Suicídio Assistido: Imposição da vida pelo Estado violando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

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O presente artigo visa a analisar o suicídio assistido e como a vida é imposta pelo Estado, tornando-a um dever, ignorando a autonomia de vontade e a dignidade da pessoa que sofre com doença incurável.

1 INTRODUÇÃO

O direito de viver ou de morrer tem uma linha muito tênue, necessitando de uma análise minuciosa e técnica, visto que as consequências práticas são irreversíveis. Com base no suicídio assistido que tem sido tema de muitos debates contemporâneos, pois assim como o Estado tem como uma de suas garantias a vida digna, questiona-se o porquê não há direito a uma morte digna.

É evidente quando falamos direito à morte, surge um receio, por que queremos viver, porém, com as diversas doenças e acidentes que todos estão expostos, há risco de não se ter uma vida digna, com isso entra em cena, o desejo da morte digna. 

A discussão é ampla, envolvendo várias ciências, todas buscando a solução. Diante disso, o direito debate à possibilidade da descriminalização do suicídio assistido, eis que tal conduta é taxada como crime no ordenamento jurídico brasileiro, estando expressamente no artigo 122 do Código Penal.

Vislumbra destacar que, todos os Estados têm normas que devem ser seguidas. O Brasil elenca na Constituição Federal princípios norteadores que deveram ser seguidos por todos, como a dignidade da pessoa humana e a autonomia de vontade, pressupostos utilizados para estudo do suicídio assistido.

Quando se fala em suicídio assistido, colocaremos na balança, a vida, a dignidade e autonomia de cada pessoa, fazendo para tanto, alguns questionamentos, tais como: a quantidade de vida é mais importante do que a qualidade? Há sentido em viver sem dignidade? Até que ponto o Estado poderá impor a vida? A autonomia de vontade não deve ser respeitada? Pode uma lei infraconstitucional sobrepor a Constituição Federal? Sabemos até que ponto devemos lutar pela vida? A vida é direito ou dever?

Diferentes respostas poderão ser dadas as perguntas supramencionadas, entretanto é necessária uma longa análise sobre o tema, devendo observar os posicionamentos contrários e prós ao suicídio assistido, tendo por base as inúmeras pesquisas realizadas sobre o assunto, objetivando uma consideração acertada em meios a tantos desacordos.

Enfim, para o desenvolvimento do presente trabalho, utilizou pesquisas bibliográficas em doutrinas, artigos, legislação infraconstitucional, Constituição Federal, jurisprudência e periódicos, objetivando o esclarecimento sobre o que é o suicídio assistido, os princípios que regem a liberdade e qualidade moral e a possibilidade da descriminalização do suicídio assistido, contrastando com o Código Penal e a Constituição Federal.

 

2 SUICÍDIO ASSISTIDO: CONSIDERAÇÕES GERAIS

Antes de adentrarmos ao tema, devemos saber a etimologia da palavra suicídio. Suicídio de acordo o vocabulário jurídico conciso Silva (2014, p. 558), tem o seguinte conceito suicídio “do latim suicidium, de sui (a si) e caedere (matar), é a autoeliminação, ou a morte da pessoa provocada por ela própria, voluntariamente, empregando contra si meios violentos”, ou seja, o suicídio é o ato de retirar a própria vida, por razões próprias, sem auxílio ou ajuda de terceiros. Normalmente, o suicida comum, comete o ato por razões psicológicas, financeiras, sentimento amoroso, depressão, entre outros. Não, exatamente, por uma doença terminal ou incurável.

O suicídio assistido, por sua vez, é quando uma pessoa pede auxílio para colocar fim ao seu sofrimento, ou seja, a sua vida, solicitando ajuda a uma terceira pessoa, que seria o médico; normalmente recurso buscado por pessoas com doença degenerativas, nas quais não se tem capacidade de resistência à dor e ao sofrimento (SANTOS, 2011). Então, a diferença básica, entre o suicídio e o suicídio assistido, é que no segundo, há a necessidade do auxílio de um terceiro, que no caso seria o médico. Cita Cardoso em sua obra “O Direito de Morrer” que (1986, p. 17) “o elemento essencial é a vontade de pôr termo à vida, sendo secundária a forma de fazer: - por suas próprias mãos, com auxílio solicitado a outrem (hipótese inevitável em certos casos de deficientes motores, crônicos ou acidentes)”.

Tanto o suicídio como o suicídio assistido sempre estiveram presentes na ideia da população. O suicídio assistido é buscado por quem deseja morrer com dignidade, e é ofuscado pelo senso comum, deixando tal prática imoral, consequentemente proibida.

Para que ocorra o suicídio assistido é necessário que o paciente deva preencher vários requisitos, tais como: vontade livre e consciente; manifestação escrita; doença terminal incurável.

