ARRESTO OU EMBARGO DE NAVIO

17/01/2019 às 18:44
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O INSTITUTO DO ARRESTO NAVAL.

ARRESTO OU EMBARGO DE NAVIO

 

Rogério Tadeu Romano

 

A doutrina costuma conceituar o arresto ou embargo de navio como a apreensão judicial de bens não litigiosos para segurança do pagamento da dívida.

Trata-se de medida cautela nominada de caráter patrimonial.

Em face do Código Comercial o arresto de navio pode ocorrer:

  1. Por dívida privilegiada: Art. 479 - Enquanto durar a responsabilidade da embarcação por obrigações privilegiadas, pode esta ser embargada e detida, a requerimento de credores que apresentarem títulos legais (artigo nºs 470, 471 e 474), em qualquer porto do Império onde se achar, estando sem carga ou não tendo recebido a bordo mais da quarta parte da que corresponder à sua lotação; o embargo, porém, não será admissível achando-se a embarcação com os despachos necessários para poder ser declarada desimpedida, qualquer que seja o estado da carga; salvo se a dívida proceder de fornecimentos feitos no mesmo porto, e para a mesma viagem.

A doutrina entende que a proibição de arresto de navio já pronto para sair é perfeitamente justificada porque lançaria a perturbação nos múltiplos interesses que se prendem às expedições marítimas; imobilizando o navio, acarretando o rompimento do ajuste dos tripulantes e o do fretamento, pelo menos quando os tripulantes tenham sido ajustados e o navio fretado para a viagem, desorganizando as expedições marítimas e seria prejudicial ao armador, à equipagem, aos carregadores e aos destinatários;

  1. Art. 480 - Nenhuma embarcação pode ser embargada ou detida por dívida não privilegiada; salvo no porto da sua matrícula; e mesmo neste, unicamente nos casos em que os devedores são por direito obrigados a prestar caução em juízo, achando-se previamente intentadas as ações competentes(dívida não privilegiada);
  2. Débitos particulares do armador: Art. 481 - Nenhuma embarcação, depois de ter recebido mais da quarta parte da carga correspondente à sua lotação, pode ser embargada ou detida por dívidas particulares do armador, exceto se estas tiverem sido contraídas para aprontar o navio para a mesma viagem, e o devedor não tiver outros bens com que possa pagar; mas, mesmo neste caso, se mandará levantar o embargo, dando os mais compartes fiança pelo valor de seus respectivos quinhões, assinando o capitão termo de voltar ao mesmo lugar finda a viagem, e prestando os interessados na expedição fiança idônea à satisfação da dívida, no caso da embarcação não voltar por qualquer incidente, ainda que seja de força maior. O capitão que deixar de cumprir o referido termo responderá pessoalmente pela dívida, salvo o caso de força maior, e a sua falta será qualificada de barataria.
  3. Arresto do navio estrangeiro: os navios estrangeiros surtos nos portos do Brasil não podem ser embargados nem detidos ainda mesmo que se achem sem carga, por dívidas que não forem contraídas no território nacional em utilidade dos mesmos navios ou da sua carga; salvo provindo a dívida de letras de risco ou de câmbio sacadas em país estrangeiro nos casos em que a lei lhes atribuir o privilégio(artigo 651), vencidas em algum lugar do país(artigo 482). Esse dispositivo, segundo nos informa J. C. Sampaio de Lacerda(Curso de direito privado da navegação, volume I, 2ª edição, pág. 312) veio do antigo Código Comercial Português de 1883.
  4. O artigo 483 do Código Comercial determina que “nenhum navio pode ser detido ou embargado, nem executado na sua totalidade por dívidas particulares de um comparte; poderá, porém, ter lugar a execução no valor do quinhão do devedor, sem prejuízo da livre navegação do mesmo navio, prestando os mais compartes fiança idônea.”

Dúvidas subsistem, historicamente, com relação a aplicação do artigo 482 do Código Comercial:

Art. 482 - Os navios estrangeiros surtos nos portos do Brasil não podem ser embargados nem detidos, ainda mesmo que se achem sem carga, por dívidas que não forem contraídas no território brasileiro em utilidade dos mesmos navios ou da sua carga; salvo provindo a dívida de letras de risco ou de câmbio sacadas em país estrangeiro no caso do artigo nº. 651, e vencidas em algum lugar do Império.

