1. ORIGEM DO INSTITUTO E SEU HISTÓRICO
A nomeação à autoria, de origem romana, é objeto de menção no Código de Processo Civil de 1939 e ainda no Código de Processo Civil de Portugal (artigo 320); no ZPO da Alemanha (§ 76) e na Ordenança da Áustria (§ 22), sob o império do Código de Processo Civil de 1973. Tratava-se, acima de tudo, de um instituto voltado à proteção do verdadeiro proprietário ou possuidor da coisa, quando sobre ela fosse demandado o detentor (artigo 62 do CPC de 1973).
A nomeação à autoria é ainda conhecida como laudatio auctoris ou nominatio auctoris.
Historicamente, a nomeação à autoria (laudatio auctoris ou nominatio auctoris) era vista como o instituto processual pelo qual se convoca, coativamente, o sujeito oculto das relações de dependência, corrigindo-se o polo passivo da relação jurídica processual.
Segundo Luiz Fux (A nomeação à autoria, 2008), a fundamentação do instituto da nomeação à autoria, ou laudatio auctoris, sempre foi a conceituada acima. Em Roma, a nominatio actoris surgiu em razão da oponibilidade erga omnes do direito do proprietário de reivindicar o imóvel de quem, de fato, impedia o exercício do domínio. Por força de seu direito real, ele poderia ajuizar ação contra quem obstasse ao seu ius domini, sem necessidade de questionar se o injusto apossamento tinha, como autor, o detentor ou o possuidor. Após a propositura da ação e a citação do detentor, cabia a este, e não ao reivindicante, trazer ao processo o verdadeiro possuidor. O servidor da posse convocava o verdadeiro titular ao processo, objetivando, assim, que a decisão solicitada ao Judiciário não recaísse sobre a pessoa errada.
Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, volume I, 2007, pág. 47) considera a nomeação à autoria como o incidente em que o mero detentor, quando instado, aponta aquele que é o proprietário ou possuidor da coisa litigiosa, objetivando transferir-lhe a posição de réu, conforme o artigo 62 do CPC. A medida é cabível, também, nas ações de indenização, quando o réu, autor do dano, “alegar que praticou o ato por ordem, ou em cumprimento de instruções de terceiro”, conforme disposto no artigo 63 do CPC.
O réu, detentor, esclarecia o verdadeiro motivo da ocupação e indicava a pessoa contra quem a causa deveria ter sido dirigida, a fim de que esta passasse a figurar como ré. O locatário ou o feitor, quando demandados em ação reivindicatória (na qual se discute a titularidade da coisa), indicariam o locador ou o patrão.
A extromissão é uma das modalidades de intervenção de terceiros e se caracteriza pela substituição de réus na lide.
O Código de Processo Civil de 1939 mencionava apenas a figura do possuidor como legitimado para realizar a nomeação à autoria, sem referência expressa ao detentor.
Era, pois, necessário precisar a natureza da ocupação.
Há nítida diferença entre posse e detenção.
A posse é o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
A detenção é a situação em que alguém conserva a posse em nome de outrem, cumprindo suas ordens e instruções.
Há correspondência entre os artigos 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 68 do CPC de 1973 e o artigo 338 do CPC de 2015. Essa é a lição de Cassio Scarpinella Bueno (Novo Código de Processo Civil Anotado, 2015, p. 255).
Com o Código de Processo Civil de 2015, a nomeação à autoria deixou de ser considerada uma espécie de intervenção de terceiros.
A nomeação à autoria está prevista nos artigos 338 e 339 do novo CPC, no contexto das hipóteses de correção da ilegitimidade passiva. A nova regra substitui a disciplina da nomeação à autoria do CPC de 1973, que condicionava a correção do polo passivo à concordância do nomeado — exigência considerada injustificável em se tratando de processo estatal.
Veja-se, a começar, o artigo 338, que tem origem no anteprojeto.
Dispõe o artigo 338 do CPC de 2015 que “alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em quinze dias (prazo peremptório), a alteração da petição inicial para a substituição do réu”. É razoável que, realizada a substituição, o autor deva reembolsar as despesas e pagar os honorários ao procurador do réu excluído, os quais serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do artigo 85, § 8º.
Por sua vez, determina o artigo 339 do novo CPC:
Art. 339. Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação.
§ 1º. O autor, ao aceitar a indicação, procederá, no prazo de 15 (quinze) dias, à alteração da petição inicial para a substituição do réu, observando-se, ainda, o parágrafo único do art. 338.
§ 2º. No prazo de 15 (quinze) dias, o autor pode optar por alterar a petição inicial para incluir, como litisconsorte passivo, o sujeito indicado pelo réu.
Observe-se que, pela nova disciplina processual, o autor pode, ou não, requerer a emenda da inicial a partir da arguição do réu (§ 1º). Ele pode requerer que o terceiro indicado torne-se réu, formando um litisconsórcio passivo ao lado do réu originário. Aqui, forma-se um dever para o réu, de boa-fé — algo que induz à perpetuidade em toda a lide, pois se supõe a seriedade na alegação por ele feita.
A matéria exige análise do instituto com relação ao direito intertemporal, quanto aos chamados atos processuais, às provas e ao ônus da prova.
Os atos constitutivos do processo subordinam-se à incidência imediata das novas leis, resguardados os efeitos dos atos anteriormente praticados de maneira válida.