A legislação de cada país vem alterando para legalizar o suicídio assistido. Conforme Rocha (2014) atualmente, apenas 5 (cinco) países descriminalizaram o suicídio assistido: Holanda, Luxemburgo, Suíça, Bélgica e os Estados Unidos. Nos Estados Unidos, apenas alguns estados permitem o procedimento, sendo eles, Washington, Oregon, Vermont, New México e Montana e, por último, no ano de 2015 a Califórnia também legalizou o suicídio assistido.

Na Suíça, desde 2001, o suicídio assistido foi descriminalizado. Por aceitar pacientes de outros países para a realização do procedimento, ganhou o apelido de “turismo da morte”. Atualmente existem duas associações de assistência ao suicídio: a EXIT e Dignitas. A EXIT só atende cidadãos suíços ou estrangeiros residentes permanentes na Suíça, enquanto a Digntas atende suíços e estrangeiros e cobra uma taxa do paciente no valor de até 4 (quatro) mil francos suíços, que seria o equivalente a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) (SWISSINFO.CH, 2008).

Portanto, na visão de Cardoso (1986, p.109):

O suicídio, isolado ou assistido, é um direito decorrente do direito da pessoa dispor da sua própria vida. Traduzindo apenas uma antecipação de um facto inevitável – a morte – sendo o homem, no verso de pessoa, mero cadáver adiado que procria, não tem qualquer conotação moral, embora ela lhe venha sendo imposta.

O suicídio existe desde os tempos remotos e sempre existirá, para alguns será ato liberdade e para outros é um ato de rebeldia, no caso em questão deverá ser averiguado situação por situação, pois nem sempre o auxílio ao suicídio terá o mesmo objetivo.

 

2.1 Evolução e Finalidade

A população vem aos anos passando por diversas evoluções, mas sempre buscando o direito à felicidade, como sinônimo de boa vida. Com descobertas de novas doenças sem cura, cada vez mais pessoas padecendo, causando grande sofrimento nos doentes, e em seus familiares.

Destarte, muitos procuram a tão sonhada morte digna, sem dor, sem ser cobaia de drogas e tratamentos fúteis que não causarão nenhum resultado positivo.

No mundo contemporâneo vários países, entre eles o Brasil discutem a possibilidade da descriminalização do suicídio assistido, para que pessoas com doenças terminais coloquem um ponto final em seu sofrimento.

Contudo, o suicídio assistido vem recebendo pareceres favoráveis e contrários. Ademais, longe de ter a resposta para a solução o grande passo foi dado, eis que é o debate. Portanto, é necessária uma análise ponderada sobre os dois lados, antes de adentrarmos, na possível descriminalização no Brasil.

Primeiramente, analisaremos os pensamentos contrários ao suicídio assistido, posto que em suas argumentações aleguem que não passa de um meio de ganhar dinheiro, pois a vida é um bem maior. Dessa sorte, ninguém teria o direito de dispor dela, não interessando o sofrimento em que passa, devendo usar todos os tipos de drogas para amenizarem o sofrimento.

Ainda, são mais intoleráveis ao suicídio assistido os que alegam que a vida é sagrada. Por conseguinte, apenas Deus teria o direito de tirá-la, sendo até um afronta ao dom da vida a pessoa que optasse pelo suicídio assistido, pois “a vida humana é propriedade não da pessoa que vive, que é apenas um locatário, mas de Deus, o que torna o suicídio uma espécie de roubo ou peculato” (LOCKE, apud DWORKIN, 2003, p. 275).

Aduz Saunders (2003 apud ALMEIDA, 2004) que a população mais pobre sofrerá uma pressão, achando que os médicos os influenciarão a morrer, tornando a morte um dever e não um direito.

Por outro lado, os favoráveis ao suicídio assistido estabelecem que a vida apenas seja interessante tendo o respeito à dignidade da pessoa humana. Então, ninguém é obrigado passar por sofrimento, devendo ser respeitada a autonomia de vontade do paciente em estado terminal.

Porém, o processo de suicídio assistido vai além dos comentários contra, pois deverá ter a vontade do paciente, necessitará constar a declaração por mais de um médico em relação à doença, considerada terminal e incurável, já que a santidade da vida só terá sentido se tiver respeito às pessoas.

O suicídio assistido somente será possível quando os cuidados paliativos não forem suficientes para manter uma pessoa em estado digno, já que o objetivo é eliminar a dor o sofrimento e melhorar qualidade de vida. Desta feita, não haverá sentido em obrigar uma pessoa a se manter viva. Por isso, compreende-se que o suicídio assistido terá a finalidade essencial na vida do doente, eis que trará segurança, posto que garantirá uma vida e morte digna.

Logo, imaginemos o caso de uma pessoa que teve uma vida ativa durante boa parte de sua história, dançou, estudou, trabalhou e viajou e tantas outras coisas corriqueiras que fazemos no dia-a-dia, e que de repente se vê com uma doença incurável, em estado terminal, tendo que viver no hospital, sem nenhuma condição mínima de dignidade, sendo cobaia de drogas, das quais não abstrai nenhum beneficio. Essa pessoa poderia optar pelo suicídio assistido e, consequentemente pôr fim a sua vida, terminando de maneira digna, conforme viveu durante boa parte de sua vida.

Saindo do campo hipotético, analisa-se a reportagem de Rodrigues (2011) publicada no G1, fato que aconteceu no Brasil em que o irmão de um tetraplégico o matou a pedido da vítima. Geraldo Rodrigues de Oliveira sofreu um acidente ficando tetraplégico, além de ter problemas físicos, muita dor e utilizava de sonda para suas necessidades básicas. A vítima queria morrer e começou a exigir do irmão para que o matasse, pois ele vivia em uma cama sem dignidade, porém ele não conseguia pôr fim a sua vida sem o auxílio de uma terceira pessoa, precisou que o seu irmão o matasse e, assim o fez, simulando um assalto no qual foi descoberto e preso, entretanto foi absolvido em júri popular.

No exemplo acima, configura se homicídio, porém em tese seria o caso da eutanásia, prática também ilícita, tendo o seguinte conceito “a eutanásia provocada por outrem, ou a morte realizada por misericórdia ou piedade, constitui o homicídio ou crime eutanásico, considerando como suprema caridade” (SILVA, 2012, p. 263). Entretanto, caso o nosso país autorizasse o suicídio assistido, a vítima poderia ter cometido o suicídio assistido e o seu irmão não o teria o matado e, nem carregado o fardo da culpa por ter feito isso.

“O desejo da uma morte sem sofrimento é generalizado e legítimo” (CARDOSO, 1986, p. 17) posto isso, verifica-se que o suicídio assistido cumpre a finalidade buscada por várias pessoas.

Assim, após breves observações sobre o suicídio assistido, analisaremos a imposição da vida, os princípios que norteiam nosso Estado e possível descriminalização do suicídio assistido, ponderando pela inconstitucionalidade do artigo 122 do Código Penal.

 

2.2 A imposição da vida

O direito e a população sempre lutaram pela indisponibilidade da vida, como sendo algo intocável, não cabendo a ninguém discutir quando se poderia morrer. Tempo esse passado, na atualidade, briga-se por liberdade e dignidade. Para tanto, entra em xeque a imposição da vida pelo Estado.

A vida é protegida por vários tratados internacionais, bem como a dignidade, em todos os estatutos é disposto como direito, porém, “sem a possibilidade de disposição, isto é, sem a referência à vontade de exercê-los ou não, os direitos perdem seu significado” (ZAFFARONI, 2009 apud PESSOA, 2011) por lógica se transforma em dever.

O Brasil elenca a vida como inviolável, logo, ninguém poderá dispor dela, conforme estabelece a Constituição Federal em seu art. 5º (BRASIL, 1988):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade.

Nesse sentido, a vida passa ser um dever e não um direto, não observando a vontade de cada pessoa, mas sim a imposição da vida pelo Estado. Sendo neste caso, importante a quantidade de vida e não a qualidade, ferindo, consequentemente, os princípios constitucionais.

Afinal, adiantaria viver muitos anos passando por grande sofrimento, necessitando da ajuda de terceiro para realizar coisas básicas? A resposta certamente é não, a vida só é interessante se tiver qualidade mínima, qualidade esta garantida pela Lei Maior.

Em sentido contrário do que vem acontecendo no Brasil o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (2013) julgou em favor do Apelado para que ele não seja submetido ao tratamento de saúde, sem a sua vontade, mesmo que isso lhe custe a vida, observando a sua autonomia:

APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para “aliviar o sofrimento”; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina.5. Apelação desprovida. Apelação Cível Nº 70054988266; Primeira Câmara Cível Comarca de Viamão; Apelante: Ministério Público; Apelado: João Carlos Ferreira.

Posto isso, observa-se que a Constituição não impõe a vida, porém ela vem sendo imposta por lei infraconstitucional quando não autoriza o suicídio assistido ao paciente que está sofrendo, a beira da morte.

Ainda, em análise ao voto do Relator do julgado supracitado, observa-se que, um fato é decorrente do outro. Desse modo não faz sentido manter uma pessoa viva, obrigando-a passar por tratamento sem sua vontade, caso contrário, o Estado estaria forçando alguém a viver, e viver não é dever, até porque o único que sairia “prejudicado” na visão dos demais seria o paciente. Pelo expectro de, quem sofre, a morte não passa de um alívio.

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Diniz (2009, apud PESSOA, 2011) elenca que “o direito ao respeito da vida não é um direito à vida. Esta não é uma concessão jurídico-estatal, nem tampouco um direito de uma pessoa sobre si mesma”. Destaca-se que a vida não é direito, que a liberdade é utopia, que a vida é sim imposta pelo Estado, estando a população refém da discricionariedade.

