Capa da publicação Alienação parental: conceito e características
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O que é e como se caracteriza a alienação parental

24/01/2019 às 10:29
Leia nesta página:

A alienação parental inclui ataques à imagem de pais ou parentes, mesmo em laços socioafetivos. Condutas graves podem ser tratadas como tortura?

A Síndrome da Alienação Parental é uma anomalia psicológica, conforme proposta em 1985 por Richard Gardner, que acomete a criança que passa a ser treinada para não gostar de um dos genitores. A professora Maria Berenice Dias faz alusão à implantação de falsas memórias. Tal situação vem sendo reconhecida pelo DSM-IV desde meados de 2002. Inclusive, a medicina avança no sentido de que, atualmente, reconhece-se que o alienador (genitor que ataca ou desqualifica o outro) também seria uma pessoa acometida por doença — de acordo com notas da Organização Mundial da Saúde, órgão ligado à ONU, datadas de junho de 2018. Os atos de alienação parental encontram uma previsão aberta, ou seja, de interpretação ampla, nos termos do artigo 2º da Lei de Alienação Parental – Lei nº 12.318/10.

Em síntese, a alienação parental, enquanto campanha de desqualificação por parte de qualquer pessoa que tenha o menor sob sua guarda e autoridade (conceito amplo que abrange não só os genitores, mas também parentes como avós, tios e até mesmo professores e diretores de escola, dentro de alguns contextos), encontra na lei apenas exemplos passíveis de punição. Assim, em casos concretos, ainda que não previstos expressamente na lei, a situação poderá ser interpretada como ato de alienação. Por exemplo: “Pare de atender seu pai no telefone que te darei uma viagem para a Disney.”

Há novas questões que podem ser suscitadas, pois, agora, com a possibilidade de multiparentalidade em casos de socioafetividade (como a coexistência e manutenção de laços entre pai biológico e pai socioafetivo — por exemplo, um padrasto — ou mesmo uma nova madrasta em uma família homoafetiva), o leque de atingidos em tais campanhas se amplia. Isso porque a alienação se aplica independentemente de o parentesco ser biológico ou socioafetivo. Assim, se um pai biológico inicia uma campanha contra o pai socioafetivo (padrasto ou madrasta), haverá igualmente alienação parental.

É evidente que ensinar o filho a chamar o padrasto de pai ou a madrasta de mãe não implica, por si só, em ato de alienação parental. Repita-se: vive-se um tempo de multiparentalidade em que, onde houver afeto, haverá união familiar. No entanto, se o pai biológico — ou qualquer outra pessoa — começar a desqualificar o padrasto, ou se a mãe desqualificar a madrasta, tal conduta poderá ser encarada como ato de alienação. Sobre a relação entre afetividade e família, já decidiu o STF:

União civil entre pessoas do mesmo sexo – Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas – Legitimidade constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF).

O afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: a valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família.

O direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.

Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte Americana sobre o direito fundamental à busca da felicidade.

Princípios de Yogyakarta (2006): direito de qualquer pessoa de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Direito do companheiro, na união estável homoafetiva, à percepção do benefício da pensão por morte de seu parceiro, desde que observados os requisitos do art. 1.723. do Código Civil.

O art. 226, § 3º, da Constituição Federal constitui típica norma de inclusão.

A função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito.

A proteção das minorias analisada na perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional.

O dever constitucional do Estado de impedir (e, até mesmo, de punir) qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI).

A força normativa dos princípios constitucionais e o fortalecimento da jurisdição constitucional: elementos que compõem o marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo.

Recurso de agravo improvido.

STF - AG.REG. RE 477554 MG, Data de publicação: 25/08/2011

No entanto, ainda que o alienador seja considerado doente, isso não compromete sua capacidade mental nos termos da lei, uma vez que ele continua sendo plenamente capaz para a prática de atos da vida civil. Isso não implica em situação que demande a nomeação de um curador ou algo do gênero. A própria LBI não considera a doença mental como causa limitadora da capacidade civil, desde que haja capacidade de exprimir a própria vontade, o que deve ser avaliado com proporcionalidade (nesse sentido, veja-se o disposto nos artigos 2º, 6º e 121 da LBI – Lei Brasileira de Inclusão).

Outro ponto polêmico que tem sido levantado diz respeito ao fato de que sempre se afirmou que a alienação parental não seria crime, uma vez que a então Presidente da República vetou o artigo de lei que permitia a criminalização da alienação parental. Ela foi vista, à época, como uma situação que não configuraria caso de polícia, como se aponta popularmente. O direito, nesse aspecto, separa as responsabilidades em três esferas: civil (quando se atinge o patrimônio por meio de indenização), penal (quando o fato é classificado como crime, passível de aplicação de pena, inclusive prisão) e administrativa (quando há punição a um profissional que deixa de tomar providências obrigatórias ou as adota em desacordo com normas e técnicas).

No entanto, diversos juristas — entre eles, destaca-se a opinião do Desembargador aposentado do TJSP, Caetano Lagrasta — entendem que, em casos mais evidentes, nos quais a situação implique em extremo sofrimento para a criança ou para o genitor alienado, a conduta pode ser caracterizada como prática de tortura, crime hediondo nos termos da lei penal, com penas severas de prisão e restrição de benefícios penais. Ou seja, a ideia de que a alienação parental não seria caso de polícia parece não mais ser unanimidade entre os especialistas. Reforça-se: isso se aplica a situações muito graves e não a meras piadas de mau gosto, por exemplo. Há que se estabelecer parâmetros adequados para a preservação do bom senso.

Não existe fórmula mágica ou objetiva para qualificar uma conduta como alienação parental. Tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto, ou seja, do contexto em que se encontram os envolvidos. As penalidades aplicáveis em casos de alienação parental podem variar, desde uma simples advertência em juízo até a aplicação de alternância de guarda, multa pecuniária ou, em uma visão extremada, punição por crime hediondo.

Nenhuma dessas punições, no entanto, parece colocar a criança — a quem se deve proteger — em uma situação mais confortável e menos vulnerável. Os pais devem adotar posturas responsáveis, reconhecendo que a inviabilidade do relacionamento amoroso não pode abalar as bases psicológicas dos filhos. O melhor caminho ainda é o diálogo, que pode evitar muitos problemas judiciais, emocionais e patrimoniais para os envolvidos.

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Vale ressaltar a importância da produção de provas de alienação, seja por gravações de conversas (obviamente, feitas entre pessoas presentes, sem ampla divulgação em redes sociais, e apenas com a finalidade de produzir efeito probatório em juízo, em processo que tramitará sob segredo de Justiça, visando à preservação dos interesses do menor). Abusos em divulgações podem acarretar o dever de indenizar ou resultar em consequências mais graves.

Outros meios de prova incluem relatórios técnicos de psicólogos, testemunhas, boletins de ocorrência (quanto mais precisos, melhor, com indicação, desde logo, das testemunhas). Ainda assim, em muitas situações, tudo isso pode ser resolvido com o amadurecimento das partes diante do fim do relacionamento. Isso é preferível, pois o menor não pode ser responsabilizado pela ruptura familiar, tampouco deve ser tratado como moeda de troca ou brinquedo emocional por pais mal preparados para lidarem com suas picuinhas e frustrações.

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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