1 INTRODUÇÃO
É essencial que possamos compreender, desmistificar e vencer o preconceito diante da adoção da pessoa com deficiência. No sentido que a adoção em geral, ainda é cercada de preconceitos, começando entre a diferenciação entre filho biológico e filho adotivo. No entanto, deve ser um ato analisado, conhecedor de amplas responsabilidades que ocasionará após a conclusão do processo, onde as mesmas não comportarão arrependimento futuro.
Este estudo enfoca a precária realidade dos abrigos e instituições brasileiras associada à grande preferência dos adotantes cadastrados por meninas recém-nascidas, loiras e sem nenhum problema de saúde,que torna a inclusão social um fato distante. Embora, as crianças com deficiência sejam as que mais careçam de cuidados especiais, ainda assim, esse tipo de adoção infelizmente é o tipo mais raro entre as demais.
Em razão da falta de informação, por muitas vezes, fazem com que os pretendentes idealizem um recém-nascido loiro, de olhos claros, sem nenhum problema de saúde, idealização essa que na maioria dos casos, nunca vem a se concretizar. Por esse motivo, os pretendentes necessitam estar cientes da realidade dos abrigos e instituições brasileiras.
Para que haja maior aceitação nos processos de adoções de crianças e adolescentes com deficiência é necessário dedicar-se a oferecer informação e esclarecimento aos pretendentes, afim de cessar dúvidas, acolhendo esses futuros pais adotivos, para que assim, possam expor seus medos e possam decidir sem receio por uma escolha além do padrão social.
Importante salientar que não devemos imputar este ato como um ato de caridade, apesar de parecer uma causa nobre, são termos totalmente distintos. A adoção irá colocar a criança adotada na posição de filho, em virtude disto, nenhuma dedicação e responsabilidade poderá ser cobrada, bem como não se deverá almejar qualquer tipo de gratidão ou recompensa.
Nos dias atuais, inúmeras iniciativas surgiram como forma de estabelecer a inclusão social, travando uma severa luta contra a rejeição e o preconceito, eis que surge a Lei nº 12.955/2014, determinando a prioridade de tramitação nos processos de adoção em que a adotando for criança ou adolescente com deficiência ou doença crônica.
A nova legislação visa tornar mais célere o trâmite processual dos processos de adoção em que for criança ou adolescente com deficiência, ressaltando que essa prioridade de tramitação não simboliza desobrigação das normas e das exigências regularmente feitas, o dispositivo de lei objetiva a possibilidade de que em tempo ágil, essa criança conviva em um espaço familiar, recebendo os cuidados que a mesma necessita.
A grande e primordial finalidade é tornar a inclusão social uma realidade, inicialmente integrando essas crianças e jovens com deficiência em uma nova família, recebendo amor e cuidados indispensáveis de que precisam, para que assim, consigam sentir-se inclusos no seio familiar e posteriormente em meio à sociedade, livres de qualquer tipo de preconceito.
2 ADOÇÃO
O termo adoção de forma etimológica origina-se da palavra latina adoptione, que quer dizer considerar, olhar para, escolher. Segundo Diniz, a adoção pode ser entendida como:
uma inserção num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo esse o caso, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções parentais. (Diniz, 1994, p.13)
Desta maneira podemos compreender que adoção é ato jurídico solene, onde alguém integra em sua família ordinariamente um desconhecido, o colocando na qualidade de filho. Consiste em uma ação executada pelo poder judiciário objetivando integrar criança ou adolescente em um novo seio familiar em virtude de não haver a possibilidade de permanência nas suas famílias originárias. Tal medida é normalizada através das leis 12.010 de 3 de agosto de 2009, pelo Código Civil e pela lei 8.069 de julho de 1990 – ECA.
Assim, a adoção é diversa da filiação natural, sendo a última definida mediante o elo sanguíneo e biológico, ao contrário da adoção, que não decorre de uma gravidez, mas sim, em decorrência do efeito de uma sentença judicial pactuando uma relação afetiva, visando a garantia do direito da criança e do adolescente de conviver em um ambiente familiar, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Maria Helena Diniz expõe o conceito de adoção sob sua concepção:
Adoção é o ato jurídico pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de seu filho, pessoa que, geralmente lhe é estranha. (MARIA HELENA DINIZ,2009, p.520)
Pelo exposto acima podemos identificar os elementos essenciais da adoção, tais como: ato jurídico, formal, burocrático, devendo respeitar as devidos requisitos, não sendo admitido de maneira diversa, o oposto do que acontece costumeiramente, onde vemos inúmeros casos de “adoção à brasileira” em nosso cotidiano, no entanto, deve-se ponderar todos os procedimentos legais para a adoção, sem admissão de nenhuma exceção, devendo ser cumpridos todos os requisitos presentes no ECA.
A respeito da natureza jurídica da adoção, Wilson Donizeti Liberati compreende da seguinte forma:
Com a vigência da Lei 8069/90, a adoção passa a ser considerada de maneira diferente. É erigida a categoria de instituição, tendo como natureza jurídica de um vínculo irrevogável de paternidade e filiação, através de sentença judicial (art. 47). É através da decisão judicial que o vínculo parental com a família de origem desaparece, surgindo nova filiação (ou novo vinculo), agora de caráter adotivo, acompanhada de todos os direitos pertinentes a filiação de sangue. (LIBERATI,1995,p.233)
Em virtude de ser matéria controversa, faz-se necessária a discussão sobre a natureza jurídica da adoção. Conforme o previsto no Código Civil de 1916, há doutrinadores que enxergam a adoção com um caráter contratual, onde a concretização dava-se mediante escritura pública através do consenso das duas partes. Se o adotado fosse incapaz, o pai, tutor ou curador o representaria, caso fosse capaz, o próprio se apresentaria. Ressalta-se ainda, que se admitia a quebra do vinculo, se as partes fossem maiores por meio de acordo de vontades.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a adoção passou a firmar-se por ato jurídico exigindo sentença judicial, de forma que constitui um vinculo que não cabe irrevogabilidade com previsão no artigo 47 do ECA. A adoção estabelece entre uma ligação de parentesco civil entre adotantes e adotados, um elo legal de pai e filho, onde tal posição torna-se definitiva e irrevogável.
Atualmente, a corrente que defendia o caráter contratual da adoção está descartada, haja vista que existem normas que regulam tal ato, não sendo mais ato realizado pelo adotante e adotado, sendo agora matéria de interesse geral e de ordem pública. Portanto, diante disso, a adoção de forma majoritária possui natureza institucional.
2.1 TIPOS DE ADOÇÃO
Existe uma pluralidade de espécies de adoção, irei apontaralgumas modalidades de adoção existentes, onde são admitidas e regradas de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.
Adoção à Brasileira: se dá pelo registro de filho de outrem como seu, sem nenhuma intervenção ou procedimento judiciário. Esse tipo de adoção acontece corriqueiramente no nosso país. No entanto, de maneira oposta as outras espécies, esta possui unicamente previsão no Código Penal qualificada como crime no artigo 242, que compreende em registrar uma criança em seu nome, como filho natural fosse sem que haja o devido processo legal.
Mesmo que haja boa intenção do agente adotante, ainda que haja o perdão judicial, esta prática não deve ser estimulada, tendo em vista, que é um crime, pois tudo deve ser realizado conforme a lei.
Adoção Homoafetiva: levando em consideração a igualdade amparada pela Constituição Federal, onde não existirá distinção ou preconceito em relação de sexo ou posição ideológica, a adoção por homossexuais não poderá ser isolada. Mesmo que haja uma grande discussão sobre esse assunto, na lei expressa não existe qualquer tipo de vedação, cabe ao juiz analisar o caso concreto.
Adoção Internacional: consiste na oportunidade de oferecer um novo lar no exterior para criança que se encontra em condições de abandono, no entanto, é imprescindível o respeito das normas do país do adotante e do adotando. Para que a adoção se concretize, o estágio de convivência deve ser realizado em território brasileiro e o adotante deve ser brasileiro residente no exterior ou estrangeiro não residente no Brasil.
Adoção Singular: compreende na adoção praticada apenas pela solicitação de uma pessoa, sendo mulher ou homem, inexiste previsão legal expressa, no entanto, vem sendo firmada jurisprudencialmente.
Adoção Póstuma: é a chamada post mortem, estabelecida no artigo 42 do ECA e no artigo 1.628 do CC. No primeiro dispositivo, caso o pretendente faleça no curso processual, a adoção ainda poderá ser concedida, desde que o adotante antes de seu falecimento, manifeste que esta é sua vontade. Já no segundo dispositivo, caso o adotante faleça antes do trânsito em julgado, os efeitos da sentença vão retroagir à data do falecimento, iniciando
Adoção por divorciados: é assegurado pela lei que os divorciados e os judicialmente separados que seja possível a adoção destes conjuntamente. No entanto, é preciso que o estágio de convivência tenha tido início na época em que o casal encontra-se junto e que os pretendentes acordem sobre a guarda e as visitas.
Adoção Unilateral: Conforme o artigo 41, §1º, do ECA: “Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes”. Concretizando-se nos seguintes casos: a) quando não houver pai declarado; b) quando não houver mãe conhecida; c) quando um dos pais sofreu destituição do poder familiar; d) quando um dos pais vier a óbito.
Adoção por tutor ou curador: Este tipo de adoção pode ser deferida se cumpridos os devidos requisitos. Segundo previsão estabelecida no artigo 44 do ECA: “Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou curador adotar o pupilo ou o curatelado.”Visando os interesses do menor, não será deferida a adoção por tutor ou curador caso sua idoneidade for questionada ou que o mesmo não preste contas corretamente. Mas nos casos em que seja a melhor solução para o menor e que não exista outra pessoas em condições, haverá possibilidade de deferimento dessa adoção.
Adoção Necessária: denomina-se assim a adoção de crianças e adolescentes com deficiência, bem como a adoção de crianças negras, com mais de 4 anos de idade e em grupo de irmãos, pois em todos os casos trata-se de adoção um tanto mais difícil de ser praticada, principalmente em razão de fatores socioculturais e econômicos.
3 ADOÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Trata-se de uma adoção que possui um menor número de realizações do que as demais, mesmo considerando que crianças com deficiência possuem uma maior vulnerabilidade, porque além de naturalmente serem dependentes por serem crianças, estas possuem limitações, dentro de um seio social onde a cultura estima a perfeição e a estética, trazendo consigo na maioria das vezes, os resquícios da rejeição e do abandono dos pais biológicos. Essa situação é enfatizada por Aquino:
que sugere que as crianças deficientes merecem um olhar diferenciado pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, uma vez que necessitam além de uma família que possa propiciar sua acolhida e reintegração, todo amparo e atenção necessários ao desenvolvimento de suas capacidades, em virtude de suas necessidades e demandas peculiares, que se diferenciam em relação às crianças não deficientes. (AQUINO,2009, p.1)
Conforme os dados estatísticos do Cadastro Nacional de Adoção, na data de 06 de fevereiro de 2015, o Brasil conta com um total de 5.699 crianças e adolescentes disponíveis para a adoção, onde 3.219 são meninos e 2.480 são meninas. Desse total, 219 são crianças com deficiência física e 478 são crianças com deficiência mental. As que possuem doenças tratáveis são 426, enquanto 158 possuem doenças não tratáveis e 107 são infectadas pelo vírus HIV.
Crianças adotáveis com deficiência enfrentam quadros precários nas instituições de acolhimento e que permanecerão assim enquanto não forem adotadas por uma nova família. A maioria das crianças e adolescentes com deficiência está sujeita à institucionalização eterna, levando a criar vínculos afetivos com os cuidadores e demais crianças que encontram-se na mesma situação, dessa forma, inúmeras pessoas passam pela vida destas crianças, sem que as mesmas possam desfrutar de uma concreta relação familiar.
Mesmo que algumas instituições de abrigos tentem fazer com que o ambiente seja o próximo ao de um seio familiar, muitas vezes estes abrigos estão sobrecarregados e não possuem muitos recursos, de maneira que impossibilita que estas crianças recebam a atenção e a instigação exigidas ao seu desenvolvimento. As necessidades dessas crianças nos abrigos requerem profissionais formados, competentes, atenciosos e bem remunerados para o desempenho de suas funções, posto que,lidam com pessoas que além de possuírem um corpo com limitações, possuem também os resquícios do abandono e da rejeição.
No Brasil, contamos com o amparo da legislação constitucional e da Lei nº 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, a iniciativa mais relevante a respeito adoção de crianças e adolescentes com deficiência foi a criação da Lei nº 12.955 de 2014, acrescentando um parágrafo no artigo 47 do ECA, objetivando a garantia de priorização no atendimento aos jovens com deficiência em processo de adoção da seguinte forma: ―§ 9º Terão prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica.
