Como bem se sabe, em determinados atos do ente estatal, sejam estes atos de qualquer tipo de natureza, mesmo de cunho legislativo, quando desviado de sua finalidade, é considerado um ato incompatível com os objetivos e princípios que orientam e norteia a ordem jurídica, especialmente a dignidade da pessoa humana e a sua indissociável razão de servir à promoção do bem comum, à paz social e ao desenvolvimento humano.
No âmbito do Direito Penal, aos que se interessam pelo Direito Penal empresarial, devem notar que a fundamentação da prisão preventiva de investigados ou réus que praticam crimes nessa seara é consideravelmente distinta da fundamentação relativa à prisão cautelar de investigados ou réus abrangidos pela criminalidade tradicional, nos crimes de roubo, furto, homicídio, entre outros.
Nos processos relativos à criminalidade tradicional, os Magistrados decretam a prisão preventiva sempre com base na gravidade abstrata do delito, no risco de reiteração criminosa ou, em muitos casos, utilizando argumentos genéricos que de certo modo, não analisam o fato concreto.
Por exemplo, determinadas decisões que decretam a prisão preventiva de acusados por crime de tráfico em que a fundamentação gira em torno da afirmação de que tal crime produz a prática de outras infrações penais, como roubos, homicídios, entre outros, e que é uma conduta grave, porque prejudica a saúde pública.
No Direito Penal empresarial, como os Juízes tentam fundamentar de forma mais completa e tentando apreciar o fato concreto, porquanto sabem que cada falha ou omissão será apontada pela defesa.
O crime cometido, no âmbito do direito penal empresarial, não é um crime violento, não atenta de certa forma contra vida de alguém, nem direta e nem indiretamente, desse modo, não sendo o caso de fazer parte do rol de crimes violentos, a prisão no âmbito penal e empresarial é incapaz de cumprir a sua finalidade, afigurando-se como mero castigo, pois nenhuma serventia social ou econômica é capaz de prover.
Cumpre observar, que há casos em que a fundamentação da prisão preventiva trata quase que exclusivamente da situação financeira do acusado, não enfrentando a gravidade concreta da conduta ou a atualidade, à realidade do fundamento para a prisão preventiva, podendo ser visto como por exemplo, como risco real de fuga, intimidação de testemunhas, destruição de provas etc.
Decisões que fundamentam a prisão preventiva apenas nas condições econômicas do acusado ou no que ele pode fazer em razão de seus recursos financeiros, estas sem demonstração de que tenha feito algo ou de que há chance real de que o faça, é uma decisão que padece de fundamentação concreta, porque determina o encarceramento de alguém apenas em virtude do que o indivíduo é, com relação ao seu poder aquisitivo, ou ao que tem, com relação ao importe do seu patrimônio.
Então, prender um empresário, com base no que ele representa ou no que ele possui, seria desconsiderar o Direito Penal do fato e valorizar o Direito Penal do autor.
Normalmente, as críticas que norteiam o Direito Penal do autor se referem somente ao histórico de vida do acusado, se existem maus antecedentes ou até mesmo reincidência, e ao fato de pertencer à população historicamente oprimida pelas autoridades, como as pessoas mais carentes e humildes financeiramente, que sofrem uma fiscalização preconceituosa de determinados setores, como a polícia, como se somente as pessoas humildes praticassem crimes violentos.
Nesse ponto, podemos observar que o Direito Penal do autor é extremamente preconceituoso e na maioria dos casos omissos.
Entretanto, também há casos em que o Direito Penal do autor se volta contra as pessoas que possuem condições financeiras, seja na espetacularização do processo penal, quando se tratar de pessoas com a vida pública exposta à mídia como grandes empresários, onde existe neste sentido um acompanhamento acirrado, permanente e intenso da mídia, seja na condução do processo pelas autoridades, especialmente pelos Juízes, que ficam mais suscetíveis para determinadas decisões, como a decretação da prisão preventiva.
Em suma, prender alguém sem uma motivação concreta, mas considerando apenas a sua condição financeira, é aplicar o Direito Penal do autor sempre de modo preconceituoso quando se trata dos pobres, em relação aos ricos, fundamentando decisões no que a pessoa é perante a sociedade e no que ela tem, estas são condições existenciais desconexas do fato, salvo quando, de fato, há uma utilização da situação financeira para praticar condutas que fundamentem uma prisão preventiva, como por exemplo, pagar a alguém para destruir provas ou utilizar os recursos financeiros para montar um plano de fuga do país.
Fato, os criminosos do colarinho branco, não representa risco físico à sociedade, tal como ocorre com os crimes de sangue, pois o tipo penal empresarial não traz em seu bojo qualquer tipo de violência, muito menos tem o seu sujeito ativo, em regra, perfil criminológico relacionado à violência, devendo, pois, ser punido no campo da restrição patrimonial e de direitos, nunca com a pena privativa de liberdade, salvo quando a reiteração da prática ocorrer de modo impossível de ser evitado por um outro meio de dissuasão qualquer, diferente da prisão.
Desse modo, a pena privativa de liberdade, em crimes não violentos, contraria os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da efetividade e da eficiência, em que se deve orientar todo e qualquer ato de dever-poder estatal, dado que tal, quando posto fora desses parâmetros, afigura-se claramente incompatível com as razões de ser de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, além de inútil socialmente.
Inegavelmente salutar o combate e a efetiva punição ao crime empresarial, no entanto, é preciso que referida punição seja compatível com os reais propósitos da ciência jurídica e, em particular, com aqueles específicos ao Direito Penal, cujo fim, dada a evolução da humanidade, não se pode regrar e dispor como instrumento de mero castigo.
Nesse sentido, o instituto da pena deve ser estabelecido tão somente no interesse da sociedade, isto é, regrado e aplicado conforme o que melhor atenda ao interesse público e seja socialmente útil.
Inexiste qualquer indicativo de que a pena restritiva de liberdade à empresários corruptos, seja socialmente útil, o criminoso empresarial não representa risco físico algum à sociedade, não havendo, pois, qualquer sentido em sua segregação social.
Nesse diapasão, melhor seria, como de fato é, sofresse o criminoso empresarial pena patrimonial, assim como restritiva de direitos, de modo a que se tivessem meios de tentar reparar os sempre deletérios efeitos do delito, mediante a utilização de sua capacidade econômica, financeira e intelectual em prol de uma atividade socialmente útil.
Preso, o criminoso empresarial nada é capaz de produzir para reparar o seu erro. Portanto, em casos dessa natureza, a pena é mero castigo, sem contrapartida alguma à sociedade, em última análise, lesionada com a prática.
Com efeito, não se trata de tentar abrandar a legislação para crimes do tipo, mas, sim, de fazer a punição adequada aos aspectos a ele relacionados, tanto no tocante à natureza do crime empresarial quanto no que diz respeito ao perfil do criminoso, que, enfatiza-se, não representa perigo físico a quem quer que seja.
A contrário senso, enquanto a prisão em nada e por nada atende à finalidade do instituto, a pena patrimonial e a restritiva de direitos são compatíveis e muito mais adequadas à natureza do crime empresarial e ao perfil de baixa periculosidade física do criminoso de colarinho branco.
A pena restritiva de direitos é sanção penal imposta em substituição à pena privativa de liberdade consistente na supressão ou diminuição de um ou mais direitos do condenado.
São penas restritivas de direitos:
- Prestação pecuniária,
- Perda de bens e valores,
- Prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas,
- Interdição temporária de direitos
- Limitação de fim de semana, conforme preceitua o artigo 43 do Código Penal.
Trata-se de espécie de pena alternativa, que no âmbito do Direito Penal Empresarial:
- Punir o criminoso empresarial, na esfera patrimonial, com a perda de participação societária ou de bens;
- Condenar o criminoso, no campo da restrição de direitos, à proibição de determinado exercício empresarial;
- Apenar o criminoso empresarial a ministrar treinamento e orientação a agentes públicos, no tocante aos detalhes de uma determinada organização criminosa, para o desbaratamento de outras, por óbvio, atingiria a pena, efetivamente, a sua finalidade, pois atenderia ao caráter preventivo, punitivo e retributivo em que se deve nortear ato coercitivo como tal, de modo muito mais efetivo, coerente e adequado que a pena restritiva de liberdade, que nada mais faz, como visto e revisto, do que castigar o sujeito ativo do crime.
Para além dos aspectos já ressaltados, até mesmo sob a ótica da necessária “eficiência administrativa”, abolir ou restringir aos casos de reiteração a pena de prisão em crimes empresariais seria medida que melhor se incorpora aos princípios constitucionais brasileiros, dado os aspectos de utilidade e efetividade que devem orientar toda e qualquer política legislativa, judiciária e administrativa.
Ademais, a pretexto de combate ao crime, não pode o Estado se igualar ou se reduzir ao criminoso, pautado em política criminal-legislativa que tem inequívoco traço de vingança e castigo, sob pena de sucumbir enquanto instrumento de agregação e proteção social.
Como bem se sabe, no Brasil, a prisão em nada e por nada é eficaz no objetivo de recuperar o indivíduo, sendo, pelo contrário, a teor da realidade brasileira, fator de incremento à criminalidade. Nesse diapasão, somente tem sentido a prisão como fator de proteção à sociedade, ser estabelecida em face de crimes violentos ou de modo a evitar a reiteração da prática quando cometidos delitos sem sangue.
Importante esclarecer que o ponto de vista ora defendido não se faz na ótica ou no interesse do criminoso, mas, sim, para que o ato de punição tenha utilidade para além do aspecto de castigo ou aspecto vingança.
Por fim, enfatiza-se que o presente raciocínio, diz respeito a necessária prevalência do interesse público com relação aos atos praticados pelos criminosos do colarinho branco, ante a inutilidade da pena restritiva de liberdade à sociedade, em crimes não violentos, a qual, nesse diapasão, com todo o respeito às opiniões contrárias, não se coaduna com os ideais democráticos, de proteção à dignidade da pessoa humana e de promoção do bem comum e da paz social, que inspiram e orientam a ordem constitucional brasileira.
Como advogado o âmbito criminal, compreendo que a pena restritiva de liberdade não pode ser estabelecida e enxergada como uma panaceia para todos os males, pois, no que tange aos crimes do colarinho branco, as penalidades aplicadas à estes autores, estão longe de atender os princípios que orientam e norteiam a ordem constitucional brasileira juntamente com o Direito Penal, como instrumentos de paz social, bem comum e desenvolvimento humano.