(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO

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O trabalho tem por objetivo demonstrar a temeridade da decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu pela descriminalização do crime de desacato por estar em desconformidade com vários preceitos legais e fundamentais do Ordenamento Jurídico.

1 INTRODUÇÃO

No final do ano de 2016, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que o crime de desacato seria incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário desde 1992.

A decisão foi dada em um processo em que o agente subtraiu para si, mediante grave ameaça, uma garrafa de conhaque. Diante do fato, a polícia foi acionada e ao chegarem ao local, o agente, por intermédio de gestos e palavras, cometeu o crime de desacato.

Em síntese, o Ministro Ribeiro Dantas usou como fundamento que o dispositivo previsto no Código Penal Brasileiro atacaria o direito à liberdade de expressão e pensamento prevista tanto no artigo 13 do Pacto como na Constituição Federal de 1988.

Outrossim, o Ministro menciona que o desacato traria certa desigualdade entre o particular e o funcionário público, o que é inaceitável em um Estado Democrático de Direito.

Data venia, evidente que a decisão é temerária, no sentido de que deixou de analisar os requisitos essenciais para existência do delito de desacato.

2 DO CRIME DE DESACATO

2.1 Conceito e objeto jurídico

Trata-se de disposto previsto no capítulo II do Código Penal, nominado “Dos crimes cometidos por particulares contra a administração pública”, tipificado no artigo 331, o qual dispõe, in verbis: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” (BRASIL, 1940).

Sobre o dispositivo em tela, conceitua o jurista Fernando Capez (2012, p. 01):

Tutela-se mais uma vez a dignidade, o prestígio, o respeito devidos à função pública31, de modo a possibilitar o regular exercício da atividade administrativa. Sabemos que o funcionário público representa a vontade estatal. Para que dê fiel execução aos atos funcionais, é necessário que o prestígio e a autoridade da função pública sejam resguardados. Qualquer ato de violência ou qualquer ato ultrajante praticado contra o funcionário público prejudica o regular andamento da própria Administração Pública, de forma que, se não houvesse essa proteção legal, prejudicado estaria o desempenho da atividade administrativa.

No mesmo entendimento, Cleber Masson (2017, p. 1.182-1.183) explica:

O bem jurídico penalmente protegido é a Administração Pública, especialmente no tocante ao desempenho normal, à dignidade e ao prestígio da função exercida em nome do Estado. Secundariamente, também se resguarda a honra do funcionário público.

Ou seja, o tipo penal in comento almeja diretamente a proteção do prestígio da administração pública e, indiretamente, a honra do funcionário público.

Trata-se também de um delito doloso, no qual o agente busca o resultado, conhecido como dolo direito, ou assume o risco de produzir o crime (dolo eventual); de forma livre, pode ser executado de qualquer forma ou meio; comissivo, “nada mais é que a realização (ação) de uma conduta desvaliosa proibida pelo tipo penal incriminador. Viola um tipo proibitivo.” (CUNHA, 2015, p. 164). No entanto, pode ser praticado via omissão imprópria, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal (BRASIL, 1940); instantâneo, segundo Rogério Sanches Cunha (2015, p. 161) “aquele que se consuma em momento determinado (consumação imediata), sem qualquer prolongação”; monossubjetivo, é o caso de crime que há possibilidade de ser cometido por um indivíduo ou vários outros, configurando o concurso eventual de agentes; unissubsistente ou plurissubsistente, pode ser um quanto o outro. No tocante à forma unissubsistente, tem-se que a conduta no momento de cometer o delito não pode ser fracionada, ou seja, conclui-se em apenas um ato. Já no caso plurissubsistente, tem-se que deve ser analisado no caso concreto, verificando-se a possibilidade ou não do fracionamento do iter criminis; e, por fim, transeunte, aquele crime que não deixa vestígios.

