UMA APLICAÇÃO DO ARTIGO 49, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

21/02/2019 às 12:58
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O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO ENVOLVENDO O DECRETO Nº 9.690/19 E A QUESTÃO DAS CHAMADAS INFORMAÇÕES PÚBLICAS PARA CONCLUIR PELA APLICAÇÃO DO CHAMADO DIREITO À INFORMAÇÃO.

UMA APLICAÇÃO DO ARTIGO 49, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

Rogério Tadeu Romano

I - O FATO 

Segundo o site da Câmara dos Deputados, o  Plenário daquela Casa Legislativa,  aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/19, do deputado Aliel Machado (PSB-PR) e outros. Esse projeto suspende os efeitos do Decreto 9.690/19, o qual atribui a outras autoridades, inclusive ocupantes de cargos comissionados, a competência para classificação de informações públicas nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto. A matéria irá ao Senado.

Até então, a classificação de informações públicas como ultrassecretas era exclusiva do presidente e do vice-presidente da República, ministros e autoridades equivalentes, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior.

Quanto ao grau secreto, além dessas autoridades, podem usar essa classificação os titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

A regra mudada pelo decreto proibia a delegação da competência de classificação nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto.

O decreto assinado por Hamilton Mourão, no exercício da presidência da República, permite que servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas classifiquem dados públicos como "sigiloso" e "ultrassecreto", impedindo o livre acesso pela população. Se uma informação é considerada "ultrassecreta", ela só pode se tornar pública depois de 25 anos. Antes, essa "barreira" no acesso aos dos documentos só podia ser feita pelo presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior.

Fruto da mentalidade que grassa no atual governo de restaurar o velho conceito de segurança nacional que havia durante a ditadura militar, o decreto afronta à garantia constitucional que se dá ao direito de informação. Não a elimina, mas a dificulta, criando mecanismos burocráticos para sua não efetivação.

II - O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE PELO LEGISLATIVO 

Dita o artigo 49, V, da Constituição que é competência exclusiva do Congresso Nacional:

  V -  sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. 

Tal atribuição está inserida dentre as chamadas de fiscalização e controle, que exerce num procedimento visando a garantir o cumprimento da Constituição diante de atos normativos editados pelo Executivo que afrontem a Constituição. 

Como abordou Uadi Lammêgo Bulos(Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 744), nesse inciso foi consagrado o poder congressual para se sustarem leis delegadas(artigo 59, IV). Trata-se de matéria ínsita à competência legislativa do Congresso Nacional.

O dispositivo consagra uma espécie de controle legislativo que não obstaculiza, nem, tampouco, suplanta a declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.

O ato de sustação produzirá efeitos ex tunc, isto é, desde a edição da espécie normativa, desempenhando efeitos ex tunc, isto é, desde a edição da espécie normativa.

A propósito escreveu Marcos Aurélio P. Valadão(Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, com base no artigo 49, V, da Constituição Federal - Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002):

“Ocorre que, se os atos normativos editados pelo Poder Executivo forem editados com obediência aos princípios inscritos no art. 37 da CF/88, esses atos não poderão ser atacados pela via do controle previsto no artigo 49, inciso V, da CF/88. A exorbitância do poder regulamentar eiva o ato de inconstitucionalidade, por vício de ilegalidade (vai além dos limites da lei). No entanto, pode-se ter um ato inconstitucional que não exorbite do poder regulamentar, mas que seja inconstitucional por ferir um dos princípios do citado artigo 37, que não seja o da legalidade. Por exemplo, um decreto presidencial, que, dentro dos estritos limites da lei, amplie determinados benefícios, porém violando o princípio da impessoalidade. Não há aqui exorbitância do poder regulamentar, mas há inconstitucionalidade. Não é possível, nesse caso, que o Congresso Nacional edite um decreto legislativo sustando o decreto presidencial. Quanto aos atos executivos autônomos, que não correspondem à regulamentação de leis, o seu controle fica mais complexo, já que o parâmetro de controle, que é, normalmente, a lei, passa ser a própria Constituição. Neste caso, i.e., dos regulamentos autônomos, ou decretos autônomos, que são passíveis do controle direto de constitucionalidade, não podem ser objeto de sustação pelo Congresso Nacional, pois não são atos da espécie “poder regulamentar”, mas inseridos no “poder normativo”.