No que concerne à maneira de produção das provas em juízo, incide, de forma imediata, a lei nova, pois trata-se de matéria processual. O ônus da prova rege-se pela lei vigente ao tempo em que se realizou o ato jurídico. Aqui, aplica-se a dicotomia: existência do direito e aquisição do direito.
2. A EXTROMISSÃO DA PARTE E A PRESCRIÇÃO
Nos casos de extromissão de parte — isto é, quando a parte inicialmente indicada como ré para responder ao processo é substituída pela parte efetivamente legítima —, o prazo de prescrição retorna à data de propositura da ação, não ocorrendo prescrição em virtude da substituição no polo passivo da demanda.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um particular que foi incluído no polo passivo de ação de reparação de danos, após a demandante reconhecer que o primeiro citado — uma instituição financeira — não era parte legítima para figurar na demanda.
No caso analisado, objeto de informação no site do STJ, em 6 de novembro de 2018, a recorrida ingressou com ação de reparação de danos após a morte de seu cônjuge, em um acidente que envolveu veículo que estava em nome da instituição financeira. Posteriormente, o banco sustentou sua ilegitimidade passiva, alegando que o veículo não era de sua propriedade, mas apenas objeto de contrato de leasing, com opção de compra já exercida à época dos fatos. A recorrida concordou com a denunciação da lide ao particular.
Segundo o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, apesar do nome “denunciação da lide” utilizado nos autos, houve, na verdade, a nomeação à autoria — exclusão da relação processual do réu aparentemente legítimo e inclusão do réu efetivamente legítimo —, em procedimento denominado extromissão da parte.
O ministro destacou que o equívoco do autor não configura ato condenável, porque o réu indicado no início era, aparentemente, o legitimado para responder à ação, e, “em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, é ele quem tem o dever de informar o verdadeiro legitimado”.
“É sob a perspectiva desse instituto que o presente recurso deve ser apreciado, visto que a natureza jurídica do instituto não é definida pelo nome a ele atribuído, mas pela situação fático-jurídica evidenciada nas razões da petição”, disse o ministro Bellizze.
O caso foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.705.703.
Nessa modalidade de intervenção, não se pretende nenhuma ampliação da demanda originária, mas a convocação do sujeito oculto da relação jurídica objeto da demanda. É nesse sentido que Barbosa Moreira ensinava que
"a lei facilita as coisas para o autor que se enganou: permite que o processo, instaurado em face de pessoa diversa daquela a quem deveria ter endereçado o pedido, continue, seja aproveitado, mediante esse expediente, que consiste na indicação do verdadeiro legitimado passivo, por aquele que foi demandado por equívoco"
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Estudos sobre o novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1974, p. 81).
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO NÃO SE JUSTIFICA EM RAZÃO DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA NO JUÍZO. ART. 267, VI, CPC. AÇÃO ROTULADA COMO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE NATUREZA CONSTITUTIVA. IRRELEVÂNCIA DO NOMEN IURIS. FORMAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. ESCOLHA DO RÉU. FACULDADE DO AUTOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RATIONE PERSONAE. FIXAÇÃO NO TEXTO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO. I - A incompetência absoluta não é causa de extinção do feito sem julgamento do mérito, posto que não elencada como tal no art. 267, CPC, não podendo considerar-se, outrossim, que esteja subsumida na previsão do inciso VI desse artigo. II - A natureza da ação é determinada pelo conteúdo do pedido formulado, sendo irrelevante o nomen iuris que lhe tenha atribuído o autor, principalmente em face dos princípios da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia, não cabendo ao juiz, portanto, encerrar o feito sem o julgamento do mérito sob o fundamento de que, rotulada a ação como declaratória, não teria o autor o necessário interesse processual, em razão do pedido de natureza constitutiva agregado na inicial. III - Ao autor assiste a faculdade de eleger contra quem pretende demandar, assumindo os riscos inerentes a essa opção (podendo resultar de eventual equívoco a perda da demanda), havendo a pretensão que ser examinada tal como formulada. IV - A competência da Justiça Federal tem natureza constitucional, não comportando ampliação ou restrição por outro meio que a emenda constitucional, não surgindo nas causas em que não haja ente federal ocupando a posição de autor, réu, assistente ou opoente, não bastando a simples declaração de interesse.
(REsp n. 100.766/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 16/8/1999, p. 72) [sem destaques no original]
CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REPARATÓRIA COM BASE NA GARANTIA DA EVICÇÃO. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. DEVER DE INDENIZAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.Independentemente do seu nomen iuris, a natureza da pretensão deduzida em ação baseada na garantia da evicção é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual se submete ao prazo prescricional de três anos, previsto no art. 206, § 3º, V, do CC/02. 5. Reconhecida a evicção, exsurge, nos termos dos arts. 447. e seguintes do CC/02, o dever de indenizar, ainda que o adquirente não tenha exercido a posse do bem, já que teve frustrada pelo alienante sua legítima expectativa de obter a transmissão plena do direito. 6. Alterar o decidido no acórdão impugnado, no que se refere ao valor fixado para honorários advocatícios, exige o reexame de fatos e provas, vedado em recurso especial pela Súmula 7 do STJ. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp n. 1.577.229/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 14/11/2016).