Ação Civil Pública impetrada por associação e a Lei 9.494/97

06/02/2019 às 15:11
Leia nesta página:

A associação é legitimada para impetrar ação coletiva de defesa dos direitos difusos e coletivos. Entretanto, a Lei 9.494/97 limita a atuação da ação coletiva, criando novos obstáculos para propositura da ação coletiva por associações.

            A Lei 7.347/85 confere a alguns legitimados a propositura da ação civil pública para defesa dos direitos transindividuais de toda a coletividade. Com as modificações posteriores, o artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública esculpe que o Ministério Público, a Defensoria Pública, os órgãos da Administração Pública Direta e Indireta e as associações podem impetrar ação coletiva, visando a defesa dos direitos considerados transindividuais. Outras legislações que cuidam de processos coletivos específicos de direitos transindividuais da coletividade também trazem estes como legitimados ativos (artigos 82 do CDC, artigo 210 do ECA, artigo 3º, caput da Lei 7.853/89 e artigo 81 da Lei do Idoso).

            As associações, em todos os casos, para fazer jus à legitimidade ativa, deverá cumprir dois requisitos: o primeiro deste é ter, pelo menos, 01 (um) ano nos termos da lei civil; o segundo é ter como finalidade a proteção dos direitos transindividuais, na sua totalidade ou um ou mais específicos.

            Entretanto, a Lei 9.494/97, ao ser modificada pela Medida Provisória 2.180-35, de 2001, trouxe novos requisitos para a associação, que não constam na redação original da Lei de Ação Civil Pública. O caput do artigo 2º-A determina a limitação da eficácia da sentença civil prolatada na ação coletiva, quando esta for proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, determinando que só será afetado aos associados que tenham até a data da propositura da ação domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, afastando-se da regra geral dos artigos 16 da Lei 7.347/85 – modificado pelo próprio artigo 2º da Lei 9.494/97 e artigo 103 do CDC.

            Já o Parágrafo Único do artigo 2º- A determina que as ações coletivas propostas contra a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações públicas, sendo o legitimado ativo as associações – e apenas esta – deverá a petição inicial ser instruída obrigatoriamente com a ata da assembleia-geral que a autorizou, bem como a relação nominal dos associados e endereços.

            Criou-se, portanto, intensa disparidade com as associações em relação aos demais legitimados ativos para propor a ação civil pública – todos estes de natureza pública, sem participação popular. Ora, por que há a necessidade de autorização assemblear para a associação impetrar ação coletiva e os demais legitimados não há necessidade de algo do tipo, bastando a descoberta da violação do direito transindividual? E por que a necessidade de listagem de nome e endereço de todos os associados se a ação defenderá direitos não apenas dos filiados, mas de toda a sociedade?

            Finalizando, por que a vedação somente às pessoas jurídicas de direito público, nada dissertando quando a ação coletiva for proposta contra pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado, como as sociedades, associações e até mesmo empresas públicas e sociedades de economia mista?

            Viola-se, primeiramente, de morte o próprio microssistema processual coletivo, haja vista que o artigo 82, caput, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor determina expressamente a dispensa da autorização assemblear. Autorização esta necessária por força do artigo 2º-A, Parágrafo Único da Lei 9.494/97 às proposituras da ação civil pública contra entes públicos para defesa dos demais direitos transindividuais.

            Segundo, a violação também se dá à igualdade esculpida no artigo 5º, caput da Constituição Federal. Afinal, tal princípio reza a igualdade entre iguais e a desigualdade entre desiguais, na medida de suas desigualdades. Neste caso, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado – bem como as físicas – não são desiguais para haver tal diferenciação. E se há diferença entre iguais, por consequência viola-se o Princípio da Igualdade.

            A nosso ver, portanto, o Parágrafo Único do artigo 2º da Lei 9.494/97, além de criar um imbróglio jurídico em relação ao microssistema processual coletivo e o artigo 82, caput, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, é inconstitucional por violar a igualdade. Deve-se, portanto, não ser aplicável nas ações coletivas no caso concreto, permitindo-se a impetração da ação civil pública, em todos os casos, sem a necessidade de autorização assemblear ou relação nominal dos associados.

Sobre o autor
Rodrigo Picon

Formado em Direito pelo Instituto Tancredo de Almeida Neves e pós-graduado em Direito Penal Econômico Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Rodrigo Picon é advogado, regularmente inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, escritor e contista. Atua nas áreas criminal, empresarial, penal econômica, tributária, difusos e coletivos e de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. É autor dos livros "Direitos Difusos e Coletivos" e "Código Penal Comentado".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos