Mas, qual é o direito que vem do berço?

15/01/2019 às 15:35
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O FASCISMO CRESCE ONDE TERMINA A POLÍTICA

Há uma sensação que me incomoda e a muita gente. Numa expressão, diria que é a Idiocracia. Não vou traduzir ao pé da letra o que vejo nesta nomenclatura de poder, exatamente para que, quem me lê possa tirar suas próprias conclusões.
 Como muitos, procuro entender melhor o que se passa à minha volta e comigo, desde 2013-2016. Além dos fatos políticos conhecidos por todas e todos, esta data foi um marco porque comecei a me separar de pessoas que, a par de muitos momentos de convivência, até mesmo na infância, em um determinado ponto da tangente política passaram a ser impossíveis de se manter no mesmo espaço.
 E darei um exemplo, para depois fazer uma espécie de autoanálise mental, psíquica (se é que posso dizer assim). O fator decisivo em 2016 foi o Golpe de Estado, contudo, o fato que desencadeou meu apartamento do convívio de alguns foi um vídeo que me enviaram no WhatsApp.
Não se preocupem que não costumo culpar o mensageiro – e, neste caso, menos a mensagem do que o emissor. O vídeo trazia um gorila amestrado dando um soco numa moça, pelas costas, simplesmente porque usava uma camiseta vermelha.
No mesmo dia fui ao banco de camisa rosa. E, desde então, sempre fiz a mesma pergunta: qual é o direito que cabe quando não se respeita direito algum, a começar pelos básicos, aqueles que aprendemos no berço?
 No entanto, na mesma hora, antes de sair de casa, escrevi um famoso textão para quem me enviou o conteúdo de sua própria covardia. Hoje, revendo o ocorrido, e meio sem conseguir dormir, penso que cheguei (ao menos) ao início de uma conclusão.
 Para mim, o vídeo foi uma demarcação do fascismo. E qual seria a diferença em relação ao passado, uma vez que os tais fascistas sempre estiveram por aqui? A diferença é que, no passado não muito longínquo, a Política era o intermédio de nossas relações sociais.
 Explico melhor: desde sempre, fomos obrigados a conviver com os tipos sociais mais diferentes e até estranhos, com muitas cores políticas e ideológicas. Ao longo da vida conheci e em alguns casos convivi com tipos quem nem convém descrever muito, porque ainda estão por aí.
Num dos casos, no ambiente da Polis, lembro-me de ter conversado, por horas, com o autor de um livro em favor da Pena de Antecipação da Morte: que é o nome técnico adequado. O diálogo (retórico) sempre esteve pautado pela lógica dos argumentos e das críticas.
Meu adversário, devo dizer, era profundamente estruturado. Lúcido à sua maneira, manteve-se absolutamente educado e gentil em rebater meus argumentos. Depois disso até fui estudar mais a fundo o mesmo assunto.
 Entretanto, o que quero acentuar com este exemplo é que, este senhor – eu era bem jovem, recém-formado e idealista, e ele já aposentado – representa muito bem o que hoje nós chamamos de extrema-direita. (Não esquecer que sempre respeitou o espaço do contraditório).
Sendo assim, o que mudou?
 Mudou que, mesmo com diferenças absurdas, um abismo entre nós, nos mantivemos na arena da Política. E quando se está na Política prevalece a “força das ideias” – como ensinou Florestan Fernandes. Ao sairmos deste cenário, enlameados pelo fascismo (lembrar do vídeo com o soco traiçoeiro na jovem indefesa), aderimos à “ideia da força”.
 No meu sentimentalismo de hoje, tenho que, diante de alguém que defendeu a eliminação física de outro ser humano, entre nós estabeleceu-se uma clara e evidente linha divisória: nossas diferenças eram grandes no começo da conversa e ficaram enormes no final. Mas, sempre respeitosa.
Mesmo no abismo, nem por isso ele quis me eliminar (fisicamente) e nem eu a ele – a não ser pelo jogo da retórica. Ninguém que entra num debate desses quer ceder um milímetro a seu debatedor e adversário. E que ninguém se iluda, a Política não é para santos.
São posições, visões de mundo, que não sobrevivem uma a outra: são antitéticas, opostas, contraditórias, excludentes, antagônicas. (Mas, nunca desejamos o mal ao outro). Na Política ninguém quer convencer, todos querem vencer. Não há pódio para o segundo colocado.
 No fascismo, que substituiu a arena política por um ringue de Pit Bulls (vídeo do soco covarde), não há mais diferenças, divergências. No fascismo há desejos primários, bárbaros, como o ódio que cresce nos dois lados da luta.
Confesso que, no mínimo, desejo que muitos desses gorilas amestrados sejam enjaulados nos piores presídios nacionais. E eles, com certeza, desejam minha cabeça numa bandeja.
  Enfim, indiferente às diferenças e divergências políticas, no fascismo cresce apenas a distância. Os discursos são incompreensíveis para os dois lados. Fascistas e antifascistas falam dialetos marcianos, num diálogo de surdos-mudos sem domínio de Libras. Além disso, aumenta a clivagem, a distância mental, moral, vibratória, das pessoas. Até que a distância física seja o mais recomendável.
Muitos ainda dizem que a relação emocional, típica de parentesco, piora as coisas. De minha parte, confirmo e concordo, e me arrisco a pensar que isto não se junta mais. Muitos desses, hoje sem a carapaça – que até foi de hipocrisia em muitas ocasiões –, terão que prestar contas à história, logo após serem desmentidos pela realidade.
Por isso, dá para dizer que o fascismo cresce onde termina a Política. Também dá para dizer que sem o direito que nasce no berço, não há Política alguma que resista. Sem educação básica, não há convivência.
 Concluindo pela fórmula, neste momento sintetizaria assim: na Política vigoram as diferenças e as divergências da diversidade; no fascismo, só cresce a distância com as adversidades. Na Política há adversários (e pode haver inimigos); contudo, no fascismo só há amigos e inimigos. Inclusive, trata-se de uma distância tão grande que alguns cairão na borda da Terra Plana. Portanto, aqui jaz a Política, e mesmo que o mundo dê voltas, não há ataduras que nos tragam para o mesmo raio de ação.
 Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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