2.2 Sujeitos do crime

2.2.1 Sujeito ativo (agente).

O crime é considerado comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa, até mesmo por funcionários públicos, consoante entendimento consolidado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2009):

PENAL E PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME DE DESACATO PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA OUTRAS PESSOAS NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA – POSSIBILIDADE. NULIDADE POR SER DADA VISTA À ACUSAÇÃO APÓS A RESPOSTA DEFENSIVA – DEFESA QUE FOI OUVIDA EM SEGUIDA – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA GARANTIDOS – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – NULIDADE NÃO DECLARADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – INDÍCIOS DE AUTORIA E DA EXISTÊNCIA DO CRIME – FIGURA TÍPICA – INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

É possível a prática do crime de desacato por funcionário público contra pessoa no exercício de função pública, pois se trata de crime comum em que a vítima imediata é o Estado e a mediata aquela que está sendo ofendida.

Quando é dada vista ao Ministério Público, ainda que sem previsão legal, mas, logo em seguida, é ouvida a defesa, garantidos estão o contraditório e a ampla defesa, não ocorrendo qualquer prejuízo que enseje declaração de nulidade.

Só se tranca uma ação penal quando, de plano, se verifica a ausência de provas da existência do crime, indícios da autoria, atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade.

Ordem denegada.

Outrora, o Estatuto da Advocacia em seu artigo 7º, § 2º (BRASIL, 1994), previa a imunidade do advogado, no pleno exercício da advocacia em relação aos crimes de difamação (art. 139, CP), injúria (art. 140, CP) e desacato (art. 331, CP). Todavia, o mencionado dispositivo legal foi alvejado por críticas e Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Uma das ações foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB – a qual obteve êxito com a declaração de inconstitucionalidade da expressão “desacato” do texto normativo (BRASIL, 2006).

2.2.2 Sujeito passivo (ofendido)

Tanto o Estado como o funcionário público são vítimas desse delito, aquele de maneira direta e este de modo indireto. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha (2015, p. 777) leciona que: “Não apenas o Estado, mas também o servidor ofendido será vítima (secundária) do crime de desacato, vez que maculado na sua honra profissional”. E continua: “Lembramos, porém, que funcionário público vítima é somente aquele assim considerado pelo art. 327, caput, do CP, não abrangendo o equiparado” (CUNHA, 2015, p. 777).

Em relação funcionário, passa-se ao item abaixo.

2.2.2.1 Funcionário público

Diferentemente do previsto no Direito Administrativo, no qual a caracterização do funcionário público é, em regra, dividida em funcionários públicos, empregados públicos, servidores ocupantes de cargo em comissão e servidores temporários, a ciência criminal seguiu entendimento dispondo conceito mais amplo e unitário de funcionário público, consoante prevê o artigo 327, § 1º do Código Penal (BRASIL, 1940):

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Verifica-se com a breve leitura do artigo que, para fins criminais, o funcionário é todo aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, ainda que de forma transitória.

Observa-se, ainda, que o § 1º (BRASIL, 1940) equipara a funcionário público quem exerce cargo, função ou emprego em entidade paraestatal (sociedades de economia mista, fundações instituídas pelo Poder Público, autarquia e empresas públicas) e, também, para empresa prestadora de serviços contratada (concessionárias) ou conveniada para execução de atividade típica da administração.

2.3 Conduta

O desacato consiste em:

[...] no emprego de violência (lesões corporais ou vias de fato), na utilização de gestos ofensivos, no uso de expressões caluniosas, difamantes ou injuriosas, enfim, todo ato que desprestigie, humilhe o funcionário, de forma a ofender a dignidade, o prestígio e o decoro da função pública. (CAPEZ, 2015, p. 521).

Todavia, para que esse crime ocorra, “faz-se necessária a presença do funcionário público, não se exigindo, contudo, seja a ofensa proferida face a face bastando que, de alguma forma, possa escutá-la, presenciá-la, enfim, que seja por ele percebida” (GRECO, 2017, p. 01).

Percebe-se que não há a configuração do crime de desacato quando a ofensa é proferida na ausência do funcionário público, ou por via telefônica, ou até mesmo pela imprensa. Nesses referidos casos, o ofensor responderá pelos crimes contra honra, previstos nos artigos 138, 139 e 140, com a majorante prevista no artigo 141, II, todos do Código Penal. E, em algumas situações, haverá a responsabilização pelo delito de ameaça, descrito no artigo 147 do Código Penal (BRASIL, 1940).

