A relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying

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30/01/2019 às 10:06
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6. O CYBERBULLYING E O SUICÍDIO

O suicídio, como já explanado, trata-se do ato em que o agente elimina sua própria vida, que no âmbito penal não se tipifica, apenas ocorre o enquadramento nas situações em que o agente auxilia, instiga ou induz alguém a cometê-lo. Alguns fatores impulsionam na prática do autoextermínio, tais como distúrbios de humor, em que a existência torna-se insignificante e a morte é a solução. A emoção é um fator a ser considerado, pois poderá desencadear esse ato, como nas situações de raiva, dor, e etc., que implique na falta de discernimento do indivíduo.

A figura do cyberbullying aparece como fator impulsionador da ausência de discernimento. É uma agressão imotivada, em que utiliza das características físicas ou gestuais do indivíduo para atacá-lo, causando vergonha e ridicularizando a vítima dessa agressão. Os ataques ocorrem pelo meio virtual, alcançando uma massa de telespectadores em poucos minutos, aspecto esse que difere do bullying e evidencia a crueldade dessa violência.

Em julho de 2018, a REVISTA EXAME (2018) veiculou matéria com dados apresentados pelo Instituto IPSOS, através de um levantamento ocorrido entre 23 de março a 6 de abril, com 20,8 mil pessoas, trazendo o Brasil na segunda posição do ranking global de ofensas realizadas pela internet, ou seja, o cyberbullying. O estudo destaca que: “29% dos pais ou responsáveis brasileiros consultados relataram que os filhos já foram vítimas de violência online. Na sondagem anterior, divulgada em 2016, esse índice era de 19%”. As consequências geradas pela prática dessa violência virtual são irreparáveis ou de difícil reparação, causando no vítima isolamento, podendo evoluir para a depressão, chegando até ao suicídio.

A mídia anuncia casos concretos agressões virtuais, dentre vários, surge o da adolescente Dielly Santos, em que no dia 16/05/2018, cometeu suicídio decorrente das constantes agressões que sofria. Em matéria divulgada pelo site de notícias AMAZONAS1 (2018), destaca que a adolescente recebia comentários como “lixo, porca imunda e gorda”, pelo seu tipo físico, em que os agressores consideravam fora do padrão. Ainda na matéria, os familiares relataram que Dielly tentava desesperadamente emagrecer, motivada por um fim nas agressões. No dia fato, a adolescente chegou em silêncio do colégio, dirigiu-se ao banheiro, encontrada posteriormente enforcada. Ademais, mesmo após o óbito da adolescente, as agressões não cessaram nas redes sociais, suas fotos continuaram sendo alvos de ataques, como por exemplo: “agora ela finalmente conseguirá emagrecer, parabéns, venceu na vida”.

O caso apresentado ratifica a existência do suicídio que decorre do cyberbullying, em que as agressões criam uma confusão mental na vítima, trazendo como resultado a morte.

6.1. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE DO SUICÍDIO DECORRENTE DO CYBERBULLYING

O nexo causal é a relação entre a conduta do indivíduo e o resultado que ele produz, sendo que a causação é a ação ou omissão que o acarrete. A relação de causalidade tem uma fundamental importância no decorrer da história, pois para que se impute a alguém a responsabilidade por algo, é necessário avaliar o seu nexo. As teorias apresentadas, surgiram como meio de incrementar a ideia do nexo, deixando-a mais aplicável nos diversos casos.

A ausência de tipificação do suicídio como crime não veda a possibilidade de atribuir ao agente o resultado, como o próprio artigo 122, do CP, que enquadrado penalmente aquele que auxilia, instiga ou induz à vítima ao cometimento do suicídio, sendo ela a própria autora do autoextermínio. Práticas de cyberbullying, como já apresentada, pode ocasionar várias consequências, dentre elas a depressão, que faz com que o indivíduo acredite que sua existência seja insignificante, agredindo seu psicológico, ao ponto de retirar sua própria vida.

Diante desse contexto, apresenta-se a dúvida: poderia imputar o resultado ao agente causador, reconhecendo, dessa forma, o nexo entre sua conduta e o resultado produzido? De acordo com a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais a resposta é afirmativa, sendo possível imputar o resultado aquele que deu causa, pois na ausência deste, o resultado não se materializaria. Logo, aquele que prática o cyberbullying seria responsabilizado pelo suicídio, pois caso não praticasse a conduta, não ocorreria a morte da vítima, reconhecendo assim o nexo.