Santos (2011) exemplifica em sua obra o relato de Diane Pretty, uma pessoa com doença degenerativa, na qual solicitava diariamente o direito de morrer, direito também imposto na Inglaterra, senão vejamos:

Diane Pretty viveu e sofreu com a sua incapacidade durante três anos. Morre aos 43 anos com a doença do neurónio motor. Esta doença neuro-degenerativa incurável paralisou Diane do pescoço até aos pés, mantendo-a numa cadeira de rodas, completamente incapaz. Diane era alimentada por um tubo e não conseguia falar, apesar das suas faculdades intelectuais não se encontrarem afectadas. Comunicava com a ajuda de um pequeno computador portátil e, nas poucas palavras que conseguia escrever, reiterava o seu desesperado desejo de morrer: ‘Basta! Eu, não quero agonizar até à morte. Não quero morrer sufocada.

Pode-se encontrar na internet diversos casos e depoimentos de pessoas que sofrem com doença terminal e incurável, todas tem a mesma preocupação que é a imposição da vida pelo Estado, vendo-se obrigado a viver sem a dignidade e tendo a sua autonomia removida.

A imposição da vida retira do indivíduo a sua autonomia, sendo o Estado o único detentor das escolhas principais de cada cidadão, já que a pessoa não escolherá a sua hora de morrer, tendo subtraído o seu direito de morrer dignamente. Eis que há vários conceitos no que tange a morrer com dignidade, pois dependerá dos valores de cada pessoa.

 

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O Estado brasileiro é regido pela Constituição da República de 1988, sendo que possui pilares que deverão ser seguidos por toda lei brasileira, bem como por toda população, assim toda lei que contrariar tais princípios disposto na Carta Magna será inconstitucional.

Os princípios, fundamentos e objetivos elencados na Lei Maior, em nenhum momento poderão ser violados, pois em um Estado Democrático de Direito, o mais importante é a liberdade de escolha, ou seja, a autonomia individual, além de uma vida decente, ambos garantidos para a população.

Eis que toda população almeja a tão sonhada felicidade, supostamente garantida pelo Estado, evitando assim, aos cidadãos dor e sofrimento. Neste contexto, vale citar a obra Justiça de Michael Sandel (2015, p. 41-42), que elenca a importância da felicidade: 

Todos gostamos do prazer e não gostamos da dor. A filosofia utilitarista reconhece esse fato e faz dele a base da vida moral e política. Maximizar a “utilidade” é um princípio não apenas para o cidadão comum, mas também para os legisladores. Ao determinar as leis ou diretrizes a serem seguidas, um governo deve fazer o possível para maximizar a felicidade da comunidade em geral […]. O argumento de Bentham para o princípio de que devemos maximizar a utilidade assume a forma de uma audaciosa afirmação: não existe a menor possibilidade de rejeitá-lo. Todo argumento moral, diz ele, deve implicitamente inspirar-se na ideia de maximizar a felicidade. As pessoas podem dizer que acreditam em alguns deveres ou direitos absolutos e categóricos. Mas não teriam base para defender esses deveres ou direitos a menos que acreditassem que respeitá-los poderia maximizar a felicidade humana, pelo menos em longo prazo.                                            

É verídico que princípios constitucionais definem as regras, direcionando o Estado e os indivíduos aos valores ligados ao sistema jurídico, levando em conta o bem comum e a organização estatal, ou seja, os princípios direcionam as regras do país, devendo, portanto serem respeitados, limitando a vontade do permitido e do proibido. Logo, é uma garantia e vitória do povo, já que assegurara que não haverá violação ou retrocesso de direitos já adquiridos, portanto, direito fundamental.

Segundo entendimento de Moraes (1997 apud GALINDO, 2006, p. 46) em relação ao direito fundamental:

conjunto institucionaliza de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Princípios são valores consagrados pela sociedade, com a finalidade de garantir superioridade da lei, que deve ser observada como segurança jurídica e equilíbrio. Sendo assim, por lógica e, em respeito ao princípio da vedação do retrocesso em nenhuma hipótese os princípios poderão ser violados.

Posto isso, analisaremos o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da autonomia de vontade, princípios esses, utilizados como fundamento para a descriminalização do suicídio assistido no direito brasileiro.

 

3.1 Dignidade da pessoa humana

A dignidade é uns dos princípios mais importantes que se tem no direito brasileiro, configurando-se como base da qualidade e do respeito, é originado:

[...] do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida. Compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa, pelo qual se faz merecedor do conceito publico (SILVA, 2012, p. 213).

Cabe destacar que a dignidade da pessoa humana está elencada no inciso III, do art. 1º da Magna Carta como fundamento do Estado Democrático de direito, sendo, portanto, exigido o respeito por todos. Sobre isso destaca Moraes (2014, p. 18) em sua obra Direito Constitucional, que:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merece todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade.

Atualmente, discute-se com frequência a vida digna e por que não discutir o direito de ter uma morte digna:

A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo, e o modo como pensamos e falamos sobre a morte – a ênfase que colocamos no “morrer com dignidade” – mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido. (DWORKIN, 2013, p. 280).

A dignidade é um direito fundamental que em nenhuma hipótese poderá ser violada. Então, questiona-se o porquê não há direito à morte digna. Se uma pessoa vive sofrendo, sem sua própria vontade, não existe dignidade, ou seja, direito fundamental violado. Destarte, o modo coerente é autorização para morrer, autorização essa inexistente no Brasil.

Se o Estado garante o direito à vida, por consequência deverá também garantir a direito à morte, direito que surgiu em 1973, durante a Declaração dos Direitos do Enfermo, elaborada pela Associação Americana de Hospitais. Cumpre salientar que este direito não é e nunca será uma outorga para matar, mas uma súplica à morte digna; então o direito de morrer com dignidade é faculdade de um indivíduo livre que busca pôr fim vida (PESSOA, 2011).

Dessa forma, ao elencar o princípio da dignidade da pessoa humana com fundamento do Estado Democrático, garantindo a vida digna e, aplicando o disposto no § 2º, art. 5º Constituição Federal (BRASIL, 1998), que: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotado [...]”, certificará por lógica a morte digna, sendo ela um ato da vida.

De acordo com Pontifícia Academia da Vida, da V Assembleia Geral, 24-27 de fevereiro de 1999 elenca que:

A vida humana é sagrada e inviolável em todas as suas fases e situações. Nunca um ser humana perde a sua dignidade em qualquer circunstância física, psíquica ou relacional em que se encontre. [...]. Quando o médico tem consciência de que já não é possível impedir a morte do paciente e que o único resultado do tratamento terapêutico intensivo seria juntar ao sofrimento mais sofrimento. (PESSINI, 2011, p. 411).

Assim, a dignidade está em todas as esferas da vida, até no momento final, ou seja, até a morte, devendo ser respeitado o direito de morrer com dignidade.

 

3.2 Autonomia de vontade

A autonomia é uns dos princípios mais utilizados e mais requisitados por todos. Fundamenta-se na liberdade de escolher o que é melhor para si. Conforme Silva (2012, p. 83) autonomia é “derivada do grego autonomia (direito de se reger por suas próprias leis), que se aplica para indicar precisamente a faculdade que possui determinada pessoa ou instituição, em traçar as normas de sua conduta, sem que sinta imposições restritivas de ordem estranha”.

A autonomia de vontade permite aos cidadãos viver a sua maneira, fazendo o que lhes convém, respeitando sempre a privacidade e a liberdade de outrem, direito garantido pelo Estado, assim “é crucial, para o direito das pessoas, que elas possam tomar, por si próprias, decisões fundamentais que lhes permitam pôr fim a suas vidas quando quiserem fazê-lo, aos menos nos casos em que sua decisão não for claramente irracional”. (DWORKIN, 2013, p. 268).

Cada pessoa sabe o que é melhor para si; sendo o único juiz da sua razoabilidade e prudência. Porém, a legislação acaba tirando da população a sua escolha e transferindo tais poderes ao Estado.

No mesmo sentido elucida Kravetz e Castro (2015) que:

Um homem dotado de autonomia, especialmente na sociedade moderna, deve ser um indivíduo verdadeiramente livre para exercer suas próprias escolhas. Neste viés, não sofre interferência do Estado para dizer-lhe como viver e como e quando morrer. [...]. Neste contexto é que se questiona: Por qual razão o Estado, que garante aos seus cidadãos o direito à autonomia da vontade, resiste em torná-la plena quando a questão envolve a decisão sobre como viver e como e quando morrer?

O princípio da autonomia é decorrente da dignidade e de toda natureza racional, logo é incondicionado ao respeito (KANT, apud SILVA, 1998). A autonomia é capacidade de escolha da pessoa, exercendo sua vontade livre e consciente a respeito do seu futuro e de sua morte, não cabendo a ninguém decidir seu futuro muito menos ao Estado.

As pessoas devem ter seus direitos respeitados. Para tanto, a lei não pode colocar barreiras quando a pessoa decide como pôr fim a sua vida, pois a decisão não afetará ninguém mais, uma vez que a autonomia é a liberdade de fazer o que agrada a si mesmo, desde que não prejudique terceiro (PESSINI, 2004). Em relação ao suicídio assistido não trará nem um mal a ninguém, já que serão escolhas individuais, apenas o libertará da dor e do sofrimento.

Do mesmo modo que uma pessoa não é obrigada a ser submetida ao tratamento médico, caso tenha risco de vida, conforme estabelece o artigo 15 do Código Civil. Uma pessoa também não poderia a continuar um tratamento, que apenas prolongaria o sofrimento. Por conseguinte, a pessoa que escolhe não passar por tratamento caso tenha risco de vida e a pessoa que procura acabar com esse sofrimento por meio do suicídio assistido, ambas têm em comum, os mesmos direitos e deveres. Porém, verifica-se que, no primeiro caso, existe a possibilidade de escolha e já no segundo sua autonomia foi retirada.

Nesse sentido, atendendo a autonomia de quem sofre, o médico pode interromper o tratamento, conforme verifica no art. 1º da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.805 (BRASIL, 2006), que dispõe: “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.”

Para que ocorra a autonomia é necessário que leve em conta: a capacidade; se a pessoa possui discernimento para escolher o que deseja; se não existe qualquer tipo de coerção; a vontade deve ser livre de qualquer indução e; por fim se há possibilidade de escolha. Possibilidade real, ou seja, a pessoa que sofre com doença terminal e incurável deve manifestar a sua vontade de realizar o procedimento do suicídio assistido, ainda quando tem discernimento. Deve ainda, demonstrar se sabe o que é certo e o que errado. Além disso, a vontade deve surgir do próprio doente, não podendo ser influenciado por terceiros ou parentes. Portanto, quando se fala possibilidade de escolhas o doente deve ter a liberdade em continuar o tratamento, mesmo sabendo que não terá nenhum efeito positivo, ou simplesmente optar pelo suicídio assistido, caso acredite que esse assegurará a dignidade em sua vida.

 

4 ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL – CRIME DE INDUÇÃO, INSTIGAÇÃO E AUXÍLIO AO SUICÍDIO

O artigo 122 do Código Penal (BRASIL, 1940) elenca como crime o auxílio ao suicídio, disposto no título I, dos crimes contra a pessoa, capítulo I, dos crimes a vida, reza que:                            

Art. 122: Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma, ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único. A pena é duplicada:

Aumento de pena

I – se o crime é praticado por motivo egoístico;

II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Ademais, compreende-se que a tipificação supracitada deve sim existir na esfera jurídica, para que assim não se tenha indução, instigação ou auxílio ao suicídio em massa. Entra em questão apenas no caso de pessoa com doença degenerativa, incurável e em estado terminal, bem como no caso de pessoas que tenham sofrido acidentes e que tenham sua autonomia retirada.

A vítima não poderá sofrer punição com a tentativa do suicídio, independente do motivo. Nesse sentido, vale lembrar o posicionamento da doutrina, em relação a tal assunto:

No Brasil, a conduta suicida não é criminosa. Nem poderia sê-la, pois, como corolário do princípio da alteridade, o Direito Penal só está autorizado a punir os comportamentos que transcendem a figura do seu autor. Não são puníveis as condutas que lesionam ou expõem a perigo bens jurídicos pertencentes exclusivamente a quem praticou. Ainda que assim o Estado não poderia punir o suicida, pois com sua morte estaria extinta sua punibilidade, nos termos do art. 107, inciso I, do Código Penal (MASSON, 2016, p. 70-71).

Aduz o Código Penal em seu artigo 122 que o auxílio ao suicídio é crime, independente da finalidade em que é praticado. Assim, em nenhuma hipótese o médico poderia auxiliar seu paciente terminal a cometer o suicídio assistido, caso contrário estaria cometendo crime disposto em tal dispositivo, que tem pena de reclusão pelo ordenamento brasileiro.

Compreende-se que o art. 122 do CP impõe a vida diretamente, ou subsidiariamente a inviolabilidade disposta no art. 5º, CF, não possibilitando ao paciente em estado terminal, utilizar do auxílio de um médico, a fim de ceifar o sofrimento. Neste momento o direito desaparece e surge o dever de viver, dever imposto por lei infraconstitucional.

O dispositivo tem seguinte núcleo do tipo, induzir: é quando planta a ideia do suicídio na mente da pessoa. Por exemplo, uma pessoa nem pensava de cometer tal conduta, mas é induzida por outrem, dizendo que o suicídio é único caminho para a solução dos problemas; e o núcleo instigar: é quando a pessoa já está pensando cometer o suicídio, e o terceiro instiga dizendo que ela está certa em se matar que, se fosse ele também o cometeria.

Mesmo que a pessoa que deseja suicidar-se autorize e tenha solicitado auxílio expressamente, quem o auxiliar responderá pelo ato criminoso. Então a autorização da vítima é irrelevante, pois a vida é indisponível, já o núcleo auxiliar que é objeto do estudo em questão é uma participação material, ou seja, disponibilizar meios para que tal prática ocorra, devendo ser uma prática secundária, se a pessoa realizar a conduta será homicídio. 

O artigo em questão não admite a participação genérica, ou seja, qualquer verbo do dispositivo deve ser determinado a pessoa certa.

Em relação à pena, se crime se consuma é de elevado potencial ofensivo, e a segunda parte, se causar lesão corporal de natureza grave a pena será de médio potencial ofensivo.

A pena será duplicada se o motivo for egoístico, compreende como egoístico aquele que causa o suicídio de outro com o objetivo de querer a sua vaga no emprego ou ficar com a esposa dele. Se a vítima tiver idade entre 14 (quatorze) e 18 (dezoito) anos haverá a duplicação na pena, porém, se menor de 14 (quatorze) anos será homicídio;  eis envolve pessoa sem discernimento sobre tal ato. Por fim, se tem capacidade resistência diminuída, essa capacidade pode ser provocada por enfermidade física ou mental, além de pessoas que esteja embriagada e por efeitos de álcool (MASSON, 2016).

Após análise do artigo 122 do Código Penal, observa-se que o auxílio ao suicídio é crime, e caso a pessoa tenha uma doença incurável em estado terminal e solicite o auxílio com intenção e pôr fim a sua vida e alguém o auxiliar, esse cometerá o crime. Esse poderá ter sua pena aumentada, pois a vítima em tese tem a capacidade de resistência diminuída, tornando impossível ainda mais a prática do ato, podendo a pena máxima chegar a 12 (doze) anos de reclusão e a mínima em 4 (quatro) anos.

Diante de tanto sofrimento em que passa um paciente no final da vida, tendo por único desejo a morte digna, vem à lei infraconstitucional (Código Penal) elencando como crime a conduta de auxiliar a acabar com sofrimento de outrem, não bastasse ainda, aumenta a pena, não fazendo mera distinção no tipo auxiliar, aplicado assim o judiciário a pena para o médico que ouve a súplica de seu paciente, e sabendo que quadro de doença é irreversível, e que o tratamento trará mais e mais sofrimento.

 

4.1 Privilégio no suicídio assistido

É evidente que algo precisa de mudança urgente, ninguém poderá obrigar alguém a viver sem dignidade, a opção seria o suicídio assistido. Entretanto, constatou-se que é ilícita tal prática. Portanto, deveria ser criado um parágrafo no artigo 122 do CP, com objetivo de não haver punição ao médico que optasse a realizar o auxílio ao suicídio desde que a pedido do paciente.

Ao fazer isso, estaria garantindo a autonomia das pessoas, bem como uma morte digna, não obrigando ninguém a passar por tratamento degradante. Dessa forma, a Constituição Federal não seria violada, já que indiretamente ela dispõe do direito de morrer, quando expressamente elenca o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático, princípio que deverá ser seguido por todos.

Vale salientar que, atualmente está em trâmite no o projeto de Lei do Senado nº. 236, de 2012, que quando aprovado será o Novo Código Penal, em substituição ao de 1940.

Em relação ao direito de morrer, encontra-se no projeto o artigo 122 e 123 que dispõe sobre a eutanásia e o suicídio, respectivamente:

Eutanásia

Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:

Pena – prisão, de dois a quatro anos.

§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

Exclusão de ilicitude

§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (BRASIL, 2012).

  Haverá possibilidade de não ter punição de acordo com cada caso, quando se matar por piedade e compaixão, paciente em estado terminal, desde que preenchido certos requisitos. Ainda, o projeto dispõe sobre o suicídio, estabelece que:

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

Art. 123. Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao suicídio:

Pena – prisão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma, e de um a quatro anos, se da tentativa resulta lesão corporal grave, em qualquer grau.

§ 1º Não se pune a tentativa sem que da ação resulte ao menos lesão corporal grave.

§ 2º Aplicam-se ao auxílio a suicídio o disposto nos §§1º e 2º do artigo anterior.

Aumento de pena

§ 3º A pena é aumentada de um terço até a metade se o crime é cometido por motivo egoístico. (BRASIL, 2012).

Então no caso de doença terminal e incurável, a pessoa poderá beneficiar do suicídio assistido, sem que incorra punição ao médico. Em fim respeitando a autonomia individual do paciente que opta em ter uma morte digna, sem continuar uma luta, em que a medicina não consiga vencer.

Compulsando o projeto do Novo Código Penal, observa-se que, há probabilidade da mudança que esperamos aconteça, assim o juiz ao se deparar com o caso de suicídio futuramente, poderá deixar de aplicar a pena; além de possível exclusão de ilicitude, aplicando o disposto no §§ 2º e 3º do art. 122, supramencionado.

Todavia, o projeto ainda está em trâmite, por conseguinte poderá demorar. Enquanto isso muitas pessoas se veem obrigadas a viver sem nenhuma dignidade. Sendo assim, a demora a essas pessoas é desumana, apenas piora a situação, tornando a vida um dever, fugindo da morte digna garantida pelo Estado brasileiro.

Diante do exposto, essas pessoas não poderão aguardar o rumo do projeto, uma vez que pode levar anos, ou até ser modificada a parte que tange a evolução. Neste diapasão, é necessária uma resposta imediata, em razão do dano irreversível, logo, se faz necessária uma transformação na legislação a fim de respeitar a Lei Maior.