É nesse sentido que o Superior Tribunal (BRASIL, 2000) decidiu da seguinte forma:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. ART. 145, PARÁGRAFO ÚNICO, CÓDIGO PENAL. FORMALIDADE. DEFESA (SÚMULA Nº 523-STF). PENA ALTERNATIVA. REFORMATIO IN PEJUS. AUSÊNCIA. I - O art. 145, parágrafo único, do Código Penal, prevê que nos casos de crimes contra a honra, estes cometidos contra funcionário público em razão das suas funções, procede-se mediante representação do ofendido. II - A representação dispensa requisitos formais específicos, bastando a demonstração inequívoca da intenção de ver deflagrada a persecução penal (RT 627/365). III - Se, em exame próprio da via de habeas corpus, não se vislumbra, de pronto, sequer a deficiência concreta da defesa, incabível anular-se o feito por falta de assistência profissional para o paciente. IV - Embora se refira a "penas alternativas", não se pode concluir que a sentença tenha facultado ao réu escolher qual das duas penas restritivas de direitos iria cumprir. Writ indeferido

O professor Rogério Sanches Cunha (2015, p. 778) leciona que:

É pressuposto do crime que a ofensa seja praticada na presença do servidor vítima, isto é, que o ofendido esteja no local do ultraje, vendo, ouvindo ou de qualquer outro modo tomando conhecimento direto do que foi dito. Assim, deixa de haver desacato (mas apenas delito contra a honra) insulto por telefone (RT 377/238); imprensa (RT 429/352); por escrito, em Razões de recurso (RT 534/324) etc.

Não se pode olvidar também que para caracterização do delito de desacato, as ofensas devem ser proferidas em desfavor do funcionário público in officio (no exercício da função) ou propter officium (em razão dela), ou seja, o dolo de profanar tem que ter ligação com as funções exercidas e, diretamente, atinjam a administração pública.

É mister ressaltar que independe do local no qual o funcionário público se encontra in officio, ou seja, um delegado de polícia e um promotor de justiça não são achincalhados apenas nas dependências da delegacia ou do fórum.

Além disso, o funcionário público não precisa estar necessariamente em exercício da função para ser desacatado, basta que a ofensa seja dirigida propter officium, podendo, usando as mesmas autoridades citadas acima, o delegado de polícia ou o promotor de justiça serem desacatados em uma reunião de condomínio ou em uma panificadora.

2.4 Ação penal

Trata-se de uma ação penal de iniciativa pública incondicionada, a qual tem como titular o Ministério Público (CPP, art. 24; CP, art. 100; CF, art. 129, I). A título de exceção, temos os casos comentados acima, nos quais o funcionário público não está presença no momento do ultraje. Neste caso, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 145 do Código Penal (BRASIL, 1940), será mediante representação do ofendido.

Diante da pena de detenção de 6 (seis) a 1 (um) anos, a competência para julgar a causa é do Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95).

Destarte, é cabível ao crime todas as medidas de benefício para o infrator dispostas em Lei, tais como a suspensão condicional do processo, bem como a transação penal.

Com relação à suspensão condicional do processo, tem-se que é cabível, haja vista que a pena mínima atribuída a este crime é inferior a um ano, devendo a mencionada medida ser oferecida pelo Ministério Público pelo prazo de no mínimo dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja respondendo outro procedimento ou não tenha sido condenado por outro crime, consoante dispõe o artigo 89, caput, da Lei dos Juizados Especiais - 9.099/95 (BRASIL, 1995).

Já no instituto da transação penal, observa-se que é cabível pelo fato de o desacato ser um crime de ação penal pública incondicionada, podendo, neste caso, o Ministério Público propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, conforme mencionado.

3 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO SAN JOSÉ DA COSTA RICA)

Tem-se que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos desde 1992, vindo a adentrar no ordenamento jurídico brasileiro a partir do Decreto Lei 678/1992, ainda no mandato de Fernando Henrique Cardoso como Ministro das Relações Internacionais.

Com a vinda da Emenda 45/2004, todos os diplomas internacionais ratificados anteriormente a ela, ou seja, que não passaram por um rito especial previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, possuem caráter supralegal, que, em regra, tem um efeito paralisando em relação às outras normas do ordenamento jurídico, com exceção da Carta Maior.

Necessário faz-se trazer ao estudo os precedentes que concluíram pelo caráter supralegal conferido aos Diplomas Internacionais ratificados pelo Brasil relacionados aos Direitos Humanos. Veja-se a ementa do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2009) e do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2009), respectivamente:

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NOVEL POSICIONAMENTO ADOTADO PELA SUPREMA CORTE. 1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 7º, § 7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese do devedor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre direcionou-se no sentido da constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da Carta de 1.988, o qual prevê expressamente a prisão do depositário infiel. Isto em razão de o referido tratado internacional ter ingressado em nosso ordenamento jurídico na qualidade de norma infraconstitucional, porquanto, com a promulgação da constituição de 1.988, inadmissível o seu recebimento com força de emenda constitucional. Nesse sentido confiram-se os seguintes julgados da Suprema Corte: RE 253071 - GO, Relator Ministro MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 29 de junho de 2.006 e RE 206.482 - SP, Relator Ministro MAURICIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ de 05 de setembro de 2.003. 2. A edição da EC 45/2.004 acresceu ao art. 5º da CF/1.988 o § 3º, dispondo que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados , em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais", inaugurando novo panorama nos acordos internacionais relativos a direitos humanos em território nacional. 3. Deveras, "a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva do pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, (art , 7º, 7), ambos do ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da constituição, porém acima da legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código civil de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo Código Civil (Lei 10.406/2002)." (voto proferido pelo Ministro GILMAR MENDES, na sessão de julgamento do Plenário da Suprema Corte em 22 de novembro de 2.006, relativo ao Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, da relatoria do Ministro CEZAR PELUSO). 4. A Constituição da Republica Federativa do Brasil, de índole pós-positivista, e fundamento de todo o ordenamento jurídico, expressa, como vontade popular, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. 5. O Pretório Excelso, realizando interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu considerável mudança acerca do tema em foco, assegurando os valores supremos do texto magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, Relator MIn. Cezar Peluso, reconheceu que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação às normas infra-legais autorizadoras da custódia do depositário infiel. Isso significa dizer que, no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade. 6. No mesmo sentido, recentíssimo precedente do Supremo Tribunal Federal, verbis: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano. (HC 96772, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811) 7. Precedentes do RHC 26.120/SP">STJ: RHC 26.120/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 15/10/2009; HC 139.812/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 14/09/2009; AgRg no Ag 1135369/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 28/09/2009; RHC 25.071/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 14/10/2009; EDcl no REsp 755.479/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 11/05/2009; REsp 792.020/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 19/02/2009; HC 96.180/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 09/02/2009) 8. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Verifica-se que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça usou como fundamento o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH, alegando que o crime de desacato infringe os limites da liberdade de expressão disposto no mencionado artigo, que assim dispõe:

Artigo 13.  Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.  Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)

Ademais, como outro fundamento, o Superior Tribunal de Justiça usou o relatório de 1995 elaborado pela Comissão Interamericana de Direito Humanos – CIDH, o qual, em síntese, menciona que as leis de desprezo (crime de desacato) tornam o homem (funcionário público) em uma pessoa intocável.

Veja-se:

Cualesquiera sean las consecuencias de acciones basadas en una determinada ideología [...] y cualquiera sea el juicio de valor que merezca ese tipo de ideas, resulta claro que las ideologías no se pueden erradicar como se elimina una enfermedad epidémica o un vicio social grave, si se quiere que sobrevivan los principios básicos de un sistema democrático representativo de gobierno...  Es inadmisible que, por el mero hecho de sostener o difundir una determinada ideología, el hombre se transforme en una especie de "intocable", a quien se considera legítimo negar...la libre expresión de su pensamiento y enviarlo a la cárcel[1] (OEA, 1995).

Destarte, entretanto, veja-se que mesmo com todos os fundamentos presentes na mencionada decisão há de se falar que se trata de uma decisão temerária, consoante fundamentos abaixo explanados.

4 DAS RAZÕES DA TEMERIDADE

In initio, é mister transcrever a emenda gerada com a decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal (BRASIL, 2016), a qual decidiu pela descriminalização do crime de desacato, ex vi:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO, DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas, ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e 1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º, c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de 4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto, por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa, até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v. Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação, sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine, composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito. 14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).

