O Novo Código de Processo Civil e sua Convivência com o Artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

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A pergunta é se o art. 15 do CPC/2015 revogaria o art. 769 da CLT. A lei não contém (ou não deveria conter) palavras inúteis. É sobre isso que discorreremos.

1. INTRODUÇÃO

A aprovação de um novo Código é sempre um momento difícil na vida em sociedade. Impõem-se, com isso, a tarefa de transição, com a consequente necessidade de compreensão de seus paradigmas, com o objetivo de criar novos marcos orientadores para aplicação do novo diploma pela comunidade jurídica.

Essa tarefa é muito difícil. Sem poder perder de vista a tradição, essencial para a vida em sociedade, necessário se faz, um estudo minucioso da Lei nº 13.105/2015 (neste artigo chamado de CPC/2015), para daí extrair as técnicas que permitiram uma eficiente aplicação da Lei.

Atividade menos fácil, será a dos processualistas trabalhistas, pois, além de compreender o novo CPC/2015, deverão promover o necessário dialogo dele com o Processo do Trabalho, com o intuito de fortalecer este último sem alterar a sua essência.

Nossa primeira tarefa, é saber o alcance do art. 15 do CPC/2015, redigido nos seguintes termos:

“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. ”

Lido atentamente, é nítido que o novo preceito busca a solução para as lacunas processuais, vindo daí duas indagações para os estudiosos do mundo do trabalho.

A primeira é se o art. 15 do CPC/2015 revogaria o art. 769 da CLT. A segunda, e também importante, é qual o sentido que a doutrina e a jurisprudência devem dar às expressões “supletiva” e “subsidiaria”, levando em conta que a lei não contém (ou não deveria conter) palavras inúteis. É sobre isso que discorreremos.

2. O ART. 15 DA CPC/2015 E A PROBALIDADE DE REVOGAÇÃO DO ART. 769 DA CLT.

Nos termos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, sendo certo que a nova lei que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2ª, §§ 1º e 2º).

Percebe-se sem grande esforço, que o art. 15 do CPC/2015 não detém o poder de revogar o art. 769 da CLT.

O novo Código não revoga expressamente a disposição celetista. Nas ocasiões em que o CPC/2015 revoga preceitos legais específicos de outras leis, em nenhum momento faz menção ao art. 769 da CLT.

Também, não é razoável dizer que o art. 15 do CPC/2015 é incompatível com o art. 769 da CLT, pelo contrário, ambos possuem potencial autônomos, capazes de coexistirem com suas significações jurídicas próprias.

Por último, há de se constatar que o art. 15 do CPC/2015 é um regramento geral, previsto para completar as eventuais lacunas dos processos eleitorais, trabalhistas e administrativos, enquanto o art. 769 da CLT é uma regra especial do Processo do Trabalho. Só isso seria suficiente para se ter certeza que a nova disposição (art. 15, CPC/2015) não revoga nem modifica a disposição anterior (art. 769, CLT) nos termos do art. 2º, § 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

3. OS ARTS. 769 E DA CLT E 15 DO CPC/2015 NA HIPÓTESE DE COEXISTÊNCIA.

Como visto, não é defensável o posicionamento de que o art. 15 do CPC/2015 revogaria o art. 769 da CLT. Tampouco, poderia se validar a aparente antinomia se pensarmos na perspectiva pós-moderna. Não é recente, a perspectiva, de que, as fontes podem (e devem) se comunicar.

A professora Claudia Lima Marques (UFRGS), em seu magistério, introduziu em nosso país, o método do diálogo das fontes, construído na Alemanha, e que assim poderia ser sintetizado (se possível):

“A bela expressão do mestre de Heidelberg é semiótica e autoexplicativa: di-a-lo-gos, duas ‘lógicas’, duas ‘leis’ a seguir e a coordenar um só encontro no ‘a’, uma ‘coerência’ necessariamente ‘a restaurar’ os valores deste sistema, desta ‘nov-a’ ordem das fontes, na qual uma não mais ‘re-vo-ga’ a outra (o que seria um monologo, pois uma só lei ‘fala’), e, sim, dialogam ambas as fontes, em uma aplicação conjunta e harmoniosa guiada pelos valores constitucionais e, hoje, em especial, pela luz dos direitos humanos.”*

Fica cada vez mais claro que as relações sociais são complexas, e muitas vezes caóticas, não podendo ser simplesmente simplificadas esquematicamente.

