Posso desistir do financiamento e devolver o imóvel para Caixa Econômica Federal?

04/02/2019 às 00:59
Leia nesta página:

O tema em análise no momento é a desistência do financiamento habitacional e as possibilidades de devolução do imóvel financiado.

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Posso devolver o Imóvel Financiado para Caixa Econômica Federal?

Em agosto de 2016 escrevi o artigo intitulado: “TENHO QUE DESISTIR DO IMÓVEL FINANCIADO. O QUE FAZER QUANDO O SONHO DA CASA PRÓPRIA VIRA PESADELO?”.

Somente no ano de 2018 essa postagem recebeu pouco mais de 34 mil visitas, o que revela o grande interesse das pessoas por esse tema.

As principais dúvidas levantadas foram:

  • Posso desistir do financiamento imobiliário?

  • Posso devolver o imóvel financiado para Caixa Econômica Federal?

  • Como cancelar o financiamento do imóvel?

  • Se eu desistir do financiamento imobiliário, recebo algum dinheiro de volta?

Neste artigo, vou explicar o assunto da forma mais simples e objetiva possível, com a finalidade de esclarecer essas e outras dúvidas sobre o tema: cancelamento do financiamento imobiliário.

Após se informar sobre as regras para o cancelamento do financiamento imobiliário, convido você a visitar também o artigo:

Como descobrir se tem juros abusivos no financiamento imobiliário e de veículos?

A revisão do financiamento imobiliário pode ser uma solução alternativa, ao invés da devolução do imóvel para o banco com o consequente cancelamento do contrato.

Por enquanto, vamos aos esclarecimentos sobre o tema em análise.

Autor: Flávio Marcelo Guardia – Advogado OAB/PE 34.067.

01 – POSSO DESISTIR DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO?

De forma direta e objetiva, posso afirmar que sim, porém, as regras e consequências variam de acordo com modalidade do seu financiamento.

Isso porque existem alguns tipos de financiamento de imóveis, dentre os quais destaco:

  1. Direto com o construtor, no qual o comprador paga todo financiamento diretamente ao próprio construtor ou incorporador;
  2. Misto, no qual o comprador financia uma parte do imóvel com o construtor ou incorporador e o saldo com uma instituição bancária;
  3. Financiamentos do SFH – Sistema Financeiro Habitacional, ou do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário;

Esses são apenas alguns exemplos de financiamento de imóveis. Existem outras modalidades, tais como financiamento por cooperativa habitacional, consórcio imobiliário, entre outras modalidades permitidas em lei.

Para o caso em estudo, vamos nos limitar às regras para desistência do financiamento de imóveis adquiridos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida.

Em outra oportunidade, apresentarei as regras para o distrato do financiamento imobiliário direto com o construtor ou incorporador, e também sobre a modalidade de financiamento misto.

Então, respondendo de forma mais clara a pergunta inicial, podemos afirmar que sim: É possível desistir do imóvel financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida.


02 – POSSO DEVOLVER O IMÓVEL FINANCIADO PARA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL?

Desde que tenha sido adquirido pelo Programa Minha Casa Minha Vida, sim, é possível a devolução do imóvel.

Até o ano de 2017 não existia a previsão legal para desistência de financiamento do imóvel em razão da incapacidade de pagamento por parte do consumidor.

As regras para devolução estavam previstas PORTARIA Nº 606, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2016, do Ministério das Cidades, limitando-se as seguintes hipóteses:

Art. 2º – Nas situações a seguir relacionadas, os contratos poderão ser distratados visando à retomada do imóvel e a substituição do beneficiário:

I – O beneficiário foi impedido de ocupar ou foi retirado da unidade habitacional por invasão ou ameaça;

II – Família de que faça parte pessoa atendida por medida protetiva prevista na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006; ou

III – Família de que faça parte pessoa enquadrada em programas de proteção a vítimas e testemunhas na forma da legislação específica.

No entanto, estudos do Governo Federal ao longo do ano de 2016, demonstraram o crescente número de pessoas que não estavam conseguindo pagar o financiamento dos imóveis adquiridos pelo Programa Minha Casa Minha Vida.

A explicação era óbvia. A partir daquele ano a taxa de desemprego ultrapassou os dois dígitos, atingindo, naturalmente, a parcela da população que tem menos recursos financeiros, ou seja, justamente o grupo econômico que faz uso desse tipo de programa.

Observe o quadro da PNAD Contínua divulgada pelo IBGE e será fácil entender o contexto histórico daquela época.

