Natureza jurídica interna dos tratados internacionais

Resumo:


  • Os Tratados Internacionais são regras de direito internacional que entram no ordenamento jurídico interno, conforme a Constituição Federal de 1988.

  • A natureza jurídica dos Tratados Internacionais ao serem incorporados no Estado é tema de debate, podendo ser equiparados a leis ordinárias, normas supralegais ou até mesmo normas constitucionais.

  • A Emenda Constitucional 45/2004 trouxe mudanças significativas, especialmente em relação aos tratados internacionais sobre direitos humanos, que podem adquirir status equivalente ao de emendas constitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O desafio de identificar e aplicar o tratado internacional no âmbito interno do Estado.

1 INTRODUÇÃO

Os Tratados Internacionais consubstanciam-se em regras de direito internacional, segundo as quais, à luz do artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988, ingressam no ordenamento jurídico interno, sem exclusão dos direitos e garantias expressos em nossa Bíblia Política.

  Grande é o desafio, em identificar a natureza jurídica que assumem os Tratados Internacionais, ao serem incorporados no plano interno do Estado. A emenda constitucional 45/2004 – conhecida como reforma do judiciário – inovou o artigo 5º da nossa Carta Política, gizando no parágrafo terceiro do referido artigo, regras especiais para os tratados internacionais sobre direitos humanos, quando da sua incorporação ao sistema interno de proteção dos direitos fundamentais. Nada obstante, e os demais tratados internacionais, como ingressam no ordenamento jurídico interno?

A temática será investigada neste trabalho, com a análise acerca dos efeitos internos provocados pelos tratados internacionais, a depender da natureza jurídica atribuída a eles.

2 DESENVOLVIMENTO DO ASSUNTO

2.1 Tratado Internacional.

(Soares, 2018) assevera que coexistência de diversas ordens jurídicas heterogêneas faz nascer a necessidade de aprofundamento do estudo do direito internacional, com a finalidade de por fim aos conflitos normativos entre Estados, de estabelecer o consenso entre os diversos ordenamentos internos. Das normas internacionais e das normas internas de cada ordenamento jurídico surgem abordagens que buscam apontar a posição hierárquica do Direito Internacional frente ao Direito Interno.

Ensina Piovesan:

Na definição de Loius Henkin: “O termo ‘ tratado’ é geralmente usado para se referir aos acordos obrigatórios celebrados entre sujeitos de Direito Internacional, que são regulados pelo Direito Internacional”. Além do termo ‘ tratado’, diversas outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais. As mais comuns são Convenção, Pacto, Protocolo, Carta, Convênio, como também Tratado ou Acordo Internacional. Alguns termos são usados denotar solenidade (por exemplo, Pacto ou Carta) ou a natureza suplementar do acordo (Protocolo). Não necessariamente os tratados internacionais consagram novas regras de Direito Internacional. Por vezes, acabam por codificar regras preexistentes, consolidadas pelo costume internacional, ou, ainda, optam por modifica-las. A necessidade de disciplinar e regular o processo de formação dos tratados internacionais resultou na elaboração da Convenção de Viena, concluída em 1969, que teve por finalidade servir como a lei dos tratados. (PIOVESAN, 2009, p. 44).

Neste diapasão, (Piovesan, 2009) observa-se que os tratados internacionais só se aplicam aos Estados-partes, ou seja, os Estados que expressamente consentiram em sua adoção.

2.2 O processo de formação dos tratados internacionais.

(Piovesan, 2009) Celebrar um tratado internacional fica a critério de cada Estado. O processo de formação dos tratados começa com os atos de negociação, conclusão e assinatura, atos estes de competência do órgão do Poder Executivo. Via de regra, a assinatura do tratado apenas indica que o mesmo é autêntico e definitivo.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (2018) no seu artigo 84, VIII, estabelece como competência privativa do Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Competência esta que pode ser delegada, pois, segundo (Mendes, 2009, pág. 966) , geralmente o Presidente celebra tratados por intermédio de representantes que credencia, sendo por decreto que o Presidente da República, de modo essencial e insuprimível, confere ao tratado internacional seus efeitos básicos, a exemplo da promulgação, da publicação e do comando para executoriedade no território nacional.