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Deste modo, passa-se a expor os fundamentos em razão da declaração de incompatibilidade do delito de desacato com o direito à liberdade de expressão e pensamento.

4.1 Crime comum

Como visto anteriormente, é pacífico o entendimento, tanto na jurisprudência como na doutrina, que qualquer pessoa pode cometer o crime de desacato, seja particular ou funcionário público. Assim, não há se falar em glorificação do funcionário, sendo que este está propício a cometer o referido delito.

4.2 Competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH

Outrossim, consoante o disposto no artigo 41 do Pacto de São José da Costa Rica (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969), a CIDH tem como principal função a defesa dos direitos humanos. E, para tanto, possui as seguintes atribuições:

a.       estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América;

b.       formular recomendações aos governos dos Estados membros, quando o considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos;

c.       preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções;

d.       solicitar aos governos dos Estados membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;

e.       atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que eles lhe solicitarem;

f.        atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e

g.       apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Como pode ser verificado, os relatórios elaborados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos não possuem qualquer caráter decisório, razão pela qual não existe obrigatoriedade em segui-los.

4.3 Possibilidade de existência de normas para responsabilização ulterior

Não obstante, o próprio artigo 13, a e b, da Convenção Americana de Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969) dispõe o direito à Liberdade de Expressão:

Artigo 13.  Liberdade de pensamento e de expressão

[...]

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

[...] (original sem grifo)

Destarte, o próprio dispositivo usado como fundamento da decisão também menciona que poderão existir normas que responsabilizem os agentes que ultrapassem os limites do mencionado direito, e para assegurar a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da moral e saúde públicas, bem como a reputação dos demais indivíduos.

Portanto, de acordo com o já exposto, tem-se que o delito do desacato tem como objetivo direto a proteção do prestígio da administração pública, o que engloba o as situações do item b e, indiretamente, a honra do funcionário público, aglomerando-se a circunstância do item a, lembrando que o tipo penal leciona que o funcionário público deva estar no exercício da função ou em razão dela.

4.4 Direito não absoluto

Inegavelmente que a liberdade de expressão e pensamento não é direito absoluto, até porque nenhum direito pode ser considerado absoluto. Nesse sentido, leciona Daniel Sarmento (2014, p. 257) que “A liberdade de expressão não constitui um direito absoluto. De acordo com o famoso exemplo invocado pelo juiz norte-americano Oliver Wendell Holmes, esta liberdade não vai ao ponto de proteger a pessoa que grita ‘fogo!’ no interior de um cinema lotado.”

No exemplo, observa-se que o exercício do mencionado direito entra em conflitos com outros direitos fundamentais ou bens jurídicos coletivos que são tutelados pela Constituição Federal.

Em relação ao referido conflito, Sarmento (2014, p. 257) leciona que “devem ser equacionados mediante uma ponderação de interesses, informada pelo princípio da proporcionalidade, e atenta às peculiaridades de cada caso concreto.” E o continua: “Na resolução destas colisões, deve-se partir da premissa de que a liberdade de expressão situa-se num elevado patamar axiológico na ordem constitucional brasileira, em razão da sua importância para a dignidade humana e a democracia” (SARMENTO, 2014, p. 257).

Verifica-se pelo ensinamento do Jurista que o direito de se expressar é fundamental para garantir a dignidade humana e a democracia, todavia, poderá aquele direito ser restringido quando se visa a proteção de outros direitos fundamentais, os quais possuem a mesma relevância constitucional, com base no Princípio da Proporcionalidade.

É mister trazer ao caso a decisão do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2003) em julgamento que ficou famoso por sua polêmica, no qual o tribunal decidiu que a dignidade da pessoa humana prevaleceria sobre a liberdade de expressão e pensamento, senão vejamos pela ementa abaixo transcrita:

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pelé, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada.

Já em relação ao conflito da liberdade de expressão com o direito à honra, Daniel Sarmento (2014, p. 257-258) traz como um dos critérios mínimos para solução dessas colisões as manifestações agressivas e irônicas: “Embora manifestações agressivas ou irônicas também estejam compreendidas ao âmbito da proteção da liberdade de expressão, estas costumam impor um dano maior ao direito à honra, nem sempre constitucionalmente justificado.”

