ANOTAÇÕES SOBRE O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE PELA ADMINISTRAÇÃO

17/02/2019 às 18:16
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE HIPÓTESE DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE PELA ADMINISTRAÇÃO.

ANOTAÇÕES SOBRE O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE PELA ADMINISTRAÇÃO

Rogério Tadeu Romano 

Tem a administração o poder-dever(empregada a expressão no sentido técnico trazido por Santi Romano) de recusar a aplicação de leis manifestadamente inconstitucionais, cabendo-lhe, nesse ponto, o benefício da inexecução por vício de inconstitucionalidade sem a necessidade de anterior manifestação do Poder Judiciário?

É entendimento, a partir da primeira Constituição republicana, de 1891, que ninguém está obrigado a cumprir normas inconstitucionais, isso a par do chamado controle difuso que passou a ser utilizado, dentro da linha já trilhada pelo modelo americano.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal(ADI MC 221/DF, j. 29.03.90, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves.) admitiu o exercício dessa prerrogativa pelo chefe do Poder Executivo em julgado posterior à promulgação da Constituição de 1988. Segundo a corte, os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia, podem tão-só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais. Também o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no mesmo sentido afirmando que a negativa de ato normativo pelo Chefe do Executivo reflete um poder-dever(REsp: 23121 GO 1992/0013460-2, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 06/10/1993,  T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 08.11.1993, vol. 55 p. 152).

No passado, teve-se a aceitação da tese esposada em decisões do Supremo Tribunal Federal, na Rev. Trim. de Jurisprudência, volumes 3, página 760; 12, pág. 49; 33, páginas 330; 36, páginas 382. 

Aqueles que criticam o uso de tal prerrogativa  afirmam que tratar-se-ia de uma atuação inconstitucional que não faz mais sentido na ordem jurídica hodierna face à possibilidade de provocação do controle concentrado pelo chefe do Executivo e porquanto não existir dispositivo expresso na Constituição que permita o seu exercício. Tal é o entendimento do ministro Gilmar Mendes(Jurisdição Constitucional, São Paulo : Saraiva, 1996. p. 133).

Ainda no Brasil, em obra sobre o tema Giovani da Silva Corralo( Responsabilidade de prefeitos e vereadores: comentários ao Decreto-Lei n. 201/67. São Paulo, Atlas, 2015, p. 39), aduziu que o chefe do Executivo não incorre no tipo do artigo 1º, XIV, quando a lei for manifestamente inconstitucional, de modo que se trata de exceção à incidência daquele tipo penal. Neste sentido, estando fundamentado o decreto que negue aplicação à lei considerada inconstitucional e desde que haja comunicação ao órgão legislativo competente, não há que se falar em prática de crime por ausência do elemento subjetivo dolo, o que claramente exclui a tipicidade. Ademais, em razão de estarmos diante do exercício regular de um direito (conforme extraído das regras constitucionais, da doutrina e dos julgamentos permissivos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça), igualmente é possível afastar a ocorrência de crime por ausência de ilicitude.

A matéria foi objeto de cogitação  por parte de Miguel Reale(Revogação e Anulamento do ato administrativo, 2ª edição, 1980, página 38) quando disse ao estudar a competência para anular o ato administrativo:

“A colocação do problema nos termos acima exposto implica uma consequência do mais alto alcance, que é o “poder-dever(empregada esta expressão no sentido técnico que lhe dá Santi Romano) que tem o Executivo de recusar aplicação às leis manifestadamente inconstitucionais, cabendo-lhe, neste ponto, o benefício da inexecução por vicio de inconstitucionalidade, sem necessidade de anterior manifestação do Poder Judiciário. Deve-se entender, não será demais acentuá-lo, que inconstitucionalidade que de chofre, por mera tomada de contato com problema se imponha ao espírito do intérprete: o vício não raro se evidencia graças a um trabalho sutil de exegese, pois não há como confundir “vontade evidente” com “vontade intuitiva”. O essencial é que do cotejo dos textos normativos resulte, claramente delineado, o conflito entre a norma legal ordinária e o superior mandamento constitucional que deve prevalecer”.

Assim se o próprio particular pode recusar cumprimento a uma determinação legal eivada de inconstitucionalidade, sujeita-se às consequências desse seu entendimento, afigura-se incompreensível que se persevere em recusar-se ao governo igual prerrogativa, máxime em se tratando em um dos poderes do Estado. A recusa na execução de um preceito legal, que conflite com dispositivos constitucionais, entra no quadro geral da tutela da legalidade.

Para Miguel Reale(obra citada, pág. 34) se o Executivo é uma das expressões da soberania, isto é, do poder que tem o Estado de decidir em última instância sobre a possibilidade do direito entende—se haver excessivo apego a discriminações formais quando se afirma que o Governo deve cumprir a lei, ainda quando manifesta a sua inconstitucionalidade, só por ser próprio do Judiciário a declaração ou decretação da invalidade em tais circunstâncias.

O Executivo exerce o poder-dever de examinar a validade da norma legal, recusando-se a praticar atos próprios que, embora “sob protesto”, venham a assegurar efeitos a dispositivos originalmente nulos.

O Executivo descumpre a lei para cumprir a Constituição como dizia Rui Barbosa.

Todos os poderes da República são guardas da Constituição como advertiu Cândido Mota Filho(Revista Trimestral de Jurisprudência, volume III, pág. 760) e ainda Seabra Fagundes(O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 2ª edição, pág. 313).

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Exerce a Administração um verdadeiro poder-dever para invalidar um ato contrário ao direito, uma faculdade delimitada imperativamente, por um conjunto de diretrizes, implícitas ou explícitas na lei, de forma a amoldar o ato as exigências constitucionais. Não se trata aqui de uma faculdade algo que ocorre quando da revogação de um ato administrativo por razões de conveniência e oportunidade. 

As mesmas razões que legitimam o poder-dever da Administração de anular atos próprios eivados de inconstitucionalidade, obrigam-na a recusar cumprimento a leis geradoras de atos inquinados de igual vício. 

Na lição de Mauro Cappelletti(La pregiudiziale constituzionale nel processo civil, Milão, 1957, página 80), "assim como há um direito(potestativo) ao anulamento do ato administrativo, também se pode ver um direito à inaplicação do ato inválido", pois a sua aplicação implicaria em sujeitar a Administração Pública ou os particulares a uma lide cujo resultado seria inaplicar ou mesmo anular o ato". 

Vige o princípio da economia de formas e de atos, não se compreendendo que, sendo as leis inconstitucionais insuscetíveis de gerar efeitos válidos, seja o Governo obrigado a dar vida a aparentes expressões de Direito quando o que se impõe, para se dizer na lição de Francisco Campos, é facilitar a economia de atos nas relações jurídicas, "concorrendo, assim, para aliviar o comércio jurídico de entraves ou dilações que seriam supérfluos e mesmo prejudiciais à realização, com oportunidade e eficácia", das operações que se acham envolvidos superiores interesses da sociedade e do Estado. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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