Observo quanto ao embargo marítimo,  a lição de Carla Adriana Comitre Gilbernoti (Teoria e Prática do Direito Marítimo, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 264):

"Além do título representativo do crédito, é necessário que o navio ou embarcação, objeto do arresto esteja sem carga ou com menos de um quarto de sua capacidade de carga, isto é, 25% de sua lotação.

Essa lotação, no entanto, é duvidosa, uma vez que pode tornar-se difícil sua comprovação. Ademais, não está consignado na Convenção de Bruxelas a obrigatoriedade da comprovação de tal limite, nem mesmo a sua observância, abrindo-se, dessa forma, a possibilidade de um arresto sem tal comprovação".

Quanto ao artigo 482 do Código Comercial há diversos entendimentos.

Alguns autores concluíram como Sabóia de Medeiros, trabalho na matéria, que o dispositivo estava proscrito da nossa legislação, pois criava em favor dos navios estrangeiros uma imunidade em flagrante contradição com as regras aplicáveis a navios nacionais. Mas, Sérgio Loreto Filho contestava esse argumento, declarando que o artigo 72 da Constituição de 1891 apenas equiparava aos brasileiros os estrangeiros residentes no Brasil. Por sua vez, Castro Rebelo acentuou que o ato de assegurar a Constituição, em termos iguais, a brasileiros e estrangeiros residentes no país, “a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual, à propriedade, como o de se declararem, em relação a essa garantia, uns e outros, nunca foi obstáculo a que, em obediência ao próprio interesse nacional, se estabeleçam isenções para o estrangeiro(parecer sobre o caso de Winhuk, navio alemão, publicado no memorial Arresto do navio estrangeiro em porto de arribado, apresentado em 1940, ao Tribunal de Justiça de São Paulo pelo Ministro Costa Manso).  

O Supremo Tribunal Federal, em histórica decisão em acórdão proferido em 22 de fevereiro de 1908(Revista de Direito, 8, pág. 293), no caso de abalroamento do vapor brasileiro “Guasca” pelo vapor argentino “San Lorenzo”, em que se permitiu o arresto do navio estrangeiro no porto de Paranaguá, no Paraná.

Tratava-se ali não de dívida contraída no território brasileiro, propriamente, mas de dívida oriunda de dano pessoal e material causado por abalroação, razão pela qual o Tribunal decidiu que, tendo o acidente ocorrido em águas territoriais brasileiras, era, “por analogia do que se contem na citada disposição do artigo 482”, admissível o arresto. Na hipótese, acentuou Figueira de Almeida(Memorial apresentado ao Tribunal de Apelação do Distrito Federal sobre arresto de navio estrangeiro no Brasil, em 1940). Naquela hipótese o quase-delito praticado pelo “San Lourenzo” deu origem a responsabilidade civil por culpa extracontratual, consistente nos danos materiais e lucros cessantes a que tinha direito o armador do “Guasca”, os quais na técnica de direito marítimo, classificavam-se entre os “créditos privilegiados, a serem indenizados pelo navio abalroador”.

Naquela hipótese, portanto, o Tribunal, ao contrário de afastar a aplicação do artigo 482, entendeu-o aplicável a uma hipótese não prevista por analogia.

Na lição de J.C.Sampaio de Lacerda(Curso de Direito privado de navegação, volume I, 2ª edição, pág. 344), “não se pode, pois, afirmar a impossibilidade de arresto de navio estrangeiro, mas a sua ocorrência está subordinada a certas condições: ser a dívida contraída em território  brasileiro, inclusive em águas territoriais, além de ser a mesma privilegiada, estando o navio sem carga ou não tendo recebido a bordo mais da quarta parte da que corresponder à sua lotação, tudo nos termos do artigo 479 do Código Comercial já examinado. A exceção prevista no artigo 482 é, deste modo, explicável, pelo que acima dissemos, e extingui-lo será privar o país das vantagens que decorrem da vantagens que decorrem da entrada em seus portos do maior número de navios estrangeiros, como acentuou Figueira de Almeida”.