A vida em sociedade é intricada, exigindo perspicácia e rebusca daqueles que pretendem entendê-la minimamente.

O universo jurídico não poderia desperceber tamanha dinamização. Neste sentido, não há como não dizer, que no caso brasileiro, a Lei de Introdução, criada as sombras do positivismo, já não consegue dar respostas adequadas aos impasses normativos.

É forçoso e necessário se abrir a métodos novos, que ao rechaçar os métodos inúteis propicia a aplicação de duas ou mais normas, em consonância com a Constituição e os Direitos Humanos.

Não há como negar, neste contexto, que os arts. 769 da CLT e 15 do CPC/2015, pensados ao encontro, e não de encontro, realizados com técnica e método cientifico pode potencializar a instrumentalidade do Processo do Trabalho, sem desnaturar a sua raiz.

4. ELEMENTOS PARA COMPREENSÃO E CONFLUÊNCIA DOS ARTS. 769 DA CLT E 15 DO CPC/2015.

O art. 769 da CLT dispões que “nos casos omissos, do direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo que incompatível com as normas deste Título [ referindo-se ao título X da CLT, que trata do Processo Judiciário do Trabalho]. ”

Já o art. 15 do CPC/2015 estabelece que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Dê início, pode se notar que enquanto aquele faz menção especifica ao Processo do Trabalho (art. 769, CLT), este faz menção genérica a aquele, como também processos eleitorais ou administrativos. Mas seja como for, ambos se preocupam com as lacunas processuais.

Passado este ponto, é importante frisar, que o Processo do Trabalho foi criado com o objetivo da satisfação de verbas de natureza jurídica alimentícia.

Neste interim, foi criado “verdadeiras” colunas de sustentação que juntas soerguem o que poderíamos chamar de edifício do Processo do Trabalho, sendo assim, consideradas seu núcleo:

_ Protecionismo;

_ Inquisitividade;

_ Concentração dos Atos Processuais;

_ Imediação;

_ Oralidade;

_ Simplicidade Procedimental;

_ Celeridade Processual.

É o cultivo dessas bases fundantes que garante ao Processo do Trabalho a força para imprimir concretude ao direito do trabalhador. Assim, na coexistência do processo laboral com o processo comum e mesmo com outros microssistemas processuais (por exemplo o Código de Defesa do Consumidor, a Lei dos Juizados Especiais etc), todas as vezes que essas bases forem corrompidas, o Processo do Trabalho deixará de existir, aparecendo no seu lugar, consequentemente, um outro procedimento, distante, vulgar, sem prestígio suficiente para ser cientificamente considerado como uma disciplina autônoma do direito, com objeto, princípios e fins próprios.

Passada essa fase, passaremos, a propor um método para a coexistência entre os arts. 769 da CLT 15 do CPC/2015, de modo que, preservada a essência do Processo do Trabalho, possamos fortalece-lo com tudo aquilo que há de compatível no Processo Comum.

5. CRITÉRIOS PARA COEXISTENCIA DOS ARTS. 769 DA CLT E 15 DO CPC/2015.

Incompleto, com efeito, o Processo do Trabalho estará constantemente aberto para receber tudo aquilo que aumenta sua eficiência, daí, não é possível admitir que os arts. 769 da CLT e 15 do CPC/2015 não podem coexistir em harmonia.

Ocorre que, pelas próprias características que permeiam o Processo do Trabalho, muitos dispositivos trazidos pela novel legislação processual se mostram inaplicáveis para esse ramo processual.

