Creche é essencial e garantia Constitucional à educação da criança

25/01/2019 às 10:28
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A Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação há anos tornaram a educação em creche responsabilidade dos municípios e retiraram o caráter assistencial para darem a elas um olhar educacional.

Tramita no Senado a proposta de emenda n.º 53/2016 que prevê alteração dos artigos 9º e 37 da Constituição Federal para estabelecer que a Educação será considerada “serviço essencial, inclusive para fins do exercício de greve”.  Basta uma rápida olhada na proposta da autora, senadora Rose de Freitas, e tem-se a impressão clara de que a essencialidade a que se refere o projeto não é “inclusive” para fins do exercício de greve, mas exclusiva para obstar professores das redes pública e privada ao uso desta garantia constitucional conquistada pela classe trabalhadora.

Não há dúvida de que o projeto que se encontra na Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania irá suscitar ainda muitos desdobramentos. Mas, nesta seara, pelo menos a partir da etapa inicial do Ensino Fundamental e por todas as demais que a seguem até o nível universitário, não faltarão educadores e filósofos para tratar do assunto, defendendo os mais valorosos pontos de vistas. O que nos recai a preocupação, contudo, é a primeira etapa da Educação Infantil, especificamente, a ofertada em creches, pois que esta já enfrenta dificuldades no funcionamento que a emenda não contemplará e, tampouco,  apontará um norte para questões como a necessidade de atendimento nos períodos de recesso, férias escolares, feriados e pontos facultativos; sobre a idade mínima para matrícula de crianças, sobre a garantia constitucional de vagas e, ainda, sobre a longínqua discussão não superada em ser a creche um direito das mães e pais que trabalham ou simplesmente um direito da criança, independentemente de serem seus pais empregados, patrões ou profissionais liberais.

Todas essas questões que envolvem a oferta e a procura por creches são tão ou mais importantes que a essencialidade da educação em relação ao direito de greve. Deveriam nossos legisladores propor ações que tornassem a Educação “serviço essencial” para receber os investimentos públicos e privados que proporcionassem, por exemplo, às creches um local em que houvesse vagas e profissionais qualificados para oferecer às crianças o tratamento ideal nesta primeira etapa de contato com a educação e com a socialização. O que vemos, na prática, no entanto, é algo bem diferente do que costumam anunciar os governos nas esferas federal, estadual e municipal.  Tanto que há exaustivas ações judiciais, ora procurando garantir a vaga em creche, noutras buscando a ininterrupção dos serviços frente às necessidades dos pais que trabalham  e não têm quem cuide dos filhos quando as creches fecham para as férias, seguindo o calendário escolar. É certo que as creches têm caráter educacional;  os pais, as empresas e a sociedade em geral precisam se adequar a esta realidade que não é nova.

A questão parece colidir com o direito de os professores e porque não dizer de as próprias crianças descansarem da sala de aula. Ocorre que nem sempre as famílias estão disponíveis neste período, porque não podem, não querem ou porque algumas empresas não permitem que as férias das trabalhadoras que têm crianças em idade de creche coincidam com o calendário escolar que, aliás, incluindo recesso, é maior que o período de 30 dias destinados aos trabalhadores em geral. É aí que a creche – direito da criança à educação, garantido pela Constituição em seu artigo 208, inciso IV - deixa de ser puramente educacional para ser também assistencial, atendendo ao que dispõe a mesma Constituição em seu artigo 7º, inciso XXV.  Embora a LDB já tenha atingido a juventude e a Constituição entrado na idade adulta, e ambas terem inserido as creches no Sistema de Ensino é fato que mesmo com o passar dos anos não conseguiram, ainda, a legislação específica e a Carta Magna desvincularem e nem apontarem soluções para o caráter assistencial que as creches, culturalmente, não deixaram de possuir. É certo que a mãe  tem assegurado o direito a berçário ou creche nos locais de trabalho,  isso quando a empresa tiver 30 ou mais mulheres trabalhando, conforme preceitua o art. 400 da CLT. Podem também as empresas estabelecerem parcerias com entidades públicas ou privadas para garantir assistência às crianças, mas não podem os pais e as empresas esperarem que o Poder Público suporte toda a carga de assistencialismo, uma vez que o dever da administração é oferecer educação durante o período letivo. O Estatuto da Criança e do Adolescente por sua vez determina que a criança deve ter convivência com a família, e as férias são, sem dúvida, as ocasiões em que parentes e amigos mais chegados se reúnem, portanto, data ideal para a criança que passou o ano inteiro na creche interaja com o pai, a mãe, irmãos e parentes. Toda pai e mãe recebe ou deveria receber o calendário escolar no início de cada ano e ajustar sua vida de maneira que a responsabilidade de cuidar da criança não fosse transferida durante todo o ano, ininterruptamente, ao município, pois este também precisa dar férias aos profissionais da Educação, professores e funcionários; sem falar que as crianças precisam ainda de convivência familiar, pois que, em regra,  passam na creche desde as 7 da manhã até as 17 horas, durante o ano inteiro.

Enquanto nossos legisladores buscam amparar os interesses da indústria da educação proibindo greve dos profissionais desta área sob o manto da essencialidade do serviço, haveria que se debruçar muito mais sobre os interesses das crianças, direitos dos professores e sobre as necessidades dos pais trabalhadores, utilizando para tanto, de um meio alternativo pois que longe está a educação em creche de ser apenas uma etapa da educação pública e privada, uma vez que, por suas características e evoluções históricas, também exigem ações voltadas para o cuidar em tempo integral, ligadas à proteção da infância e da família.

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 O essencial, portanto, é garantir educação em creche de qualidade para as crianças, oportunizando o trabalho dos pais, sem ferir o direito às férias dos professores e servidores públicos, através de uma política para a infância que não contemplaria apenas a responsabilidade da Educação Infantil, mas outras áreas como assistência social, saúde, cultura e esporte e projetos sociais alternativos para as férias. O correto seria que, para alcançar tudo isso, não fossem necessários greves ou projetos para colocar fim às greves, porque, há muito tempo, no papel, o direito da criança à educação em creche não é apenas essencial, mas um direito social fundamental garantido pela Constituição às crianças e aos pais trabalhadores.

Sobre o autor
Sérgio Marcos Nunes

Acadêmico de Direito cursando do 10º semestre na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas/MS. Professor com formação em Letras. Ex assessor de Planejamento da Prefeitura de Murutinga do Sul/SP. Ex-assessor de chefe de Gabinete da Câmara Municipal de Andradina. Ex-Secretário Geral da Administração da Câmara Municipal de Andradina. Ex-Diretor Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de Andradina. Funcionário Público Estadual.

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