Este dispositivo legal busca de mostrar a necessidade de priorizar os processos de adoção de pessoa com deficiência, levando em consideração a lentidão dos trâmites processuais. Em virtude de suas condições peculiares, estes jovens necessitam de agilidade, para que assim, possam integrar um novo ambiente familiar o quanto antes.
3 A LEI nº 12.955/2014 E A PRIORIDADE NO TRÂMITE PROCESSUAL NA ADOÇÃO DE CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA
A promulgação da Lei nº 12.955 no dia 06 de fevereiro de 2014, altera o artigo 47 do ECA, acrescentando o parágrafo 9º, estabelecendo a prioridade de tramitação dos processos de adoção de crianças com deficiência, com o seguinte texto:
Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.
[...] § 9º Terão prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica.
A nova legislação objetiva agilizar o trâmite processual, em que for criança com deficiência, de maneira que permita, em um curto espaço de tempo, que esta possa ser inclusa em um ambiente familiar, respectivamente, recebendo afeto e cuidados exclusivos de que a mesma precisa, que infelizmente não poderia receber de forma satisfatória em um abrigo. Salientando que a prioridade não quer dizer a desatenção ou recusa dos requisitos obrigatórios comuns feitos em um processo ordinário de adoção.
Na adoção, especificamente a de crianças com deficiência, deve ser prática repensada, onde o pretendente deve ter plena consciência das responsabilidades, por isto, devem-se cumprir todas as etapas legalmente exigidas, porque, depois do trânsito em julgado, não admitirá arrependimentos.
A priorização dos processos de adoção de pessoa com deficiência só será possível, se houverem pretendentes interessados em adotá-los, o que a realidade nos prova o contrário. A inexistência de informação é uma das maiores razões. A maioria dos futuros pais almeja adotar a criança sonhada, com saúde, recém-nascida, muitas vezes branca e do sexo feminino,buscando mediante a adoção o filho totalmente idealizado. Talvez, se através de políticas públicas, existissem esclarecimentos e apoio prestados, a prática e o incentivo das adoções necessárias seriam maiores.
A adoção em geral, ainda é repleta de preconceitos, que, de maneira infeliz, vai além de crianças com deficiência, onde devem ser erradicados, iniciando principalmente, pela diferenciação que muitos fazem entre filhos biológicos e filhos adotivos. É importante compreender, de certa forma, que todo filho é biológico, pois é dessa maneira que surge um ser, entretanto, apenas se é filho por adoção, porque a paternidade ou maternidade é uma escolha.
A Lei nº 12.955/2014 é, como tantas outras leis, uma medida legislativa de imposição da inclusão das pessoas especiais na sociedade. Tais medidas são, inegavelmente, fundamentais para um aprimoramento social, onde se busca a diminuição dos preconceitos e a abertura de perspectivas e oportunidades para todas as pessoas, sem distinção. Porém, assim como observado em outras experiências anteriores, a exemplo da exigência de inclusão em escolas regulares e ambientes profissionais, se a legislação não for acompanhada de esclarecimento e mobilização social, não se mostra medida eficaz. A verdadeira inclusão vai muito além da simples tolerância física, é a convivência natural dessas pessoas, tidas como “diferentes”, na sociedade.
3.1 O MODELO DE ESCOLHA CONFORME A LEI nº 12.955/2014
Segundo o artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu parágrafo 9º, acrescentado pela Lei nº 12.955/2014, será conferida a priorização nos trâmites dos processos de adoção em que for criança ou adolescente com deficiência.
Dessa forma, devemos observar a diferença entre prioridade de tramitação processual e a prioridade ao instituto da adoção.O primeiro caso significa a mesma preferência concedida aos idosos, como respeito aos prazos, para a pauta de audiências, tornando o procedimento processual mais célere. Já no segundo caso, compreende em uma forma mais ágil de acesso destas crianças, de maneira que consigam regularizar a sua situação, o quanto antes.
Mesmo que não exista norma ou entendimento concreto que estabeleça sobre a real eficácia da lei, é interessante acolhermos um posicionamento que reúna ambos os casos. A criança institucionalizada e com deficiência, sendo mental ou física, deve ser priorizado, em relação as demais crianças com saúde plena, sua integração em uma nova família, também amparada com a prioridade de tramitação processual da sua adoção.
Embora a dedicação das autoridades competentes de reintegrar essas crianças em um seio familiar deva ser igualitária a todas, crianças que possuem um corpo com impedimentos,precisam de um cuidado maior, visto que, acabam infelizmente por ter possibilidades limitadas de serem adotados. Além disso, esses jovens precisam, de maneira obrigatória, de assistência e atenção especial, o que certamente será precário se houver a permanência desses em instituições de abrigos.
Porém,o que devemos levar em consideração, é que o surgimento de um novo dispositivo legal conceda prioridade, seja no trâmite processual ou na regularização do quadro da criança institucionalizada, para sua introdução nos sistemas de adoção, não modificará a insatisfatória realidade que invade as instituições de acolhimento a cerca da adoção necessária. A implantação da norma é de grande relevância, significando um enorme progresso em benefício dessa fração de crianças duplamente fragilizadas, porém torna-se insuficiente por si só.
Grande parte das famílias que entregam seus filhos com deficiência para a adoção vivencia uma realidade de abandono. A maioria das mães que abandonam se sentem desamparadas, sem nenhum tipo de assistência para obter esclarecimentos, para que assim, possam aceitar seus filhos e perder o medo. Por estas razões concluem que a entrega do filho, será a única solução dos seus problemas. No entanto, a mesma insegurança e medo que sentem os pais biológicos, atacam também os futuros pais adotivos.
Assim, para que exista uma mudança concreta da aceitação sobre a adoção dessas crianças e adolescentes com deficiência, é essencial se dedicar ao trabalho de disseminação de informação, esclarecimento e incentivo. A adoção é um plano de vida, devendo oferecer aos futuros pais um maior apoio, afim deque tirem suas dúvidas, exteriorize seus medos e inseguranças, e após o esclarecimento e conscientização destes, de forma que mudem seus planos pessoais, optando além da escolha padrão.
O empenho em disseminar informação e esclarecimento, não será totalmente suficiente para que os pretendentes possam compreender as necessidades dessas crianças e escolham adotar uma criança ou adolescente que não esteja no padrão “determinado” pela sociedade, porém precisa ser prática comum, inserida de uma forma geral na adoção, não somente se abrangendo as hipóteses amparadas pela nova norma, mas também em hipóteses de grupos de irmãos ou de raças diferentes da pretendida.
Importante salientar que apesar de parecer uma causa nobre, não devemos imputar este ato como um ato de caridade, pois são termos totalmente distintos. Adotar uma criança ou adolescente, independentemente de se tratar de jovem com deficiência, posiciona o jovem adotado na qualidade de filho, de maneira igualitária ao filho biológico. Por esse motivo, nenhum empenho, responsabilidade e cuidados poderão ser cobrados, bem como não se deverá almejar qualquer tipo de gratidão ou recompensa em troca. A motivação da prática da adoção ser o amor para com aquela criança, que a partir de então, tornou-se filho.
Assim, deve haver a plena consciência de que, modificar o que costumeiramente está enraizado socialmente, é uma difícil tarefa. Os resultados resultantes da previsão da alteração do dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente serão reconhecidos a médio e longo prazo, porque se deve aliar à lei a construção de uma nova concepção de adoção para os pretendentes.
A pessoa que escolher pela adoção, deve ter plena consciência que, antes da concessão de um filho, alcançando o seu sonho de exercera maternidade ou a paternidade, devendo oferecer a oportunidade dessa criança integrar novamente um convívio familiar. Esta é a real finalidade da adoção.
3.2 A ORDEM DE PREFERÊNCIA NOS CADASTROS DE ADOÇÃO
Um dos aspectos mais polêmicos da adoção corresponde à ordem de preferência na chamada dos pretendentes e das crianças aptas a adoção.