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Poderíamos citar o art. 190 da nova legislação que terá pouco ou nenhum espaço no Processo do Trabalho, pois seu modelo adversarial ao prever a convenção de procedimentos entre litigantes é abominado no Processo do Trabalho, pela sua natureza essencialmente inquisitiva.

Somente isso, é suficiente para demonstrar o potencial corrosivo da nova legislação. Mas, ainda assim, não custa lembrar que o próprio parágrafo do citado art. orienta até mesmo o juiz a controlar a validade das convenções, recusando-lhes aplicação nos casos de nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão ou parte que manifesta situação de vulnerabilidade, como aquela em que se encontra o trabalhador desempregado que litiga em face de seu antigo empregador.

Percebe-se, que o art. 769 da CLT, desempenhando uma mesma tarefa, atua de dois modos diferentes (mas que combinados fazem muito sentido), às vezes como uma cláusula aberta e outras como uma barreira de contenção.

No primeiro caso, recebendo de outros ramos do direito processual as regras que completam, complementam e nutrem o Processo do Trabalho; no segundo, repelindo tudo aquilo que burocratiza e surrupia a sua eficiência.

6. DA APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA DO CPC/2015.

Chegamos ao momento de demonstrar o que se deve compreender como aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 ao Processo do Trabalho. Nesse momento, revela-se imperioso imprimir sentido jurídico as expressões “supletiva” e “subsidiariamente”, sem que percamos o significado léxico das aludidas expressões.

Isso se faz necessário porque o projeto do CPC/2015, enquanto na casa legislativa, fazia menção que “ aplicação subsidiária visa ao preenchimento da lacuna; aplicação supletiva, à complementação normativa”.

Não querendo desmerecer o trabalho do legislador, o tratamento dado as mencionadas expressões prejudica suas significações jurídicas. É preciso notar, que apesar do significado das expressões em estudo se assimilarem, elas não se confundem. Segundo o dicionário Houaiss, subsidiário é o que ajuda, socorre, reforça, aumenta, contribui, e supletivo é o que serve para completar (e não complementar).

Sendo assim, não é inapropriado entender, que no plano das lacunas normativas totais o CPC/2015 deve ser usado supletivamente, sendo certo, que no plano das lacunas normativas parciais, ontológicas e axiológicas o CPC/2015 deve ser usado subsidiariamente ao Processo do Trabalho.

Exemplificando, seria assim:

* A CLT não fala sobre ação rescisória (apenas uma brevíssima remissão do art. 836 que remete justamente ao direito Processual Civil). Nesse caso, aplicaremos o CPC/2015 supletivamente ao Processo do Trabalho.

* A CLT fala sobre a apelação (Recurso Ordinário) mas não fala sobre o seu recebimento e efeitos nem extensão e profundidade do apelo. Nesse caso, aplicaremos o CPC/2015 subsidiariamente ao Processo do Trabalho.

Os exemplos são muitos. Coube-me aqui, meramente trazer à tona alguns aspectos.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É útil, trazer as seguintes conclusões:

* O art. 15 do CPC/2015 não revogou o art. 769 da CLT;

* Os arts. 769 da CLT e 15 do CPC/2015 devem ser lidos combinadamente, na perspectiva jurídica da coexistência dos artigos.

* No plano das lacunas normativas totais o CPC/2015 deve ser usado supletivamente ao Processo do Trabalho, ao passo que no plano das lacunas normativas parciais, ontológicas e axiológicas o CPC/2015 deve ser aplicado subsidiariamente ao Processo do Trabalho.

REFERÊNCIAS

MARQUES, Claudia Lima. O “diálogo das fontes” como método na nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jaime. São Paulo: RT, 2012. p. 27-28.
Dicionário Houaiss. Disponível em: http://houaiss.uol.com.br
 

Clayton Almeida

OAB/SP 357.896

Sobre o autor
Clayton Almeida Sociedade Individual de Advocacia

Direito Cível, de Família, Trabalhista, Empresarial, Criminal, e Consumidor.

Informações sobre o texto

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