A TEORIA DO RETORNO NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

18/02/2019 às 11:46
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE TEMA IMPORTANTE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.

A TEORIA DO RETORNO NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

 

Rogério Tadeu Romano

 

O direito internacional privado tem por finalidade a solução de conflitos entre leis aplicáveis a uma dada relação jurídica, estabelecendo critério normativo para indicar qual daquelas leis será a competente, a aplicável, para disciplinar aquele caso.

Mas surgem conflitos sempre que as normas de direito internacional privado vigentes,  nos diferentes Estados,  não apresentam uniformidade a respeito daquele critério. Surgem conflitos positivos e negativos.

Há conflitos positivos se as normas de direito internacional privado de dois ou mais Estados confiram competência ao seu respeito do  direito material para regular determinada relação jurídica. Para determinar a capacidade o direito inglês oferece como solução a lex domicilii; o direito alemão, a lei  nacional.

Os conflitos positivos se resolvem pela lex fori, por ser um conflito aparente, não havendo que se falar em renúncia, submetendo-se o órgão judicante à sua norma de direito internacional privado.

Há no direito internacional privado os chamados conflitos negativos.

Esses conflitos negativos ocorrem quando duas legislações regulam o mesmo fato por leis diferentes. Sendo assim nenhuma das legislações se considera competente para regê-los.

Assim, se a norma de direito internacional privado de um Estado estabelecer a competência do direito de outro país, e a norma de direito internacional privado deste último ordenar que se aplique o direito do primeiro Estado ou de terceiro.

Há um autêntico ping-pong internacional.

Para solucionar tais conflitos, surgiram duas correntes:

  1. a do retorno ou devolução, que vislumbra no reenvio uma vantagem para o país que o admite, uma vez que seus magistrados, aplicando a lex domicilii, estatuem como teria feito a jurisdição nacional do estrangeiro. Há quem entenda, como ensinou Maria Helena Diniz(Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, 1994, pág. 336), que nem sempre se poderá evitar divergência no julgamento, e o exequatur poderá falhar, porque não se poderá saber de antemão onde se dará a execução da sentença, e casos haverá em que o conflito poderá advir se o juiz de cada Estado aplicar a lei do conflito do outro, que devolve o caso em tela para as suas leis internas;
  2. a da referência ao direito material estrangeiro, pela qual a norma de direito internacional privado remete o aplicador para reger dada relação jurídica ao direito internacional privado estrangeira. Veja-se, para tanto, a redação do artigo 16 da Lei de Introdução.

Aponta a doutrina dois critérios para solucionar tais conflitos positivos:  o da renúncia, pelo aplicador da norma pelo direito internacional privado, à aplicação de sua lei, passando a qualificar a relação jurídica segundo a norma de direito internacional privado estrangeiro, e o da obrigatoriedade, pelo qual o magistrado aplicará a norma de direito internacional privado, de seu Estado, ignorando a norma de direito internacional privado alienígena.

Veja-se, por exemplo, o caso  seguinte:  no direito alemão, a sucessão se rege pela lei nacional do de cujus, e pelo direito argentino, pela lei do último domicilio. À  sucessão de um argentino, domiciliado na Alemanha,   a lei alemã determina que se aplique a lei alemã.

Historicamente tem-se que foi no Tribunal de Canterbury, no Reino Unido, em 1841, que aplicou-se um principio conhecido como da devolução ou do retorno.

A Alemanha, em 1861, antes da unificação, por decisão da Corte Suprema das Cidades livres da Confederação Germânica, abraçou o princípio com variantes. Na França, em 1875, caso Forgo, a questão, segundo a doutrina, foi largamente examinada.

Forgo, bávaro(sul da Alemanha), filho natural, foi para a França, aos cinco anos de idade, onde viveu, falecendo aos sessenta e oito anos. Ele deixou uma grande fortuna em móveis, razão pela qual a  sucessão devia se reger pela Lei da Baviera. Segundo esta lei, os herdeiros colaterais naturais deveriam herdar. No entanto, decidiu-se que a lei aplicável não era a lei interna da Baviera, mas a disposição de conflitos de leis do mesmo Código que determinava que a sucessão de bens móveis se submete à lei do lugar do domicílio efetivo do de cujus. A tese vitoriosa foi pela aplicação da lei francesa. Foi dito: “De acordo com o direito bávaro os móveis se regem, em matéria de sucessão, pela lei do domicílio de fato ou da residência habitual do falecido. Decorre disso que a devolução hereditária dos bens móveis que Forgo possuía na França, onde se domiciliara, deve ser regida pela lei francesa”.

