Em Defesa do Livre Arbítrio (um Grito de Desabafo)

13/04/2018 às 19:50
Leia nesta página:

"(...) manter uma pessoa viva contra

sua vontade é uma indignidade."

Stephen Hawking [1]

"Não tenho nada contra religião. Só

não quero uma legislando a minha vida."

Marieta Severo[2]

O perdão mais difícil de conceder é aquele que concedemos a nós mesmos. Embora seja muito difícil perdoar alguém, é quase impossível a concessão do autoperdão, especialmente quando se encontra envolvido o mais sublime dos sentimentos humanos; o único e real motivo de nossa insignificante existência, ou seja, o amor.

Há algum tempo, um colega confidenciou ter experimentado, por determinação inexorável do destino, o mais importante desafio que um homem pode ousar imaginar: o dilema entre o amor e a consciência da legalidade; entre o justo e o legal; entre o humano e o estatal...

Em um País, que falsamente se auto denomina laico e democrático, mas que se encontra inexoravelmente contaminado por leis arcaicas, fruto, sobretudo, de uma herança religiosa medieval, somos constantemente compelidos a refletir o quanto realmente nos encontramos em um triste estágio de subdesenvolvimento normativo.

Estamos a falar da sublimação legal do mais importante direito que Deus nos deu: o livre-arbítrio. Afinal, no estado da natureza, e pela mais importante concessão divina, o ser humano nasce livre para ser o único senhor do seu destino, fadado a dar satisfações unicamente a sua consciência.

E veja, caro leitor, como o Estado brasileiro é, muitas vezes, de uma crueldade a toda prova. O relato do mencionado amigo, acerca do sofrimento de seu único e verdadeiro amor, nos deixa impactados:  "incapacitada no leito do hospital, com um câncer incurável que já havia retirado sua própria dignidade” e sentindo dores insuportáveis, implora-lhe não propriamente pela prática da eutanásia (ou pelo sagrado direito de morrer com um mínimo de dignidade) mas, sobretudo, pelo respeito a seu bem mais precioso: seu livre-arbítrio.

Mesmo após ter sido uma cidadã exemplar, cumpridora de todas as suas obrigações, pagadora de infinitos impostos, eleitora compulsória de políticos em que jamais confiou, prossegue o colega, em seu relato, que ela possui plena consciência de que não poderá contar com o Estado, pois este não foi concebido para servir ao cidadão e sim para ser servido por este, de forma diversa de todos os princípios democratizantes que falsamente aprendemos que se constituem na essência de nosso País e, em flagrante contraposição, outras Nações, como a Suíça, onde existem até clínicas especializadas em viabilizar o legítimo desejo de uma morte digna.

Resta-lhe, portanto, emocionado, segundo o relato, apenas pedir ajuda àquele que jurou-lhe amor eterno; que se comprometeu a dar a sua própria vida por amor. Porém, prossegue o amigo em tom de sublime confidência, "talvez o que este ser humano lindo, que teve sua existência marcada por uma bondade infinita, não contava é que, mesmo deixando sua dignidade de lado e implorando pelo respeito ao seu último desejo – uma morte digna e abreviada – (algo que fazemos com total naturalidade e amor por um simples animal de estimação), aquela súplica não seria satisfeita por absoluta covardia daquele que por comodidade e medo das consequências legais de um ato sublime de amor, recusa-se a introduzir uma simples agulha (algo que está sendo cada vez mais comum em países desenvolvidos) e terminar, por inconteste prova de amor, com um sofrimento insuportável e sem qualquer sentido".

O pior de tudo, continua o amigo, em sua surpreendente narrativa, é que este mesmo ser humano maravilhoso que, sofrendo literalmente o 'pão que o diabo amassou', durante dias e dias, e verbalizando a cada hora que aquele ato de covardia era imperdoável, alguns minutos antes de seu sofrimento finalmente terminar, em uma voz final - quase impossível de ser expressada por alguém em seu estado -, sussurrou suas últimas palavras: 'eu te perdôo, apesar de tudo'.

Destarte, acabei concluindo, após transcorrida toda a narrativa quanto ao eloquente episódio epigrafado: não é de todo impossível perdoar alguém, mas talvez seja realmente impossível perdoar-nos por nossa lamentável covardia.

Talvez, permitiu-se numa autorreflexão concluir, fosse deveras preferível optar pela prisão injusta por um ato de amor (mas ainda assim por um tempo determinado) a uma condenação eterna por um ato de covardia.

Rogo, portanto, a Deus, - em um espírito de louvável esperança -, que o Estado e a Sociedade brasileiros, finalmente possam amadurecer democraticamente, propiciando uma necessária evolução normativa que contemple, por derradeiro, o sublime respeito ao livre-arbítrio, elevando a dignidade humana ao patamar dos bens e direitos mais preciosos a serem protegidos pelo nosso Direito, fazendo, por fim, com que mais nenhum ser humano (apenas por ostentar a condição de brasileiro e se encontrar em solo pátrio) tenha de passar por tanto e desnecessário sofrimento, traduzido por uma dor que se encerra para aqueles que já foram, mas nega a alegria da vida aos que ficaram!


Notas

[1] Entrevista à BBC-Londres; O Globo, 04/06/2015, p. 24.

[2] Revista Época, 25/05/15, p. 15

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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