Definiria esse texto como “O direito a ser-aí, fazendo-se política”. Explico.
Dia 30 de março terei uma conversa sobre minha experiência existencial com a deficiência física. Será a primeira vez contando alguns dos meus causos. Uma experiência verdadeiramente nova, porque já escrevi sobre o assunto e não tenho problema em falar sobre isso com as pessoas.
Dessa vez, no entanto, será para um público de praticamente 200 pessoas. Então, é certo que a emoção será a grande novidade e a primeira a estar presente. E assim, de maneira bem pessoal, também vou auxiliar com esse tipo de Educação Fora da Caixa.
Racionalizar sobre os fatos é algo que sou treinado desde sempre a fazer, assim como todos; mais especificamente desde a universidade, com a aplicação natural ao realismo dos fatos e às metodologias. Agora, tente falar na frente do espelho...
O que bagunça nossa vida, e todos conhecem bem, é a emoção; pior ainda quando é um fato inaugural nas nossas vidas. Tinha até um comercial premiado, que ganhou sua época, e falava do primeiro sutiã da moça.
Parodiando, minha primeira muleta ficou atolada num buraco de lama, quando meu pai nos levou para pescar pela primeira vez. Quando lá me deixou, para sair sozinho, me ensinou a lutar pela vida.
Meu pai me ensinou que, na maioria das vezes – ou quase sempre –, teria que me virar por conta própria e que meus gestos, pensamentos e determinação fariam de mim o que conseguisse ser. Ali me ensinou a lutar pela sobrevivência, sem choro nem vela, aos seis, sete anos de idade.
E se estou aqui é porque aprendi a lição e porque ganhei a maioria das batalhas, comigo mesmo e com o lado de fora. Não é difícil relembrar que nem sempre nos deparamos com o Outro. Minha mãe me deu o carinho para existir, o sentimento que só as mães têm. Afinal, não lutamos toda hora. E amar talvez seja a luta mais difícil.
Como já percebi, falar disso não será uma tarefa das mais fáceis. Mas, esse é o desafio que me propus neste início de ano, e quem sabe não passo a conhecer outro aspecto da vida, de maneira menos articulada, controlada pelos modelos racionais, mas muito mais real.
Apesar de parecer, este não é um artigo de autoanálise – como diz o prof. Marcos Del Roio. Ou será que é? Se for, não escrevi com esse objetivo. Penso que seja um artigo de militância e de “engajamento na causa” que estou iniciando. De qualquer modo, me sinto à vontade para adiantar alguns desses causos e que, nas Minas Gerais, poderei contar com mais detalhes.
Tenho a esperança de que esta reflexão – artigo de autoanálise – sirva de esclarecimento para outros que talvez se sintam mais “diferentes” e incomodados com sua diferença. Este objetivo, creio eu, é o melhor que este texto e minha fala futura podem apresentar. Espero colaborar para diminuir o preconceito.
O preconceito, a base neural/ideológica da discriminação é um pré-conceito – aquela conclusão antecipada, sem conhecimento real, verificável (teórica e empiricamente) dos fatos.
Popularmente, chama-se de ignorância, porque se ignora a realidade, as condições, as determinações de cada caso concreto e de seu entorno. Portanto, um pouco de racionalização também nos auxilia no início da conversa.
As designações para os deficientes são um exemplo de como nem mesmo a busca pela racionalidade consegue se explicar muito bem, em muitos casos. Porque, mesmo racionalizando, ainda assim guardamos alguma dose de confusão ou de ignorância verbal/conceitual.
Por exemplo, já fomos “portadores de necessidades especiais” – como se eu estivesse portando uma identificação, um cartão de visitas, um livro ou um objeto qualquer – e de fato estou, e são dois: duas muletas.
Entretanto, hoje, oscila-se entre “deficientes físicos”, que é a que eu prefiro porque é curta e direta, e “pessoas com deficiência”. Nenhuma delas, para dizer a verdade, faz jus a um conceito. Primeiro, porque todos nós portamos alguma coisa ou simples ideias, como nesse texto.
Em segundo lugar, não há pessoa na história da Humanidade que não tivesse (portasse) alguma deficiência, por menor que fosse – se existiu, foi na forma angelical. E tudo que os “deficientes físicos” não precisam é desse tipo de romantismo. De anjo, posso garantir, não tenho nada – só a leitura de Ícaro.
Terceiro porque parece que a deficiência é uma fase passageira, transitória, e que mediante algum procedimento técnico (ou divino) o sujeito conhecerá a redenção e a própria perfeição humana.
Hoje tem a deficiência, amanhã é Lázaro e não tem mais. Para este último caso, basta lembrar a quantidade de “deficiência moral” que é parte permanente da história brasileira. A psicopatia política, o cinismo, a antipatia social são marcas entranhadas e impressionantes de nossa cultura.
Por tudo isso – e por outras, nessa conversa inaugural (para mim), começarei dizendo exatamente isso: “todos nós temos deficiências em algumas ou em muitas coisas”. A minha, a mais aparente, é física. Mas, como imperfeição (uma vez que sou humano), a minha não é a pior da espécie.
Enfim, como todos, tenho preconceitos (pré-conceitos, avaliações prévias, superficiais), momentos de incapacidade de racionalização, desequilíbrios entre razão e emoção. A questão é: quem não tem?
Alguém, que esqueci quem foi, dizia claramente: “cobre tudo de mim, menos coerência”. O sociólogo Max Weber, um expoente do racionalismo – na sequência de Giambattista Vico e Nicolau Maquiavel (veritá efetualle) – contava com 95% de irracionalidade nos atos humanos.
Com isto, quero dizer que todo preconceito é, por óbvio, deficitário, como déficit de conhecimento (e não só de atenção). E se assim é, pela lógica, se somos humanos e se os humanos são imperfeitos, quem não é deficiente?
A verdade é que todos nós temos pré-conceitos. Ninguém domina “todo o saber”, como divindade onisciente. Esta condição, diga-se de passagem, é a oitiva do racismo, o pior dos males nacionais, a origem principesca da exclusão.
Enfim, a prova maior de nossa incompletude é que estamos aqui, aprendendo e ensinando.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd
O direito a ser-aí, fazendo-se política
EDUCAÇÃO FORA DA CAIXA
Congresso Mineiro de Educação - Dias 30 e 31 de março - Divinópolis.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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