Uma introdução à teoria Geral do Delito

14/01/2019 às 15:19
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O presente artigo tem por objetivo apresentar, de forma introdutória, a teoria geral do delito

1. Da Teoria Geral do Delito

            Do ponto de vista epistemológico, com influência do Modelo Neokantista, como demonstra Bitencourt, em seu Tratado do Direito Penal, a Teoria Clássica do Crime, também conhecida por Teoria Naturalista ou Teoria Causal, foi, de forma pioneira, desenvolvida pelo jurista austríaco Franz von Liszt, em sua obra Das Deutsche Reichsstrafrecht, ainda no século XIX, tendo como um de seus principais defensores Ernest von Beling. De acordo com a teoria de von Liszt, o Fato Típico é resultado da comparação entre a conduta objetivamente realizada e a descrição legal do crime, sem analisar qualquer aspecto de ordem interna, ou seja, sem questionar a subjetividade. Sustentava ainda que o Dolo e a Culpa sediavam-se na culpabilidade e não pertenciam ao tipo. Para os seus defensores, crime só pode ser Fato Típico, Ilícito e Culpável, uma vez que o Dolo e a Culpa eram imprescindíveis para a sua existência e estando ambos na Culpabilidade.

1.1. Teoria Clássica do Crime

          Data maxima venia os defensores da Teoria Bipartida do Crime, baseada na Teoria Finalista da Ação, formada pelo jurista alemão Hans Welzel, na década de 1930[1], a Teoria Clássica se mantém como corrente majoritária, inclusive, sendo escudada pelos principais doutrinadores pátrios, quais sejam,  Nelson Hungria, Edgard Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Heleno Fragoso, Anibal Bruno, Frederico Marques, Cezar Bitencourt, Juarez Tavares, Guilherme Nucci, Paulo José da Costa Júnior, Luís Régis Prado, Rogério Greco, Fernando Galvão, João Mestieri, David Teixeira de Azevedo et cetera. Sendo assim, em respeito à lição de von Liszt e aparada pela banca dos mais respeitados juristas, para fins do presente Parecer, considerar-se-á crime o Fato Típico, Ilícito e Culpável. Sendo o Fato Típico aquele que possui uma Conduta, seja ela dolosa ou culposa – sendo, no caso do crime de Estelionato, artigo 171 do Código Penal Brasileiro, necessariamente, dolosa; que gere um Resultado; que, entre a Conduta e o Resultado haja um Nexo Causal; e, por fim, que tenha Tipicidade. Ademais, como segundo elemento do crime, o Fato deve ser Ilícito, ou Antijurídico. Por fim, como terceiro elemento constitutivo do crime, o Fato também deve ser Culpável.

1.2. Do Fato Típico

Dentro do Fato Típico, adentrando ao Conceito de Conduta, encontra-se o elemento subjetivo geral – para este Parecer só interessará o Dolo, visto que não existe possibilidade da prática culposa do delito de Estelionato. De acordo com o clássico conceito de Welzel, Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, em suas palavras, “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito” (p. 95, negritou-se). Pela definição do próprio Código Penal Brasileiro, prevista no artigo 18, inciso I, crime doloso é aquele que ocorre “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Sendo assim, ainda na lição de Bitencourt, o Dolo, enfim, é elemento essencial da ação final e compõe o tipo subjetivo. Pela sua definição, constata-se que o Dolo é constituído por dois elementos: cognitivos, que é o conhecimento ou consciência do fato constitutivo da ação típica; e volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, conhecimento, ou seja a representação, é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele.

O Resultado, como aponta Bitencourt, é representado por uma sensível modificação do mundo exterior. Segundo esse entendimento, admitem-se crimes sem Resultado, na medida em que o legislador penal descreve condutas típicas que se consumam, antecipadamente, sem a necessidade de que se produza um resultado natural. No entanto, identifica-se o Resultado, com o conceito jurídico de ofensa, dano ou perigo, a um bem jurídico tutelado pela norma penal, forçoso é concluir, como corolário do Princípio de Ofensividade, que não há crime sem Resultado. Cabe esclarecer, no entanto, que a ofensa ao bem jurídico não é o mesmo que o Resultado da ação em termos naturalísticos, mas, sim, a valoração jurídica desse. Em outras palavras, não se deve confundir o desvalor do Resultado, que deve existir necessariamente em todos os tipos de crimes, inclusive na tentativa, com o resultado propriamente dito, presente somente nos crimes materiais.

Em relação ao Nexo causal, nos crimes de Resultado, deve existir uma Relação de Causalidade entre Ação e Resultado. Como assinala Francisco Muñoz Conde, em Teoria Geral do Delito, esse é o primeiro passo para a imputação objetiva do resultado à conduta do autor. Nos chamados Crimes de Resultados, ou Crimes Materiais, como é o caso do Estelionato, o tipo de injusto objetivo somente se realiza quando entre a Ação e o Resultado houver um Nexo de Causalidade. Entrementes, deve-se ter presente a advertência de Wessels, na Parte Geral de seu Direito Penal, “nos delitos de resultado a existência do nexo causal é o mais importante, mais não o único pressuposto da imputação. Fundamento da imputação objetiva do resultado socialmente danoso é a causalidade da ação para a ocorrência do resultado típico, mas nem toda causação é, na espécie, juridicamente relevante, de forma que fundamente a responsabilidade jurídico-penal” (p. 40, negritou-se). Com efeito, além da Relação de Causalidade, é necessário demonstrar que no caso se cumprem os requisitos valorativos de imputação objetiva, ou seja, Resultado e Nexo Causal.