Alguns autores questionam a aplicação do artigo 482, dizendo que ele é inconstitucional, com base no princípio da igualdade.

Alegam ainda que o dispositivo favorece navios e estrangeiros através de uma flagrante contradição com regras aplicáveis aos navios nacionais.

Entretanto outros doutrinadores contestam que tal dispositivo não é contraditório, pois a tripulação de um navio estrangeiro não pode ser incluída como população estrangeira residente no País. Foi frisado o fato de nossa Constituição assegurar, em termos iguais, a brasileiros e estrangeiros residentes no País, “a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança  individual e à propriedade, como o de se declararem, com relação a esta garantia, uns e outros - “iguais perante a lei” . É importante lembrar que em obediência ao próprio interesse nacional, se estabelecem isenções para estrangeiros.

.A propósito do ato ilícito já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, levando em conta exatamente a causa de pedir no Brasil: “É princípio tradicional do direito brasileiro, inscrito no art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, o que as obrigações devem ser qualificadas e regidas pelo direito do país em que se constituírem. Face à regra da 'lex loci delicti', que é de ordem pública, se o ato ilícito foi praticado no Brasil e no Brasil produziu efeitos a competência é da Justiça brasileira.” - (Ac. Unân. Do STF em Sessão Plena de 09.10.1980, em AgRg. Na CR 3.119, rel. Min. Antônio Neder; RTJ 97/69).

Trata-se de regra de direito internacional privado a determinar a regra a ser aplicável diante de um conflito espacial de aplicação de leis.

Ainda o Tribunal Marítimo detém competência administrativa para instruir e julgar com relação a eventuais sinistros marítimos sendo a prova nele colhida algo de extrema importância a ser levada em conta pela Justiça Comum. É a prova de maior valia quando de  reexame pelo Poder Judiciário, Esta posição é antiga e referendada pelo STF. 

A Convenção de Bruxelas deve ser observada.

O art. 482 do Código Comercial foi revogado pela Convenção Internacional de Bruxelas, de 10 de abril de 1926, da qual o Brasil é signatário,

O artigo 2º da Convenção de Bruxelas refere expressamente que: “Um navio que arvore pavilhão de um dos Estados Contratantes só poderá ser arrestado na jurisdição de outro Estado Contratante em virtude um crédito marítimo, mas nenhuma das disposições da presente Convenção poderá considerar-se extensão ou restrição dos direitos ou poderes que têm os Estados, autoridades públicas ou autoridades portuárias, segundo as suas leis internas ou regulamentos, de arrestar ou deter um navio, ou, por outro modo, impedi-lo de sair para o mar dentro da jurisdição.”

Portanto apenas com base num crédito marítimo pode um navio com pavilhão de Estado Contratante da Convenção ser arrestado. Se for um crédito não marítimo, um qualquer crédito, já não pode ser arrestado um navio.

Colho a opinião de Cristina Lança(O arresto de navios – I) onde diz:

“Estabelece o nº 1 do artigo 3º da Convenção que pode ser arrestado o navio ao qual o crédito se refere (“offending ship”) ou qualquer outro que na data da constituição do crédito marítimo fosse do proprietário daquele navio (“sister ship”), excepto se se tratar de um crédito marítimo constante das alíneas o), p) ou q), nestes casos apenas é possível arrestar o offending ship.

Quanto à designação de “o mesmo proprietário” o (2) esclarece que: “reputar-se-á terem o mesmo proprietário os navios cujas quotas-partes pertençam em propriedade à mesma pessoa ou pessoas”. Isto significa que o se o capital de duas sociedades “single ship” pertencer inteiramente à mesma pessoa ou entidade pode ser arrestado o navio de outra sociedade se o capital pertencer à mesma pessoa ou entidade. Contudo não é tão fácil assim arrestar o navio de outra sociedade. O que acontece de facto é que a propriedade dos navios encontra-se repartida por várias single-ship companies e tendo estas um património diverso entre si torna-se difícil arrestar o outro navio a menos que se prove a existência de uma gestão comum das várias companhias/sociedades.