Trazendo-se o ensinamento acima, tem-se que o desacato possui tipificação legal a fim de evitar que o exercício extrapolado de um direito cause um dano maior à honra. Há pessoas que abusam desse direito fundamental, utilizando-o com o intuito de achincalhar, menosprezar, humilhar o funcionário público.

Destarte, levando-se em consideração a fundamentação acima, fica evidente que ao analisar-se o conflito que o direito à liberdade de expressão e pensamento causam em relação à honra e dignidade da pessoa humana, estes prevalecem o Princípio da Proporcionalidade.

4.5 Impossibilidade de aplicação dos crimes contra honra

A decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trouxe em um de seus fundamentos a responsabilização ulterior dos agentes que incidem no delito de desacato. Para tanto, mencionou a existência dos crimes contra honra, aplicando-se a majorante por ser funcionário público, descrita no artigo 141, inciso II, o Código Penal (BRASIL, 1940).

Todavia, ousa-se descordar, haja vista que o crime de desacato objetiva diretamente a proteção do prestígio da administração pública e indiretamente a proteção à honra do funcionário público.

Ao contrário disso, ou seja, realizando a descriminalização do desacato e aplicando os crimes contra honra, haveria uma inversão das vítimas, passando o funcionário público a ser a vítima direta dos crimes contra honra e a mesma inversão ocorreria com a administração pública, razão pela qual seria inviável a aplicação dos crimes contra honra nesse caso.

4.6 Decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça

Em 24 de maio de 2017, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu que não haveria a possibilidade de aplicação do disposto tanto no artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos como no relatório da Comissão Interamericana de Direito Humanos, ou seja, entendeu que o desacato continua sendo crime. E com essa decisão, deu-se origem à ementa abaixo reproduzida:

HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO E DOS ARTS. 330 E 331 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO TÃO LOGO QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar com observância obrigatória e integral do Estado. 2. Quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta. Precedentes. 3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que a CIDH não possui função jurisdicional. 4. A Corte Internacional de Direitos Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto. 5. As deliberações internacionais de direitos humanos decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter "moral", podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos, porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos direitos humanos. 6. Com efeito, as recomendações expedidas pela CIDH não possuem força vinculante, mas tão somente "poder de embaraço" ou "mobilização da vergonha". 7. Embora a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já tenha se pronunciado sobre o tema "leis de desacato", não há precedente da Corte relacionada ao crime de desacato atrelado ao Brasil. 8. Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se posicionou acerca da liberdade de expressão, rechaçando tratar-se de direito absoluto, como demonstrado no Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. 9. Teste tripartite. Exige-se o preenchimento cumulativo de específicas condições emanadas do art. 13.2. da CADH, para que se admita eventual restrição do direito à liberdade de expressão. Em se tratando de limitação oriunda da norma penal, soma-se a este rol a estrita observância do princípio da legalidade. 10. Os vetores de hermenêutica dos Direitos tutelados na CADH encontram assento no art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica, ao passo que o alcance das restrições se situa no dispositivo subsequente. Sob o prisma de ambos instrumentos de interpretação, não se vislumbra qualquer transgressão do Direito à Liberdade de Expressão pelo teor do art. 331 do Código Penal. 11. Norma que incorpora o preenchimento de todos os requisitos exigidos para que se admita a restrição ao direito de liberdade de expressão, tendo em vista que, além ser objeto de previsão legal com acepção precisa e clara, revela-se essencial, proporcional e idônea a resguardar a moral pública e, por conseguinte, a própria ordem pública. 12. A CIDH e a Corte Interamericana têm perfilhado o entendimento de que o exercício dos direitos humanos deve ser feito em respeito aos demais direitos, de modo que, no processo de harmonização, o Estado desempenha um papel crucial mediante o estabelecimento das responsabilidades ulteriores necessárias para alcançar tal equilíbrio exercendo o juízo de entre a liberdade de expressão manifestada e o direito eventualmente em conflito. 13. Controle de convencionalidade, que, na espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de acordo com a doutrina, "compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional." 14. Para que a produção normativa doméstica possa ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla compatibilidade vertical material. 15. Ainda que existisse decisão da Corte (IDH) sobre a preservação dos direitos humanos, essa circunstância, por si só, não seria suficiente a elidir a deliberação do Brasil acerca da aplicação de eventual julgado no seu âmbito doméstico, tudo isso por força da soberania que é inerente ao Estado. Aplicação da Teoria da Margem de Apreciação Nacional (margin of appreciation). 16. O desacato é especial forma de injúria, caracterizado como uma ofensa à honra e ao prestígio dos órgãos que integram a Administração Pública. Apontamentos da doutrina alienígena. 17. O processo de circunspeção evolutiva da norma penal teve por fim seu efetivo e concreto ajuste à proteção da condição de funcionário público e, por via reflexa, em seu maior espectro, a honra lato sensu da Administração Pública. 18. Preenchimento das condições antevistas no art. 13.2. do Pacto de São José da Costa Rica, de modo a acolher, de forma patente e em sua plenitude, a incolumidade do crime de desacato pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos em que entalhado no art. 331 do Código Penal. 19. Voltando-se às nuances que deram ensejo à impetração, deve ser mantido o acórdão vergastado em sua integralidade, visto que inaplicável o princípio da consunção tão logo quando do recebimento da denúncia, considerando que os delitos apontados foram, primo ictu oculi, violadores de tipos penais distintos e originários de condutas autônomas. 20. Habeas Corpus não conhecido. (BRASIL, 2017).

