Mirando ao futuro
Não obstante, o alcance dessa excelência sempre estará limitado e justificado pelo objetivo principal das respectivas instituições de potenciar o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais necessárias para realizar essa atividade e, em especial, para utilizar prudencialmente as diferentes técnicas de realização do direito; isto é, de formar juristas, juízes e procuradores que saibam "pensar e fazer" e não somente que saibam "fazer", exigindo do operador do direito o hábito de reflexionar filosófica e juridicamente, argumentando e contra-argumentando, procurando seu próprio caminho com uma razoável postura crítico-teórica e um adequado sentido ético, a fim de que possam, a partir daí, assumir a tarefa que lhes cabe como (potenciais) agentes de câmbios histórico-sociais.
Isso supõe, sem dúvida, um câmbio radical na lógica do atual modelo de ensino e de formação dos operadores jurídicos e dos candidatos aos cargos vitalícios de juiz e de procurador que, uma vez conjugado ao curso de um adequado processo de formação e preparação intelectual, viria a permitir o desenvolver e o precisar de um acontecer contínuo da identidade e do sentido do direito, da justiça e da própria natureza humana. E como consequência necessária dessas reformas seguramente se viria a constatar, de pronto, um aumento notável dos compromissos e responsabilidades jurídicas, culturais, políticas e morais assumidas pelos futuros juristas, magistrados e membros do Ministério Público : se encontrariam ética e substancialmente habilitados à tarefa de recompor a antinomia sempre latente entre ética e positividade do direito, entre vínculo da norma e flexibilidade necessária ante fins sociais, superando os estágios meramente formais no domínio da realização do direito, com a independência, a coragem e a necessária virtude que os compromissos vitais sempre implicam.
Já é chegada à hora de assumir que a dignidade do ato de julgar e de atuar institucionalmente não consiste apenas em uma questão de lógica ou de "bom senso" mas, acima de tudo, de virtude moral. É preciso reconhecer que não somente desde a lex corrupta insensatamente aplicada provém o injusto real senão também que na aplicação do Direito intervêm, ademais da razão, os sentimentos e as emoções: para ser um bom operador jurídico não basta com ter capacidade argumentativa ( com conhecer o Direito vigente), senão que é necessário ter outras virtudes como sentido da justiça, compaixão e valentia. Afinal, o que dá sentido ao Direito não pode ser outra coisa que a aspiração à justiça ou, para dizer em termos mais modestos e mais realistas: a luta contra toda e qualquer forma de injustiça.
Depois, concebido o Direito como prática social de tipo interpretativo e argumentativo, somos nós os que produzimos a realidade do fenômeno jurídico e a edificamos enunciando o que este mesmo é. Há Direito onde sujeitos diferentes discutem e desenvolvem, submergindo-se na praxis, proposições e enunciados normativos pertencentes a essa prática interpretativa, que, sobre a base de sua unidade de sentido, chamamos de fenômeno jurídico.
Se trata, em definitivo, de proporcionar à sociedade um perfil de operador jurídico que, dizendo o direito in concreto, priorize a tarefa de alcançar um estado de coisas que se aproxime das expectativas culturais e das intuições e emoções morais (jurídico sociais de validade e de legitimidade substancial) de uma comunidade de indivíduos ante a qual seu discurso deve apresentar-se justificado, traduzindo e compondo, em termos de razão e em fórmulas apropriadas de ordenada convivência, essa instintiva e mesmo indisciplinada aspiração de justiça que a move para o futuro.
Estamos convencidos de ser estas as diretrizes - considerando que o direito vive em uma constante (e por vezes hemorrágica) revisão de conceitos e normas - que devem balizar e justificar a busca de uma excelência de ensino e de preparação profissional necessária para a formação de um operador do direito apto a exercer sua função (social) em um mundo em permanente câmbio e plenamente capacitado à tarefa não somente de explicar as garantias meramente formais da democracia ou a simples observância dos princípios, valores e normas do sistema positivo, mas, principalmente, para buscar a efetiva garantia da justiça intrínseca no Direito e a conformidade deste com a dignidade da pessoa humana.
De um jurista, magistrado ou membro do Ministério Público que incentive e priorize a implicação do direito com uma postura republicana e democrática do Estado e, portanto, que se distancie da paroquiana concepção de sacerdote da dogmática, travestido do manto da infalibilidade jurídica e autoinvestido da pusilânime e/ou da suposta virtude que faz dos operadores do direito "les bouches qui prononcent les paroles de la loi, des êtres imanimés qui n´em peuvent modérer ni la force ni la rigueur"(Montesquieu).