Alguns a tiveram pela rainha das provas ([1]), outros por fenômeno contrário à natureza ([2]), não poucos a interpretaram como argumento de honradez ([3]): a confissão judicial foi sempre tema de que se ocuparam os mais graves autores, que a definiram como “declaração da própria responsabilidade” ([4]).
Confessar alguém um fato o mesmo é que admitir-lhe a autoria. A prevenção, por isso, com que muitos a recebem, já entrou em provérbio: Se disseres a verdade, irás à forca.
Mas, ainda que, geralmente falando, se deva reservar “a confissão à Justiça do Altíssimo, e o silêncio, à dos homens”, como alvitrava Jacques Isorni ([5]); a despeito de, confessando a autoria de um fato, fechar o acusado sobre si a porta do cárcere, há casos em que ela se mostra de rigor; outros, em que será ato de razão esclarecida.
Assim, é forçoso que admita a autoria de certo fato aquele que o pretenda justificar nas barras do pretório. Primeiro que alegue de sua justiça em pontos de legítima defesa, haverá o réu de admitir, com efeito, que repelira com violência o agressor. Sua confissão, em tal caso, é pressuposto lógico e jurídico da afirmação de que obrara sob a égide daquela excludente de injuridicidade.
Situações existem, contudo, que, suposto não se ajustem ao rol das descriminantes, toleram (se é que o não aconselham) confesse o arguido a autoria do fato que lhe é imputado. São aqueles em que a sua negativa quanto ao fato representaria, pelo estado da prova, um sesquipedal insulto à inteligência do inquisidor e de qualquer pessoa de suficiente consideração. Deveras, que mais atentório do siso comum que isso de insistir o réu em negar, perante o magistrado, aquele mesmo fato cuja autoria admitira, sem ambages, na quadra do inquérito?
Não vale contra esta consequência a objeção do leitor perspicaz, de que as confissões extrajudiciais padecem da eiva da suspeição, visto se presumem obtidas mediante violência: a muitos infelizes, em boa verdade, extraíram-se confissões juntamente com suas fibras musculares! Não há negá-lo, e as crônicas forenses demonstram-no além de toda a dúvida ([6]).
É outra, no entanto, a hipótese que figuramos aqui: a do agente que, sobre haver admitido por declarações no inquérito a prática do delito — furto, por exemplo — , fora preso em flagrante, reconhecido pessoalmente por testemunhas, e em seu poder apreendidas as coisas que subtraíra à vítima. Em tal caso, seria de indivíduo sensato aventurar-se à negativa da autoria do fato criminoso, recalcitrando-se à força da evidência? Ficamos que não. Uma coisa é ser cego, outra negar a existência da luz! Aí pediria a razão que, em seu interrogatório, confessasse o réu, sem salvas nem rodeios, a imputação. Com o que, do mesmo passo que se pouparia ao arrojado e baldio empenho de pelejar contra a realidade da prova dos autos, faria jus ao benefício do art. 65, nº III, letra d, do Código Penal, que inscreve a confissão entre as circunstâncias atenuantes da pena ([7]).
Por último — e é coisa muito digna de reparo —, trai algo de nobre e louvável o ato de quem, havendo percorrido a vereda da iniquidade, lá um dia reconhece as faltas que cometeu e protesta emendar-se.
Matéria é esta das mais delicadas, e parece mesmo andar às testilhas com o sagrado princípio da amplitude do direito de defesa. Nada mais inexato, porém. Antes, conforma-se às inteiras com aquele venerando aforismo jurídico: Para ruim defesa, melhor é nenhuma!
Notas
([1]) “A confissão sempre foi reputada prova excelente — regina probationum —, pois que é contrário à natureza alguém afirmar contra si fato que não seja verdadeiro” (Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 309). R. Garraud, pelo mesmo feitio: “Os antigos consideravam a confissão como a prova por excelência, probatio probatissima, a rainha das provas, a única que podia num processo criminal assegurar a consciência do juiz e permitir-lhe, sem escrúpulo como sem remorso, pronunciar o castigo capital” (Compêndio de Direito Criminal, 1915, vol. II, p. 207; trad. A. T. de Menezes).
([2]) A confissão afirmam alguns que se acha em hostilidade aos ditames da natureza porque esta impõe silêncio ao culpado (cf. Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II, p. 6; trad. Alberto Antônio Soares).
([3]) “Nenhum homem se deve envergonhar de haver errado; estranhar erros num homem é não querer conhecer que é homem. A nossa maior desgraça não é cair em erros, é não os poder conhecer, ou não querer emendá-los” (Bluteau, Vocabulário, 1713, t. III, p. 192).
([4]) Cf. Bento de Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. I, p. 290.
([5]) Apud Eliasar Rosa, Dicionário de Conceitos para o Advogado, 1974, p. 63.
([6]) Por não estirar muito este escrito, citamos apenas o Caso dos Irmãos Naves (Sebastião e Joaquim), que passa pelo maior erro judiciário do País. Acusados, em 1937, de latrocínio e metidos a tormentos, confessaram a autoria do crime, por que os condenou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais à pena de 15 anos e 6 meses de reclusão. Eis senão quando reaparece (em 1952), são e salvo, Benedito Pereira Caetano, a pseudovítima. Acerca do assunto, que foi transportado também à tela do cinema, há copiosa literatura: Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, 1989, pp. 79 e 85; João Alamy Filho, O Maior Erro Judiciário do Direito Brasileiro, 1965; Leib Soibelman, Enciclopédia do Advogado, 1981, p. 62, etc.
([7]) O preceito da lei diz com a doutrina de nossos maiores: “Quem se acusa a si mesmo escusa acusador, e faz leve o seu delito” (Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1711, t. III, p. 259); “A confissão da culpa costuma fazer menor a pena” (Matias Aires, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, 1752, prólogo); “A confissão é atenuante de culpa” (Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, 1906, p. 362).