 

4.2 Descriminalização do auxílio ao suicídio assistido

Primeiramente, cabe destacar que o Código Penal é de 1940, desta sorte, tal instituto foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Ao fazer a recepção de uma norma deve se adequar a nova Constituição, já que a nova constituição não tem nenhum vínculo com as leis anterior a ela, visto isso, compreende que não aconteceu totalmente ao Código Penal, já que o artigo 122 do CP viola o princípio da dignidade da pessoa humana e autonomia de vontade, disposto ambos na Constituição Federal, quando criminaliza o auxílio ao suicídio no caso de pessoa com doença terminal e incurável.

Aduz Moraes (2014, p. 662), que para norma anterior continuar válida deve ser compatível com a Lei Maior, em sua obra dispõe:

[...] consiste no acolhimento que uma nova constituição posta em vigor dá às leis e atos normativos editados sob a égide da Carta anterior desde que compatíveis consigo. O fenômeno da recepção, além de receber materialmente as leis e atos normativos compatíveis com a nova Carta, também garante a sua adequação à nova sistemática legal.

Após análise da recepção, verifica-se que o disposto no artigo 122 do Código Penal é inconstitucional, ferindo o disposto no artigo 1º, III da Constituição Federal, além de ferir o princípio da autonomia de vontade. Conforme supramencionado em relação aos princípios constitucionais, o modo coerente é a descriminalização do suicídio assistido, posto que, a felicidade a liberdade todos devem respeitar. Já que “todos os dias, no mundo todo, pessoas racionais pedem que seja permitido morrer. Às vezes, pedem que outras as matem. Algumas delas já estão morrendo, muitas em meio a grande sofrimento.” (DWORKIN, 2003, p. 251).

Deve-se analisar que o artigo 122 do Código Penal ataca os princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia de vontade, portanto inconstitucional no que se refere ao auxílio ao suicídio, devendo desde logo ser declarada a sua inconstitucionalidade, ou seja, não que se falar em crime, assim no caso do médico que auxiliar seu paciente que preencheu os requisitos a suicidar não incorrerá em pena, por ser um fato atípico.

 

5 CONCLUSÃO

Destaca-se que todos buscam viver dignamente e lutamos para isso. A medicina implacavelmente duela contra o tempo a fim de ter a cura para as diversas doenças, surgindo por meio da tecnologia aparelhos capazes de manter uma pessoa viva por anos, mesmo quando não há cura para a doença. Uma coisa é certa, a morte, e dela ninguém poderá fugir, então por que brigarmos contra a ordem natural das coisas, e obrigarmos alguém a sofrer, sendo que existe a possibilidade de tal sofrimento ser interrompido. Sabe-se que ninguém ficará neste mundo para sempre, logo, beneficiando do suicídio assistido, garante-se às pessoas a sua saída de cena da vida com dignidade.

Observa que o Código Penal ao criminalizar o suicídio assistido nos casos de pessoas com doença degenerativa, incurável e em fase terminal, obriga o indivíduo a viver sem dignidade e retira a sua autonomia de traçar seu próprio destino, transferindo os poderes de escolha ao Estado. A possível saída para grande parte dos problemas é a descriminalização do suicídio assistido, para assim a vida ser um direito como dispõe a Constituição Federal e não um dever como vem sendo tratada e imposta, porque não há sentido em viver sem dignidade, sendo importante a qualidade e não a quantidade.

A morte digna é assegurada pelo Estado por decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, porém até o presente momento não está sendo respeitado esse direito fundamental, eis que o Código Penal anterior a Carta Magna, criminaliza o fato de um médico fazer a vontade de seu paciente, vontade essa que surge em consequência do princípio da autonomia de vontade, que, em tese também é assegurado pela a Lei Maior.

Ademais, é possível enxergar uma luz ao final do túnel, quando constata o projeto de Lei do Senado nº. 236, de 2012, que substituirá o atual Código Penal, que traz em seu texto a possibilidade de perdão e exclusão de ilicitude, quando preencher os requisitos determinados na lei. Entretanto, é necessária uma resposta rápida, para que as pessoas tenham a dignidade e autonomia garantida por lei.

Mas, longe ainda de responder a todas as indagações que surgem com o estudo do tema, um passo foi dado, ao discutir o suicídio assistido no âmbito do direito e da bioética. Discussões como essa abrirão novos caminhos para tão sonhada evolução, já que o direito acompanha a sociedade. Todos concordam que a vida é o bem mais importante, devendo observar o sofrimento de um paciente que está em estado terminal, pois na balança da vida, o suicídio assistido é apenas um meio de eliminar a dor de uma pessoa.

 

REFERÊNCIAS

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_____. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, p. 1, 11 jan. 2002.

______. Projeto de Lei do Senado nº. 236 de 27 de junho de 2012. Altera o Código Penal. Brasília, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/anteprojeto-codigo-penal.pdf>. Acesso em 08 ago. 2017.

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Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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