Encontra-se consagrado no nº 3 do artigo 3º o princípio da proibição de um segundo arresto no mesmo navio, ou de outro pertencente ao mesmo proprietário, pelo mesmo crédito. Não há, portanto, arresto duplo ou re-arresto. Só será possível a título excepcional se o requerente provar que o primeiro arresto já não é bastante para garantir eficazmente o crédito, que a caução prestada não é suficiente.

Não consta da Convenção que o Requerente do arresto tenha de prestar caução, embora o nº 3 fale em caução, contudo se for admitida pela legislação nacional a prestação de caução ela deverá ser admitida nos termos do artigo 6º da Convenção (já iremos falar deste artigo) uma vez que remete para as leis nacionais todas as questões relativas à responsabilidade do autor. A prestação de caução pelo requerente do arresto tem como objectivo assegurar o pagamento da indemnização em que este venha a ser condenado em caso de arresto indevido (wrongful arrest).

E no caso de arresto de navio fretado, em que o proprietário do navio não é o devedor do crédito, mas sim o afretador do navio que se pretende arrestar? O nº 4 do artigo 3º da Convenção diz que: “No caso de fretamento de navio, com transferência de gestão náutica, quando só o afretador responder por um crédito marítimo relativo a esse navio, o autor poderá fazer arrestar o mesmo navio ou outro pertencente ao afretador, com observância das disposições da presente Convenção, mas nenhum outro navio pertencente ao proprietário poderá ser arrestado por tal crédito.

A precedente alínea aplica-se igualmente a todos os casos em que pessoa diversa do proprietário é devedora de um crédito marítimo”.

Esclarece-se que há transferência de gestão náutica nos casos de contrato de fretamento de navio em casco nú. (Artigo 35º da Lei do Contrato de Fretamento de Navio-Decreto Lei nº 191/87 de 29 de Abril). Aliás neste tipo de contrato de fretamento a gestão comercial e a gestão náutica pertencem ao afretador. Falaremos em particular sobre contrato de fretamento numa edição futura do Jornal. Corresponde ao charter by demise e ao bareboat charter no direito anglo-saxónico.

Contudo, esta disposição aplica-se também ao fretamento a tempo (gestão comercial pertence ao afretador e a gestão náutica ao fretador) e à viagem (gestão comercial e gestão náutica pertencem ao fretador), é isso que quer dizer quando no segundo parágrafo se refere que “aplica-se igualmente a todos os casos em que pessoa diversa do proprietário é devedora de um crédito marítimo.”  Pelo menos este tem sido o entendimento dominante.

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Um navio apenas pode ser arrestado “mediante autorização judicial de um Tribunal ou de outra autoridade judiciária competente do Estado Contratante onde o arresto é efectuado” (Artigo 4º da Convenção).

O artigo 5º estabelece que: “O tribunal ou autoridade judiciária competente, em cuja jurisdição o navio tiver sido arrestado, decretará o levantamento do arresto logo que for prestada caução ou garantia suficientes, salvo se o arresto houver sido efectuado em virtude dos créditos marítimos enumerados no artigo 1º alíneas o) e p); neste caso, o juiz pode autorizar a exploração do navio pelo possuidor, desde que este preste garantias bastantes, ou regular a gestão do navio durante a pendencia do arresto.

Na falta de acordo das Partes sobre a importância da caução ou garantia, o tribunal ou autoridade judiciária competente fixará a sua natureza e montante.

O pedido de levantamento do arresto, mediante tal garantia, não poderá ser interpretado nem como reconhecimento de responsabilidade nem como renúncia ao benefício da limitação legal da responsabilidade do proprietário do navio.”

Isto significa que o requerido apenas pode pôr fim ao arresto se prestar caução ou garantia suficiente, caso contrário o arresto mantém-se e o navio fica imobilizado. E o arresto apenas será levantado se o crédito marítimo não se referir a propriedade e compropriedade contestada, podendo nestes casos o juiz autorizar a exploração do navio pelo possuidor desde que este preste garantias bastantes ou regular a gestão do navio durante a pendência do arresto. Aplica-se o artigo 7º nº 2 da Convenção aos casos em que o levantamento do arresto não pode ser autorizado.