É válido ressaltar que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é formada pela junção da quinta e sexta turmas, as quais têm competência para matéria penal, como por exemplo, crimes em geral, federalização de crimes contra direitos humanos etc.

Pelo fato de o Tribunal Superior ser competente para exercer o controle de convencionalidade, o desacato continua sendo considerado típico, antijurídico e culpável.

5 CONCLUSÃO

Diante do demonstrado no trabalho, conclui-se que, data venia, existe temeridade na decisão proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, haja vista que com a tipificação do delito já se observa agressões com destinatário os funcionários públicos, obviamente que sem ela a situação seria bem pior.

Ademais, pelo que foi demonstrado, da mesma maneira que a liberdade de expressão e pensamento, a honra e a dignidade da pessoa humana também são direitos fundamentais tutelados pela Carta Magna. Destarte, diante do Princípio da Proporcionalidade, tem-se que a preservação da honra e da dignidade da pessoa humana prevalecem sobre a liberdade de expressão.

Outrossim, o crime de desacato é considerado comum, ou seja, qualquer pessoa pode cometer, até mesmo o funcionário público, consoante decisões do Superior Tribunal de Justiça, logo, não há se falar em personificação da vítima indireta do delito. E inegavelmente que a aplicação dos crimes contra honra para a responsabilização ulterior dos agentes não é o mais adequado para o caso, uma vez que ocorrerá a inversão das vítimas, passando o funcionário público figurar como vítima direta e a administração pública com vítima direta.

Evidentemente que com a aplicação do entendimento pela descriminalização do desacato virão diversos prejuízos, tais como danos graves e irreversíveis ao desempenho da atividade administrativa, colocando-se em jogo a ordem pública.

Todavia, com a vinda da decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o delito em comento continua sendo típico, antijurídico e culpável. 

6 REFERÊNCIAS

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SARMENTO, D. Comentário ao artigo 5º, IV. In: CANOTILHO, J. J. G.; MENDES, G. F.; SARLET, I. W.; STRECK, L. L. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/ Almedina, 2013. p. 257-258.


[1] Quaisquer que sejam as consequências de ações com base em uma ideologia particular [...]  e qualquer que seja o juízo de valor digno de tais ideias, é claro que as ideologias não pode  ser erradicada como uma epidemia da doença ou um vício social grave é eliminado Se você  quiser sobreviver os princípios básicos de um sistema democrático representativo de governo. Ele é inaceitável que, por uma questão de manter ou propagar uma ideologia particular, o homem torna-se uma espécie de "intocável", que é considerada legítima para negar ... a livre expressão do pensamento e enviá-lo para a cadeia.

Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Harisson Felipe da Silva

Graduado em direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR

Informações sobre o texto

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