Essa situação fez com que em julho de 2017 o Governo Federal, implementasse modificações nas regras que prevê o distrato (cancelamento) do financiamento adquirido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida sem gerar maiores prejuízos para o financiado.


03 – QUAIS AS EXIGÊNCIAS PARA A DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL FINANCIADO?

De acordo com a nova regra, as hipóteses anteriores foram mantidas:

Art. 2º Na ocorrência das situações a seguir relacionadas, os contratos também poderão ser objeto de rescisão:

I – Impedimento de ocupação ou retirada da unidade habitacional por invasão ou ameaça;

II – Atendimento por medida protetiva prevista na Lei nº11.340, de 7 de agosto de 2006; ou

III – Atendimento por programas de proteção a vítimas e testemunhas na forma da legislação específica.

A diferença veio na inclusão da expressão “ou por solicitação do beneficiário” contida no artigo 1º da PORTARIA Nº 488, DE 18 DE JULHO DE 2017.

Vejamos a diferença com destaque para os trechos em realce como sendo aqueles incluídos pela nova regra:

Entendida a alteração que veio a permitir a desistência do financiamento por solicitação do beneficiário, vamos verificar as exigências para esse procedimento:

3º Os contratos somente poderão ser rescindidos por solicitação do beneficiário, se atendidos os seguintes requisitos:

I – seja formalizado pelo beneficiário o pedido na instituição financeira contratante, informando o(s) motivo(s) da desistência;

Essa exigência faz referência a manifestação oficial no sentido de que o financiado deseja solicitar o cancelamento do financiamento com a consequente devolução do imóvel.

Essa manifestação deve ser feita por escrito, contendo todos os dados do financiado e do imóvel, explicando que o motivo seria a incapacidade financeira ou desinteresse de continuidade no contrato por motivos profissionais, por exemplo.

II – o requerimento do beneficiário tenha a ciência do ente público responsável pela seleção da demanda;

Significa que aquela manifestação por escrito explicada no item anterior deve ser protocolada junto ao ente financeiro que liberou o crédito para aquisição do imóvel.

III – todas as obrigações e encargos relativos ao contrato e ao imóvel estejam em dia;

Como diz jargão criado por Arnaldo César Coelho: a regra é clara! Não é possível aderir ao programa de desistência do financiamento com as prestações atrasadas.

Vale acrescentar que além das prestações do financiamento, os demais encargos incidentes sobre o imóvel também devem estar em dia, tais como impostos e taxas condominiais.

IV – o imóvel não esteja em situação de ocupação irregular;

O imóvel que deverá ser devolvido não pode estar na posse de terceiros. Essa regra visa evitar que imóveis objeto de repasse, os famosos contratos de gaveta, sejam objeto de cancelamento do financiamento com outra pessoa habitando a residência.

V- o imóvel seja restituído nas mesmas condições físicas em que se encontrava à época da contratação; e

Caso o processo de devolução do imóvel atenda aos requisitos anteriores, deverá ser realizada uma vistoria prévia atestando-se que o imóvel se encontra nas mesmas condições da época em que fora adquirido pelo desistente.

VI – todas as obrigações, despesas, custas cartorárias e encargos relativos à rescisão sejam arcadas pelo beneficiário.

Por fim, após ultrapassadas as exigências burocráticas, surge mais uma despesa para o desistente.

Todas as despesas relativas a transferência, incluindo imposto de transmissão do bem, despesas com nova escritura e registro e quaisquer outros encargos exigíveis para transferência do imóvel devem correr por conta do financiado desistente.

04 – CASO EU DESISTA DO FINANCIAMENTO, RECEBO ALGO DE VOLTA REFERENTE AS PARCELAS PAGAS?

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Aqui temos uma situação extremamente polêmica. As regras do distrato apresentadas pela PORTARIA Nº 488, DE 18 DE JULHO DE 2017, objeto de estudo do presente artigo, não prevê a possibilidade de ressarcimento de qualquer quantia.

Muito pelo contrário, como visto, exige o pagamento de todas as prestações eventualmente atrasadas, além do pagamento dos encargos incidentes sobre o distrato.

Porém, como escrevi no primeiro artigo sobre desistência do financiamento imobiliário, o contrato de compra e venda de imóvel, mesmo ocorrida no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional, caracteriza uma relação de consumo.