Uma vez firmado o tratado por ato do Presidente da República, à luz do artigo 49, I da CF/88 (2018), cabe ao Congresso Nacional, de maneira exclusiva, com a dispensa da manifestação do Presidente da República, através de Sanção ou Veto, deliberar e resolver, definitivamente, sobre os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

 Segundo (Lenza, 2017) a competência exclusiva do Congresso Nacional, afetas ao artigo 49 da Carta Política, será materializada por Decreto Legislativo.

Há quem defenda que os direitos fundamentais expressos em tratados internacionais já ingressavam na ordem jurídica com status de constitucional, por força do artigo 5º, § 2º da CF/88, sendo que o § 3º, em verdade, dificultou o processo.  

2.3 Níveis hierárquicos dos TRATADOS INTERNACIONAIS na ordem jurídica pátria:

 

Há quem defenda que os direitos fundamentais expressos em tratados internacionais já ingressavam na ordem jurídica com status de constitucional, por força do artigo 5º, § 2º da CF/88, sendo que o § 3º, em verdade, dificultou o processo.

2.3.1 – Lei ordinária.

           

Num primeiro momento, sustentava-se que todos tratados internacionais, que não versassem sobre direitos fundamentais, inseridos no ordenamento jurídico brasileiro tinham status de lei ordinária.

(Piovesan, 2009) assevera que a Carta Política de 1988, não apresenta nenhum dispositivo que, expressamente, determine a posição dos tratados internacionais no direito pátrio.  A hierarquia infraconstitucional dos tratados internacionais que não cuidam de direitos humanos, é extraída do artigo 102, III, b da Constituição Federal de 1988 (2018) que confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

Com base neste raciocínio, em 1977 o Supremo Tribunal Federal, acolheu o sistema que equipara juridicamente o tratado internacional à lei ordinária. No julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 firmou-se a tese de que, citado por Piovesan:

a norma posterior revoga a norma anterior com ela incompatível. Nesse sentido, pronuncia-se o Ministro Francisco Resek: “De setembro de 1975 a junho de 1977 estendeu-se, no plenário do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do RE 80.004, em que ficou assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deve ter sua prevalência garantida pela justiça – sem embago das consequências do descumprimento do tratado, no plano internacional. (PIOVESAN, 2009, p. 61).

(RE 349.703-1 – STF, 2008) A violação dos tratados internacionais, quanto ao regime de responsabilidade do Estado, apresenta uma relevante evolução com o surgimento da Convenção Americana dos Direitos Humanos. No entanto, na prática, esta mudança de tratamento quantos aos direitos humanos previstos em Tratados Internacionais, têm sido lenta e gradual. Isto se deve à maneira de como os tratados de direito internacional têm sido incorporados no direito interno.

À luz da reforma do judiciário, gizada na emenda constitucional n. 45/2004, à qual inseriu um novo parágrafo ao artigo 5º da CF/88 (2018), mais precisamente o parágrafo terceiro, atualmente, os tratados internacionais sobre direitos humanos não podem ser tratados, simplesmente, com natureza jurídica de lei ordinária.

2.3.2 – Norma supralegal.

            A emenda constitucional 45/2004 (2018), alçou o Tratado Internacional de Direitos Humanos, como norma que pode se transformar na própria Constituição, uma vez que, com supedâneo no parágrafo terceiro do artigo 5º da CF/88:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Vademecum Rideel, 20018, p.22)

Como compatibilizar a nova ordem constitucional, advinda do novo parágrafo terceiro do artigo 5º, com os tratados internacionais de direitos humanos que já haviam sido introduzidos no ordenamento jurídico interno? Para responder a este questionamento o Supremo Tribunal Federal revisitou o tema, alterando sua jurisprudência quanto ao tratamento dado aos tratados internacionais, atribuindo a eles natureza jurídica de lei ordinária, de maneira ampla.

(RE 349.703-1 – STF, 2008) Assim, trouxe luz ao tema o julgamento do Recurso Extraordinário 349.703-1 de 2008, ao afirmar que os tratados internacionais de direitos humanos não poderiam afrontar a Constituição Federal, mas teriam que ter um lugar especial no ordenamento jurídico interno.