No que se refere a questões relativas à responsabilidade do requerente do arresto por prejuízos causados pelo arresto ou por despesas de caução ou de garantia prestadas para o levantamento ou impedir, são estas reguladas pelas leis do Estado Contratante em cuja jurisdição o arresto for efectuado ou pedido. (Artigo 6º). Cabe aos Estados Contratantes quanto à caução definir na sua lei interna se a prestação de caução pelo requerente do arresto é obrigatória, uma vez que a Convenção não fala expressamente nisso. A caução a prestar pelo requerente tem como função assegurar o pagamento de indemnização em que este venha a ser condenado em caso de wrongful arrest, se este tiver sido considerado abusivo ou se o requerente tiver agido com mera negligência.

No artigo 7º consta a competência dos tribunais para a questão principal, pois nem sempre o arresto é decretado no mesmo Estado-Contratante que a acção principal, o arresto é normalmente requerido no Estado onde se encontra o navio. Estatui o referido artigo que: “(1) Os Tribunais do Estado em que se efectuou o arresto serão competentes para conhecer da causa principal:

Ou quando essa competência lhes cabe por força da lei interna do referido Estado;

Ou qualquer dos seguintes casos taxativos:

  1. Se o autor tem a sua residência habitual ou o seu principal estabelecimento no Estado em que se efectuou o arresto;
  2. Se o próprio crédito marítimo se constituiu no Estado Contratante onde se efectuou o arresto;
  3. Se o crédito marítimo se constituiu no decurso de uma viagem durante a qual se efectuou o arresto;
  4. Se o crédito provem de abalroação ou de circunstancias previstas no artigo 13º da Convenção Internacional para a Unificação de certas Regras em matéria de abalroação, assinada em Bruxelas, a 23 de Setembro de 1910;
  5. Se o crédito provém de assistência ou salvação;
  6. Se o crédito está garantido por hipoteca marítima ou mortgage sobre o navio arrestado.

(2) Se o tribunal em cuja jurisdição o navio foi arrestado não tiver competência para se pronunciar sobre a causa principal, a caução ou garantia a prestar, na conformidade do artigo 5º, para obter o levantamento do arresto, deverá garantir o cumprimento das condenações que venham a ser ulteriormente proferidas pelo tribunal com a dita competência, e o tribunal ou a autoridade judiciária do lugar do arresto fixará o prazo dentro do qual o autor deverá propor a acção perante o tribunal competente.

(3) Se as convenções das partes contêm cláusula atributiva de competência a outra jurisdição ou cláusula arbitral, o tribunal poderá fixar o prazo de propositura da acção principal.

(4) Nos dois casos previstos nas alíneas precedentes, se a acção não for intentada no prazo estabelecido, o arrestado poderá pedir o levantamento do arresto ou da caução prestada.

(5) Este artigo não se aplicará aos casos prevenidos nas disposições da Convenção revista sobre a Navegação do Reno de 17 de Outubro de 1868.”

Observo por fim das conclusões de Cristina Lança(obra citada):

“Em suma, a Convenção é de aplicar quando um dos três elementos local de arresto, bandeira do navio a arrestar e/ou requerente do arresto for estranho ao Estado onde tiver lugar o arresto. Portanto se for um arresto em Portugal de um navio com bandeira estrangeira que se encontra fora de Portugal, por um requerente estrangeiro ou português aplica-se a Convenção, se for um arresto em Portugal de um navio com bandeira portuguesa ou estrangeira, de um arresto fora de Portugal, mas o requerente for estrangeiro aplica-se também a Convenção, se for um arresto no estrangeiro de um navio português por um requerente português e o navio se encontrar em Portugal, aplica-se a Convenção. Se pelo contrário for um arresto em Portugal de um navio português por um requerente português e o local do arresto é cá então já não se aplica a Convenção, mas sim o regime nacional. Apenas quando um dos elementos é estrangeiro aplica-se a Convenção.”

A par das razões apresentadas modernamente podem ser apresentados outros fundamentos que, segundo a doutrina, definem a inconstitucionalidade do artigo 482 do Código Comercial e sua não aplicação ao sistema jurídico pátrio: 

a) Com o artigo 12, § 1º, inciso I, da Lei nº 7.203/84, da Lei sobre Assistência e Salvamento, que contempla o embargo de embarcação que tiver sido assistida, mesmo quando estrangeira, como garantia da remuneração devida ao salvador; 

b) Com o artigo 679 do CPC que regula a possibilidade de penhora e detenção de navios, sem qualquer distinção quanto a nacionalidade da embarcação, exigindo para a possibilidade de livre navegação a existência de seguros apropriados contra os riscos de navegação(seguro de casco e máquinas e de responsabilidade civil), obviamente desde que, na avaliação do juiz, ademais, não haja risco de desvio do bem pelos proprietários; 

c) Com o atual regime juridico já dito podem ser aplicadas as regras da OMC, o acordo do GATT e os artigos 1 e 2 do Tratado de Assunção que criou o Mercosul. 

A doutrina considera, pois, revogado, o artigo 482 do Código Comercial diante dos argumentos acima apresentados. 

Por fim, fala-se no arresto por dívidas particulares de compartes.

O artigo 483 do Código Comercial determina que nenhum navio pode ser detido ou embargado, nem executado na sua totalidade de dívidas particulares de um comporte, sendo, porém, possível a execução no quinhão do devedor, o que não impede a livre navegação do navio desde que seja presada fiança idônea pelos demais compartes.

Outrossim explicito, com o devido respeito, que permanecem firmes as regras tradicionais para o arresto, em que pese opinião contrária dada por alguns comentadores quanto ao CPC de 2015. 

 Caberá medida cautelar de arresto quando, dentro de um poder geral de cautela:

  • o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se, ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado.
  • o devedor com domicílio se ausentar ou tentar se ausentar furtivamente;
  • caindo em insolvência aliena ou tenta alienar bens que possui, contrai ou intenta contrair dívidas extraordinárias, põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros, comete qualquer outro artifício fraudulento, com a finalidade de frustrar a execução.
  • o devedor que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese;

Para a concessão do arresto é essencial:

  • prova literal da divida líquida e certa;
  • prova documental ou justificação de alguns dos casos do artigo 813 do CPC.

 

Ensinou Luís Felipe Galante(O embargo de embarcações no novo CPC -  Emerj, volume 19, n. 74) que, com relação ao fumus boni iuris, deve ser observado que privilégios marítimos já são, em si mesmos, evidência do bom direito do requerente da medida. Com efeito, se a própria lei alça-os à condição de créditos com direito de prelação sobre todos os demais na esfera do direito marítimo, com as características do direito de sequela e do direito de embargo da embarcação sobre a qual recaem, seria um contrassenso negar que eles portam em si viva expectativa de bom direito. Isso não implica demérito para os créditos não privilegiados.

O periculum in mora, segundo requisito de mérito da tutela cautelar, é intenso no direito marítimo devido à mobilidade das embarcações, sempre que o devedor não disponha de outro patrimônio local que responda por suas obrigações. Aliás, enquanto operam, as embarcações sujeitam-se a múltiplos riscos, tais como encalhes, colisões, piratarias etc. Nos casos de dissipação de bens, por óbvio, há necessidade de decretação da medida de embargo.

Nem todos os arrestos são necessariamente preparatórios e Pontes de Miranda(Comentários ao código de processo civil, tomo VIII, pág. 332) mostrou que sob o Código de 1939 era possivel o arresto em casos de créditos a termo ou sob condição, justamente indicando que o arresto "assegura a pretensão e não a ação". E separando as hipóteses de arresto simplesmente preventivos dos que tivessem também caráter preparatório, afirmava que "nesses casos(dos créditos condicionais) o prazo do artigo 677 só se conta do advento da condição ou do termo". 

A doutrina estrangeira também admite a concessão do arresto para assegurar créditos condicionais ou a termo, como se lê da lição de Coniglio(Il sequestro conservativo e giudiziario, pág. 52). 

As legislações de que é exemplo citado o  já citado § 916 do Código de processo civil germânico, também protegeram os créditos condicionais por meio de arresto. A Argentina é ainda exemplo disso no artigo 209, § 5º, apenas exigindo uma justificação prévia. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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