Para que não restem dúvidas, vide o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:

PROCESSO CIVIL. RECURSO DE AGRAVO LEGAL CONTRA DECISÃO TERMINATIVA EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. HONORÁRIOS DO PERITO. QUANTUM REDUZIDO. NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO LEGAL À UNANIMIDADE. (DESTACADO).

  1. O STJ firmou entendimento no sentido da aplicabilidade do CDC aos contratos regidos pelo SFH e, consequentemente, também aplicáveis aos contratos de mútuo as regras do CDC que autorizam a inversão do ônus da prova em favor dos hipossuficientes. (DESTACADO).

(TJ-PE – AGV: 3269498 PE, Relator: Josué Antônio Fonseca de Sena, Data de Julgamento: 25/03/2014, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/03/2014)

Pois bem, fixado o entendimento de que o CDC deve ser aplicado aos processos judiciais que envolvam discussões sobre financiamento imobiliário, passemos a analisar a hipótese de distrato à luz do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Resta claro que as relações de compra e venda de imóveis, mesmo aquelas inseridas no âmbito do SFH, se inserem na esfera do direito do consumidor.

Prosseguindo. Na hipótese de o contrato envolver outorga de crédito, ou seja, pagamento parcelado mediante condições específicas definidas em pacto específico, o CDC assegura:

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Os contratos do SFH instituem a alienação fiduciária sobre bem imóvel, e o distrato solicitado pelo consumidor caracteriza a hipótese de resolução do contrato com a retomada do produto alienado.

Para corroborar essa tese, vejamos o que diz a súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça:

Observe que a regra descrita na súmula prevê 2 hipóteses:

  1. DEVOLUÇÃO INTEGRAL – para a hipótese de resolução do contrato por culpa exclusiva do vendedor; que não é o caso em estudo.
  2. DEVOLUÇÃO PARCIAL – para hipótese de culpa do comprador; exatamente o caso em análise.

Não existe uma regra absoluta de qual percentual deve ser descontado nessas hipóteses, porém algumas premissas devem ser ressaltadas:

  1. OS CONTRATOS SÃO FEITOS PARA SEREM CUMPRIDOS; Eventualidades que provoquem seu cancelamento causam prejuízos ao ecossistema do financiamento imobiliário, e por essa razão deve haver alguma compensação financeira, em forma de retenção de valores pagos;
  2. A DEVOLUÇÃO DO BEM PARA QUE SEJA VENDIDO NOVAMENTE PROPORCIONA UMA RECOMPOSIÇÃO AO AGENTE FINANCEIRO; Desse modo, a depender da quantidade de prestações pagas, a retenção total representa inequívoco enriquecimento sem causa por parte do banco.

05 – CONCLUSÕES:

O tema é delicado e exige auxílio de um profissional que tenha experiência no assunto e que esteja atualizado conforme o entendimento jurisprudencial mais moderno.

Se você estiver com dificuldades para pagar a prestação do seu imóvel procure um advogado de sua confiança.

Uma análise por parte de alguém experiente poderá auxiliar na decisão sobre qual melhor caminho a tomar, se seria realmente a devolução do imóvel ou uma ação de revisão das prestações em razão de possíveis cobranças abusivas.

Quer saber se no seu contrato de financiamento habitacional tem cobranças abusivas?

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COMO DESCOBRIR SE TEM COBRANAS ABUSIVAS NO FINANCIAMENTO HABITACIONAL?

Obrigado por acompanhar até o final e espero ter ajudado a esclarecer as dúvidas sobre  o tema.

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LUNA & GUARDIA SOCIEDADE DE ADVOGADOS

Sobre o autor
Flávio Guardia

advogado;Atuo no ramo do direito civil, em especial na defesa do consumidor, desde o ano de 2005. Estudos na área da neurociência do aprendizado já comprovaram que ensinar é a melhor forma de assimilar conteúdo. Por isso, resolvi criar esse canal de comunicação compartilhando com vocês o meu conhecimento adquirido durante esses anos experiência, visando aprimorar e consolidar aquilo que aprendi durante esses anos. Aqui, vou trazer informações úteis, de forma clara, simples e objetiva, visando auxiliar àqueles que buscam na internet soluções para alguns problemas recorrentes no dia a dia. Fique ligado nas dicas apresentadas e mantenha-se informado sobre seus direitos, afinal, informação é poder! Visite meu blog clicando no link a seguir: http://bit.ly/flavioguardia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo visa orientar consumidores que se encontram em dificuldades para pagar as prestações do financiamento contraído no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, tendo em vista o elevado número de pessoas que perderam seus imóveis nos últimos anos.

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