qualificou os debates de 2018.
O que esteve no centro da gravitação política não foi, exatamente, esquerda x direita, de acordo com o avanço radicalizado da extrema-direita. Vimos, isto sim, o retraimento da luta política de descompressão, caminhando de encontro ao núcleo de práticas e de ideologias retrógradas.
Muito semelhantes ao fascismo, na convicção e na prática, o fenômeno destacou o “desvelamento” de ódio (para quem ainda não o via) que sempre animou a cultura nacional/nacionalista – de pleno avanço fascista. Do ódio aos escravos, do passado, vide “embranquecimento higienista”, ao ódio misógino e sexual da atualidade. Sempre convivemos com os capitães do mato a perseguir os capitães da areia, a diferença é que agora eles tomaram o poder, com toda sua verve de redes sociais pautando a Idiocracia.
É claro que não se trata de fenômeno exclusivamente nacional, como temos visto pelas ondas xenófobas mundo afora, mas aqui também vicejamos xenofobia contra venezuelanos e médicos cubanos. Hoje, é difícil negar que nosso alinhamento político e cultural seja fascista.
Um diferencial, entretanto, é o passado escravocrata que não abatemos por inteiro; por isso, grandes empresários e uma casta plutocrática investida na burocracia estatal continuam ora amenizando os efeitos do trabalho assemelhado à escravidão (como descreve o tipo penal) ora simplesmente alegando sua necessidade diante dos lucros espetaculares do agronegócio e da construção civil.
Até o governo do Estado de São Paulo teve que se explicar judicialmente por permitir que empresa terceirizada utilizasse trabalho escravo na construção de escolas públicas. Seria uma fina ironia, se não fosse trágica.
Neste sentido, antecipando outra conclusão, o que vimos em 2018 não se reduziu às disputas da luta política; vimos, lá no fundo, a aparência do ódio de classes que viajou toda a luta de classes envolvida nos vários partidos políticos. E o afloramento da cultura racista, beligerante, escravagista que sempre desafiou o Iluminismo – ou as priscas eras de luta pelo direito e pela liberdade: se quisermos, ainda dá tempo de recordar Spartacus na Roma cesarista.
Por isso, também se popularizaram análises mostrando o que havia de “pior” na cultura brasileira, como um cão atracado a uma carcaça – dentes à mostra para quem ousar o desapego da carniça racista, fascista, anencéfala, diante do grito humano que se recusa ao massacre. Nada é mais presente do que “a cadela do fascismo que sempre está no cio” – dizia Brecht.
É o relato, por exemplo, do Procurador Federal Eduardo Varandas Araruna que circulou pelas redes sociais (a ser tomada por crível). Diz assim, in verbis: “Não se pode negar algo: Bolsonaro descortinou a verdadeira cara do Brasil. Não somos pacíficos e nem republicanos. Somos desinformados, racistas, machistas, elitistas, higienistas, segregacionistas, homofóbicos e com discernimento crítico quase nulo. A opção não ocorre entre as ideologias de direita e esquerda, políticas públicas ou planos de governo. A escolha é pelo ódio, pela revolta e pela violência. É triste, é verdadeiro, é o caos...”. É o caos planejado...
No sentido que abordamos – e vai outra conclusão antes da hora –, o procurador, sem o saber, descreve a luta de classes no Brasil de 2018; e sem relatar a lógica opressora que descamba do capital financeiro e rentista. A diferença que perdura na análise de 2018 em diante, no entanto, é que neste momento a luta de classes ainda está permeada por processo eleitoral (uma espécie de 3º Turno). Então, parece que é uma luta política. Todavia, como representa perfeitamente a foto de um eleitor votando em Bolsonaro, usando uma pistola para apertar as teclas, não é “só” uma luta política. O corpo foi subsumido pela arma que mata e não fala; explode.
É ódio sim, mas é o ódio de classe.
O ódio de classe que cresce
Neste percurso, alguns (os “oportunistas”) se aproveitam e liberam todo o ódio que a luta de classes, domada pelas instituições, pode reprimir – notadamente os que querem transformar a liberdade e o direito em máquinas de violência que angariem votos. Outros procuram uma análise realista, para melhor combater – de um lado ou de outro. Muitos adoram ou enriquecem com seu resultado. Outros milhões caem vencidos, fulminados, eliminados.