Em relação ao tipo, de acordo com a Teoria do tipo, ou Tipicidade, como característica essencial da dogmática do delito, conforme concebe von Liszt, reconhece-se o tipo como conjunto de elementos do fato punível. Sendo assim, como apresenta Bitencourt, tipo é o conjunto dos elementos do Fato Típico descrito na lei. O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relativas. É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular. Assim, como estabelece Damásio de Jesus, em Direito Penal, a Tipicidade é uma decorrência natural do Princípio da Reserva Legal, ou seja, nullum crimen nulla poena signe praevia lege. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstrata da lei penal. “Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora” (p. 228). Um fato para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura na lei.

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1.3. Do Fato Ilícito

            Em relação ao Fato Ilícito, ou Antijurídico, integrante do segundo elemento do delito – Fato Típico, Ilícito e Culpável –, conceitua Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arás, em Derecho Penal, que tal instituto expressa um juízo de contradição entre a Conduta Típica praticada e as normas do Ordenamento Jurídico. Nesse diapasão, destaca Bitencourt que a Tipicidade, já discorrida, é indiciária da Antijuridicidade, assim, uma vez realizado juízo de subsunção do fato executado pelo autor a um determinado tipo de injusto, o passo seguinte consiste em analisar se o Fato Típico é realmente desaprovado pelo ordenamento jurídico ou se, no caso existe alguma circunstância que o autorize. Nesses termos, o operador jurídico realiza um juízo de valor para determinar se o indício de Antijuridicidade se confirma, ante a ausência de causas de justificação, ou se pode ser desconstituída, pela presença de uma dessas causas. Ou seja, para afirmar-se a Antijuridicidade da conduta típica é necessário negar-se a existência de causa de justificação. Na lição de Maurach, na obra Derecho Penal, a Teoria da Antijuridicidade limita-se à caracterização negativa do fato; além disso, ela é um juízo sobre o acontecer, não sobre a personalidade[2].

1.4. Do Fato Culpável

            Por fim, importa destacar o terceiro elemento do delito, relativo ao Fato Culpável. Como endossa Bitencourt, a Culpabilidade, enquanto categoria sistemática do delito, é fruto da evolução dogmática jurídico-penal, produzida na segunda metade do século XIX, com a separação entre Antijuridicidade e Culpabilidade. Essa sistemática da Teoria do Delito ocasionou uma transformação fundamental no estudo dogmático penal, e tornou-se majoritária a partir da obra de von Liszt. Ainda de acordo com Bitencourt, a Culpabilidade é entendida como instrumento para prevenção de crimes e, sob essa ótica, o juízo de atribuição de responsabilidade penal cumpre com a função de apoiar estabilidade ao sistema normativo, confirmando a obrigatoriedade do cumprimento das normas[3].


[1] O ontologismo do finalismo foi elaborado pelo jurista e filósofo alemão Hans Welzel, publicado em Lehrbuch des deutschen Strafrechts, criando a Teoria Finalista, a qual deslocou o dolo e a culpa, que, como já asseverado, se mantinha na Culpabilidade, por se tratar de aspectos subjetivos do crime, para constituir elemento essencial do injusto penal. Nasce, assim, a concepção puramente normativa. Dessa forma, concentrou-se na culpabilidade somente aquelas circunstâncias que condicionavam a reprovabilidade da conduta contrário ao direito.

[2] Inobstante discorrer que não se confunde Antijuridicidade com injusto, como lembra Jescheck, no clássico Lehrbuch des Strafrechts, “a antijuridicidade é a contradição da ação com uma norma jurídica. Injusto é a própria ação valorada antijuridicamente” (p. 315), ou seja, Antijuridicidade é um predicado e o injusto um substantivo.

[3] Nesse sentido, a moderna dogmática penal procura critérios para precisar o conteúdo e a missão da Culpabilidade em um campo próximo, qualquer, nos fins da pena. Assevera Hassemer, em Einführung in die Grundlagen des Strafrechts: “Evidentemente, os fins da pena, como teorias que indicam a missão que tem a pena pública, são um meio adequado para concretizar o juízo de culpabilidade. Uma concreção do juízo de culpabilidade, sob o ponto de vista dos fins da pena, como teorias que indicam a missão que tem a pena pública, são um meio adequado para concretizar o juízo de culpabilidade. Uma concreção do juízo de culpabilidade, sob o ponto de vista dos fins da pena, promete, além do mais, uma harmonização do sistema jurídico-penal, um encadeamento material de dois setores fundamentais, que são objeto hoje dos mais graves ataques por parte dos críticos do Direito penal (p. 290).”

Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

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