Por conseguinte, ganhou corpo a tese que atribui a característica de supralegalidade aos tratados internacionais de direitos humanos. Essa tese se erigiu no julgamento RHC 79.785 – RJ, pelo voto do eminente voto do Relator Sepúlveda Pertence, tendo acenado com a possibilidade de atribuir aos tratados internacionais de direitos humanos, a natureza de supralegalidade.

Assim leciona Cançado Trindade:

A tendência constitucional contemporânea de dispensar um tratamento especial aos tratados de direitos humanos é, pois, sintomática de uma escala de valores na qual o ser humano passa a ocupar posição central. (TRINDADE, 2003, P.515)

Assevera Lenza:

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, acompanhando o voto do relator, acrescentou os seguintes fundamentos: “(...) parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos”. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana (LENZA, 2017, pag. 685)

 A supralegalidade dos Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos sedimentou-se no julgamento dos Recursos Extraordinários 466.343 e 349.703, pois, segundo (LENZA, 2017) buscou-se enfrentar a constitucionalidade da prisão civil para o inadimplente em contratos de alienação fiduciária em garantia.

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2.3.2 – Caráter Constitucional

            Com a inserção do § 3º no artigo 5º, os Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos, (Vademecum, 2018) os tratados que tratam de direitos humanos, podem ser recepcionados com status de norma constitucional, desde que sejam aprovados com as mesmas regras das emendas constitucionais.

            Segundo (LENZA, 2017) temos dois exemplos de Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos que foram recepcionados com status de norma constitucional, obedecendo aos requisitos trazidos pelo § 3º do artigo 5º da CF/88. São eles: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, que já havia sido aprovada pelo Decreto Legislativo n. 186/2008, tendo sido incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional. O outro exemplo é o Tratado de Marraqueche, que busca facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso, celebrado em 28/06/2013 e que entrou em vigor no plano internacional em setembro de 2016. No Brasil, o texto do Tratado de Marraqueche foi aprovado pelo Decreto legislativo n. 261/2015, mas aguarda promulgação por Decreto Presidencial para a efetiva incorporação no plano interno.

           

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Infere-se que a partir da emenda constitucional 45/2004 (Vademecum, 2018), Tratados e Convenções Internacionais deverão ser analisados sob os olhares do §§ 2º e  3º do artigo 5º da CF/88. Àqueles sobre direitos humanos, deverão passar pelo crivo do § 3º da CF/88, tendo status de norma constitucional se forem aprovados de acordo com regras gizadas no referido parágrafo, as mesmas para aprovação das emendas constitucionais. Já os que versarem sobre direitos humanos, mas com aprovação que não tenha respeitado os requisitos do § 3º, terão natureza jurídica de norma supralegal.

            Os Tratados e Convenções Internacionais de outra natureza, quando aprovados e introduzidos no ordenamento jurídico interno, terão natureza jurídica de lei ordinária.

            É de clareza solar, a importância dos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos, uma vez que, podem ser considerados a própria Constituição Federal ou, se sobreporem, aos atos normativos primários e secundários de nosso ordenamento jurídico interno.

              

4 REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.  Acesso em: 03 out. 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional 45/2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm. Acesso em: 03 out. 2018.

BRASIL. Recurso Extraordinário 349.703- RS. Dispõe sobre a possibilidade de prisão do depositário infiel no Brasil. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595406. Acesso em: 03 out. 2018.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor; 2003, p. 515.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 21ª ed. Editora Saraiva, 2017.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10º ed. – revista e atualizada. Editora Saraiva, 2009.

SOARES, Carina de O.  Os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro: análise das relações entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno Estatal. Disponível em:  http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9431&revista_caderno=16.  Acesso em: 27 set. 2018.

VADEMECUM RIDEL, 27ª Ed. 2018.

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Sobre os autores
Carlos Eduardo de Almeida Santos

Especialista em Direito Processual – Grandes Transformações do Processo e Didática do Ensino Superior, Centro Universitário Sudoeste Paulista – UNIFSP. Avaré/SP.

Maria Lúcia Porcel Pinto

Coordenadora do Curso de Direito do Centro Universitário Sudoeste Paulista - Avaré/SP. Mestre em Direito – Mediação e Arbitragem - Centro Universitário Sudoeste Paulista-UNIFSP, Avaré/SP,

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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