E conclui por dizer:

“Ou seja, o controle que pode ser exercido pelo Poder Legislativo, com base no art. 49, inciso V, da CF/88, é limitado e restringe-se às hipóteses de extrapolação do poder regulamentar, no sentido de não-adequação aos limites da lei regulamentada (disposições contra legem, extra legem ou ultra legem), configurando violação ao princípio da legalidade, e diz respeito somente aos atos do chefe do Poder Executivo, isto é, os decretos regulamentares, não abrangendo os decretos autônomos ou qualquer outro ato emanado na esfera do Poder Executivo. Qualquer outra hipótese de inconstitucionalidade só poderá ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. Entender-se de outro modo seria como se ler no supercitado inciso V do artigo 49 da CF/88 não a expressão “atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar”, mas “atos normativos no âmbito do Poder Executivo eivados de inconstitucionalidade direta ou indiretamente”; o que configuraria, evidentemente, uma ampliação distorcida do comando constitucional.”

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Por outro lado, o artigo 49 da Constituição determina a existência por parte do Congresso Nacional de atribuições deliberativas, envolvendo a prática de atos concretos, de resoluções referendárias, de autorizações, de aprovações, de sustação de atos, de fixação de situações e de julgamentos técnicos, o que é feito por via de decreto legislativo ou de resoluções, segundo procedimento deliberativo especial de sua competência exclusiva de acordo com regras regimentais. 

Como explicou Clèmerson Merlin Clève(Atividade legislativa do poder executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988, pág. 258), o controle da atividade legislativa do Executivo pode e deve ser exercido pelo Congresso Nacional e, em face de provocação, pelo Poder Judiciário. Quanto a este, porque constitui, no sistema constitucional brasleiro, o guardião por excelência dos direitos e liberdades fundamentais. 

O artigo 49, V, da Constituição é um veto legislativo, diverso do veto presidencial, que se manifesta por meio de decreto legislativo, como explicou José Afonso da SIlva(Curso de direito constitucional positivo, pág. 449). Esse tipo de controle já era previsto no direito brasileiro, especialmente na Constituição de 1934(artigo 90, II), limitado, todavia, à censura do excesso do poder regulamentar. O Congresso, pois a Constituição não fixa prazo para tal, pode atuar em qualquer tempo. 

Dito isso, passa-se ao estudo da liberdade de informação e do direito à informação que foram agredidos pelo decreto executivo mencionado.

III - O DIREITO Á INFORMAÇÃO

Distingue-se a liberdade de informação e o direito à informação.

À propósito, Freitas Nobre(Comentários à Lei de imprensa, Lei da informação, 2º edição, 1978, pág. 6), disse que:” a relatividade de conceitos sobre o direito à informação exige uma referência aos regimes políticos, mas, sempre, com a convicção de que este direito não é um direito pessoal, nem simplesmente um direito profissional, mas um direito coletivo”.

Assim se trata, na expressão de José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5 edição, pág. 230), de um direito coletivo da informação ou direito da coletividade à informação.

Assim o direito de informar, como aspecto da liberdade de manifestação de pensamento, revela-se um direito individual, mas já contaminado, no sentido coletivo, em virtude das transformações dos meios de comunicação.

Sabe-se que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei sob pena de responsabilidade ressalvadas àquelas cujo sigilo seja imprescindível aos interesses particulares, coletivos e gerais, onde se tem que não se trata de mero direito individual.

Lembre-se que o direito de petição(artigo 5º, XXXIV, “a”) pode também revelar-se como direito coletivo, na medida em que pode ser usado no interesse da coletividade e geralmente o é, mais do que no interesse individual.

O direito de informar, como aspecto da liberdade de manifestação de pensamento, revela-se um direito individual, mas já contaminado no sentido coletivo, em virtude das transformações dos meios de comunicação social ou de massa, envolve a transmutação do antigo direito de imprensa e de manifestação, por esses meios, em direitos de feição coletiva.

Trata-se de zelar pela supremacia da Constituição Federal diante de excessos do Poder Executivo na sua função regulamentar.

Sem transparência, não há democracia.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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