Na matéria, destaca-se, em termos doutrinários,  os ensinamentos de Hans Lewald(La théorie du renvoi), dentre outros.

Discute-se que nenhum Estado pode estabelecer a adoção do direito interno de outro Estado. Por outro lado, os que argumentam a favor da devolução sustentam que as regras de direito internacional privado têm em vista estabelecer a harmonia entre as legislações, conciliando o direito da soberania local com o da soberania pessoal.

Em verdade a teoria da devolução é um expediente adotado pelos tribunais de alguns países para facilitar a aplicação de suas próprias leis, ou atender a determinados interesses.

Oscar Tenório(Direito Internacional Privado, 1942, pág. 196) disse que há quem sustente a admissibilidade do retorno apenas à lex fori. É o chamado retorno de primeiro grau. No entanto, outros acham que a devolução pode ser admitida quando a lei estrangeira fizer referência a outra distinta da lex fori. É o chamado retorno de segundo grau.

A doutrina e a legislação, por cautela, restringem a devolução apenas ao primeiro grau.

O antigo artigo 8º da Lei de Introdução, revogada,  determinava que “a lei nacional da pessoa determina a capacidade civil, os direitos de família, as relações pessoais dos cônjuges e o regime dos bens do casamento”.

Disse Clóvis Beviláqua(apud Haroldo Valadão, pág. 99 e Oscar Tenório, obra citada, pág. 198) que “quando a lei nacional do indivíduo declarar que a sua capacidade e os seus direitos de família se determinam pelo direito vigente em seu domicílio, os juízes brasileiros aplicarão o direito pátrio”, como ocorre com a Argentina, o Uruguai e hoje no Brasil.

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Eduardo Espínola(Elementos de Direito Internacional Privado, pág. 371 a 372), que era adepto da primeira corrente, do retorno de primeiro grau, aderia a tal posição.

O artigo 27 da Lei de Introdução ao Código Civil alemão deu prestígio a doutrina do retorno. O direito alemão reconhece o retorno de primeiro grau, limitado à aplicação da lei alemã.

A Lei polonesa, de 2 de agosto de 1926, artigo 36, declarava que quando se reconhece, como competente para regular uma relação jurídica determinada, o direito dum Estado, a título de direito nacional dum estrangeiro, e que, segundo este direito, não há lugar para aplicar outra lei, esta última, será aplicada na Polônia.

No direito pátrio, citemos o artigo 16 da Lei de Introdução:

Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

 Observa-se que o retorno é o modo de interpretar a norma de direito internacional privado, mediante a substituição da lei nacional pela estrangeira, desprezando o elemento de conexão apontado pela lei nacional, para dar preferência à indicada pelo ordenamento alienígena.

A teoria do retorno requer que as leis entrem em choque a fim de que se possa chegar ao conflito de segundo grau negativo, para que se aplique o direito que a lei estrangeira ordena, pois se a recusa a fornecer a norma devolveria  a questão ao direito local, ou até a um terceiro direito.

Fala-se assim, como já dito, num retorno de primeiro grau, pelo qual a norma de direito internacional privado do Estado B devolve a qualificação da relação ao Estado A, que lhe remeta, consistindo, portanto, na admissibilidade da remissão apenas à lex fori. Há o retorno de segundo grau, quando a norma de direito internacional privado do Estado B declara a aplicabilidade do direito  de um terceiro país à relação jurídica. Somente uma minoria admite a aplicação com relação a uma terceira lei, distinta da lex fori ou da lei a que faz remissão.

Admite-se que quanto ao retorno somente haverá dúvida quando a lei silenciar a respeito.

Da leitura do artigo 16 da Lei de Introdução observa-se que há proibição expressa e categórica do retorno, quer no primeiro, quer no segundo grau, para a solução dos conflitos negativos entre duas normas de direito internacional privado. Assim o princípio adotado pelo artigo 16 da Lei de Introdução  é o que a remissão feita pela norma brasileira de direito internacional privado a direito estrangeiro importará em remissão às disposições matérias substanciais do ordenamento jurídico estrangeiro e não ao ordenamento jurídico em sua totalidade, inclusive às normas alienígenas de direito internacional privado.

Em síntese, o artigo 16 da Lei de Introdução veda terminantemente o retorno, admitindo a aplicação de norma substancial estrangeira aplicável ao caso, por ordem da norma de direito internacional privado do fórum e não da norma de direito internacional alienígena, pois as únicas normas sobre conflito normativo, que poderão ser levadas em conta para a resolução de um dado fato interjuridicional, serão as do fórum e não de outro Estado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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