Anotações sobre o registro da hipoteca naval

07/02/2019 às 17:12
Leia nesta página:

O artigo 468 do Código Comercial falou da hipoteca marítima, determinando que ela só se poderia fazer por escritura pública, sob pena de nulidade, não podendo o capitão onerar o navio a não ser que tenha poderes especiais, sendo que o registro desse direito real de garantia de dívida deveria ser inscrito no Registro Privativo de hipotecas marítimas, criado pelo Decreto 15.809, de 22 de novembro de 1922. Posteriormente, entendeu-se que a inscrição passaria a ser feita no Registro de Imóveis (artigo 5º, n. IV da antiga Lei de Registros Públicos e uma vez feita a hipoteca o navio torna-se impedido de ser fretado, arrendado ou empregado ou qualquer outro modo no serviço de nação estrangeira, não podendo o navio ter mais de um porto de registro). Paga a dívida a hipoteca se extingue, pois o acessório segue o principal. De toda sorte, segue a hipoteca naval as regras civis na matéria.

Discute-se a questão da outorga uxória para a validade da hipoteca naval.

Formou-se em jurisprudência do antigo Tribunal de Justiça do Distrito Federal que é necessária a outorga uxória para a hipoteca do navio.

João Villas-Boas (Hipoteca Naval, 1942, n. 19 e 131) reconhece que para a alienação tal exigência não se torna necessária, entendendo que a lei civil regulamenta a matéria mesmo a hipoteca naval.

Por sua vez, Sampaio de Lacerda (Curso de Direito Privado de Navegação, volume I, 2º edição, pág. 336) entendeu que o navio é um móvel sui generis que tal garantia pode ser feita independente de autorização do cônjuge.

Esclareça-se que continua o armador com direito sobre o navio, enquanto não se der a venda ou a adjudicação a um dos credores e por isso poderá usá-lo fretá-lo ou dirigi-lo. Mas, por outro lado, como salientou Sampaio de Lacerda (obra citada, pág. 390) tem o dever de não realizar atos incompatíveis com o destino do navio e do frete para a satisfação dos credores.

É tradição em nosso direito, que vem desde a Lei 1.237, de 24 de setembro de 1864, que a hipoteca seria regulada pela lei civil, ainda que comerciantes a pactuem.

Fala-se do registro da hipoteca no Tribunal Marítimo.

Mantém o Tribunal Marítimo o registro geral:

  1. Da propriedade naval;

  2. Da hipoteca naval e demais ônus sobre as embarcações brasileiras;

  3. Dos armadores de navios brasileiros.

O Decreto nº 15.788, de 08/11/22, revogado pelo Decreto nº 11 de 1991, regulamentando o artigo 825 do revogado Código Civil de 1916, que dispõe sobre hipoteca naval, definiu navio, atribuindo-lhe a qualidade de espécie de embarcação, como sendo "toda construção náutica destinada à navegação de longo curso, de grande ou pequena cabotagem, apropriada ao transporte marítimo ou fluvial". As navegações de longo curso e de pequena e grande cabotagem são realizadas sempre no transporte marítimo mercantil, destacando, com isso, o caráter mercantil do navio, que o distingue das demais embarcações.

Acentuou Osvaldo Sammarco (A hipoteca naval no projeto do Código Comercial) que "na vigência do Código Civil de 1916, havia dissonância doutrinária acerca do tema: qual seria o momento inicial para a constituição de hipoteca em face do navio? Atualmente, considera-se possível a instituição do direito real até mesmo durante a construção do navio, por acatar como fato individualizante o respectivo projeto de engenharia naval. Exige-se, porém, que a construção esteja iniciada, "pelo menos com a quilha, colocada nos estaleiros, porquanto não é possível a hipoteca sobre coisa futura”. Nesse sentido, conforme for sendo construída, a porção concretizada já estará abrangida pela hipoteca em virtude de sua natureza jurídica compreender todo o bem, ou seja, todo o navio depois de concluído, em respeito ao Princípio da Indivisibilidade. Não obstante, incidirá, tal princípio, no que tange aos acessórios do navio, compreendidos entre botes, instrumentos náuticos, máquinas e outros equipamentos."

Especificamente sobre o tema o STJ já se manifestou como se lê: 

Tema: Hipoteca naval. Tratados internacionais e legislação interna. Inexistência de primazia hierárquica. Plataforma petrolífera estrangeira. Disciplina do Código de Bustamante. Registro de hipoteca realizado no porto de origem do navio. Eficácia no âmbito nacional.

Destaque: A hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional.

Inteiro Teor: Na execução de origem, ajuizada por instituição financeira, houve penhora de embarcação do devedor visando garantir o adimplemento da dívida, ao tempo em que terceiro peticionou nos autos alegando gozar de preferência sobre o produto da arrematação do bem penhorado em razão de hipoteca outorgada pela executada em seu favor, registrada no país de nacionalidade da embarcação. Nesse contexto, a principal questão controvertida consiste em saber se é possível ser reconhecida a eficácia, no Brasil, de hipoteca de navio registrada apenas em país de nacionalidade da embarcação que não consta como signatário das Convenções Internacionais sobre a matéria. De início, saliente-se que a doutrina especializada defende ser da tradição do direito brasileiro e de legislações estrangeiras a admissão da hipoteca a envolver embarcação de grande porte, em razão do vulto dos financiamentos a sua construção e manutenção. A instabilidade e o risco marítimo oriundos do constante deslocamento se compensa com a estabilidade dos registros em portos de origem. No tocante a navio de nacionalidade estrangeira, não bastasse a clareza do art. 278 do Código Bustamante ao estabelecer que a hipotecamarítima e os privilégios e garantias de caráter real, constituídos de acordo com a lei do pavilhão, têm efeitos extraterritoriais, até nos países cuja legislação não conheça ou não regule essa hipoteca ou esses privilégios, o art. 1º da Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Princípios e Hipotecas Marítimas, na mesma linha, também estabelece que as hipotecas sobre navios regularmente estabelecidas segundo as leis do Estado contratante a cuja jurisdição o navio pertencer, e inscritas em um registro público, tanto pertencente à jurisdição do porto de registro, como de um ofício central, serão consideradas válidas e acatadas em todos os outros países contratantes. Por seu turno, consigna-se que não cabe o registro, no Brasil, da hipoteca da embarcação de bandeira de outro país, pertencente à sociedade empresária estrangeira. Com efeito, na leitura da Lei n. 7.652/1988 e dos demais diplomas internos, nota-se um claro cuidado do legislador em não estabelecer disposição que testilhe com as convenções internacionais a que o Estado aderiu, respeitando-se a soberania dos países em que estão registrados os navios e respectivas hipotecas, de modo a fornecer segurança jurídica aos proprietários e detentores de direitos sobre embarcações. O registro hipotecário é ato de soberania do Estado da nacionalidade da embarcação, estando sob sua jurisdição as respectivas questões administrativas. Com essas considerações, a negativa de eficácia à hipoteca inobserva diversas convenções internacionais e causa insegurança jurídica, com possíveis restrições e aumento de custo para o afretamento de embarcações utilizadas no Brasil – razões pelas quais o ato analisado tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional.

REsp 1.705.222-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 16/11/2017, DJe 01/02/2018

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos