A homofobia e o mandado de injunção

14/02/2019 às 12:11
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE IMPORTANTE TEMA DE POLÍTICA SOCIAL QUE DEVE SER DISCIPLINADO PELO CONGRESSO NACIONAL DENTRO DO QUE SE CHAMA DA CONDUTA PENAL DE INJURIA REAL.

A HOMOFOBIA E O MANDADO DE INJUNÇÃO

 

Rogério Tadeu Romano

A Constituição Federal brasileira não cita a homofobia diretamente como um crime. Todavia, define como “objetivo fundamental da República” (art. 3º, IV) o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação”.

A homofobia é o termo usado para designar o preconceito e aversão aos homossexuais. Atualmente a palavra é usada para indicar a discriminação às mais diversas minorias sexuais, como os diferentes grupos inseridos na sigla LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, travestis e intersexuais). A repulsa e o desrespeito a diferentes formas de expressão sexual e amorosa representam uma ofensa à diversidade humana e às liberdades básicas garantidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal, que aponta a dignidade da pessoa humana como um direito impositivo(artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).    

Não se pode proibir que alguém demonstre uma manifestação de aceitação.  

Vem a pergunta: O que é homossexual?

Homossexual pode ser definido, de modo restrito, como a pessoa que mantém relações sexuais com parceiros do mesmo sexo. Mas vem a pergunta: a homossexualidade seria vista por beijos, abraços? Estariam nesse contexto as chamadas fantasias eróticas?

Nos Estados Unidos, o simples fato de uma mulher ter como amigos bissexuais foi o suficiente para caracterizá-la como uma(Bennet v. Clemens 230 Ga. 317, 196. S.E. 2d 842(1973).

A sociedade democrática de nossos dias, onde a inclusão, a igualdade de direitos, a liberdade, são seus paradigmas, não pode ver no homossexual o estereótipo de doente ou desviado.

Mas os homossexuais ainda são tratados de forma discriminatória.

No Brasil, o Congresso Nacional, de maioria conservadora, retrógrada, com apoio nas bancadas da bíblia e da bala, não leva à aprovação projeto de lei que determina punições contra aqueles que praticam a homofobia.

Não se inclui na injúria real, dentro da tipologia penal, que exige reserva de lei federal, reserva de parlamento, o que é um absurdo, a agressão moral que é praticada em tom tipicamente discriminatório com relação à opção sexual.

É bom lembrar que há  em tramitação no Congresso o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006 que tem como proposta a criminalização da discriminação gerada por diferentes identidades de gênero e orientação sexual.

Há, na matéria, uma verdadeira inconstitucionalidade por omissão, tema que deveria ser objeto de ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão.

Basta ver um relatório, no Brasil, de 2002, onde se investigam os assassinatos de homossexuais entre 1980 e 2001. Houve o registro de 2.092 mortes, numa média de 104 mortes violentas por ano.

O quadro não mudou no Brasil.

O relatório anual sobre o assassinato de homossexuais, divulgado recentemente  pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) - mais antiga entidade do gênero do Brasil - indica que 318 gays foram mortos em 2015 em todo o País. Desse total de vítimas, o GGB diz que 52% são gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais. O número é levemente menor que em 2014 quando, conforme o grupo, foram anotados 326 assassinatos.

Os estados onde ocorreram mais casos em números absolutos foram São Paulo, com 55 assassinatos; e Bahia, 33. No entanto, se for comparada com a população total, Mato Grosso do Sul foi considerado o estado mais homofóbico, pela entidade, com 6,49 homicídios para cada 1 milhão de pessoas, seguido do Amazonas, com 6,45.

Para a população total do Brasil, o índice de assassinatos de LGBT é de 1,57 para cada milhão de habitantes.

São dados vergonhosos num país que elegeu sua Constituição de 1988, como Constituição-cidadã.

A matéria requer da parte de instituições, como o Ministério Público, por seus núcleos de direitos humanos, e entidades e organismos públicos e privados atitudes proativas.

Fala-se de um massacre cometido nos Estados Unidos onde, num clima de terror e ódio, 50 pessoas morreram e 53 ficaram feridas, em Orlando na Flórida, num ataque terrorista doméstico contra homossexuais. Uma verdadeira loucura homicida num ódio sem sentido.

As autoridades devem se precaver para esse tipo de conduta no Brasil onde a discriminação e o moralismo retrógrado ainda predominam. 

Daí a razão do ajuizamento de ações constitucionais que atestam a mora do Legislativo, que é quem cabe editar normas sobre a matéria, em especial no que cerca a criminalização dos ataques aos homossexuais.

Independente do fato de que essa conduta é forma ampla de interpretar o combate ao racismo, é certo que o Congresso Nacional deve à Nação a devida proteção legal a essa matéria.

Disse bem Luciano Maia em sustentação no STF:

“Quantas mortes serão necessárias para sabermos que já morreu gente demais? Quatrocentos e vinte mortes são poucas porque há 60 mil mortes no Brasil por ano?”, questionou o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte iniciou, nesta quarta-feira (13), a discussão sobre a suposta omissão legislativa para a criminalização da homofobia. O tema entrou em debate no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4.733. Após as sustentações orais, o julgamento foi suspenso e será retomado na sessão desta quinta-feira (14).

Para o vice-procurador-geral da República, há em comum em todas essas mortes “o mesmo desrespeito, desprezo, desimportância de serem consideradas pessoas”. Segundo ele, há um elemento de falta de humanidade, de coisificação, de desconsideração dos seres humanos. “Essas pessoas foram mortas porque são pessoas, pelo que são, não porque fizeram algo. Nós sabemos o estigma, a marca indelével que elas carregam pelo fato de serem categorizadas e rotuladas em razão da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero”, comentou. 

Luciano Mariz Maia destacou que a sociedade não pode ter preconceitos, citando o preâmbulo da Constituição, que estabelece o estado democrático de direito e exige que a sociedade seja justa, fraterna e sem preconceitos. Para ele, é preciso estabelecer uma forma de solução pacífica das controvérsias. De acordo com o vice-PGR, o conceito de racismo não se trata de raça. “O racismo não está na cor da pele de quem eu vejo, não está nas condições culturais de quem eu vejo, não está no que eu vejo, mas em mim, que vejo”, assinalou. O representante do MPF sustentou que “é isso que faz com que, para combater o racismo, precisemos trabalhar os fundamentos da cultura na qual o racismo se manifesta”. 

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O mandado de injunção é uma garantia constitucional instituída pelo artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, onde se lê: “LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”

Anotou José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5º edição, pág. 386) que o mandado de injunção é um instituto que se originou na Inglaterra, no século XVI, como essencial remédio da equity, nascendo do chamado juízo de equidade.

Sendo assim é considerado um remédio outorgado mediante um juízo de discricionariedade quando falta uma norma legal(statutes), regulando a espécie quando a Common Law não oferece proteção suficiente.

Assentar-se-ia na valoração judicial dos elementos do caso e dos princípios de justiça material segundo uma pauta de valores sociais.

Temos que ver a garantia constitucional em foco dentro dos limites de nosso sistema romano-germânico onde a legalidade, a par do princípio da legalidade,  é a tônica. Ninguém é obrigado a uma conduta  senão em virtude de lei.

Disse o ministro Alexandre de Moraes(Direito constitucional, 2003,p.179): “ O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal”.

O objeto do writ é assegurar o exercício: de qualquer direito constitucional não regulamentado; de liberdade constitucional não regulamentada, sendo de notar que as liberdades são previstas em normas constitucionais normalmente de aplicabilidade imediata, como explica a doutrina; das prerrogativas que são próprias e inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando não regulamentadas.

Mister se faz a edição, na matéria, de norma regulamentadora de forma de, por equidade, disciplinar essa importante matéria.

O ministro decano do STF, Celso de Mello, em seu voto,  deixou claro que não está neste grupo retrógrado. Ele transformou seu voto em libelo contra o avanço do obscurantismo. Lembrou que a Constituição protege os direitos das minorias, atacadas por porta-vozes de “doutrinas fundamentalistas”.

o ministro Celso de Mello disse saber que será “mantido no índex dos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias que rejeitam o pensamento crítico”. Mesmo assim, defendeu que é preciso afirmar a “função contramajoritária” do Supremo — ou seja, sua independência em relação às patrulhas ideológicas e ao tribunal do Facebook.

O ministro se aposentará no fim de 2020, ao completar 75 anos. Fará falta à Corte e ao país.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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