Entretanto, não se pode amar a luta de classes, pelo fato de que não há amor no ódio de classes. Também porque a luta de classes não é um juízo de valor, uma escolha racional, é um fenômeno da história contada através (entrecortada) da divisão em classes sociais. Não é uma opção, amar ou odiar a luta de classes, é um posicionamento político. Falemos de todas as classes sociais posicionadas como antípodas, se são rentistas e despossuídos ou miseráveis, que seja, ainda há classes sociais posicionadas diante do controle dos meios de produção ou de rendas financistas. O fato é que o mundo não está sem classes sociais. Por óbvio, há quem domine e quem seja submetido ao controle do capital.
O ódio de classes inerente à luta de classes, no capitalismo desenvolvido, tem um comportamento; no capitalismo de barbárie é violência pura e brutal. O soberano atual, isto parece ser um dado comum a ambos, só é ameaçado por hackers e pelos “irmãos” do crime – que se organizam à medida que o status político se desorganiza.
Por isso entendemos melhor do que os outros quando se diz que "a política é violência" e “não perdoa derrotas”. Bem atuantes são seus milicianos e “inimigos combatentes”. Será que há inimigo que não combate? É óbvio que não, nem mesmo o preso político, pois que este fala por meio de sua ausência.
Alguns chamam a luta de classe (ou clamam) de guerras irregulares, Guerras Híbridas (calculadas, injetadas além-mar) ou assimétricas (com medo da Guerra Civil). Outros lamentam ter que falar disso, tudo de novo.
No entanto, em realidades diferentes da nossa, em outros momentos ou estruturas sociais, do fim da 2a Grande Guerra ao Estado de Bem Estar, por exemplo, a luta de classes teve o "ódio de classes" em estado de latência. Ou iminência, durante a Guerra Fria. Da Coreia à Ilha de Granada, com outras granadas antipopulares.
Em crises acentuadas e sem fim, como agora no Brasil, o ódio de classes (quase sempre “descendo para a pista”) jorra como a lava a jato de um vulcão em erupção. Como força irradiada, irascível (irada), incontrolável, o joio e o trigo derretem o que antes tivera alguma valia. E que não nos enganemos, é do ódio acumulado por séculos, represado, amassado como o rio caudaloso por suas margens. E é esta força das correntes históricas que também conta a história da descompressão, da libertação.
Luta de classes com farto recheio de luta política e ódio de classes
Patrícios e plebeus, escravos e senhores, servos e dignitários: a história é repleta de luta de classes e da Luta Política pelo Direito.
Já tivemos o homo sacer e o “homem-lobo” (literalmente jogado aos lobos pelo direito germânico), ambos muito abaixo do capital investido no escravo, e o saint culottes que depois conheceu a guilhotina.
Ainda temos o trabalhador explorado e morto de exaustão – análogo à condição de escravo – e o lumpem, gerador do 18 Brumário, que nem para isso era (ou é) convocado. Hoje há fascismos e presos políticos, como antigamente, como sempre foi.
Tivemos e temos o extraditado, o sitiado, o isolado no cerco político das jaulas de crianças ou em campos de concentração para refugiados, e também o Estrangeiro: em sua própria casa. Temos de sobra o Mesmo (que deveria ser o Outro) e o Estranho: este muito bem plugado e controlado – de perto ou remotamente.
Em breve teremos castas de plutocratas comportados, pensantes, residentes – se é que deixamos de ter algum dia –, e um bando de inimpregáveis (a exemplo do tipo penal da vadiagem do passado resiliente); esses logo serão chamados (de novo) de inúteis, imprestáveis de toda sorte que só conhecem o giroflex da polícia. Daí vem a ideia de bucha de canhão, na “nova” militarização social.
Como impagáveis, dado que a tecnologia (inteligência artificial) fará tudo no lugar deles (no nosso), também serão apelidados (na bala ou pelo algoritmo) de “irrelevantes”. Enfim, trata-se dos inviáveis de todo gênero. Já eram invisíveis mesmo.
Portanto, não é preciso que surja um Unabomber (já surgiu) para que se vejam os extremos, as extremidades e os extremistas, os jihadistas e todas as seitas crentes no capital. Já temos uma “nova” Ética Protestante, uma ética neopentecostal, enriquecedora e consumistas, sem medo e nem culpa pela pilhéria do dízimo de desempregados, e sempre em protesto pelo consumo da Política. Por sua vez, Ned Lud e os neoluditas marcaram muito bem a sintonia do ódio na luta de classes.
Neste curso histórico e nomológico, também surgiram Spartacus, a Comuna de Paris, a Constituição Mexicana, a Revolução de 1917, a Desobediência Civil, a Declaração de 1948, o feminismo, a luta por direitos civis e contra o racismo escravagista. Na ficção existe o “V” da Vingança. A vitória é sua maior vingança.
Então, libertários e opressores, eis o que somos. E esta é outra conclusão inicial acerca da luta de classes, ela também é uma luta política por onde escoa a Luta Pelo(s) Direito(s).
No nosso caso, imersos na cultura do ódio de classes que ascendeu da luta entre Casa Grande & Senzala, o ódio parece transbordar como óleo fervente das panelas vazias, esgotadas de fome e de esperanças.
O óleo fervente do Poder Político
O ódio de classes é uma dentre muitas razões – uma das mais fortes razões – para explicar o caos de violência “gratuita e cheia de sangue”, os ataques bárbaros a cidadãos indefesos (muitos cometidos por menores com extremo sadismo), a morte com aviso prévio que nos espreita a todos.
Como ensinou Thomas Hobbes, o filósofo inglês da soberania do Poder Político no Renascimento, o Estado se justifica porque o cidadão teme a morte violenta que é disposta no chamado “estado de natureza”. Desse modo, se o Estado se justifica para acabar com a violência extremada dos bárbaros incivilizados, logo, conclui-se que o Estado brasileiro não cumpre essa função elementar.
O Estado brasileiro não presta segurança a seu cidadão, nem mesmo a sensação de segurança, como um estado de subjetividade que serviria de calmaria a muitos: o que já era placebo para o ódio de classes, agora é seu veneno e fator de combustão. Esse Estado venenoso é impotente até como Estado Gendarme (que o diga a ocupação do Rio de Janeiro). Outrossim, deveria estar entre o ser e o dever-ser; no entanto, é valor negativo à sociedade global, mas é muito mais uma repulsa às elites do que uma maldade social inerente. Segue a lógica amigo-inimigo, apenas não é política, apartidária, mas sim social, classista, rentista, apto à neoescravidão.
É certo que não é um fenômeno exclusivo do Brasil, porém, hoje me interessa falar de nós mesmos. No fundo, há uma enorme descrença no Estado de Direito – basta pensar que os “bandidos” também assistem TV e, portanto, sabem que o Congresso investe contra o Ministério Público – coletando assinaturas de corruptos para não investigar outros corruptos – e ainda contra o Supremo Tribunal Federal: “para anular a condenação de outros corruptos”. É que pobre, certamente, não vai ser julgado pelo STF, a não ser em crime famélico. A corte da magistratura foi criada para julgar outras cortes e nobrezas.
Tudo que é honesto será profanado
O povo e o “bandido” sabem que a democracia, a República e a Federação, que eles ouvem na TV, também são faz de conta no nosso país – ao menos para eles. Sabem que a democracia é feita com a compra de votos e que os compradores eleitos (ou não) acabam absolvidos e soltos (quando por pura tolice chegam a ser julgados). Sabem que a política é feita por profissionais e que o povo só participa da festa vendendo votos. O povo sabe que os vendedores de voto também não vão presos. O povo bem pobre ainda sabe que não tem saúde e nem educação pública, sabe que a sua saúde depende, muitas vezes, do remédio comprado pelo “bandido”. Por sua vez, o “bandido” sabe que a carga ou o dinheiro roubado serão entregues ao empresário de uma grande rede (dessas com comerciais na TV) ou ao político profissional (de algum partido) para ser “lavado” ou municiar soldados combatentes em Milícias.
O “bandido” – entre médio e pequeno – é submetido a outro maior; este, por sua vez, tem seu chefe no próprio Estado ou, em alguns casos, até mesmo em Brasília (e sei que o eleitor conhece alguns). A sensação de segurança para o “bandido” é saber qual a margem exata de seus lucros deverá repassar a outros agentes públicos: políticos, policiais etc. A sensação de segurança do “bandido” está em confiar em seus próprios meios e recursos; sabe que se precisar poderá contar com o infalível Tribunal do Crime. Neste tribunal não há apelação e nem revisão de pena.
O “bandido”, especialmente o pequeno, aquele que precisa se afirmar na estrutura do crime, elevando seu status como destemido, matador, espelha-se no grande e sabe que este nunca foi preso e que nunca será. Porém, o pequeno “bandido” almeja ingressar com o mesmo status do grande, não admite perder um segundo: daí a sensação de que vivem a 300 km por hora, cinco anos em cinco dias. Vivem intensamente e morrem muito cedo. Os jovens que não tem paciência com nada tanto são os “bandidos” pequenos quanto são os filhos da burguesia. Time is Money.
Apesar de todos os esforços grandiloquentes das elites que sempre nos governaram, o ódio de classe está no fato de que o “bandido” pequeno só conhece o Estado por meio do giroflex da viatura. Com a vista turva de ódio e de dor, ele não quer saber, é tão imediatista, consumista, extremista, “alienado”, quanto o filho da classe média. Com a diferença de que se sente fora, totalmente alijado dos mecanismos de certificação, de validade e de reconhecimento da vida comum. Este “bandido” viveu a vida toda como se fosse um aneu logou, um homo sacer, um zé-ninguém, um bestializado. Esses são primos pobres do ídion que passou a orbitar a Idiocracia.
Agora, tomado de ódio, porque não vê lugar no mundo para si, desconta a ira, o ódio no primeiro que passar a sua frente. Antigamente, quando as classes sociais eram bem mais definidas, chamava-se isto de ódio de classe (a exemplo dos luditas e dos atentados aos “meios de produção”); hoje o ódio se espalhou como em uma larga praia, por toda a sociedade. Do ódio de classe, viemos a conhecer, fomentar e praticar o ódio social. É claro que é preciso aprofundar muito esta análise, mas surge forte – como sol a pino na maresia – o ódio social e as subculturas da violência no Brasil. A maldade de hoje se espelha no cinismo de ontem.
Do Supergo aos super egos
De todo modo, o ódio de classes é irremediável nas sociedades divididas em classes sociais. Porque há muitos super egos; porém, nenhum Superego.
Este ódio de classes pode ser acomodado. Mas negar sua presença/atuante é o que fazemos de pior.
Tratando dos efeitos, e raramente até mesmo dos efeitos colaterais, sequer entendemos o funcionamento da crise de ódio – quanto mais as origens, o metabolismo e as condições das lavas a jato da violência.
Assim, cortar o mal pela raiz significa arrancar as mais profundas raízes do capitalismo, da distopia, da entropia em forma de ficção que quer acabar com a humanidade.
Nossa inteligência artificial, com escusas ao real, segue sem consciência. Batemos continência ao saber (sic) que ocupamos a penúltima posição entre os povos mais ignorantes da realidade. E muitos ainda insistem que a ciência não pode ser crítica. A Escola não pode ter Partido, isto é, ninguém que tome o partido da educação. Se fosse verdade, estaríamos na Idade Lascada da Alquimia. E aqui o problema não são, exatamente, os robôs (porque eles são consequências), mas sim os robotizados.
Mudar tudo isso, certamente, não é tarefa simples. Por exemplo, penso que não há a menor condição objetiva de se pegar em armas para derrotar quem tem o “monopólio (i)legítimo da força física”. Por outro lado, como dialogar com inteligência com quem só conhece a ignorância e a brutalidade? Imagine-se uma rinha com um gato caseiro, manso, e um Pit Bull alimentado com ódio em seu maxilar.
Em nosso caso, no bojo do capitalismo de barbárie, esse ódio de classes tem a mesma força – antagônica, insolvível, de puro derretimento – nos dois sentidos do poder: de cima para baixo e de baixo para cima. Do alto vem o cinismo, de baixo sobe a apatia à espera das compras. É a luta do psicopata contra o “cidadão do sofá”.
Do Estado Penal à afronta (individual) da lei mais elementar: o Estado costuma afrontar o bom senso antes de todos. Pratica-se evidente Terrorismo de Estado. E assim a “lei não pega”, não cola em lugar nenhum. Aliás, a utopia (de algum-lugar) acabou como “lugar-algum”, em plena distopia pós-moderna. E aqui no acometemos de outro absurdo, sem reconhecer a modernidade política, conhecemos todos os malefícios da pós-modernidade desintegradora.
De todo modo, nesta dinâmica do capitalismo em crise ou na barbárie, tanto o terrorismo alcança qualquer país, qualquer pessoa, quanto por aqui, no dizer popular, "o sujeito atirou só pra ver o buraco e o tombo".
No reino do ódio de classes, a empatia e a interação não comovem o "Lobo Solitário". A causa de um único terrorista seria o ápice do egocentrismo, da regra de que "todo sagrado foi profanado"? Na verdade, não conhecemos lobos solitários, porque todos os casos são relatos de crime político, de pistolagem muito bem paga.
Disto resulta que as investidas contra a alternância, autonomia não são mais miraculosas do que antigamente. Talvez mais nebulosas do que se via nos tempos da “iminência parda”. Simplesmente porque, quando não há coisa pública, “todos os gatos são pardos”. Quando o lobo vem trajado de carneiro não se usa tanto dos métodos traumáticos. O golpe político, então, não precisa mais das quarteladas, basta controlar o supremo poder moderador que não mais faz justiça – ou melhor, presta-se à injustiça. No passado obscuro, dizem alguns, Geraldo Vandré teria sido lobotomizado (autor da música “Pra não dizer que não falei das flores”), quer dizer, cortaram-lhe um pedaço do cérebro, aquela parte que se chama “consciência e resistência”. Entretanto, hoje não mais se recorre a isso, os cirurgiões são de outro tipo.
Não se recorre mais à lobotomia
Aliás, lobotomia não teria algo a ver com Lobos?
Enfim, quando alguém diz que "ama os gatos", quer dizer que sua dissociação social evoluiu: da empatia a um tipo de “autismo social” (que ainda não tem CID, só CEO), como ato consciente e consentâneo de tanto ver prosperar o "homem, lobo do homem".
A prova disto está nas heranças milionárias deixadas para animais e não-doadas para instituições de crianças órfãs.
Em resumo, como o ser (dessocializado) não tem força (social) para ingressar no sistema, acaba por demonstrar sua (im)potência (em ira) no cano de uma arma ou na movimentação frenética de ações em bolsas de valores. Sem saberes, continua sem saber “onde estou, para onde vou”.
Tanto lá quanto cá, o ódio de classes (na sociedade de classes) banaliza o Mal. O Mal segue maiúsculo em seus saberes, poderes e afazeres. Daí que a oligarquia se comove com a pobreza, não sem antes odiar os pobres. E os detonados pelo sistema detonam quem estiver mais à mão.
Em outro exemplo oligárquico, e este é bem revelador em sua singeleza, nossa cultura do "homem de bem" é tão racista que foi capaz de criar uma praga ou chaga do "gato preto". Por que não há maldade no cara-pálida?
Enfim, qualquer um poderá dizer que nada de pior do que aconteceu foi pessoal...claro, tudo é impessoal, especialmente para as “pessoas de bem”. De bem para quem? Suas vidas estão no presente, e cheias de presentes.
Nesta “nova” ideologia, para nosso pesadelo, sonhamos com os sonhos dos outros. De todo modo, seguimos felizes, por pensarmos que somos muito criativos na arte de ver e de esconder.
Estamos numa fase (autismo social) em que se pode eliminar o Outro como se alisa um gato – ou brincar com um cão, do mesmo modo que não se aproxima da criança que está na rua.
O medo e a distância – é passado o tempo do “medo à distância social” – provam que a criança é da rua, brotou por ali, e o cão foi só abandonado.
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A bibliografia está nas entrelinhas. Está em cada linha. Como o objetivo é que cada um leia como quiser, de nossa parte não haverá livro – só a breve conclusão de que, a partir 2018, o ódio de classes, na sociedade de classes (nacional/nacionalista), é escravista e matador.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd