O realismo político que de fato interessa ao povo começa por entender o fascismo que se utiliza do “cesarismo” como forma de tomar o poder. No nosso caso, escolhemos um César expressivo do que pensa e quer o povo brasileiro.
Em 2018 não se votou exatamente pela economia, pelo “estômago”, pois, exerceu-se a chamada auto representação. Ou seja, o país escolheu blindar e esconder debaixo do tapete uma série de ataques à normalidade democrática, aos instrumentais das políticas públicas de inclusão popular. Pregou-se, publicamente, a incitação ao assassinato de “inimigos” como se fosse algo normal, natural.
É este fenômeno, combinado a um obscurantismo religioso (“fim do mundo”, terraplanismo, geocentrismo, milagres em goiabeiras etc), ao avanço degradante sobre o meio ambiente (Brumadinho/MG, prenúncio de eliminação indígena), ao desmantelamento do sistema nacional de educação pública (alfabetização doméstica), e com saldo político, que denominamos aqui de fascismo.
Por tudo isso, somando-se à Síndrome de Macunaíma – em que só é bom o que é esperto, lucrativo, antiético, desonesto – não houve fraude. Isto nós já sabemos. Agora temos que entender “o que fazer”.
A primeira ação exige reconhecer que não foram (somente) as fake news, as mentiras, que deram números finais à eleição. Com isso, pretende-se dizer que a cultura nacional é fascista, racista, machista, homofóbica, xenófoba, hipócrita, escravagista.
O povo não é enganado, sempre escolhe alguém que o representa perfeitamente: quem se esqueceu do “rouba, mas faz”, tão ao gosto dos paulistas? Nossa cultura é de ódio, nunca foi de cordialidade. Matamos mais, em um ano, do que foram mortos soldados dos EUA na Guerra do Vietnã.
Então, essa é a primeira luta a se travar. Ironicamente, trata-se de uma luta contra o povo, mas em duplo sentido: aqueles que dominam e o despreza; aqueles que precisam destruir sua cultura de ódio e desejo de lucrar com a barbárie.
Neste mesmo segmento, agora quanto às instituições, é importante destacar que o discurso político predominante hoje, no senso comum, tem a premissa e a conclusão (num movimento de vai e vem) assentadas no “fato” de que o Estado é apresentado como o único ou o maior causador de todos os males nacionais.
Então, livrando-se do Estado, jogando o bebê com a água suja do banho, teremos uma regulação/regulamentação isenta, “profissional e moderna”, sem corrupção, como se o mercado fosse ético e justo.
Livres do “monturo estatal” – o mesmo, diga-se de passagem, que preserva o princípio da dignidade humana, as políticas sociais de inclusão –, restaria a função da segurança pública e nacional, se esta não for empresarial, como já é nos EUA.
A conclusão, por óbvio, implica em dizer que teríamos retroagido ao século XVIII, ao Estado Gendarme, o guardião armado, como preconizava o liberalismo de John Locke. Ou antes disso, ao Leviatã de Thomas Hobbes, no epicentro do Renascimento. Portanto, não é demais dizer que nossa “pós-modernidade” é, no fundo, pré-moderna.
Também não é preciso voltar à crise de 1929 para mostrar essa falácia, ignorância científica, pois basta lembrar que quem financia a corrupção do Poder Público é a iniciativa privada. Porém, o financiamento privado da corrupção pública ocorre de dois modos:
1) Tornando-se o aparato estatal uma reserva do interesse privado, ou seja, privatizando-se o Estado, colocando-se suas melhores dotações a serviço do capital, privatizando-se os recursos naturais, desnacionalizando-se o patrimônio público, apadrinhando-se os amigos do poder econômico, legislando-se e executando-se as ordens dos Grupos Hegemônicos de Poder (privado) que colonizaram o Poder Político (com apoio, é evidente, de servidores e agentes políticos corruptos);
2) Corrompendo-se diretamente os agentes públicos, não importando o valor, se na casa dos 50 milhões ou se limitados a 24 mil reais. Esta é a corrupção que o povo vê, alimentado pela mídia oficial (igualmente corrompida por seus departamentos comerciais) e jamais a primeira, porque para isso teria de ter educação pública de qualidade, democrática, crítica e destacada pela construção da autonomia.