Seria simples, sem qualquer tipo de obstáculos: As crianças que forem cadastradas primeiro serão adotadas pelos primeiros pretendentes habilitados. Acontece que, como sabemos, há a escolha e a preferência por uma ou outra determinada criança, envolvendo diversas condições objetivas e subjetivas. Todavia, em todas as hipóteses, deve-se em primeiro lugar assegurar o melhor interesse da criança e o real sentido da adoção.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o cumprimento da ordem cronológica das habilitações, a não ser que dependendo do caso concreto, seja a melhor solução em benefício da criança ou adolescente. Logo, afirmamos que, quando tratarmos de jovens com deficiência, em virtude à especificidade do caso e devemos levar em consideração que a quantidade de habilitados para a adoção necessária é escassa, haverá a ordem de preferência dos pretendentes modificada de acordo com a particularidade da criança, desta maneira expõe o Desembargador Jones Figueiredo Alves:
A dinâmica de preferência ou prioridade, em cadastros, deve ser orientada em favor da criança e não aos adotantes inscritos, porque o interesse pela adoção deve ser considera em prol da criança e não dos pais interessados, segundo o princípio do melhor interesse do menor, extraído da doutrina da sua proteção integral, já expressa no art. 1º do ECA. O interesse maior da criança é um interesse diretor e regente. [...] crianças especiais merecem tratamento especial, por óbvio, com prioridade à adoção e aos programas de acolhimento, não devendo ser condenadas, indefinidamente, às filas de longa espera ou esquecidas em abrigos. (ALVES,2014,p.01)
Portanto, não há possibilidade de ordem de preferência nos casos de crianças que não fazem parte dos padrões aceitos e impostos pela maioria da sociedade, ou que, diversas vezes, já foram recusadas mais de uma vez por pretendentes no procedimento da adoção. Cada experiência negativa resulta um novo prejuízo traumático e aumenta nessa criança, o sentimento de rejeição. Assim, não devendo defender a ordem do cadastro em desvantagem ao bem estar desse jovem, pois assim o direito a convivência familiar estará sendo seriamente ofendido.
A Lei nº 12.955/2014 que estabelece a prioridade dos trâmites processuais da adoção, por ser uma nova medida, ainda não é prontamente vista nos Tribunais de Justiça, entretanto, nas hipóteses em há discussão sobre a possível dispensa de preferência dos pretendentes habilitados a adoção em favor de pretendentes não cadastrados, nas hipóteses de crianças já recusadas por outros habilitados, em conseqüência da deficiência ou doença, trata-se de matéria recorrente.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entende de forma bem clara, a respeito da priorização afim de garantir o melhor interesse da criança em prejuízo da ordem dos cadastros:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. GUARDA E ADOÇÃO. CASAL NÃO HABILITADO. CASO EXCEPCIONAL. CRIANÇA QUE FOI REJEITADA POR CASAIS INTEGRANTES DA LISTA DE ADOTANTES EM RAZÃO DE SER PORTADORA DE HIV. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. O desatendimento à lista de pretensos adotantes inscritos é admissível em casos excepcionais, em que evidenciada situação peculiar, quando evidenciado o interesse predominante da criança e na busca e melhor atendimento a mesma. Tendo a menor sido rejeitada por casais integrantes da lista de adotantes, por ser portadora de HIV, e estando integrada à família dos requerentes, em pleno período de adaptação, demonstrado que a criança já possui vínculos afetivos, impõe-se desconstituir a sentença para reabertura da instrução, bem como a retomada das visitas enquanto não definido o destino ao menor, na busca de seus interesses prevalentes. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70040242711, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 23/03/2011)
Não se pode admitir que a criança ou adolescente seja condenado a uma permanente institucionalização, somente para que a lei seja cumprida, prevendo a possibilidade de adoção por pretendentes não habilitados unicamente quando já estiver estabelecida uma conexão afetiva com o adotando, desprezando o fato de que crianças com deficiência por não possuírem o perfil escolhido pela maioria dos pretendentes permanecem esperando seus futuros pais adotivos, no entanto, torna-se uma espera sem sucesso.
Os adotantes de crianças com deficiência relatam suas experiências demonstrando que apesar da lentidão e da burocracia dos trâmites processuais seja uma das grandes objeções, muitas outras condições se tornam significativa sem relação à adoção necessária, sendo, a discriminação social e a discriminação no interior do âmbito familiar do próprio adotante, as situações que se tornam mais desagradáveis.
Logo, cada vez mais, podemos comprovar na prática que, apesar da extrema necessidade de desburocratização dos processos de adoção, objetivando facilidade e celeridade, a ideia principal a ser praticada ainda é o da extinção do preconceito correspondido as crianças e adolescentes com deficiência. A inexistência de aceitamento, não apenas por parte dos pretendentes, mas da sociedade de maneira geral, e principalmente do convívio familiar, é o maior obstáculo da inclusão.
No tocante à ordem de preferência das crianças, conforme a necessidade do adotando, se trata de um requisito difícil de aplicar, visto que existem urgências e peculiaridades em cada caso. Seria coerente afirmar, segundo um ponto de vista mais amplo, que todos esses jovens que esperam a adoção, possuem particularidades específicas, porque já foram maltratados, rejeitados e abandonados e, por isto, apresentam uma fragilidade emocional e psicológica maior que as demais crianças, de certa forma, passa a ser também um tipo de necessidade especial, que requer mais atenção e cuidados.
Diante disso, logo após o instante em que houver uma maior dedicação ao incentivo referente aos pretendentes, modificando a visão discriminatória das adoções necessárias, propiciando um real estímulo ao acolhimento de crianças e adolescentes com deficiência, haverá a possibilidade de esquecer a preocupação á respeito da preferência de ordem dos cadastros, tanto nas hipóteses dos pretendentes, quanto das crianças. Fazendo com que os estágios de convivência entre os adontantes e os adotandos, aconteçam de maneira mais natural, de forma a adoção seja espontânea, pelo afeto que desenvolverão um pelo outro.
4 CONCLUSÃO
O presente artigo pretende aclarar sobre a adoção de pessoa com deficiência, analisando a Lei nº 12.955/2014. O tratamento oferecido a pessoa com deficiência, mesmo que morosamente, evoluiu de forma positiva. A antiga conduta de negação e de exclusão daquele indivíduo com limitações, mudou, dando espaço para uma nova concepção de inclusão social destas pessoas, buscando assim, através da conscientização da sociedade, seu acolhimento, e não somente sua tolerância obrigatória.
Nossa Lei Maior estabelece a inclusão como um direito a ser seriamente amparado, mediante essa previsão legal, sobrevieram medidas no intuito de propiciar a pessoa com deficiência, a obtenção de oportunidades iguais as oferecidas às demais pessoas.
A Lei nº 12.955/2014 é uma dessas iniciativas mais recentes, visando à tentativa de incentivo na adoção de crianças e adolescentes com deficiência, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente e estabelecendo a prioridade no trâmite desses processos de adoção.
É nítido que o legislador foi bem intencionado, no entanto, a lei parece ser insuficiente na solução do problema de rejeição da adoção dessas crianças com deficiência, por parte dos adotantes.
Penso isto, pois a dura realidade revela o quanto é difícil as pessoas aceitarem de forma natural, a inclusão. Práticas como tentativas impostas em âmbitos trabalhistas ou escolares demonstram que a população ainda não está preparada para lidar com pessoas que não se encaixam totalmente ao padrão das demais, fazendo-se necessário a criação de ações sociais para que juntamente das medidas legais, demonstrem eficácia.
Forçar medidas, sem que haja um trabalho de conscientização que busque construir uma nova concepção social, pode gerar certo tipo de prejuízo àqueles chamados de “diferentes”. Alguns têm plena consciência de suas limitações, ou da condição de fragilidade que possuem, e se sentem, na maioria das vezes, incomodados e deslocados.
Com isso, as experiências anteriores nos demonstram que, o grande intuito que se deseja obter com a nova legislação, só terá plena eficácia se, aliado a ela, houver uma iniciativa determinante na conscientização desses futuros pais que desejam adotar, pois a inexistência de estudos no âmbito da adoção de pessoa com deficiência ocasiona a falta de informação aos pretendentes, fazendo com que exista certa discriminação a respeito desse tipo de adoção.
Assim, para que haja a efetivação da Lei 12.955/14 e seja concretizado o seu real sentido, que é de integrar essas crianças de forma célere em um novo lar, não basta somente que haja a lei. É imprescindível a instauração de medidas auxiliares, incentivando, esclarecendo e oferecendo a assistência necessária aos futuros pais adotivos, para que dessa forma, mesmo que aos poucos, possamos desmistificar essa concepção preconceituosa de que a adoção é a oportunidade que se tem de idealizar um filho da forma que se deseja.
Destarte, sabemos que crianças e adolescentes com deficiência habilitadas para a adoção, devem ser foco de atenção, pois em razão dos impedimentos que estas possuem, são sujeitas ao esquecimento e ao silêncio.Não podemos esquecer que elas possuem as mesmas necessidade de desenvolvimento e viver uma vida cheia de oportunidades.Devido à condição específica destas, além de serem crianças, possuírem um corpo com limitações, devem receber priorização no acesso ao direito, principalmente como o direito fundamental à convivência familiar.
5 REFERÊNCIAS
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ALVES, Jones Figueiredo. Adoção Especial. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI196259,21048-Adocao+especial> Acesso em: 3 de dezembro 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Senado, 1988.
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