Entretanto, a teoria apresenta algumas críticas acerca do regresso ao infinito, pois determina como causa tudo aquilo que contribuiu para o resultado, ou que o tenha agregado. Em razão disso, seria responsável desde a mãe do autor da ação, até mesmo o criador da internet, computador, e tudo aquilo que corroborou para o resultado.

A fim de eliminar essas críticas surge a Teoria da Imputação Objetiva, criada por Claus Roxin. Nela, será reconhecido o nexo de imputação ao agente que cria um risco juridicamente proibido ou aumenta o risco permitido. A teoria é um atributo de defesa, limitando o reconhecimento da relação causal apenas nos injustos já tipificados penalmente. Ou seja, não poderá a imputação objetiva reconhecer os resultados que não estão previstos código penal.

Nesse diapasão, Günther Jakobs dispõe sobre o papel do indivíduo dentro da sociedade, se desvinculando de qualquer injusto tipificado penalmente, mas baseando-se no convívio entre os indivíduos, que na própria relação já contém riscos. O autor determina que poderá imputar o resultado ao agente que violou o seu papel social, ou aquele que aumentou ou incrementou o risco, ultrapassando assim sua função.

JAKOBS (2000) admite que dentre as situações que acarreta o resultado, deverá ser identificado o ato determinante, ou mais relevante, que corroborou para a consequência. Desse modo, utilizando a visão do autor sobre a relação do cyberbullying e o suicídio, o nexo de imputação é reconhecido, pois, se o agente não transcendesse seu papel, no que pese as agressões reiteradas contra uma pessoa, não ocorreria nenhum descontrole emocional que resultasse no suicídio. Logo, a conduto do agente nesse tipo de violência, é determinante para o resultado.

Além disso, o autor deveria cumprir seu papel, respeitando o convívio de forma harmonizada e respeitando o outro no meio social. Assim, aquele que não age com seu dever, será responsabilizado pelo resultado gerado, como ocorre no cyberbullying. Por isso, deverá ser reconhecido o nexo de imputação entre o suicídio e a violência virtual.


CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente estudo, possibilitou uma análise de como o cyberbullying influencia na vida das pessoas, bem com as consequências que esse ato resulta. A elaborada pesquisa tem a finalidade de reconhecer a relação de causalidade do suicídio decorrente das práticas de cyberbullying, identificando sua relevância na sociedade e a ausência de discussões acerca do tema.

Dados demonstrados no site SarferNet, traz a identificação da existência do cyberbullying como ato violento, destacando percentuais consideráveis. Notícias veiculadas em fontes confiáveis, promoveram o conhecimento de casos concretos de suicídios que decorreram de agressões psicológicas do cyberbullying. No que concerne as pesquisas bibliográficas, oportunizaram o entendimento e aplicações de teses de reconhecimento do nexo de causalidade, permitindo assim, que os objetivos propostos fossem realmente alcançados.

O nexo entre a conduta e o resultado morte, são condecorados através da causa determinante do resultado, baseada na visão de Gunther Jakobs, diante do papel social violado pelo indivíduo. Em razão disso, deverá ser reconhecido o nexo de imputação entre os diplomas estudados.

Diante disso, fica evidente que os objetivos foram realmente alcançados. E, dada a importância do tema, torna-se necessário a tipificação penal dessa conduta. Vale também ressaltar, que durante a elaboração do presente trabalho, foi sancionada a Lei de nº 13.718/18, incluindo no atual Código Penal, o artigo 218-C - o agente que divulga fotografias, vídeos e qualquer registro audiovisual, contendo cenas de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima, a fim de puni-la, terá pena de reclusão.

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A citado artigo possui características do cyberbullying, como a humilhação da vítima pelo meio virtual, mas não diverge pela a ausência de ações reiteradas que o tipo caracteriza. A importunação sexual configura por um único ato. Entretanto, a lei surge como um marco para os crimes cibernéticos, ressaltando a importância da tipificação dessas condutas, como no caso do cyberbullying.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Luciano Sousa Moreno

10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Liberato Menezes e coorientação de Raul Mangabeira.

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