Outrossim, para fugir ao senso comum, tenhamos em conta que este emblema do Estado corrupto (dado que o corruptor é sempre o poder econômico privado) remonta à própria formação estatal moderna e a um tipo bem específico chamado de presidencialismo de coalizão ou Superpresidencialismo – algo como “Kaiserpresidente”.
O caso remonta ao “Federalista" de Thomas Jefferson, nos EUA, mas, no fundo, trata-se do próprio Federalismo, já degenerado em democracia liberal-excludente. Porque não poderia ser outra coisa, uma vez que o federalismo foi formado como reserva do poder central, reservando-se o uso/abusivo de todos os meios (i)legais ou (i)morais para se manter o comando, a posse e a propriedade. Numa leitura que se inspira no “bonapartismo”, de Karl Marx.
Portanto, é uma forma de poder (forma-Estado) que atua em defesa de privilégios (aos mandatários) e do capital: dos reais mandantes. Assim, a democracia representativa surge como a "última razão dos reis", uma vez que é a própria justificativa e garantia de que haverá expansão do poder centralizado, porque o expansionismo leva consigo toda a extensão do capital hegemônico (vide invasão do Iraque).
Na origem do Estado Moderno, no Renascimento do filósofo Thomas Hobbes, esta ideia estava presente, mas com uma diferença: este poder central (que não é sinônimo de poder público) surgia como a "prima ratio" que seria batizada de Razão de Estado. Trata-se da primeira condição da existência, a razão inaugural que asseguraria uma ligação vitalícia do indivíduo com o poder, um “conatus”, uma conexão de mente (aspirações) e corpo (necessidades), e que asseguraria a formação de uma sociedade civil distante do “estado de natureza”: do cada um por si. Pois bem, diante de tamanha tarefa, estaria justificado o uso de todos os meios, recursos e instrumentos disponíveis. É a mesma conexão que nos liga ao Mito (ou ideologia) de que o Estado é isento e redentor. Até hoje.
No entanto, ainda há muito em comum: dizem os arautos do poder redentor que travamos uma luta de sobrevivência. Daí o uso das forças mais grotescas do homem médio, em sua vida comum de senso comum; pois, na sobrevivência vigora o vale-tudo. Institucionalmente, este fenômeno ou efeito também é conhecido como Estado de Exceção, quando as exceções viram regras que sustentam os mandamentos do poder estabelecido – agora pelo viés de Michel Foucault.
Ou, em termos mais subjetivos, ainda teríamos aqui um conluio entre dominação carismática (Hitler) e tradicionalismo (primitivismo religioso, por exemplo), em paráfrase ao sociólogo Max Weber. Como vimos, há muitos caminhos que explicam o sentido específico do poder estatal que passamos a conhecer no país, especialmente no pós 2013-2016 – uma colonização do espaço público por forças retrógradas moralmente e na cultura política. Um verdadeiro esteio do “cesarismo”: “Dai a César, o que é de César” – como nos testamentos.
Esta fabricação de uma efetiva “política de exceção”, é válido investigar, afina-se a partir das bases do entrosamento entre fascismo e cesarismo no século XXI; tendo-se no primeiro (o fascismo) a estrutura/construção cultural, institucional, econômica e política que melhor guarde o poder autocrático (quando o Estado tem um ou alguns donos) e, quanto ao segundo (o cesarismo), estende-se toda a tipologia (i)legal e ilegítima dos meios necessários à tomada ou manutenção do poder. A democracia, como a conhecemos, enfim, é uma condição de organização do poder em que oscilam as forças de César ou de Bonaparte. Isso explicaria a sensação de “retrocesso-repressivo” que vivenciamos atualmente.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd
O DIREITO À VERDADE II
O FASCISMO É NOSSA REALIDADE
O acontecimento proto-fascista no pais.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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